Não escrita por Yokichan


Capítulo 9
Ciúmes e defeitos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662096/chapter/9

Quando era apenas uma garotinha do primário que batia nos meninos — porque eles eram tão irritantes zombando o tempo todo de seu cabelo cor-de-rosa — e que odiava aquela tal de Ino que vivia lhe chamando de testuda — elas não haviam sido sempre melhores amigas —, Sakura via as outras mães da vizinhança acenando da porta e desejando uma boa aula aos filhos que saíam correndo para a calçada e achava estranho que, ao invés disso, sua mãe apenas pedisse:

— Não vá bater em ninguém.

Mas ao colocar os pés na escola naquela manhã, tudo o que Sakura mais quis foi bater naquela maldita garota até transformá-la num monte de geléia ou coisa do tipo. Porque, um, ela estava perto demais de Itachi enquanto conversavam num dos corredores. Dois, porque ela estava sorrindo para ele. E, três, porque, pelos diabos, eles pareciam combinar tanto com todos aqueles piercings e tatuagens e aquele ar de quem já andou aprontando além da conta por aí.

Sakura sentiu o sangue ferver dentro das veias. O mundo era apenas aquela grande mancha vermelha e o ódio mordia-lhe por dentro como um animal faminto. Ela apertou os punhos até sentir as unhas afundando nas palmas das mãos e pensou que se Itachi sorrisse de volta para a garota, se ele se aproximasse só um pouco mais... Oh, quem poderia adivinhar o que ela seria capaz de fazer? A garota tinha cabelo azul e Sakura só queria arrancá-lo com as próprias mãos.

Ela queria muito.

Então Itachi a viu parada ali, os olhos cheios de ódio e uma sombra pesada — ele pensou na palavra demoníaca — pairando ao seu redor, e ergueu uma sobrancelha curiosa enquanto se perguntava por que ela parecia tão a fim de matar alguém. E pensou que se aquilo era o que chamavam de TPM, ele estava fodido.

__________________________________________________________________________

Plantada em sua cadeira enquanto Kakashi sensei monologava sobre números e equações que ela nunca iria entender, Sakura se deixava afundar naquele mundo de perguntas sem respostas que quase a enlouquecia. Era como cair naquele maldito buraco escuro da história de Alice*. Seus olhos estavam bem abertos e pregados no quadro negro, mas tudo o que ela via eram os rostos de Itachi e da garota de cabelo azul. E aquilo a fazia sentir um frio estranho na barriga.

Então começou a garimpar na memória o pouco que sabia sobre Konan — sim, achava que o nome dela devia ser Konan ou coisa parecida. Cabelo azul, piercings, garota mais velha... O que mais? Diziam que ela havia sido namorada daquele cara esquisito e meio perturbado das idéias — como era mesmo que ele se chamava? Pain, talvez? — até que o levaram para tirar umas longas férias no St. Pierre*. Sakura também deduziu que, provavelmente, ela devia estar no último ano de escola. Então provavelmente ela também era colega de Itachi, o que deixava as coisas um pouco piores.

Naruto cutucou-a com um lápis pedindo a resposta da questão número quatro e ela mostrou-lhe o dedo médio sem nem mesmo se dignar a olhá-lo.

Ela estava pensando que diabos Itachi poderia ter para conversar com Konan quando não faziam nem três meses que ele havia sido transferido para a escola. E, de qualquer modo, não era como se ele fosse do tipo sociável que se dá bem com toda a turma e sai puxando papo pelos corredores. Mas então Sakura se deu conta de que não sabia nada do passado de Itachi além do que ele tinha lhe contado e o choque quase a fez soltar um grito.

E se eles tivessem se conhecido em Tóquio?

E se eles tivessem sido amantes ou coisa do tipo?

E se ele a estivesse traindo com aquela garota de cabelo azul?

Sakura lembrou-se dos sorrisos meio canalhas de Itachi e afundou o rosto nas próprias mãos. Oh, meu Deus, ele poderia muito bem estar fazendo aquilo.

________________________________________________________________________

Foi só então que ela começou a pontuar-lhe defeitos. Ficava espiando-o pelos cantos da escola, observando-o de longe, esgueirando-se atrás dele feito uma sombra ou alma penada como fizera quando ainda não se conheciam direito e ele era como uma luz piscando no escuro. A diferença, no entanto, era que agora ela procurava rachaduras onde antes só via perfeição.

E então batia na própria testa sentindo-se tão estúpida...

Havia amolecido como um maldito pedaço de manteiga nas mãos de Itachi e acreditado que ela era o cara pelo qual, no fundo, ela sempre esteve esperando naquela porcaria de cidade — porque, bem, todas as garotas um dia esperam por alguém —, enquanto ele talvez não passasse do maior cretino que ela jamais conheceria. E se Itachi estivesse mesmo a passando para trás com a garota de cabelo azul ou com qualquer outra, então ele estava com os dias contados — apesar de ser o cara mais absurdamente bonito que ela já tinha visto fora de uma TV.

E, por Deus, ela queria que aquilo não fosse verdade. Enquanto espremia-se contra uma parede na tentativa de vê-lo sem ser vista, ela queria muito que todas as suas especulações não passassem de idéias sem pé nem cabeça. Queria não ficar inventando defeitos naquilo tudo que ela sempre gostou tanto, mas agora era impossível. Não dava mais pra controlar e muito menos voltar atrás.

Sakura estava simplesmente possuída pela própria paranoia.

__________________________________________________________________________

Pra começar, o cabelo dele era longo demais.

E olhando-o de trás, ela pensou que não gostava de caras com cabelos tão compridos assim. Lembrava uma mulher. Talvez não exatamente uma mulher — o jeito de andar que ele tinha e aquela postura irritante que parecia não se importar com nada estavam bem longe de se assemelhar aos modos de uma mulher —, mas mesmo assim, não ficava bem. E o jeito como ele o prendia? Aquele rabo de cavalo frouxo e mal feito dava a entender que Itachi dormia e acordava sem nem se lembrar de que tinha cabelo.

Sakura imaginou que criaturas bizarras poderia encontrar ali se se arriscasse a pentear-lhe o cabelo e torceu a boca numa careta. E pensou que, definitivamente, não gostava do cabelo de Itachi.

_______________________________________________________________________

Além do mais, ele também era preguiçoso.

Se deitasse em uma sombra qualquer, não importava se a mãe estivesse morrendo de colapso nervoso ou se o mundo estivesse acabando, não havia nada que pudesse tirá-lo dali. E se colocasse os fones de ouvido — sinal incontestável de que sua alma tinha se desprendido do corpo —, então a causa estava terminantemente perdida.

Da janela de sua sala de aula, enquanto toda a turma mergulhava num silêncio sepulcral onde só se ouvia o ruído dos lápis riscando sobre as folhas de prova, Sakura espiava para o pátio — tão verde, tão bonito, tão convidativo — e o via sentado lá em baixo, as pernas estendidas sobre a grama e os olhos fechados para o sol. E sentia tanta raiva de Itachi e de sua maldita preguiça que quase fazia a prova em pedacinhos.

__________________________________________________________________________

Sem contar que ele parecia sempre offline.

Sakura costumava morder-se de ódio sempre que a internet “caía” no meio de uma de suas conversas empolgantes com Ino, e começou a perceber que aquelas “quedas de conexão” em Itachi a afetavam da mesma maneira. Era como se alguma coisa nele estivesse sempre desligada ou quebrada, e o pior de tudo era que o desligamento parecia intencional.

Como quando ela precisava lhe dizer a mesma coisa duas vezes.

— ... por isso eu não vou poder sair amanhã.

Silêncio.

Então ele finalmente parava de pensar naquela coisa que parecia tão distante, seja lá qual fosse, e olhava para Sakura como se ela não tivesse falado sem parar por quase meia hora.

— O quê?

— Não vou poder sair amanhã.

— Por quê?

— Acabei de dizer. — ela suspirava irritada.

— Sério?

Ou como quando simplesmente não suportava esperar até que ele voltasse para o mundo e percebesse que ela existia. Geralmente, ela ficava dez vezes mais furiosa nessas ocasiões.

“Onde você está?”

Sakura o estava vendo de trás de uma pilastra quando mandou a mensagem de celular. Ainda estava na fase desconfiada e paranóica e só queria saber o que ele diria — se mentiria. Mas então ele continuou sentado debaixo das escadas do ginásio, recostado na parede e parecendo muito desligado do celular no próprio bolso, e ela não gostou nada de se sentir ignorada.

“Cadê você? É urgente!”

Nada.

“Itachi!”

Silêncio.

“Eu fui atropelada!”

E quando tudo o que ele fez foi mudar um pouco de posição para ficar mais confortável em seu recanto de pó e solidão, que se danasse se ela fosse mesmo atropelada, Sakura agarrou a primeira pedrinha que catou pelo chão e mandou-a direto para a cabeça dele. Itachi virou-se a tempo de vê-la ir embora feito uma tempestade, com direito a raios e trovoadas, e ficou se perguntando o que tinha sido aquilo.

Mais tarde, ele leria as mensagens de celular e pensaria que as mulheres eram mesmo bem estranhas. Principalmente Sakura.

________________________________________________________________________

Quando Itachi percebeu que havia se passado uma semana inteira e Sakura ainda estava com aquele bico no lugar da boca, sem falar no brilho quase assassino dos olhos, escreveu-lhe um bilhete e meteu-o no bolso de sua mochila durante o intervalo. Então ela retornou à sala de aula com aquela careta que fazia os outros se afastarem por instinto — porque não tinha mais seu suco preferido na máquina de bebidas e porque Ino a trocara por um garoto qualquer com quem estava flertando — e encontrou aquele pedaço de papel dobrado.

E leu-o, adivinhando de quem era.

“Apareça no estacionamento hoje depois da aula. É uma ordem.”

Então Sakura se deu conta de que havia voltado sozinha pra casa durante toda a semana, marchando furiosa e praguejando baixinho, quase atropelando as pessoas pelo caminho. Eles mal haviam trocado meia dúzia de palavras desde o dia em que ela o vira com a garota de cabelo azul e aquilo havia crescido até o ponto de Itachi dar-lhe ordens.

Sakura pensou em simplesmente jogar fora o bilhete e deixá-lo esperando só pra ver o que aconteceria — aquela coisa toda de pagar pra ver. Mas então pensou que Itachi tinha uma péssima caligrafia e riu baixinho.

E guardou o bilhete no bolso.

_________________________________________________________________________

Quando o sinal tocou no final da tarde, ela foi a primeira a jogar a mochila nas costas e se mandar da sala de aula. Então começou a apertar o passo sem se dar conta de que estava quase correndo. Não viu Ino chamando e acenando das escadas. Não viu a careta de mau humor de Sasuke ao passar por ele. Não viu Naruto e Hinata conversando no corredor e o modo apaixonado como ela sorria lhe sorria. Não viu absolutamente nada pelo caminho. Só depois, com uma parada brusca, Sakura percebeu que não tinha pensado em droga nenhuma para dizer a ele e que precisava de um bom plano.

De um bom plano para dobrá-lo ao seu favor.

Então passou a caminhar tão devagar que levou ao menos dez minutos para chegar ao estacionamento. Mas, por Deus, como ela poderia adivinhar que seria tudo tão rápido?

__________________________________________________________________________

Rápido como o clarão de um raio na tempestade.

Ele está lá escorado em sua Harley Davidson depenada quando ela aparece e caminha cheia de ódio em sua direção. Ele sabe que ela tem a língua afiada e que, por algum motivo, quer fazê-lo em pedaçinhos. Mas ele não se importa porque ela é a coisa furiosa mais bonita que ele já viu na vida e porque aquilo lhe dá água na boca.

Então ela começa a gritar.

— O que você tem com ela? Porque eu sei que está rolando alguma coisa! E se você pensa que vai me passar pra trás assim, você está muito enganado, está ouvindo?!

E ele pensa que só quer calá-la com um beijo. E o faz.

Rápido como uma chuva de verão.

Agarra-a por um cotovelo, puxa-a para perto, aquela garota-problema, e quase a sufoca num beijo meio roubado, meio áspero, que a faz perder a noção do que realmente quer — continuar xingando ou apenas ser devorada por aquele beijo — e ceder ao primeiro impulso desatinado que lhe passa pela cabeça. Que é, não se sabe por que diabos, acertar-lhe uma boa bofetada.

Ele sente o rosto arder — ela até que tem bastante força para uma garota — e começa a rir feito louco.

— Você está me traindo!

Ele ainda está rindo como se aquela fosse a coisa mais engraçada do mundo.

— Seu idiota! Você nem sabe o que nós somos!

Rápido como um piscar de olhos.

Então ele a pega pelo queixo e diz o que ela nunca vai esquecer.

— Você é minha. Minha garota, minha namorada. Chame como quiser.

Rápido como o coração de Sakura batendo debaixo dos olhos negros dele. Ela pensa que aqueles olhos são como a escuridão da qual, no fundo, todos tem medo — mesmo aqueles que dizem que não tem. Pensa que pode se perder neles e nunca mais encontrar o caminho de volta, porque com Itachi simplesmente não há caminho de volta. Pensa que agora é sua namorada, talvez tenha sido desde o começo, e que não há nenhuma Konan ou qualquer outra garota que possa ter o que ela tem.

E ela tem Itachi.

E quando ele a puxa para cima da moto e acelera para longe dali, já não tem mais defeito nenhum.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Alice: refere-se à história de Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll.

*St. Pierre: hospital psiquiátrico ao norte de Tóquio.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Não" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.