Não escrita por Yokichan
Quando a Sra. Haruno percebeu que a filha estava saindo com aquele cara esquisito todo furado por piercings e coberto de tatuagens mais vezes do que ela gostaria — se é que havia gostado ao menos um pouquinho em algum momento —, já era tarde demais para qualquer castigo que ela pudesse impor. Sakura havia simplesmente encontrado a chave para a porta que a mãe sempre mantivera bem fechada e ganhado o mundo.
E ganhar o mundo aos dezesseis anos era como descer uma ladeira íngreme sobre uma maldita bicicleta sem freio. A Sra. Haruno só esperava que os machucados não fossem feios demais. E mesmo sabendo que aquilo era inevitável, que Sakura já estava montada na bicicleta no alto da ladeira, achando tudo muito divertido e radical, ela não pôde evitar o NÃO que subiu-lhe pela garganta ao ver a filha correr para a rua mais uma vez, correr para ele. Porque é isso que as mães fazem nessas situações, não é?
— Não ande de moto por aí com aquele cara estranho!
Então as filhas escapam para a rua como um rabo de vento que não se pode segurar e as mães também ficam rolando na cama a noite toda, fingindo que dormem enquanto as suas meninas não voltam. E às vezes elas se lembram de que um dia foram tão jovens e tão loucas por aventuras quanto as próprias filhas.
A história sempre se repete.
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Porém, as aventuras nas quais Sakura se metia com Itachi não eram exatamente como as aventuras das outras garotas da sua idade e não chegavam nem perto das que sua mãe imaginava. Nada de jogar tomates podres nas portas dos outros ou tocar a campainha das casas antes de sair correndo. Para eles, isso não passava de brincadeira de criança. O negócio mesmo era sair pela noite invadindo propriedades privadas, passando por cima das leis e curtindo muito rock’n roll.
E sumindo antes da polícia chegar, é claro.
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A lua é um grande olho da cor dos sonhos boiando sobre as sombras do cemitério, aquele lugar onde se dorme para sempre. Um lugar de morte e passado. De silêncio. No entanto, ela solta uma risada — porque Itachi acabou de lhe perguntar se ela não tem medo — e aquilo se propaga pelo escuro da noite como um sacrilégio. Não, ela não tem medo.
É quase uma da madrugada e eles estão passeando entre as lápides, filosofando sobre os mortos e se embrenhando cada vez mais naquele labirinto apertado de nomes que se perderam no esquecimento. O tempo não existe ali, apenas o sono de uma noite sem fim. Grilos cricrilam na escuridão quando ele a deita sobre uma lápide e beija-lhe o pescoço. Depois os lábios. Sakura sente o mármore gelado debaixo das costas e estremece. Não porque há as cinzas de alguém ali dentro, mas porque aquilo a deixa excitada.
Então esparrama-se num gemido baixinho sobre a lápide — acaba derrubando um vasinho de flores que se quebra e faz barulho na noite — e deixa que ele a toque e a beije como bem quiser. Itachi está apalpando-lhe os seios e pensando que Sakura tem peitos realmente muito tentadores quando ela pergunta naquela voz meio sussurrada que o deixa arrepiado:
— Quem está enterrado aqui?
— O quê?
— Leia o nome.
Ele ergue o rosto do pescoço dela, um tanto atordoado — porque, diabos, tudo o que ele quer naquele momento é avançar o sinal vermelho —, e tenta distinguir na penumbra o nome escrito na tábua mortuária.
— Hashirama alguma coisa.
— Que tipo de homem você acha que ele foi?
— Eu não me importo.
Sakura se pergunta se aquele homem morto pode escutá-los do lugar onde está agora e de repente lembra-se de todos os filmes de terror e de espíritos macabros que assistiu até então. Ela sente os pelos da nuca se eriçando e gosta daquilo.
— E se eu morresse? — pergunta.
Itachi morde-lhe um lábio.
— Se você morresse, eu gostaria que voltasse para me assombrar.
Ela sorri, porque ele deu a entender que sentiria saudades e porque sua mão está subindo perigosamente por baixo da blusa, e puxa-o para um beijo que diz sim. “Sim, faça-me sua sobre o túmulo desse tal de Hashirama.” Então ele pede passagem com a língua e ela cede. E por um momento, o mundo todo desfaz-se num suspiro.
Mas então o guarda noturno resolve fazer uma ronda com sua maldita lanterna, procurando talvez por defuntos perdidos ou almas penadas, e eles fogem para as trevas. E enquanto se deixa arrastar por Itachi, Sakura pensa que gosta do cheiro de crisântemos, cinzas e solidão daquele lugar.
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Ela o observa.
Itachi está deitado de costas no chão ainda morno do calor do dia, os braços cruzados debaixo da nuca e os piercings reluzindo sob a luz da lua. Ela sente inveja de seus longos cabelos negros como azeviche e se pergunta por que diabos tem aquele cabelo cor-de-rosa ridículo e esquisito. O corpo de Itachi é pálido e esguio e dá água na boca. Ela apóia-se sobre um cotovelo para vê-lo melhor. Não quer perder nada, nenhum detalhe.
Ela o devora com os olhos.
Uchiha Itachi.
Uchiha. Itachi. O nome dele é como o fogo chamuscando-lhe a pele.
— O quê? — ele pergunta, a voz arrastada, preguiçosa.
E só então Sakura percebe que não esteve apenas pensando naquele nome. Ela o disse. E, por Deus, como deve ter parecido tola murmurando o nome dele feito uma garotinha de quinta série!
E agora ela precisa pensar rápido em uma pergunta qualquer.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e cinco.
— Mentira.
Ela o vê esticar os lábios numa curva de sorriso.
— Dezoito.
— Hum.
Ele está olhando para cima, para as estrelas. Sakura pensa que ele parece tão à vontade à noite como se fosse uma parte dela. Um cara estranho nascido do escuro. Pensa que gostaria de um beijo agora e é como se ele pudesse ouvir seus pensamentos. E antes de ser puxada para perto e ter os lábios roubados num beijo de tirar o fôlego, ela se pergunta o que mais ele já ouviu.
A idéia a deixa desconcertada.
Deitados no escuro do terraço da escola em plena madrugada, ela acompanha com as pontas dos dedos os desenhos indecifráveis nos braços dele e pensa se ele também se sente daquele modo, como se alguma coisa quente estivesse derretendo dentro do peito.
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No final da noite, quando ele pára a moto diante da casa dela e segura-a pela cintura para um beijo de adeus, Sakura vê mais uma vez o corte que ele tem no lábio meio inchado e pensa que nunca mais colocará os pés naquele maldito bar de bêbados idiotas. Então pensa que a culpa foi toda sua, e um nó amargo cresce na garganta.
Ela envolve os braços em seu pescoço e lhe dá um beijinho no nariz.
E lembra de como Itachi a defendeu do desgraçado que tentou agarrá-la nas sombras do bar. Lembra de como ele apanhou a primeira garrafa que viu pela frente e avançou sobre o sujeito. Lembra do barulho de vidro quebrado e das cadeiras ao redor sendo derrubadas. Lembra dos socos trocados e de como Itachi atirou o homem cuspindo sangue sobre uma mesa. E então lembra de como ele tocou uma mão em suas costas e conduziu-a para fora.
Sakura sussurra um pedido de desculpas e ele pede que ela não seja tola. A culpa não foi dela. Então a segura pelo queixo, ergue seu rosto e a beija, mesmo com um lábio partido. Ela sente o gosto de sangue na boca e o abraça forte. Não quer que ele vá embora nunca mais.
— Sakura? — a voz desconfiada da mãe chama da porta.
— Droga... — ela resmunga.
Itachi apenas sorri aquele seu sorriso torto e dá a partida na moto. E antes que ela possa lhe desejar boa noite, quem sabe roubar-lhe um último beijo, ele acelera e sai fazendo barulho na madrugada até perder-se por completo no escuro.
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Em algum momento daquela noite quente de sábado — eles não fazem a mínima idéia de que horas são, podem ser dez da noite ou quatro da madrugada —, Itachi se dá conta de que estão indiscutivelmente bêbados. Sentado no meio-fio de uma calçada qualquer, ele tenta se lembrar do que andaram fazendo e de como chegaram até ali. Então se pergunta onde diabos estão exatamente e onde foi parar a sua moto.
Sakura está deitada na calçada ao seu lado.
Ele a chacoalha por um ombro e ela resmunga coisas sem sentido.
— Sakura. — ele sente como se a língua estivesse dormente. — Acorde.
— Oh, não... Está muito alto...
— O quê?
— A luz... A luz verde.
Itachi se pergunta se a luz verde quer dizer Absinto e de repente o gosto doce e absurdamente forte que ainda sente na boca faz sentido. O estado em que se encontram também.
Ele tenta erguê-la e acaba com o rosto colado no chão assim como ela. E pensa que gostaria muito de apenas poder ficar ali e dormir até que aquela moleza passe.
— Sakura. Olhe pra mim.
— Oh, eu...
— Isso é uma ordem.
Então ela diz pra si mesma que não pode estar tão mal assim e, com algum esforço, vira-se para ele. Os olhos de Itachi estão fechados e ela sente os seus pesados. É difícil mantê-los abertos. Ela rasteja para perto dele e beija-lhe o rosto, pensando que ele é tão bonito quando dorme.
— Itachi?
— Hum.
— Itachi?
Silêncio.
— Itachi? — ela chama outra vez.
Então um suspiro cansado.
— O que é, Sakura?
— Só queria saber se estava dormindo...
— Cale a boca. — ele resmunga.
— Ok.
Ela olha para o céu escuro e não gosta do que vê: as estrelas estão se movendo e piscando e girando, e aquilo a deixa nauseada. Então consegue erguer-se sobre os cotovelos e olha para o outro lado da rua, para a fachada branca do hospital. E, de súbito, uma idéia ilumina-se para ela.
Uma idéia brilhante.
Sakura dá uma olhada em Itachi estendido ao seu lado, o rosto pálido parecendo doente e meio morto, os cabelos caindo sobre os olhos, e pensa que se levá-lo para o hospital, ele ficará bom outra vez. Sim, é isso o que ela precisa fazer. Não pensa em como e com que forças o levará até lá, apenas levanta-se quando o corpo finalmente obedece e começa a puxá-lo pelos braços.
— Vamos... Levante!
— O que foi...? — ele geme com a boca contra o chão.
— Levante!
Itachi tenta fazer o que ela pede, mas tudo o que consegue é rolar um pouco pra lá e pra cá. Sakura continua puxando-o pelos braços e ele sentindo que todo o seu corpo é feito de pedra. Quando, porém, imagina alguma força nas pernas, finca-as no chão e agarra-se à idéia de mantê-las firmes. E é então que Sakura o puxa com todo o vigor que ainda lhe resta e o coloca de pé.
Ele cambaleia como se fosse desmoronar outra vez e passa um braço sobre os ombros dela. Então sua mente cai na escuridão como num blackout.
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Quando Uchiha Itachi passa a registrar as coisas ao seu redor mais uma vez, está deitado num quarto branco. Seus olhos doem porque há muita luz e ele geme maldições. Sakura está de pé ao seu lado, parecendo estranha com um sorriso grande demais e um jaleco branco meio atravessado no corpo.
— Mas que droga...
— Vai ficar tudo bem agora. — ela diz. — Eu vou... Os remédios...
Então ele percebe que ela ainda está bêbada. E ele também.
Sakura tropeça pelo quarto, esbarrando nas coisas, e volta com um vidrinho de comprimidos que tenta despejar na boca dele. Itachi cospe numa careta de nojo e arranca-lhe o vidrinho das mãos com um tapa.
— Pare com isso.
— Oh, querido... Você está tão doente...
Ela joga-se sobre o peito dele e beija-lhe a camiseta com cheiro de cigarro.
— Mas eu vou cuidar de você agora, eu vou...
— Onde estamos? — ele quer saber.
Sakura dá uma olhada ao redor e detém-se nas cortinas beges da janela.
— Essas cortinas... Eu não gosto delas.
— Danem-se as cortinas.
— Sim. — ela sorri. — Danem-se as cortinas.
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Quando foi tentar explicar à polícia por que as cortinas do quarto 28 estavam pegando fogo, a recepcionista não soube o que dizer. Admitiu, gaguejando e repetindo palavras o tempo todo — “não havia pacientes internados... O senhor sabe... O quarto estava vazio, e, bem... O senhor sabe... Isso foi realmente estranho...” —, que estava lá naquela madrugada e, que como não havia movimento, deixara a recepção para bater um papo com a amiga da cantina. Ela não fazia a mínima idéia de como aquilo podia ter acontecido.
Tudo o que se soube sobre o caso, antes de ser arquivado por falta de informações, foi que a cama do quarto estava desarrumada, que havia comprimidos de Benflogin* espalhados pelo chão e que as cortinas tinham queimado até não restar mais nada delas.
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*Benflogin: medicamento à base de benzidamina geralmente usado como analgésico e antiinflamatório, mas que se consumido em excesso pode causar efeitos alucinógenos (principalmente em combinação com bebida alcoólica), irritação estomacal e até mesmo hemorragia interna.