Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 9
Capítulo 8 ― Laços e sorrisos


Notas iniciais do capítulo

Aoooooooo!!! Finalmente as entrevistas, hein?
Galera, vocês não têm ideia do quão perto a arena está. Daqui até posso sentir o cheiro de sangue e ouvir os gritos lamuriosos implorando por piedade e clemência.
E então, ansiosos?
Boa leitura!

NOTA: Ao verem o [ * ], cliquem nele.

REVISADO EM 07.04.2017



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― BOM, SE ESTÃO TODOS nervosos demais para perguntar, eu mesmo pergunto ― Maxell cacareja na mesa de jantar horas depois das avaliações. ― Como vocês foram?

Pego um pedaço de peixe assado com os dedos e o levo à boca, sem me importar com talheres ou algo do gênero.

― Acho que fui bem. Fatiei alguns bonecos e fui dispensado ― Silas diz.

― Oh. Ah sim. Ouvi dizer sobre seus dotes com um machado. Aposto que terá ao menos um oito porque eles adoram essas coisas ― o acompanhante concorda com um ar afetado, porém aprovador.

Finjo não notar quando ele dirige a palavra para mim. Ignorando-o, tiro um pequeno espinho de peixe que foi parar entre meus dentes. O acompanhante insiste e pergunta novamente. O que eu mais desejo agora é poder costurar a maldita boca dele.

― Não responder as perguntas dos mais velhos é uma tremenda falta de educação, Johanna Mason. Sei que não devo esperar muita coisa de vocês, afinal, não é culpa sua ter nascido em um distrito tão bárbaro e descuidado como o Sete, mas ao menos um pouquinho de assiduidade seria indispensável e...

As palavras seguintes são obscurecidas por uma sensação que rapidamente substitui meu estado de mau-humor: raiva. Bárbaro e descuidado. Ele fala como se o verdadeiro vilão da história fosse o Distrito 7. Mas não somos nós que nos divertimos à custa da morte de crianças. Não somos nós que tratamos o próximo com desumanidade. E, acima de tudo, não somos nós o monstro. São eles. A Capital é o tal lugar bárbaro e descuidado, não o 7.

Ódio puro e líquido corre por meu corpo, esquentando minhas veias. Eu quero gritar, largar essa encenação idiota e quebrar Maxell em dois como se fosse um maldito graveto seco. Estou certa que poderia fazer um belo estrago nesse rosto tatuado de dourado se subisse rápido o suficiente na mesa quando uma voz tranquila diz:

― Ela ainda deve estar tensa demais para se lembrar das boas maneiras. Eu me lembro muito bem como me senti após minha avaliação ― Blye solta um sorrisinho que lentamente dissipa o clima pesado que ficou após a observação do acompanhante, cujo qual eu não tinha notado antes. A mentora lança uma rápida olhadela em minha direção. Uma advertência. Até posso ouvi-la dizendo que ainda estamos jogando.

Deixo o garfo cair no prato e me levanto da mesa sem cerimônias. A fome passou. Tranco-me no quarto e só saio faltando poucos minutos para a divulgação das notas. Sento-me no chão, o ombro roçando na perna de Blye. Acho muito mais confortável o tapete felpudo do que o sofá anormalmente macio que parece engolir-me.

As primeiras notas não são novidades. Os carreiristas tiram entre nove e dez, com exceção da garota ruiva do Distrito 4 ― segundo a televisão, seu nome é Savera Spectrone ―, que pode exibir com um sorriso orgulhoso um ostentativo onze. Savera deve ter feito os Idealizadores babarem com suas habilidades ao manusear um tridente. Silas tem nota nove e eu, quatro. Sapphire McLean, a garota de pele manchada do 10, possui o número dez piscando embaixo do rosto. Os demais tributos oscilam de cinco a sete.

Consegui.

É quase risível o meu modesto quatro comparado aos outros. Aqui está a prova final da minha incompetência. Fraca e despercebida. Não vejo a hora de ver a cara de espanto de meus inimigos quando perceberem a verdade. Imagino eu mesma ganhando um duelo contra Savera Spectrone, aqueles odiosos olhos castanhos mostrando incredulidade. Acho que precisarei de uma frase de efeito antes de matá-la ― algo que represente meu distrito, talvez ―, porque a Capital ama essas coisas. “Você é apenas mais uma árvore sendo cortada”? “Sinta o beijo do meu machado”? Não e não. Acabo descobrindo que não sou uma boa criadora de bordões.

•••

O dia seguinte é reservado apenas para os preparativos das entrevistas, portanto passo grande parte do meu tempo no quarto discutindo com minha mentora a melhor maneira de enganar todos de modo que não haja dúvidas de que sou inofensiva.

― Não. Não acho que esse será o caminho certo ― Blye discorda quando falo sobre apelo emocional. Pensei em muitas lágrimas para fechar com chave-de-ouro todo esse trabalho que tive ao longo dessa semana, mas, aparentemente, a vitoriosa tem outros planos em mente.

Frustrada, jogo o peso do meu corpo para trás e caio na cama, quicando algumas vezes na superfície macia. Ouço Blye suspirar.

― Será necessário algo mais ardiloso do que apenas chorar por três minutos para convencê-los ― ela constata no mesmo tom que minha mãe usa com Aggie, minha irmã mais velha, quando fala sobre a responsabilidade que um casamento exige. Pergunto-me se ela se casará mesmo se eu não estiver presente. ― Eles estão ficando desconfiados.

― Então o que eu preciso fazer? Acrobacias? Arrancar os olhos de Caesar? Andar nas patas traseiras como uma cadela amestrada? ― resmungo.

― Não. Eu estava pensando em algo mais menininha ― ela diz e completa assim que arqueio uma sobrancelha: ― Você sabe. Menininha do tipo chatinha e bobinha. Sorrisinhos, bochechas vermelhas, fitinha cor-de-rosa no cabelo. Será mais eficiente do que se jogar no chão e deitar na posição fetal como na colheita.

Suspiro.

― O que isso realmente quer dizer?

― Ah, falar de coisas tocantes ou simplesmente alimentar o ego dos produtores. Em como sentiu medo na colheita. Dizer que tudo na Capital é bonito e assustador, totalmente diferente do Sete, talvez. Falar sobre um namorado imaginário que está te esperando em casa. Rir de um jeito tímido das piadas de Caesar. Essas coisas. E você mente bem. Não vai ser um desafio, vai?

Reviro os olhos.

Fazer acrobacias e arrancar os olhos de Caesar me parece muito mais divertido do que ser uma menina chatinha e bobinha.

•••

Olho-me no espelho e tenho que confessar que Tundra fez um ótimo trabalho ― embora ainda continue a odiando. Ao ver meu reflexo, a primeira palavra que vem na minha cabeça é: inocente. Estou usando um vestido azul-celeste rodado que chega até pouco abaixo dos joelhos. Ele tem mangas curtas, um decote preservador e um laço ligeiramente mais escuro nas costas na altura da cintura. O cabelo foi partido ao meio e presos com fitas turquesa. Minha pele está lisa e macia, sem falhas. Uma leve maquiagem refaz os traços de meu rosto e salpica as laterias de meus olhos com brilho azul. Sou uma bonequinha da Capital. Algo me diz que há um dedo de Blye nesse meu visual.  A única coisa que me incomoda é a escolha dos calçados: uma par brilhante de sapatinhos com pedrinhas vermelhas encrustadas. Quando pergunto a Tundra o que são, ela chama as pedras de “rubis”.*

― Oh, você está deslumbrante ― a estilista exclama quase dando tapinhas nas próprias costas, se autoparabenizando.

Ela tem razão. Eu estou bonita. Desejável. Mas sem perder a doçura e inocência que precisarei para convencer os tolos da plateia.

Tundra me leva até o elevador, onde encontro o resto da equipe. Sorrio com candura para Silas e espero outro sorriso como retribuição, mas ele não vem. O tributo me devora com os olhos, medindo minhas curvas, de uma maneira que me deixa desconfortável. Não que eu seja feia, mas acontece que ser o objeto de desejo masculino nunca foi uma de minhas prioridades. Ele também está atraente nessa roupa feita sob medida. Se não fosse pelo nariz adunco, até que talvez eu sentisse algum desejo por ele.

Quando a porta do elevador volta a se abrir, os outros tributos já estão sendo enfileirados para subir ao palco. Sou guiada até meu lugar, os olhos fazendo uma varredura completa no terreno. Encontro Sapphire há seis lugares de distância. Ela está notavelmente bonita em um vestido verde cintilante e sua pele encontra-se em um tom uniforme, corrigida pela maquiagem.

Em questão de minutos, Caesar Flickerman, o mestre de cerimônias durante quarenta anos, dá início ao espetáculo. Esse ano seu cabelo, lábios e pálpebras estão pintados em um tom enjoativo de amarelo artificial. Assim que os entrevistados vão se apresentando, confesso que Caesar é muito bom no que faz. Ele nunca deixa a peteca cair, rindo nos momentos próprios e consolando quando necessário.

Tenho vontade de vomitar quando chega a vez de Savera Spectrone, a garota ruiva do Distrito 4. Caesar primeiramente a parabeniza por sua nota onze, dizendo que foi uma façanha e tanto, mas ela fala que não foi uma nota tão boa assim e completa ao dizer que poderia ter se empenhado mais. Ela também fala que se sente envergonhada, pois acredita que não deu o seu melhor. Caesar pergunta se, por ela ser tataraneta de um vitorioso, chegou a ter alguma vantagem nesse quesito. Claro que a carreirista ri e suspira que não, pois não há privilégios e, mesmo se houvesse, ela não aceitaria porque é errado. Vadia.

Então é a vez do Distrito 7. Desejo boa sorte a Silas, mas na verdade quero mais é que ele tropece e caia diante de toda a Panem. O garoto resiste a qualquer tentativa de Caesar de fazer uma piada. O máximo que o homem da Capital consegue arrancar de Silas são respostas curtas e objetivas. Acho interessante sua estratégia de cara-absurdamente-musculoso-e-mau. Aposto que devem ter ao menos algumas pessoas tentadas a patrociná-lo ― ainda mais com o nove que tirou nas avaliações individuais. Caesar se despede de Silas com uma piada ligeiramente engraçada sobre montanhas mal-humoradas.

E antes que eu possa perceber, descubro a mim mesma subindo ao palco central. Sorrindo docemente, estendo a mão para cumprimentar Caesar Flickerman mas ele me pega desprevenida ao depositar um casto beijo acima dos nós de meus dedos em um gesto antiquado.

― Oh, amável e delicada Johanna Mason, você está muito deslumbrante esta noite, se me permite dizer.

Franzo o cenho, risonha.

― Eu? Nessa velharia? ― digo em tom humilde, apontando para o vestido.

Como resposta, o apresentador solta uma gargalhada exagerada que irrita meus ouvidos.

― Sim, sim, sim! Deslumbrantíssima! ― Mais risadas, mas dessa vez a plateia o acompanha. Sem escolhas, solto um risinho estridente e acanhado. Essas pessoas querem me ver morta na arena e o sentimento é recíproco.

Com finesa, Caesar me guia até as poltronas.

― Olha, doce Johanna, confesso que a Capital inteira caiu em prantos junto com você na colheita. E meu coração se partiu em dois quando a vi no desfile. Juro que tive vontade de entrar na minha televisão e te consolar com um abraço. Algo a dizer sobre ser colhida para os Jogos?

Sim, eu tenho algo a dizer, penso. Eu arrancaria meu braço esquerdo para ver a cara de vocês quando eu estiver na arena. E, Caesar, a primeira pessoa que eu matar será especialmente para você.

Permito-me um longo suspiro para que todos vejam.

― Acho que sim. Acontece que foi um grande choque para mim quando ouvi meu nome ser chamado na colheita. Então eu simplesmente entrei em pânico, sabe? E eu não chorei ou fiquei triste por mim, mas por tudo que eu perderia. O casamento da minha irmã mais velha, meu próximo aniversário. Ou até mesmo ajudar minha irmãzinha mais nova nas aulas de matemática. ― minto. Na verdade, Dahlia Mason é excelente com números, muito melhor do que eu. Faço uma pequena pausa como se eu estivesse pensando em algo doloroso. ― E eu nem vou ter meu primeiro beijo... ou me apaixonar por alguém especial.

As mulheres da plateia soltam um suspiro pesado. Algo me diz que conquistei a empatia delas.

― Mas você simplesmente já aceitou a derrota sem lutar? ― Caesar pergunta com gentileza, talvez com medo de me pressionar demais e eu romper em lágrimas efusivas.

Eu nunca aceitei a derrota, seu idiota. Ainda estou lutando, penso com rancor.

Bato as pestanas. Sou a própria Senhorita Inocência.

― Sim. Não. Talvez... Eu não sei ― murmuro fingindo confusão. ― Mas que chances eu tenho, afinal? Eu só quero ir para casa, Caesar, ficar com minha família e dizer o quanto eu os amo. ― Como se estivesse sentindo frio, abraço os cotovelos e fico assim por um tempo. Seco uma lágrima imaginária e pigarreio. Meus três minutos estão se esgotando.

― Ei, Johanna, ainda é cedo para entregar os pontos, querida. Nós acreditamos em você ― o apresentador diz suavemente ao repousar a mão em meu ombro na tentativa de me confortar.

― Certo. Eu... eu acho... Eu acho que posso tentar. Obrigada ― sussurro e coloco minha mão sobre a dele.

Mais um suspiro da plateia. A campainha soa. Meu tempo acabou. Sorrio vacilantemente e aceno para a Capital.

Tolos. Eles não perdem por esperar.


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Notas finais do capítulo

Sim, eu me inspirei na nossa eterna Dorothy de O Mágico de Oz para descrever o traje da Johanna. Mas é válido ressaltar que seria algo mais no estilo da Capital, claro. Espero que tenham curtido a referência, cambada!
E então, galera. Acharam crível a nota da Johanna? E a entrevista? Vocês cairiam na dela ou não?
Vamos lá, comentem. Juro que não mordo.
Até.