Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 8
Capítulo 7 ― Artimanhas


Notas iniciais do capítulo

Bom, espero que estejam ansiosos para descobrir como nossa adorável e carismática (não digo isso com sarcasmo, uma vez que se eu pudesse definir essa personagem em uma única palavra, ela seria "afável") Johanna Mason se portará diante dos demais tributos. Ela apenas chorará? Fará acrobacias e arrancará os olhos dos Idealizadores? Ou simplesmente se cansará da encenação e jogará tudo para o alto? Veja isso e muito mais nessa sexta, no Globo Repórter.

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REVISADO EM 03.04.2017



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É APÓS O CAFÉ DA MANHÃ que as primeiras táticas e planos são bolados. Blye Lockheart concordou que o melhor a se fazer é eu continuar com minha encenação, mesmo que pareça arriscado demais. E ela está certa. Ficarei completamente sozinha na arena ― sem patrocinadores ou aliados. Não me importo com a ausência de aliados, uma vez que detestaria trabalhar em conjunto com alguém que planeja me matar enquanto durmo. Mas os patrocinadores não devem ser ignorados. E essa é apenas uma das variáveis que Blye intitulou como “as falhas”.

São quase dez horas quando Maxell bate na porta, avisando que está na hora de nos apresentarmos na sala de treinamento. Digo que já estou indo, mas ele insiste odiosamente e fala que não sairá dali sem mim ao seu encalço.

Reviro os olhos.

― Ele é sempre tão irritante? ― pergunto para Blye, pensando em como será agradável o dia em que o acompanhante bater as botas.

Ela encolhe os ombros como se pedisse desculpas. Faz quase vinte minutos que estamos no meu quarto discutindo o melhor método de trabalhar minha personalidade frágil sem parecer excessivamente teatral. Aparentemente eu tenho a mania de fazer muitas caretas quando forço o choro e isso pode deixar alguns tributos ou mentores desconfiados.

― Não. Ele era ainda mais insuportável quando eu fui um tributo. Até que meu companheiro de distrito jogou umas batatas gratinadas nele. Maxell ficou com tanta raiva que chegou a chorar. Foi até que engraçado, na época ― minha mentora responde em tom distante, mas exibindo um sorrisinho com a lembrança.

•••

Encontro Silas no elevador. Ele arqueia os lábios em um sorriso rápido que não chega aos olhos para mim. Com exceção disso, seu semblante é oculto sob uma máscara de tranquilidade. Até agora, Silas se mostrou completamente no controle da situação. Isso me deixa incomodada. Tenho que tomar cuidado, pois a ideia de um tributo tão imponente quanto ele não me atrai.

As portas do elevador abrem quando chegamos ao subsolo e sinto o ar fugir de meus pulmões. Estou em um ginásio notavelmente grande repleto de armas e sequências de obstáculos. É maior e mais ameaçador do que pensei. Todos os participantes encontram-se no centro do galpão, formando um círculo ao redor de uma mulher magra de porte atlético que imagino ser a treinadora. Acontece que precisarei de mais coisas do que simplesmente lágrimas e choros para convencer essas pessoas a hesitarem antes de erguerem suas armas para me matar.

Enquanto alguém gruda um pedaço de pano com o número 7 nas minhas costas, observo meus adversários. Ao vivo, percebo que estou entre as garotas mais fortes. Acontece que tantos anos de exercícios no ofício de lenhadora me deixaram com um ótimo porte físico e braços e ombros musculosos, apesar de magros. Isso pode ser um problema para mim. No silêncio mortal, a carreirista negra do Distrito 2 está visivelmente pulando de expectativa. Ela estala os dedos da mão.

A treinadora se apresenta como Atala e começa a dizer como as coisas vão funcionar durante os três dias de treinamento. Após nos deixar cientes das regras e as estações de habilidades, nos dispensa para fazermos o que quisermos.

Recebi ordens diretas de Blye para, além de convencer os demais tributos de minha fragilidade, aprender coisas úteis, pois sempre há dicas do que enfrentaremos na arena entre uma estação e outra. Mas acontece que há muitas coisas para se adquirir conhecimento aqui. Pesca. Plantas comestíveis. Armadilhas. Abrigos de neve. O que não se fazer quando der de cara com um bestante aquático.

Acabo na estação onde, em teoria, aprenderei os princípios básicos de como fazer uma fogueira utilizando os recursos da floresta. Após acender uma chama com facilidade, a instrutora me entrega o graveto e o tronco cortado horizontalmente para que eu reproduza o feitio.

― Fricção gera calor ― ela diz e sai correndo para apagar o foco de incêndio que um garoto do 5 iniciou acidentalmente com um lança-chamas.

Depois de trinta minutos, concluo que a coisa é mais difícil do que pensei. Acontece que não importa o quanto você deslize o galho nas palmas para que a extremidade inferior crie atrito com o tronco, a porcaria do fogo nunca aparece. O máximo que consigo é uma débil fumaça que sobe até a altura dos meus joelhos antes de dissipar, praticamente zombando de mim. Jogo o graveto no chão, frustrada. Isso é perda de tempo.

― Talvez você não deva deixar o galho tão inclinado na hora de girar. Mantenha-o em pé, apontando para cima.

Ergo os olhos e me deparo com uma garota alta de pele parda. As manchas irregulares branco-leitosas em seu rosto e braços chamam minha atenção e pergunto-me se ela deva estar em estado terminal de alguma doença. Esforço-me para lembrar quem é ela, mas a informação escapa-me da memória.

― E o que você sabe sobre fogueiras? ― pergunto rispidamente. Esse é o problema quando estou nervosa: fico sem papas na língua.

A garota encolhe os ombros e ergue as mãos em uma espécie de rendição.

― Apenas o suficiente para ver que você está deixando o graveto inclinado demais ― retruca. É a resposta que me faz saber que gosto dela. 

Ela pega o galho e senta-se à minha frente.

― Olha ― ela diz e faz os mesmos movimentos que eu. Percebo que a menina tem o provável costume de morder o lábio inferior para se concentrar. Em questão de minutos uma pequena chama surge. Ela diz, satisfeita: ― Fogo.

Na verdade, eu sinto raiva por não conseguir a mesma proeza da garota manchada, mas apenas falo:

― Obrigada.

Em um sorriso vacilante, a menina estende a mão.

― Sou Sapphire McLean, do Distrito Dez.

Sem alternativas, aceito o cumprimento e aperto sua mão, mas antes fazendo questão de colocar pouca força e hesitar por alguns segundos.

― Johanna Mason, Distrito Sete.

Sapphire encolhe os ombros.

― É. Eu sei quem você é. Sinto muito ― ela fala no mesmo tom que Blye usou comigo quando nos falamos no trem pela primeira vez. A garota sente pena de mim.

Fungo e finjo secar uma lágrima inexistente.

― Eu também. Mas não dá para mudar o passado.

Vou para outra estação, deixando a garota do 10 sozinha, e me perco no mundo dos primeiros-socorros. O treinador me ensina tudo o que tenho que fazer para estancar uma facada sem depender de qualquer item que possa ter na Cornucópia. Como tratar de queimaduras severas. O que fazer se for envenenado por serpentes. Até mesmo me mostra o passo-a-passo de como cuidar de um membro decepado. Primeiro devo estancar o ferimento e depois cauterizá-lo com fogo ― que consiste em pressionar o coto em óleo fervente ou ferro quente. Após esse processo vem a parte realmente dolorosa: cortar o excesso de carne queimada para que não inflame. Decido que, se alguém arrancar minha mão fora, preferirei ter uma morte lenta por infecção do que cauterizá-la.

Estou saindo da estação de primeiros-socorros quando paro apenas para observar os oponentes mais temidos. Os carreiristas parecem estar se divertindo com os brinquedinhos do ginásio. A garota ruiva do Distrito 4 proporciona um verdadeiro espetáculo ao empreitar em um combate contra o instrutor. Seu tridente parece ser uma extensão natural do braço quando avança ferozmente em direção ao homem. Mesmo golpeando o instrutor diversas vezes e o sujeito nunca conseguindo tocar na carreirista com a ponta almofadada da espada, ele decide que a luta acaba em um empate.

Eu me surpreendo quando vejo que a próxima pessoa a lutar é Sapphire. Acho estranho a escolha de sua arma até que as lições começam. Sapphire move-se rápido como uma sombra, acerta o treinador no rosto com a ponta do chicote e quando ele levanta a mão para cobrir o ferimento, a cauda de couro enrola-se em sua perna. Com um puxão firme, Sapphire faz com que o homem caia ao chão, nocauteado, e o instrutor sequer conseguiu desferir o primeiro golpe. Claro. Distrito 10. Pecuária. Ela deve manejar um chicote como esse antes mesmo de aprender a engatinhar.

É quando noto o olhar dos carreiristas, que se condensa em algo entre ódio e inveja. Concluo que haverá duas opções: ou eles a chamarão para entrar no bando ou ― a mais provável ― já sei quem será a primeira presa do grupo.

•••

No almoço, escolho uma mesa que seja suficientemente longe dos demais tributos, mas que todos possam me ver. Devoro a refeição rapidamente e dou início ao espetáculo. Tento ficar triste e chorosa, mas as lágrimas não chegam. Acontece que estou realmente esgotada após uma longa manhã de treino. Tudo o que me resta é o plano reserva. Enterro a cabeça sobre a mesa, usando os braços e o cabelo como uma cortina para que ninguém veja meu rosto. Forço os primeiros ruídos de choro a saírem.

Não preciso ver para saber que há pessoas me olhando, absorvendo minha reação patética. Levanto-me apenas quando sinto a garganta ficar seca e saio do refeitório com a cabeça abaixada, segurando a bandeja, fazendo de tudo para um sorriso não surgir em meus lábios. Ouvir os murmúrios indiscretos e maldosos que os outros cochicham sobre mim é como música aos meus ouvidos. Eles não fazem ideia das surpresas que guardo com tanto carinho.

•••

E assim se segue os próximos três dias. Comida. Táticas de sobrevivência. Conversas com Blye. Falsa choradeira no almoço. Quanto mais perto da arena fico, mas cansada me sinto. Tanto choro cobra o seu preço. Estou exausta. Sinto como se não conseguisse expelir mais uma lágrima sequer mesmo que fosse para salvar minha própria vida.

Procuro ficar o mais distante possível de Silas, pois será mais fácil para ambos se alguma luta vier a ocorrer após o gongo. Mas acontece que, mesmo sem querer, acabo conhecendo um pouco mais a fundo meu companheiro de distrito. Silas é o filho mais velho de seis irmãos, onde o mais novo tem doze anos. Deixou uma namorada no 7, Willyst Wonka*, esperando seu retorno. Ele não é de sorrir muito. Descobri também que tem uma queda por batatas assadas.

No treinamento, passo grande parte do meu tempo com Sapphire e ocasionalmente lanço indiretas para saber se os carreiristas fizeram algum convite, sem sucesso. De todas as pessoas daqui, é dela que menos tenho ódio. Sapphire tenta me incentivar a ter lições de combate, mas sempre nego com veemência. Tenho que ficar longe das armas, principalmente dos machados, se quiser bancar a fraca.

O terceiro dia chega e todos os tributos são reunidos no refeitório para esperar nossos nomes serem chamados para as avaliações individuais. O clima está pesado, silencioso. Não há carreiristas intimidando os outros ou até mesmo o ruído da respiração. Somos como mortos aguardando o ceifador atrasado vir nos buscar.

O nome de Silas é anunciado e desejo boa sorte à ele, mesmo sabendo que não precisa. Já o vi usando um machado no treinamento. Imagino a facilidade que terá em tirar uma nota decente. Quinze minutos depois é a minha vez.

Sinto meu coração ribombar com violência no peito enquanto ando até o ginásio. Tento acalmar-me, dizendo a mim mesma que não preciso ficar nervosa. Não precisarei impressionar os Idealizadores dos Jogos. Meu objetivo é no máximo uma nota cinco. Despercebida, Johanna. Passe despercebida, repito mentalmente, empurrando a parte de mim que diz que estou fazendo a coisa errada bem para as entranhas do meu ser. Eu não posso ter chorado tanto até agora para simplesmente jogar tudo para o alto e mudar meus planos. Tenho que continuar, sem desviar do objetivo. Ser fraca. Fraca e despercebida.

Estou decidida quando entro no ginásio e encaro o palanque onde os Idealizadores estão amontoados no que parece ser um evento meramente social. Ninguém falou se eu deveria me apresentar formalmente ou fazer alguma reverência. Decido esperar no centro do galpão em silêncio. Demora um pouco, mas finalmente notam minha presença ― primeiro três homens, depois cinco mulheres mulheres, então metade dos Idealizadores dos Jogos me encaram. Um homem com o colarinho vermelho, fazendo-o se destacar de todos, faz um gesto para que eu comece. Imagino ser o chefe.

Não perco tempo e corro até a estação de sobrevivência. Pego uma tora cortada ao meio verticalmente, um galho um pouco mais grosso que um lápis, um chumaço de algodão e volto ao centro do ginásio. Jogo minhas ferramentas ao chão e sento-me com as pernas cruzadas. Pouco mais de dez minutos deslizando o galho nas mãos em contato com a tora e o chumaço, uma chama insignificante surge. Aproximo o rosto do pequeno foco de fogo e assopro com delicadeza, atiçando-o.

Sorrindo, ergo os olhos para as pessoas da Capital. O homem do colarinho vermelho me encara como se estivesse entediado. Isso apenas faz meu sorriso alargar-se ainda mais.

― É melhor do que nada ― digo e sou dispensada.

Com certeza eu receberei um três ― ou quatro, se eles estiverem se sentindo bondosos. A sensação de uma pequena vitória espalha-se por meu corpo.


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Notas finais do capítulo

Bom, como perceberam, Sapphire McLean sofre de vitiligo, uma deficiência na pigmentação da pele, deixando manchas de uma coloração branco-leitosa em qualquer lugar do corpo (sim, é a doença do Michael Jackson). Agora, por que Sapphire tem vitiligo? PORQUE É OS JOGOS VORAZES E OS JOGOS VORAZES É A FAVOR DA INCLUSÃO SOCIAL!!!
Ah, espero que tenham acessado o hiperlink, porque é de extrema importância para mim. Eu juro. HAHAHAHAHAHA BRINKS. Foi apenas pela zoeira mesmo. Espero que tenham entendido a referência.
Até quinta!