Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 6
Capítulo 5 ― Árvores


Notas iniciais do capítulo

Wow! Esperem, por favor. Uma recomendação... já? Bem, bem, bem, não posso negar que estou extasiado! Vamos lá, uma salva de palmas para a adorável Sky pela belíssima e extraordinária recomendação. Chica, esse capítulo é para você.

Bom, espero que todos tenham entendido o significado do título (hehe).
É só isso mesmo.
Boa leitura e feliz Ano Novo!
*Uma coisinha para alegrar o final de ano de vocês: ao menos vocês não passarão a virada sozinhos, sem família, parentes, amigos ou conhecidos como Johanna Mason.*

REVISADO EM 26.03.2017



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ELES ME DISSERAM PARA ficar calada e não me opor a nada durantes as horas que passaria no Centro de Transformação, mas tenho certeza que não levaram em conta a tortura pela qual me submeteriam.

― Se você tocar em mim mais uma vez, juro que arranco seus olhos, sua criaturinha horrorosa ― rosno para a mulher segurando a pinça. Forço as amarras que prendem minhas mãos pela milésima vez na vã tentativa de agarrar o pescoço dessa coisa colorida que faz meus olhos doerem, mas estou fortemente presa à mesa e as algemas de pano apenas machucam meus pulsos. Confesso que o Pacificador que me amarrou aqui fez um ótimo trabalho.

Alecta e Alysia trocam olhares incertos, mas tenho certeza que nenhuma considera a opção de me soltar ou ao menos manter seus instrumentos de tortura longe de mim.

Bom, tudo teve início quando conheci minha equipe de preparação, uma dupla de aberrações esquisitas e irritantes. Alecta e Alysia são idênticas. A mesma estatura mediana, os mesmos olhos arregalados ― provavelmente por causa de uma cirurgia que dera errado ―, o mesmo nariz pequeno e aquilino e cílios longos demais para serem verdadeiros. A única diferença entre elas é o cabelo. Enquanto o de Alecta é magenta, o de Alysia tem uma coloração enjoativa de turquesa.

Acontece que ocorreu um pequeno incidente quando elas me mandaram ficar nua para que pudessem trabalhar e eu voei na garganta da gêmea que estava mais perto. Em minha defesa, não resisti quando roubaram minha liberdade, mas se tem uma coisa que prezo muito, é a minha dignidade. E isso eu não aceito perder. Agora aqui estou, sem roupa, atada à mesa pelos pulsos e tornozelos, completamente à mercê dessas criaturas estranhas. E não posso me esquecer dos dois Pacificadores que estão de prontidão no lado de fora.

― Juro que se você ficasse mais quieta, eu não te machucaria tanto ― Alecta diz ao balançar o alicate de cutícula. Ela está sentada à minha esquerda em um banquinho que a faz parecer ainda mais baixa em relação a mim. Tem quase vinte minutos que ela tenta fazer minhas unhas, mas a única coisa que conseguiu foi com que meus dedos sangrassem com os rasgos proporcionados pelo alicate. Minha diversão atual é mexer as mãos o máximo possível para deixar a mulher de olhos esbugalhados frustrada.

― Então porque você não cala essa maldita boca e me desamarra? ― grito e solto xingamentos que apenas ouvi nas bocas dos homens mais rudes do Distrito 7.

Antes de entrar nessa sala, eu estava realmente disposta a manter a encenação de garotinha assustada durante todo o tempo antes da arena ― afinal, uma boa mentira está no desempenho do contador ―, mas desisti do teatro assim que disseram que teriam que “tirar uns pelinhos aqui e ali”. Simplesmente não consigo me importar com a opinião da minha equipe de preparação. A credulidade delas não será o meu passaporte para uma vida luxuosa e feliz sem me preocupar com os Jogos Vorazes. Tenho que me esforçar apenas para convencer um grupo limitado: tributos e mentores.

― Aly, eu não consigo. Se ela não parar, eu não consigo! ― a mulher de cabelo magenta reclama para a irmã. Lágrimas desatam a acumular-se nos cantos dos olhos e ela começa a chorar, enterrando o rosto maquiado nas mãos tatuadas de cor-de-rosa.

― Oh, querida. Não se preocupe, Lettie. Você está fazendo um trabalho magnífico ― a gêmea se aproxima e dá tapinhas nas costas da irmã chorosa.

Alecta funga.

― É que eu não quero voltar a preparar aquelas garotas do Doze ― a voz embargada misturada ao sotaque ridículo da Capital dificulta um pouco a compreensão, mas consigo capitar o teor da conversa. ― Você sabe que elas me dão medo, Aly.

― Shhh. Tudo bem. Você se sentiria melhor se a gente a colocasse para dormir? ― a mulher de cabelo turquesa pergunta e aponta com a cabeça para mim.

Alecta pisca algumas vezes e acena positivamente.

― Como assim me colocar para dormir? ― pergunto em tom exaltado. Elas pretendem me matar? Já?! Mas, mas... Isso é contra as regras, certo? Grito mais alto e me debato na mesa dura quando não obtenho resposta. ― Do que vocês estão falando?! Me respondam, suas bestantes! Juro que quando eu sair daqui, será melhor vocês duas estarem no outro lado de Panem, porque se eu achá-las, considerem-se aberrações mortas!

Ambas saem da sala de mãos dadas e com passos curtos e rápidos, deixando-me sozinha. Menos de um minuto depois, estão de volta. Alysia segura uma seringa com um líquido transparente, o que me enche de calafrios.

― Quando acordar, você vai estar linda! ― ela exclama, parecendo excitada.

A agulha afunda em minha pele e perco a consciência.

•••

Acordo meio grogue e desorientada, incerta de onde estou. Mas logo meus pensamentos voltam ao eixo original e lembro-me dos acontecimentos mais recentes. Fui colhida para os Jogos Vorazes. Estou no Centro de Transformação.

Ergo as mãos, esperando as amarras impedirem o movimento, mas elas não estão mais aqui. Há ligeiras marcas avermelhadas em meus pulsos e minhas unhas estão cortadas e pintadas de marrom. As tiras que restringiam os movimentos das pernas também desapareceram. Estou livre. E sozinha.

Levanto-me em um salto e quase caio ao perder o equilíbrio por um momento. Efeitos do sedativo. Assim que restabeleço o controle do meu corpo, visto o roupão que encontro suspeitosamente dobrado ao meu lado. Vagueio pela sala branca, procurando por uma porta ou janela, mas encontro nada. Eles me deixaram aqui para morrer? É quando um compartimento que eu não tinha notado antes se abre e três pessoas aparecem: dois Pacificadores e Tundra Follmann, minha estilista.

Ela mudou absolutamente nada desde que me conheço por gente. Continua grotesca em seu visual reptiliano. Alta, esguia, a língua bifurcada esteticamente. Cada centímetro do seu corpo está tatuado com padrões marrons que imitam as escamas de uma serpente. E as alterações não pararam nas tatuagens. Além de careca, Tundra fez dezenas de cirurgias plásticas para achatar a cartilagem do nariz e arrancar os ossos dessa região; também fechou as narinas em fendas. Vestida em roupas de couro, ela é uma cobra com escassos traços humanoides. Pessoalmente, a estilista é dez vezes mais assustadora do que na televisão.

Tundra Follmann suspira e uma expressão triste toma suas feições.

― Oh, pobre Johanna! Me diga, você está melhor? ― ela fala como se fossemos amigas de longa data ao se aproximar. Acho que se refere à colheita. A estilista tem um sotaque diferente do habitual da Capital, prolongando o som do “s” como se fosse o silvo de uma serpente. Pergunto-me as horas de treino que ela perdeu para obter esse resultado.

Assim que anda em minha direção, os Pacificadores a acompanham, mas Tundra para e se vira para eles.

― Vocês já podem ir, queridinhos. Tenho certeza que as gêmeas exageraram a respeito dessa garotinha. Olhem só, ela machucaria nem uma mosca.

Talvez um pouco hesitantes, os guardas se recolhem e a porta é fechada, deixando Tundra e eu a sós.

― Você não tem ideia do quão comovida eu fiquei quando vi a colheita do Distrito Sete. Acredite, eu chorei junto com você, amorzinho. E então, está se sentindo melhor? Oh, imagino que sim. Ainda mais agora que está mais linda do que antes ― a estilista silva enquanto aperta minhas bochechas com a ponta dos dedos descarnados.

Meu primeiro impulso é estapear sua mão para longe de mim, mas me contenho. Ao contrário da equipe de preparação, tenho que tomar cuidado com ela. Todos sabem a influência de um nome tão poderoso como o de Tundra Follmann tem aqui na Capital. Ela é um dos estilistas mais famosos dos Jogos Vorazes, mesmo que suas criações sejam das mais grotescas.

Se eu sair com vida dos Jogos, vou matar você pessoalmente por transformar nossas crianças em árvores ano após ano, penso acidamente. Abro um pequeno sorriso contido.

― Sim. Estou melhor. Muito obrigada por perguntar, senhora Follmann ― falo com uma doçura atípica que arranha minha garganta, pois não sou o tipo de pessoa que sai pela rua distribuindo flores e sorrisos.

A estilista sorri, mostrando duas fileiras de dentes absurdamente brancos.

― Isso é bom. Ninguém gosta de garotinhas choronas. Nos Jogos, elas sempre são as primeiras a morrer.

Tundra observa meus olhos, que se arregalam em descrença, com uma expressão neutra que logo se dissolve em uma gargalhada exagerada.

― Eu só estou brincando ― ela ri e abana as mãos como se dissesse para eu deixar isso para lá. ― É claro que todo mundo gosta de garotinhas. Que tal irmos ao trabalho agora?

A Mulher Cobra me guia até uma sala adjacente onde nos sentamos em um sofá de veludo branco. Ela aperta um único botão no controle remoto e em um passe de mágica me vejo diante de um verdadeiro banquete. Devoro tudo o que posso, mas agora sou mais esperta do que da primeira vez em que comi no trem vindo para cá. Experimento uma pequena porção de cada prato, deixando espaço para a sobremesa. Acabo descobrindo que tenho um fraco enorme por doces e açúcar. É tudo tão saboroso!

Enquanto faço minha refeição, Tunda revela-se uma faladeira ainda maior do que Maxell Seekirk. Ela simplesmente não cala a boca ― nem mesmo quando mastiga. No geral, são assuntos irrelevantes que acrescentarão nada em minha vida. Ou fala sobre as dificuldades de seu dia ― como a importância de se escolher a roupa adequada para cada ocasião ― ou dá palpites sobre os novos tributos. Todo ano a Capital tem seus favoritos, que tendem a serem os carreiristas, mas mesmo entre eles há alguém que se destaca mais do que os outros. Essa edição é a ruiva do Distrito 4. Aparentemente ela é tataraneta de um vitorioso que morreu há muito tempo. Esse fraco laço sanguíneo é o suficiente para que a Capital entre em ebulição.

― Ah, quem me dera se eu pudesse ser a estilista dela ― Tundra lamenta enquanto mastiga o ganso, esquecendo-se da minha presença.

Quando terminamos de comer, a Mulher Cobra começa a trabalhar em mim. Primeiro ajeita o meu cabelo, modelando-o e colocando enfeites ― coisas que se parecem com galhos e folhas. Depois arruma a maquiagem, refazendo alguns contornos onde ficou insatisfeita com as pinceladas de Alecta e Alysia. Por fim vem a roupa: um macacão colado ao corpo que me deixa com dificuldades em respirar.

Assim que acaba, a estilista me leva, com seu jeito afetado e saltitante da Capital, até um espelho que cobre toda a parede. Por um segundo, perco a habilidade de raciocinar.

Sou uma árvore.

Ao menos você não está nua, digo para mim mesma enquanto analiso os padrões do tecido que imitam as ranhuras de um tronco. Bom, se bem que estar sem roupa seria menos patético do que ser uma planta. Minha estilista é, sem resquícios de dúvidas, a pessoa mais idiota da Capital.

•••

Somos arrebanhados para o nível inferior do Centro de Transformação que, em essência, é um estábulo gigantesco. A cerimônia de abertura está para começar. Pares de tributos estão sendo colocados em carruagens que são puxadas por quatro cavalos. É aqui que encontro Maxell, Silas e nossos mentores.

Sinto uma pequena pontada de alívio ao perceber que Silas veste uma roupa muito similar a minha. A única diferença é que, ao passo que ele é um carvalho, eu sou um abeto. Percebo também que aniquilaram sua monocelha. Se ao menos pudessem dar um jeito no nariz, até que Silas seria atraente. Pergunto-me se a equipe dele teve tanta dificuldade quanto a minha durante as horas de tortura, mas acho que a resposta é não. Silas não parece ser o tipo que dá chiliques diante de uma simples depilação.

Uma luz vermelha acende e o desfile dos tributos começa. Meu companheiro sobe na carruagem. É a minha vez de içar-me quando uma mão pousa em meu ombro. Ao me virar, encaro os olhos serenos de Blye.

― Você pode dar a volta por cima, Johanna. Sorria bastante. Ninguém liga muito para a colheita. Eles vão esquecer o que aconteceu logo, logo ― diz.

Dou de ombros.

― Então acho que terei que chorar ainda mais ― respondo baixinho para mim mesma, mas algo na expressão da vitoriosa sugere que ela me ouviu.


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Notas finais do capítulo

Bom, como Johanna Mason diz no Em Chamas, os tributos do Distrito 7 são árvores nos desfiles há mais de 40 anos devido a um estilista qualquer. Mesmo Tundra sendo uma personagem basicamente irrelevante e aleatória, gosto muito dela (principalmente da aparência estilo Angelina Jolie). E então, curtiram a estilista também? E a equipe de preparação? Expectativas para o desfile? Curiosos para saber o que se passa na cabeça do Silas? Então comentem. Aceito qualquer coisa. Respondo a qualquer coisa. Vale tudo, principalmente elogios (hehe brinks). Vamos lá, galera, apareçam. Sei lidar com críticas construtivas também.
Até quinta.