Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 20
PARTE III: MORTÍFERA / Capítulo 19 ― Convocada


Notas iniciais do capítulo

300 REVIEWS??? É ISSO MESMO?
Galera, não sei o que dizer além do bom e velho obrigado. Tipo, agradeço a todos vocês que recomendaram, favoritaram e que não deixaram a fic morrer e comentaram nos capítulos anteriores. Porque, olha só que belezura: 300 FUCKING COMENTS!!! Realmente estou muito grato por esse feedback incrível.

Agora, o capítulo.
Sim, cabada, já estamos na terceira e última parte da fic. Nem dá para acreditar que já estamos andando para a tão esperada conclusão de Os Jogos de Johanna Mason.
Bom, chega de enrolação e aproveitem o capítulo!

REVISADO EM 24.04.2017



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OBRIGO A ÂNSIA DE vômito a regredir e encaro o corpo inerte da carreirista negra cujo nome nem sei. O machado encontra-se fincado em sua testa, o cabo de madeira apontando diagonalmente para o céu sem nuvens. Sangue começa a escorrer do corte, formando estrias escarlates que trilham caminhos tortuosos que acabam juntando-se nos cantos dos olhos como se fossem lágrimas vermelhas. O líquido morno também surge em uma das orelhas parcialmente coberta pelo espesso cabelo castanho e empapa os cachos. Seus olhos vítreos encaram a copa das árvores como se o cadáver estivesse prestando atenção absoluta na sutil mudança das folhas com a força do vento.

Sei que mais tarde os sentimentos humanos aflorarão, mas agora tenho que agir. Ignorando o chão oscilando sob meus pés, retiro o machado do crânio do tributo, fazendo um som úmido de sucção. Prendo a respiração, ajoelho-me e desfaço o nó que mantém a máscara azul fixa no rosto da garota ― provavelmente o presente de um patrocinador para que a carreirista respirasse melhor após a erupção do Vulcão Norte.

O brilho prateado da alabarda chama minha atenção. É uma arma completamente inútil para mim e a ideia de deixá-la por aí apenas esperando ser capturada por um sobrevivente não me atrai. Pego a arma e sinto o peso do metal. A lâmina está respingada de vermelho e pergunto-me se o sangue seco é de Silas ― pois lembro-me dele dizer algo sobre esta garota ser a responsável por seu membro decepado. Minhas entranhas contraem-se quando decido improvisar.

Não tendo escolhas, perfuro o abdômen da carreirista com sua própria arma, na diagonal. A sensação de sentir o metal enterrando-se na carne através do cabo não é das melhores e me faz ranger os dentes. Solto a alabarda e fico ligeiramente satisfeita quando ela mantem-se presa ao corpo. Assim, quando o aerodeslizador vier recolher a garota do Distrito 2, levará a arma também.

Bato as mãos na minha coxa como se para espanar a sujeira das palmas, orgulhosa pelo bom trabalho. Desamarro a camiseta encharcada de água do rosto e volto a vesti-la, contente por cobrir os seios após tanto tempo expostos. Coloco a recém-adquirida máscara de proteção respiratória, ajustando o elástico atrás das orelhas.

Estou quase afastando-me do corpo para que este seja içado da arena quando lembro-me de algo que pode ser importante. Giro nos calcanhares à procura do arbusto onde a carreirista estava escondida antes do ataque. Encontro a amoreira-anã despida de frutos a poucos metros. Hesitante, dou uma volta ao redor da árvore.

Abro um pequeno sorriso amarelo.

Ali, bem escondido no pé da amoreira, oculto pelos ramos mais longos e a folhagem densa, avisto um vulto ligeiramente familiar. Agacho-me e pego uma mochila azul-escuro, já testando a resistência das alças. É razoavelmente maior que a minha e igualmente pesada. Abro o zíper, torcendo para encontrar algo útil, e despejo todo o conteúdo no chão da floresta.

Embasbacada, abro a boca em descrença perante os suprimentos da carreirista. Além do básico ― um cantil cheio, um vidro do purificar de água azul, cinco latas de comida em conserva e um canivete ―, há também coisas que eu nem sonharia em encontrar na arena. Pego um pequeno frasco metálico ― uma dádiva. Desentarraxo a tampa e cheiro o conteúdo. Franzo o nariz. Remédio. Faz sentido, uma vez que a garota tinha ferimentos preocupantes de queimadura pelo corpo. Giro um par ligeiramente familiar de óculos de sol. Coloco-o e retiro de imediato, pois algo engraçado acontece com minha visão. Tenho que esforçar minha memória um pouco para lembrar-me do que se trata. Visão noturna. Entretanto o que realmente chama minha atenção é um saco transparente. Dentro dele há maravilhosas delícias da Capital: bolinhos de chocolate do tamanho do meu dedão recheados de licor. Antes de me controlar, enfio três na boca.

― Finalmente comida boa ― falo comigo mesma ainda mastigando os doces.

Passo todos os suprimentos encontrados para minha mochila, que fica dez vezes mais pesada do que antes. Dou um jeito de atar a mochila vazia na alabarda fincada à dona a dois passos de distância, trançando as alças no cabo da arma. Pronta para partir, pego ambos os meus machados, dou uma última olhada para a carreirista e sigo meu caminho.

O vento muda suavemente e sinto a presença do aerodeslizador assim que atinjo uns dez metros de distância do corpo. Então, em um passe de mágica, a garota do Distrito 2 se vai. Simples assim.

Não perco tempo com paradas. Desatarraxo a tampa do frasco e vou espalhando o creme malcheiroso pelos ferimentos. Assim que passo a loção no local da queimadura feita pela explosão dos gêiseres, ela para de coçar instantaneamente. Quando devidamente medicada, sinto-me renovada dos pés a cabeça. Bom, que os Jogos de fato comecem.

•••

O sol está mergulhando no oeste quando resolvo procurar um bom lugar para montar acampamento. Escolho uma boa faia, tão grossa quanto qualquer carvalho centenário, para encostar, ladeada por um pequeno aglomerado de rochas pela direita e enormes cedros à esquerda. É um ótimo ponto estratégico para boas e merecidas horas de descanso.

Ajeito-me da maneira que posso, ambos os machados ao alcance das mãos. A luminosidade despenca em minutos, restando apenas a luz das estrelas para banhar toda a arena. Coloco os óculos escuros e vejo a floresta tão bem quanto de dia. Começo a mordiscar um bolinho de baunilha salpicado de açúcar quando o céu brilha e o hino de Panem retumba em meus ouvidos. Inclino-me para frente e encontro uma pequena fresta nas densas ramificações da faia. É por ela que vejo os mortos do último dia, incluindo as vítimas do vulcão.

O primeiro rosto a aparecer é o carreirista do Distrito 1, que antecede a garota do 2, morta por mim essa tarde. O menino sardento do Distrito 6 é o próximo a surgir, seguido por ambos os tributos do 8. A garota do Distrito 11 é a última a cair. O hino acaba e a insígnia da Capital pisca uma vez antes de desaparecer.

Em silêncio, forço as engrenagens do meu cérebro a cooperarem. Com essa última grande baixa, dezessete adversários já foram eliminados. Contando comigo, restam sete tributos. Entre eles estão a carreirista do 1, ambos os competidores do Distrito 4 e Sapphire, a garota do 10. Faltam outros dois sobreviventes, mas não recordo-me quem são. Pergunto-me se os jovens do 1 e 4 continuam na aliança carreirista, mas acho improvável. Eles sempre tendem a virar-se uns contra os outros quando o jogo fica mais perto do final. Entretanto, tenho que levar em consideração o fato de ambos os tributos do 4 ainda estarem vivos. Talvez estes estejam trabalhando em conjunto, eliminando os últimos sobreviventes.

Viro-me e arranco um bom pedaço de musgo do tronco da faia. Uso a superfície esponjosa para limpar o sangue da lâmina do meu machado. Eu deveria sentir-me culpada, ou ao menos enjoada por ter matado alguém, mas não há nada desses sentimentos em meu peito. Sou como um vaso vazio, uma casca oca. Isso me preocupa, mas acabo assoprando os pensamentos para longe. Porque estou nos Jogos Vorazes, e não há espaço para piedade.

Sonolenta, estou quase fechando os olhos quando me lembro de que já estou entre os oito últimos sobreviventes. Isso significa que minha família e amigos serão ― ou já foram ― entrevistados pela Capital. A última vez que alguém do Distrito 7 permaneceu vivo por tanto tempo foi nos Jogos de Blye Lockheart, minha mentora, e ela venceu. Talvez seja um sinal.

― Ressalte apenas minhas melhores qualidades para a televisão, florzinha ― digo para Dahlia, minha irmãzinha, apelidada por mim de “florzinha” desde aquela vez em que colheu margaridas silvestres para enfeitar a casa. Fecho os dedos na terra seca, pensando em meu lar e se meus pais estão conseguindo segurar as pontas sem mim. Espero que sim.

Deixo as pálpebras descerem. Estou tão cansada, tão exausta disso tudo. Meu único conforto é o ódio crescente que sinto não apenas pelas pessoas que me obrigaram a participar dessa loucura, mas por todos que colaboram para o círculo vicioso que é os Jogos Vorazes nunca terminar: os Idealizadores, Caesar Flickerman, Claudius Templesmith, Tundra Follmann, presidente Snow ― principalmente o Snow.

É uma noite difícil e inquietante. Mesmo com sono e com todo o corpo implorando para dormir, não consigo fechar os olhos por mais de cinco segundos. Qualquer chilrear de uma coruja caçando alimento ou até mesmo a mudança insignificante do vento é suficiente para que eu levante-me com os dedos cerrados no cabo do machado e os músculos retesados. Tenho que olhar várias vezes ao redor e certificar-me que estou sozinha para voltar a cabeça sobre a cama ruidosa improvisada de folhas secas. Algo me diz que os Idealizadores estão tramando algo, sinto isso em meus ossos.

Não sei como, mas em algum instante, consigo dormir.

•••

É o formigar em minhas pernas que me acorda.

Assustada, levanto em um pulo, um grito ficando engasgado na garganta e rápidas teorias rondando minha mente sobre os motivos para o comichão. Serpentes. Insetos demoníacos criados nos laboratórios da Capital. Besantes. Talvez fosse a névoa proporcionada pelo sono, mas até penso se tratar de envenenamento ― algo que comi ou bebi.  

Ergo a barra da calça.

Imediatamente solto um longo suspiro de alívio e em seguida cerro os dentes por provavelmente ter feito papel de idiota para toda Panem. São formigas. Não das espécies perigosas ou ao menos conhecidas pelas picadas dolorosas. São apenas insetos inofensivos ― bem, é o que aparentam ser. No Distrito 7, formigas desse tipo estão por todos os lugares: floresta, ruas, casas, escolas e até mesmo nas fábricas de papel.

Concluo que não apresentam ameaça alguma e espano os insetos de minhas pernas com a mão. Entretanto, algo me faz parar e olhar os arredores mais atentamente. Aproximo o rosto do tronco da faia e lá encontro centenas de formigas traçando uma única trilha para o solo, onde há, talvez, milhares. Vou para a próxima árvore e vejo mais delas. No chão, a única maneira de não ser escalada pelos insetos é manter-me em movimento o tempo todo. Isso não cheira bem.

Lembro-me que nos dias anteriores sempre houve formigas ― até chutei algumas colônias como passatempo ― mas não nessa proporção. É como se, de uma hora para a outra, os Idealizadores resolvessem despejar uma enorme quantidade de formigas na arena para... Para o quê? Encaro-as escalando minha mochila azul, pontilhando-a de preto. Se forem bestantes, não deveriam atacar? Então porque não o fazem? Sinto que estou deixando algo muito importante passar, mas não sei o quê. É quando percebo.

Estou em uma armadilha.

Corro para minha mochila e chacoalho-a freneticamente para livrar-me das formigas. Nem todas caem, mas mesmo assim coloco-a nas costas. Não dá tempo para eu pegar meus machados, pois o som das trombetas irrompe pelo céu da arena.

O que ouço a seguir é a inconfundível voz de Claudius Templesmith retumbar em meus ouvidos:

― Saudações, tributos sobreviventes, saudações! Falo por toda Panem quando digo que vocês são os jovens mais corajosos e valentes de nosso país ― ele diz como se realmente estivesse feliz por ainda estarmos vivos. ― Mas não estou aqui apenas para congratulações. Por obséquio dos Idealizadores dos Jogos, foi decidido que o ágape ocorrerá ainda hoje, no findar do dia. Entretanto, como a Cornucópia está inabitável devido a acontecimentos recentes, o local do banquete foi realocado. Lembrem-se, tributos guerreiros: “As formigas mostram o caminho. O campo de margaridas indica o local”. Apressem-se, competidores, e bom Jogos Vorazes!

As trombetas soam novamente e, por fim, o silêncio.


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Notas finais do capítulo

Bom, não me julguem, ok? Sei que o cap ficou meio paradinho, mas acontece que ele é um elemento de ligação muito importante para todo o fluxo da história.
E então, leitores, ansiosos pelo banquete? Porque imagino que todos saibam o que vai acontecer lá, certo? Spoiler alert: SANGUE!!!

AS BAIXAS DO DIA:

• Garoto do Distrito 1

• Garota do Distrito 2

• Garoto do Distrito 6

• Garoto do Distrito 8
• Garota do Distrito 8

• Garota do Distrito 11