Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 19
Capítulo 18 ― Assassina


Notas iniciais do capítulo

Vamos lá, não há muito o que dizer sobre esse capítulo aqui nas notas iniciais. Acho que só o título já basta para vocês criarem especulações, certo?
Pois bem, até lá embaixo, cambada!

NOTA: Ao encontrarem o [ * ], favor clicar nele.

REVISADO EM 24.04.2017



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DECIDO ESPERAR E VER quem morreu durante a erupção do Vulcão Norte antes de bolar qualquer plano. Mesmo um pouco inquieta e ligeiramente paranoica, consigo passar o resto do dia descansando e recuperando a energia perdida na última noite. Como não tenho muito o que fazer, acabo matando o tempo comendo. Quando percebo, devorei mais da metade do segundo mapache e repreendo-me mentalmente.

Guardo meus suprimentos na mochila e opto por dar uma volta pela arena, reconhecer áreas que não estive antes e, quem sabe, ter a felicidade de encontrar outras cerejeiras. No trajeto, deparo-me com algumas prímulas noturnas crescendo perto das faias e franzo o nariz para as flores de pétalas amareladas. Odeio essa espécie em especial. Lembro-me do cheiro ruim que o caule deixa nas mãos e o quão difícil é para ver-me livre dele e tremo involuntariamente.

A queimadura feita pelos gêiseres no braço direito junto com os arranhões e rasgos proporcionados pelas bestantes e o corpo dolorido após a queda pelo declive durante a erupção começam a me irritar. Por diversas vezes cerro as mãos em punho, contendo o impulso de coçar-me loucamente, pois me lembro de algo dito pelo instrutor de primeiros-socorros sobre o assunto. Coçar nunca é uma boa ideia.

Na metade do dia ouço o característico som do canhão. O tiro propaga-se por toda a arena, ecoando nos declives e vales naturais, transformando apenas um tiro em dezenas. Torço para que esse tenha sido o anúncio da morte da ruiva do Distrito 4 apenas porque não gosto dela.

Toda a floresta está coberta por um manto de cinzas e isso me deixa ainda mais entediada. Cinza, cinza, cinza. Nunca outra cor. A Capital conseguiu até mesmo apagar a vivacidade da natureza. Monótono, tranquilo e cinzento. Com a respiração abafada pela máscara improvisada feita com a camiseta encharcada de água enrolada ao rosto, os machados começam a pesar em minhas mãos. Até agora foram basicamente inúteis ― apenas usei-os para espantar as aves bestantes para que não me devorassem. É quase criminoso ser o portador de armas tão mortíferas e deixá-las encostadas em um canto.

Decido familiarizar-me com meus instrumentos ― sentir o peso da cunha metálico ao desferir um golpe, a abrangência da lâmina ― antes de enfim usá-los em carne humana. Quem sabe algum idiota podre de rico possa querer me patrocinar se ver o quão boa sou com a arma.

Escolho uma pequena clareira circular sem árvores ou pedras no caminho. Coloco a mochila e os cantis encostados em uma faia de tronco negro, tiro a camiseta do rosto ― o ar não parece tão ruim agora ― e jogo-a sobre a mochila. Segurando um machado em cada mão, posiciono-me no centro da campina.

Por alguns segundos permito-me fechar os olhos e lançar toda a minha concentração nos demais sentidos. Ouço o suave farfalhar de folhas secas ao vento; sinto a dureza da madeira do cabo dos machados em meus dedos; ao esfregar a língua no céu da boca, ainda consigo identificar o gosto metálico da água das piscinas termais. Se me esforçar bastante, até consigo esquecer que, se tiver nada de emocionante acontecendo, eu estou sendo transmitida ao vivo por toda a Panem.

Abro os olhos, inspiro o odor de enxofre das cinzas que ainda rodopiam no céu. Os primeiros golpes chegam a ser desajeitados e hesitantes, desferidos no ar. Tento recriar algumas sequências simples que já vi ao longo dos Jogos Vorazes, como o golpe giratório que a garota do Distrito 2 usou para ganhar a sexagésima oitava edição. Não é tão difícil ― requer apenas boa coordenação motora, coisa que tenho.

Quando percebo, escolhi uma bétula como alvo, desferindo múltiplos golpes no tronco maciço. Cada vez que a lâmina do machado choca-se com a madeira, uma lasca é arrancada. Em alguns momentos a linha afiada da cunha finca-se no tronco de tal maneira que tenho que posicionar o pé na árvore e fazer força para trás afim de libertar a arma. É questão de poucos minutos para que eu fique suada e ofegante, os braços reduzidos a massas molengas.

Arfando, encosto um dos machados no tronco da árvore e passo a mão nos talhos que criei. São irregulares e assimétricos, mas mesmo assim prendem minha atenção, hipnotizando-me. Após alguns instantes de torpor, recolho minhas coisas e traço o mesmo caminho de volta à rocha. É quando noto uma pequena pegada nas cinzas, perto de um azevinho, que me faz parar. Há outras, humanas, porém não pertencem a mim.

Em um piscar de olhos, os pelos de meu braço ficam eriçados e meus sentidos despertam para qualquer sinal de perigo. Sem sair do lugar, o coração batendo acelerado, giro duas vezes, observando a paisagem, procurando qualquer anormalidade. Entretanto, tudo está calmo e tranquilo. Quieto. Muito quieto.

É nesse momento que um borrão surge de um arbusto e salta em minha direção. Não há tempo para reagir, apenas uma exclamação de surpresa começando a tomar meus lábios, quando uma massa corpulenta atinge-me em cheio e joga-me contra uma árvore. O ar foge de meus pulmões com o impacto, drenado para fora do corpo. O mundo oscila, girando vertiginosamente. De barriga para o chão, tento usar meus braços para levantar-me, mas eles não me obedecem.

O beijo frio de uma lâmina roça em meu pescoço, obrigando-me a inclinar o rosto para cima e encarar a face de meu agressor. Ainda meio tonta pelo tombo e a claridade do sol ofuscando minha visão, tenho dificuldade em capitar o que está acontecendo. Vejo dois rostos escuros, mas não faz muito sentido. Estreito os olhos e finalmente percebo que estou tendo visão dupla. Demora alguns segundos para meu mundo entrar em foco e parar de girar.

Encaro uma garota alta e negra de olhos amendoados faiscando ódio. Há uma máscara azul idêntica à que minha equipe de preparação usou enquanto fazia minhas unhas, cobrindo do queixo até a ponta do nariz*. Em pé, ela aponta sua lança para mim. Não, espere. Não é uma lança. Trata-se de uma alabarda, acho. O nome da arma finalmente desperta a origem do tributo feminino. É a carreirista do Distrito 2.

Bom, ela não parece estar muito bem. A julgar pelo ferimento de queimadura no braço esquerdo, eu diria que a garota esteve em sérios apuros durante a erupção na noite anterior. Isso é bom ― ao menos para mim.

Os segundos se arrastam e os olhos da carreirista a traem, cintilando algo, um sentimento. Hesitação. Tenho que esforçar-me para lembrar tudo que fiz antes de entrar na arena ― que parece ter sido anos atrás. Porque quis fingir-me de fraca mesmo? Ah, é. Fazer com que eles pensem duas vezes antes de me matar, vacilar na hora do ato.

Fecho os dedos nos cabos de meus machados, ciente de que esses segundos de espera podem significar minha sobrevivência ou a morte, mas encontro apenas terra e folhas secas. Eles devem ter rodopiado para longe durante o impacto.

― Por favor, não me mate. Por favor, por favor, não! ― imploro sem desgrudar os olhos do tributo. ― Não me mate, faço qualquer coisa! Por favor!

As cinzas ajudam na encenação, deixando meus olhos irritados e marejados. As primeiras lágrimas escorrem por minhas bochechas enquanto tateio loucamente à procura de alguma coisa para usar como arma contra minha atacante ― uma pedra, um galho suficientemente grande, qualquer coisa. Tento engatinhar para longe, mas a carreirista pressiona a lâmina da alabarda até que sinto algo quente escorrer por meu pescoço.

― Por favor. Por favor, não faça isso. Por favor, por favor, por favor ― insisto aos soluços e posso dizer com certeza que uma luta interna acontece dentro da garota do Distrito 2. Ah, ninguém resiste à menininha assustada e histérica. ― Me deixe ir e eu juro que... que nunca mais vai me ver. Por favor, por favor, por favor.

― Cala essa maldita boca ― ela rosna.

Engulo o choro e aproveito o momento para olhar discretamente para os lados, procurando por aliados da menina. Mas há ninguém. Pergunto-me se o bando de carreiristas já se desfragmentou. Aliás, se é que existem outros carreiristas além da que está à minha frente. É quando finalmente envolvo os dedos em uma superfície dura e irregular com uns quinze centímetros de diâmetro. Uma pedra. Roço o polegar na ponta afiada. Isso irá servir.

Não tento golpeá-la alinda, pois a lâmina de sua arma está disposta de maneira que qualquer movimento ofensivo meu resultará em uma bela garganta cortada ― a minha. Portanto tenho que esperar o momento certo, torcer para que ele venha logo.

― Por favor ― digo uma última vez.

As sobrancelhas da carreirista se juntam. Ela tomou sua decisão.

― Você até que parece ser uma pessoa legal, mas não sou eu quem faz as regras. Até.

A garota do Distrito 2 ergue a alabarda uns trinta centímetros acima da minha cabeça para ter a força suficiente para matar-me com um único golpe. É essa a abertura que eu estava esperando. Em um movimento rápido, jogo meu corpo para frente e enterro a pedra na coxa do tributo, fazendo-a perder o pé de apoio e cambalear para trás. Uso esse espaço de tempo para levantar-me e localizar meus machados. Encontro um deles aos pés de um cedro. Após pegá-lo, giro nos calcanhares e encaro minha adversária.

Ela encontra-se entretida tentando estancar o ferimento jorrando sangue com uma mão e segurando a alabarda com a outra. Coloco toda a força que tenho no braço direito ao erguer o machado e descer com tudo em sua têmpora. A carreirista nem vai saber o que a acertou. Entretanto, cometo um erro. Mesmo com tantos anos de prática ao manejar um machado, durante a histeria de enfrentar a morte, seguro o cabo de maneira errada. O machado desce, mas não é a lâmina que se enterra na carne da garota do 2. Acerto com a parte romba e achatada da cunha em sua testa.

Se eu tivesse sorte, o impacto seria o suficiente para estraçalhar o crânio da garota do Distrito 2 e perfurar o cérebro, mas, como já foi provado mais de uma vez, a sorte nunca está a meu favor. Mesmo após desabar no chão, a carreirista negra ainda respira, mesmo que debilmente.

Aproximo-me, o machado abaixado roçando as folhas do chão. Sua máscara cobre a boca e o nariz. Vejo apenas os olhos, enormes. Ela pisca duas vezes para mim. Ao contrário do que pensei, não há sangue, apenas uma protuberância onde o crânio cedeu. Moribunda, porém viva. Você tem que acabar com isso, digo para mim mesma. Sim, eu tenho.

Então me lembro do que Blye Lockheart disse antes de eu vir para cá: “Eu costumava fantasiar na arena. Fingia que todos eram árvores”, ela falara. No começo eu não entendia como isso poderia ajudar, afinal, tributos não são árvores. Mas, agora, acho que a ideia pode vir a calhar.

Olho para a garota do Distrito 2 e repito suas palavras:

― Você até que parece ser uma pessoa legal, mas não sou eu quem faz as regras. Até ― digo para a árvore e enterro a lâmina do meu machado em sua testa, bem entre os olhos.

O canhão soa.


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Notas finais do capítulo

Sim, cambada. Finalmente a fic deu uma guinada impressionante, né? E, adivinhem... ESSE É SÓ O COMEÇO. Garanto que a partir daqui haverá muita emoção e reviravoltas emocionantes!
Até quinta!