Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 14
Capítulo 13 ― Gêiseres


Notas iniciais do capítulo

Aooooooo! Como o prometido, aqui estou eu.
Bom, só digo que é a partir desse capítulo que as coisas vão esquentar na arena. Afinal, não é necessária ser um gênio para imaginar o que está por vir. Basta ler o título (hehe). É só isso mesmo, cambada.
Boa leitura!

REVISADO EM 22.04.2017



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NINGUÉM APARECE PARA nos matar.

Com o sol se pondo, escuto apenas o barulho da floresta ― folhas farfalhando ao vento, o som de animais noturnos começando a despertar. Não há galhos se partindo ou as vozes dos carreiristas. Todos os tributos devem estar bem longe dessa fatia da arena, o mais distante possível do vulcão fumegante que pode entrar em erupção a qualquer instante. Mesmo se ouviram os gritos agonizantes de Silas, não se arriscarão para descobrir o motivo. Mas não devo ficar muito confiante. Eu não fui a única pessoa a pensar em usar esse canto da arena como refúgio ― meu aliado teve a mesma ideia. Talvez outros competidores também possuam essa linha de raciocínio. O pensamento me faz estremecer e segurar o cabo do machado com ainda mais força.

Silas está dormindo ― talvez inconsciente devido a dor ― em uma posição desconfortável. Olhando para o coto devidamente enfaixado com as bandagens e vendo que o sangramento cessou, percebo que fiz um ótimo trabalho. Aposto que o instrutor de primeiros-socorros que me ensinou na Capital deve estar orgulhoso de mim.

Faz quase duas hora que estou imóvel observando as árvores em volta, encostada à rocha, de guarda. A cada segundo que se passa, mais certeza tenho do meu erro ao ajudar Silas. Ele é inútil, um peso morto. Eu deveria me levantar agora, colocar a mochila nas costas, pegar um machado e ir ― deixá-lo por conta própria. Com certeza ele vai encontrar uma maneira de se matar sem minha ajuda.

Penso em meus pais, no Distrito 7. Se estiverem em casa me assistindo, tenho certeza que não se encontram sozinhos. Aposto que Siena, minha amiga, deve estar lá, e até mesmo Vibia, a mulher carismática que trabalha no Setor 8 comigo. Pergunto-me o que minha mãe acharia se soubesse sobre os pensamentos que me rondam. A ideia me faz esboçar um sorriso. Claro que ela desaprovaria com total veemência. Minha mãe nunca gostou da barbaridade dos Jogos. Lembro-me em como ela evitava a sala quando a televisão ficava ligada. Sangue, dor, mortes, tudo isso a repele como lama na pele afasta os mosquitos. Mas agora ela deve estar assistindo, sem escolhas, torcendo pela sobrevivência da filha. Olhos grudados à tela, impotentes, julgando-me.

Olho para o céu. Os últimos raios alaranjados estão dando lugar para o cor-de-rosa do findar do dia e posteriormente o azul da noite. É lindo. E irreal. Nunca vi um pôr do sol com todas essas cores e matizes lá em casa. Isso me faz questionar se ao menos é o mesmo céu que olho todos os dias quando abro as persianas. Por entre as copas verdes das árvores, vejo as primeiras estrelas aparecerem.

A chegada da noite representa novos obstáculos, novos problemas. Se há uma coisa que aprendi sobre os Jogos ao assisti-los pela televisão é que os carreiristas tendem a escolher a luz da lua para caçar. Isso me deixa inquieta. Não estou tão longe assim da Cornucópia como queria. Umas três horas de caminhada moderada nessa direção é o suficiente para nos encontrarem. Resta apenas torcer para que eles ignorem essa parte da arena, afinal, o vulcão fumegando é o meu melhor aliado no momento.

Por precaução, jogo mais uma camada de terra na fogueira para extinguir as brasas mais resistentes até que reste somente as cinzas e uma delgada linha de fumaça.

O hino de Panem começa, vindo de lugar nenhum. Sei o que significa e volto a cabeça para cima. A insígnia da Capital brilha no céu em um telão gigantesco sustentado por um aerodeslizador. O primeiro rosto a aparecer é o do garoto do Distrito 1, seguido pela menina do 3. As garotas do 5 e 6 também caíram. Ambos os tributos do Distrito 9 me encaram do céu, assim como o rapaz do 11 e os dois do 12. Cinco carreiristas ainda estão vivos, sedentos por sangue. Uma pena que a ruiva do Distrito 4 ainda respira. E não posso esquecer-me de Sapphire, a pessoa menos detestável dos que foram jogados aqui comigo. Com sorte, os carreiristas se empenharão em caçá-la e deixarão o resto de nós em paz, por ora. O hino acaba, a tela escurece.

Passo o olhar por Silas e vejo que está acordado, talvez os sons graves da música o tenham despertado. A luz da lua é suficiente para eu identificar a expressão cansada em seu rosto.

― Olha só, a donzela acordou.

Ignorando-me, ele ergue o braço e encara o coto branco-perolado pela alvura do luar.

― Dormi por quanto tempo?

Dou de ombros, ajeitando-me e procurando uma posição mais confortável no chão duro.

― Não sei. Talvez umas três horas. Acho que ficará satisfeito ao saber que, enquanto você tirava uma soneca, lavei sua camiseta e descosturei as tiras fluorescentes.

O lenhador suspira.

― Obrigado.

Sorrio.

― Ah, se eu fosse você, não agradeceria assim tão cedo. A camisa ficou rosa depois de lavada. Deve combinar com seu tom de pele. E eu já comi. A sua parte está ao lado da mochila.

Silas precisa lutar um pouco para alcançar a lata de feijão a um metro de distância. Quando a pega, quase faz com que ela caia. Não há colher, portanto ele acaba virando o conteúdo na boca e bebendo-o em três longos goles.

― Você ainda não me matou ― constata antes de tomar um trago de água do cantil que lhe dei. ― Por quê?

Encolho os ombros e tomo o odre de sua mão. Ergo-o acima da cabeça e deixo um fino fio de água umedecer meus lábios.

― Porque somos aliados, idiota. E outro, se eu achar que você é perda de tempo, sempre posso mudar de ideia e te matar enquanto dorme.

À penumbra da noite, posso jurar que Silas revira os olhos.

― Você é sempre tão doce assim? Nem parece aquela garotinha adorável que vi na entrevista falando sobre como estava triste por não ter tido um primeiro beijo ou conhecido alguém especial ― ele fala em tom zombeteiro.

Passo o dedo pela cunha do machado, acompanhando o risco afiado da lâmina.

― Parabéns. Você me fez mudar de ideia sobre mantê-lo vivo ― digo com desdém. Então faço a pergunta que está me incomodando desde quando o encontrei nas piscinas termais. ― Por que você não acreditou em mim na Capital? Quando chorei. Tenho certeza que desempenhei bem o papel.

Meu aliado suspira fundo. Dá para ver que está bem melhor do que antes, mesmo ainda encontrando-se fragilizado.

― Ah, você está falando sobre aquilo que eu disse hoje cedo? Foi só um blefe. Você me enganou. Eu tinha certeza que você não passava de uma garotinha emocionalmente instável e ferrada. Foi Phox quem me alertou. Você deveria saber que as paredes têm ouvidos.

Ficamos algum tempo em silêncio enquanto medito sobre isso. Afinal de contas, eu consegui. Aposto que, se não fosse por seu mentor, eu teria dado um jeito de matar Silas quando o abracei hoje. Não sei se agradeço ou odeio Phox por isso. Além do mais, se não fosse pelo lenhador, eu não saberia sobre o frasco de purificador de água. Pergunto-me se teria chegado à conclusão de não se tratar de veneno, mas de algo que salvaria minha vida, sem sua ajuda. Possivelmente não. Eu teria desperdiçado todo o líquido azulado nas lâminas dos machados. Portanto, mesmo indiretamente, o garoto foi mais útil do que pensa.

― Tem mais água? ― Silas indaga.

Nego com a cabeça. Bebemos até a última gota.

― Vou pegar mais ― digo ao levantar-me.

Recolho ambos os odres vazios e dou um jeito de amarrá-los na pequena corda fina que furtei na Cornucópia. Faço um nó na cintura, usando a amarra como cinto. Agacho e pego ambos os machados do chão. Meu parceiro questiona, dizendo que quer ficar com um. Faço que não com a cabeça.

― Proteção pessoal ― argumento. ― E você nem consegue se levantar. Você segurando um machado é quase tão útil quanto Caesar Flickerman cortando lenha no Sete. Pode ficar com a faca.

Ando poucos passos e então me viro para Silas.

― Ah, apenas lembrando: se alguém que não seja eu aparecer, não se esqueça de gritar. Assim posso saber para que lado terei que correr para fugir.

 Estamos absurdamente perto das piscinas termais, de modo que ando pouco mais de cinco minutos até encontrá-las. A luz da lua funciona tão bem para clarear meus passos quanto o sol. O chão de terra da floresta logo é substituído por uma superfície pedregosa branca-perolada.  Desço os níveis de pedregulhos que formam uma espécie de escada improvisada e salto a última rocha com aparência suspeita.

Tudo está silencioso e enevoado pelo vapor que cresce das fontes de água e das rachaduras no solo. À noite, o cânion adquire um ar sombrio, fantasmagórico. Vou para a primeira lagoa que encontro, e para isso tenho que caminhar uns bons cem metros. Ajoelho diante da piscina minúscula, coloco os machados no chão e submerjo o primeiro cantil. A água está mais quente do que eu me lembrava. Depois de ponderar um instante, assopro o pensamento para longe. Com certeza é paranoia minha. Os Jogos mal começaram e já estou louca, resmungo para mim mesma.

Estou tampando o odre cheio quando noto pequenas bolhas de ar estourar na superfície da lagoa. Ao olhar com mais atenção, dá para ver que elas surgem no fundo da piscina. Um brilho difuso e alaranjado rompe nas profundezas da água. É então que a frequência e o tamanho das bolhas de ar aumentam, borbulhando cada vez com mais urgência. Parece que está...

Fervendo.

Sei que devo ir, que isso não é natural. Trata-se da obra de um Idealizador. Até que faz sentido, claro. Não houve mortes após o banho de sangue e, talvez, os carreiristas nem tenham saído para caçar hoje à noite, amedrontados demais com a arena. Se é que eles encontraram uma fonte de água perto do acampamento. A Capital deve estar entediada já. E o que é melhor para atiçá-los do que matar um tributo desavisado e mostrar o potencial da arena?

Na pressa, me atrapalho um pouco ao atar o cantil de volta no cinto de corda e pegar os machados do chão. Dou os primeiros passos indecisos para o mais longe possível das piscinas termais quando o primeiro gêiser esguicha água fervente a cinco metros de mim. O jato jorra para o céu com uma força descomunal, atingindo fácil a altura da árvore mais alta desse lugar. Gotículas de vapor tocam minha pele e sei que, se um desses jatos me atingir em cheio, voltarei cozida para casa, em um caixão.

Gêiseres. Lembro-me deles em alguma edição passada. Não recordo muito sobre eles, apenas que brotam do chão, são mortais ― podendo até mesmo arrancar sua cabeça fora com a pressão da água ― e que se tem um, possivelmente haverá outros. Portanto, é melhor correr.

Percorro nem metade do meu trajeto quando o segundo gêiser rompe extremamente perto de mim, um jato furioso subindo em direção às estrelas. O chão treme sob meus pés e tenho certeza de tratar-se de um terremoto. Não contendo a curiosidade, olho para trás, esperando ver o Vulcão Sul entrar em erupção. Mas o que vejo é quase tão assustador. Um, dois, três, dezenas de gêiseres rompendo em uma fúria quase animalesca, surgindo do chão. O barulho é ensurdecedor como o rugido de um bestante voraz, fazendo-me perder os sentidos de direção por um instante.

Hesito por um segundo quando sinto o terreno pedregoso tremer bem embaixo de mim. Salto para o lado assim que o jato de água fervente jorra onde eu estava há um piscar de olhos atrás. Sinto meu braço queimar antes mesmo de atingir o chão. O choque faz ambos os machados escorregarem de minhas mãos, deslizando para longe. Assim que recupero o fôlego, engatinho até minhas armas e agarro-as como se fossem minha vida. Olho para cima e vejo uma fina cortina de névoa morna descer quase que em câmera lenta.

Chego à escada de pedra e subo o mais rápido que meu pouco fôlego e o coração ricocheteando no peito permitem. Abraço a primeira árvore que encontro, na orla da floresta, grata por tocar em algo familiar e inofensivo. Você é uma bétula bonita e formosa, querida, penso ao sentir as ranhuras delicadas da casca da madeira. O melhor de tudo é que talvez você seja a única coisa nesse maldito lugar que não vai querer me matar, não é mesmo, lindinha?

De onde estou, consigo ver perfeitamente todo o espetáculo que se desenrola no vale das piscinas termais, de onde escapei por pouco. Mais explosões ressoam em meus ouvidos quando novas fontes de calor e mormaço rompem do chão. Algumas são apenas vapor escaldante, sem água em estado líquido. Outras, verdadeiras aberrações, gigantescas, subindo mais alto que o Edifício da Justiça e seus nove andares.

Ouço o inconfundível tiro de canhão.

Alguém morreu.


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Notas finais do capítulo

Sim, gêiseres. E então, curtiram?
Vamos lá, galera. Comentem se gostaram, comentem se não gostaram, comentem se desejam que eu acrescente algo, comentem se querem dizer oi.

AS BAIXAS DO DIA:

• Garoto do Distrito 1

• Garota do Distrito 3

• Garota do Distrito 5

• Garota do Distrito 6

• Garoto do Distrito 9
• Garota do Distrito 9

• Garoto do Distrito 11

• Garoto do Distrito 12
• Garota do Distrito 12