Os Jogos de Johanna Mason escrita por Tagliari


Capítulo 13
Capítulo 12 ― Cauterização


Notas iniciais do capítulo

Primeiro gostaria de agradecer a todos que comentaram até agora, afinal, já temos FUCKING 200 REVIEWS! Isso é motivo de comemoração, né?
Agora um pequeno comunicado: o próximo capítulo a ser postado será sexta-feira e à partir de então voltaremos na velha rotina de toda quinta um cap. novo.
Ah, só gostaria de dizer para todos lerem esse capítulo com carinho e não questionarem os atos da Johanna antes de saber o que tenho a dizer nas notas finais (É MUITO IMPORTANTE).
Boa leitura, cambada!

REVISADO EM 21.04.2017



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TALVEZ SILAS POSSA ME oferecer algum tipo de vantagem em um futuro próximo, mas agora não passa de um sujeito cansado e ferido. Quando decide confiar em mim ― que possivelmente é uma atitude estúpida ―, conduzo-o até a orla da floresta, uma vez que não encontraremos água potável nas fontes fumegantes desse pequeno cânion. Não andamos muito até encontrarmos uma rocha para encostar e dar um jeito em seus ferimentos. Afinal, é isso que um bom aliado faria.

Cuido primeiro do corte na clavícula, perto do pescoço. O golpe não deve ter acertado uma artéria ou veia importante, pois, mesmo com entendimentos médicos mínimos, acho que ele já estaria morto se isso tivesse ocorrido. Penso em limpar os ferimentos com a água que recolhi das fontes termais apenas por preocupação, mas no final acabo descartando a possibilidade. Se apenas ingeri-la não é aconselhável, imagino que também não seja uma boa ideia colocá-la em contato com as feridas.

Estico a mão para a camiseta encharcada de sangue enrolada ao coto. Tenho medo do que encontrarei quando desfizer o nó. Tantos anos assistindo aos Jogos e edições reprisadas não me prepararam para isso. Finjo estar no controle da situação e recolho o braço, adiando o inevitável.

Porque não mato ele simplesmente? Afinal, o mais sensato seria isso. Acho que ninguém me culparia por dar um fim definitivo ao cara, que já está basicamente morto. Mas os Jogos mal começaram. Somente nove tributos caíram. É cedo demais para lidar com Silas, sem falar dos olhares de reprovação que receberei lá em casa. Matar um companheiro de distrito quando este ameaça sua vida é uma coisa. Agora, matá-lo quando não há ameaça de perigo é outra bem diferente. Não importa o quão ferrado este esteja.

Abro a mochila para dar algo de comer ao lenhador, embora não goste da ideia de dividir os suprimentos que roubei com tanta dificuldade após o gongo soar. Na Cornucópia, Silas pegara apenas dois machados e uma faca pequena sem serra. Entrego-lhe duas tiras de laranja cristalizada. Enquanto mastiga, observo o sangue escorrer da camisa e formar uma poça no chão, pensativa. Quanto tempo ele deve ter? Uma hora? Duas?

― Está doendo? ― pergunto quando Silas termina de comer.

Ele me encara um segundo, cético.

― Ah, claro que não. Só perdi uma mão ― diz. Então completa, caso eu não tenha notado o sarcasmo: ― Sim. Está doendo. Eu devia ter matado aquela bestante idiota do Distrito Dois.

― Quem? A garota da alabarda fez isso? ― questiono, lembrando-me em como ela sorrira para mim após o gongo.

Silas suspira.

― Sim. Eu tinha conseguido derrubá-la e estava apertando seu maldito pescoço. Se não fosse pelo cara do Um e aquele facão, eu teria dado um jeito de matá-la. Mas no lugar disso, ela conseguiu levantar e quase cortou minha cabeça fora com aquela lança. Por sorte foi apenas a mão.

Alabarda ― corrijo-o automaticamente e acrescento quando meu aliado arqueia uma sobrancelha: ― Não é uma lança, mas sim uma alabarda. São coisas diferentes. ― Após um segundo, dou de ombros. ― Mas podia ser pior.

Ele revira os olhos.

― Como? Eu podia estar morto?

― Não. Ela podia ter cortado sua mão direita. Ou você podia ser canhoto. As possibilidades são infinitas.

O garoto encosta a cabeça na rocha e olha para a copa das árvores, desistindo do diálogo. Vejo como está pálido e debilitado pela perda de sangue. O suor escorre pela testa e brilha no peito, descendo pelo contorno do abdômen. Não parece em nada com o sujeito desconfiado que fazia ameaças há cinco minutos. Silas Underwood é praticamente um cadáver.

Encaro o ponto que meu aliado olha fixamente. É uma enorme faia negra de tronco grosso e folhas largas. Penso há quanto tempo esse espécime deve estar aqui. Uma árvore demora séculos para ser tão imponente assim. A árvore é tão velha quanto os Jogos Vorazes, senão a Panem. E é essa a conclusão aleatória que me trás de volta à realidade.

Solto um suspiro.

― Certo. Vamos ver o que posso fazer com esse seu braço, maneta ― digo ao enfiar a mão na mochila na vã esperança de ter algo útil. Talvez uma mão nova.

― Ótima ideia, boneca ― ele fala.

― Me chame de boneca novamente e juro que te deixo apodrecer aqui mesmo.

― Se você insiste... querida.

Cerro os dentes e reviro os olhos, de repente tentada a assisti-lo morrer enquanto mastigo tiras de carne seca. Começo a retirar minhas provisões da mochila, mesmo sabendo que não encontrarei um remédio mágico da Capital como aqueles que os carreiristas vivem recebendo.

― Ei, o que é isso? ― Silas indaga ao apontar para o pequeno frasco transparente contendo um líquido azulado em minha mão.

Dou de ombros, indiferente.

― Não faço ideia. Acho que deve ser alguma espécie de veneno para zarabatanas. Agora que temos os machados, pensei em colocar um pouco nas lâminas.

― Espere. Manda isso para cá ― o lenhador pede e jogo o frasco em sua mão. Seu reflexo não é dos melhores, pois deixa o objeto cair perto dos joelhos. Ele leva o vidro perto do rosto e posiciona-o contra a luz do sol, pensativo. Então constata: ― Não é veneno. Vi isso no segundo dia de treinamento. É como um purificador de água.

Franzo o cenho.

― Iodo? ― questiono. Sei muito bem que o líquido dentro do frasco se parece tanto com iodo quanto o presidente Snow se assemelha a uma árvore.

― Não. É outra coisa. Se não me engano, o instrutor falou algo referente à água com metais pesados ou coisas do tipo.

Avanço em sua direção e pego o tal purificador.

― Quantas gotas por litro? ― pergunto já abrindo a tampa e segurando o cantil com água da lago. ― Dá para pensar mais rápido? Estou com sede.

― Apenas uma. A coisa é potente. Agora é só esperar alguns minutos. Bem, se eu estiver certo.

Percebendo que o tempo se arrastaria com lentidão, resolvo manter-me ocupada. Sem me preocupar com Silas, pego um machado e volto às piscinas termais para encher o odre vazio. Ao voltar, comento com meu companheiro que tratarei o membro amputado antes que acabe morrendo em uma poça de sangue.

― E o que vai fazer exatamente? ― ele pergunta, os olhos fechados, de repente cansado demais para manter as pálpebras abertas. ― Ir à Cornucópia, pegar minha mão do chão e costurá-la de volta?

Resolvo ignorar o sarcasmo.

― Ah, nada demais. Eu também aprendi uma coisa ou outra no treinamento. Garanto que quando eu acabar, vai se sentir novinho em folha ― minto com um sorrisinho no rosto. Quieta, tento resgatar cada vestígio de memória sobre o que aprendi na minha estadia na Capital, no treinamento. O instrutor de primeiros-socorros mostrou-me uma maneira rústica e eficaz para tratar de membros decepados.

Quando os minutos necessários para a água ficar purificada passam, bebo todo o conteúdo do cantil avidamente. O gosto não é dos melhores, mas dá para ingerir. É somente quando termino de enxugar o cantil que me lembro da presença de Silas. Ele não parece muito feliz. Imagino que também deve estar com sede.

― Fique tranquilo. Daqui a pouco o outro cantil também vai ficar pronto ― falo ao dar dois tapinhas no segundo odre cheio de água com uma única gota do líquido azul.

Após encontrar um tronco seco e galhos, sento-me ao chão e parto a tora verticalmente. Decido replicar os conhecimentos que adquiri com Sapphire, a garota do 10, e acender uma fogueira. Felizmente, tenho sucesso. E demorei apenas trinta minutos deslizando o graveto pelas palmas das mãos para criar a fricção necessária para gerar fogo. Depois de atiçar as chamas até conseguir uma fogueira decente, coloco a frigideira vazia sobre as pequenas labaredas. Bom, se Silas sobreviver a isso, garanto que não achará a cauterização um processo divertido.

― O que você vai cozinhar, boneca? ― o garoto pergunta, ainda encostado na mesma rocha. Acho que ele não tem forças suficiente para sequer se levantar.

Ouvi-lo me chamar de "boneca", que é uma gíria usada no 7 para se referir as mulheres mais frágeis, me enche com uma atípica onda de humor negro.

Sorrio.

― Seu braço. Bom, ao menos o que restou dele.

A cara de espanto que ele faz é engraçada o suficiente para arrancar uma risada minha que logo some quando me lembro de que não estamos sozinhos na arena. Forço uma carranca.

― Não é engraçado ― o aliado rosna. Não nego que, mesmo debilitado, ele me deixa com certo receio.

― É sim. Mas não é uma piada. Se a perda de sangue não te matar, uma infecção o fara. Então tenho que cauterizar isso antes que um Pacificador bata na porta da sua casa e pergunte onde é para deixar o seu corpo. E então? Você escolhe. Se bem que me fará um grande favor se preferir partir dessa para uma melhor agora. Isso pouparia o inevitável.

Silas estreita os olhos.

― E como posso saber que isso não é um plano para me matar?

Bato as pestanas com doçura.

― E eu que pensei que tínhamos superado esse lance da desconfiança. Se eu quisesse te ver morto, acho que já teria simplesmente pegado seus machados, colocado a mochila nas costas e ido embora. Não é como se você tivesse condições de se defender. E outro, se você não ficar forte o suficiente para ser de alguma ajuda logo, é exatamente isso que vai acabar acontecendo. Entendeu, boneca?

Ouço-o suspirar.

― Certo. Mas não pense que não tenho forças para partir sua cabeça no meio.

Reviro os olhos.

Aposto que consigo ser mais rápida e acertar suas omoplatas antes.

― Bom, talvez a cauterização doa um pouquinho. Se bem que você deve ter patrocinadores para bancar uma anestesia potente. Isso é, se alguém ainda está disposto a patrocinar um maneta.

Quase que ironicamente, após dizer isso, olho para o céu e vejo um paraquedas prateado vindo em nossa direção. Ele pousa há poucos metros.

― Olha só, lenhador. Hoje é seu dia de sorte.

Vou até a dádiva e descubro se tratar de dois rolos de bandagens e algo que se parece com uma garrafa térmica. Desentarraxo a tampa e levo a boca do recipiente ao nariz. O cheiro é forte e queima minhas narinas. Não faço ideia do que se trata. Volto ao acampamento e posiciono o frasco em frente ao nariz de Silas.

― Ei, sabe o que é isso? Parece familiar, mas não me lembro o que é.

Ele faz uma careta e joga a cabeça para o lado.

― Aguardente.

Demoro poucos segundo para saber a função da bebida alcóolica. Uma vez, Alistair, o namorado da minha irmã mais velha, foi chicoteado na Praça Principal por desobedecer a um Pacificador. Lembro que os cortes foram tão profundos e dolorosos que, quando tiraram ele do tronco, o curandeiro usou aguardente não só para esterilizar os ferimentos, como também para embebedá-lo a fim de fazê-lo sentir menos dor.

Suspiro fundo.

Tomando coragem, desenrolo a camiseta encharcada de vermelho do coto. Cada movimento que faço proporciona uma dor lancinante no meu aliado que reverbera por todo o corpo e o faz estremecer. Ele grita.

― Cala a boca! ― repreendo-o em um sussurro ríspido. ― Não estamos sozinhos, esqueceu? Se um tributo aparecer aqui para nos matar, juro que te deixo por conta própria. Toma. Morde isso.

Jogo para ele um graveto da grossura do cabo do machado. É madeira de abeto, macia e resistente. Quando ele posiciona o galho entre os dentes, termino meu trabalho e deixo a camisa molhada de vermelho cair no chão. Olho para o ferimento e o meu primeiro impulso é sair correndo. Carne, sangue e osso. É tudo que consigo identificar antes de virar o rosto para o lado e vomitar meu café da manhã reforçado tomado na Capital.

Silas ri.

― Está tão ruim assim? Ah, aposto que sim ― ele suspira, a cabeça pendendo para o lado oposto ao membro perdido, brilhando suor. ― Eu estou tão ferrado, Willyst... Espero que você não se importe, outono, mas Willyst te odeia. Acho que ela tem razão. Você é chato demais. Seco, seco, seco.

Franzo o cenho.

Willyst Wonka. Ele já falou esse nome uma vez, no Centro de Treinamento. Ela é sua namorada. Pergunto-me se essa alucinação é efeito colateral da falta de sangue.

Bato duas vezes em sua bochecha, fazendo-o despertar para a realidade.

― Willyst não está aqui. Vai, beba isso ― digo e ao poucos o faço tomar uma boa quantidade da aguardente. Não é preciso muitos goles para perceber que ele de fato não se encontra mais na arena, mas nos braços de Willyst. ― Não importa o quanto doa, não grite, ouviu? Silas, você me ouviu?

O garoto solta um grunhido que tomo como um sim.

Antes que mude de ideia, despejo uma fina corrente do líquido transparente no ferimento. O primeiro grito é gutural e parece partir do centro de Silas, fazendo-me saltar. Dou um soco leve em seu estômago e rosno com mau-humor, dizendo mais uma vez que se ele gritar, eu mesma corto a outra mão fora. Depois de algum tempo esperando o lenhador se acalmar e algum tributo atraído pelos gritos aparecer, volto ao lento processo de esterilização. Agora ele está ligeiramente mais concentrado, mordendo o galho com toda a força ao invés de gritar. Somente quando consigo identificar o que é carne e o que é osso, dou início a segunda fase.

Enrolo a camiseta encharcada de sangue na mão e pego a frigideira na fogueira. Não me dou tempo para hesitar e mudar de ideia. Pressiono a parte traseira do objeto aquecido contra o coto até sentir cheiro de carne queimada. A aguardente resolve porcaria nenhuma como analgésico. Os gritos retumbam em meus ouvidos e vibram as árvores.

Tenho certeza que todos os tributos vivos aqui agora sabem nossa localização e estão vindo direto para nos matar.


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Notas finais do capítulo

Sim, Johanna ajudou Silas. Mas não me joguem na fogueira por isso. Primeiro de tudo eu gostaria que todos quebrassem esse estereótipo de Johanna Mason apresentado no Em Chamas, porque isso aqui não é Em Chamas, tampouco A Esperança.
Tipo, sim, talvez Jojo tenha "fraquejado" nesse capítulo, mas é sempre bom lembrar que estamos falando de uma garota de 17 anos totalmente diferente da mulher amargurada e sem família apresentado na septuagésima quinta edição dos Jogos Vorazes. Não estou dizendo que ela matará ou não Silas, ou se continuará na aliança. E nem que vou desprezar o que está escrito no primeiro livro quanto a personagem ter matado todos os seus oponentes sem remorso. Afinal, é como Peeta diz: "Os Jogos mudam as pessoas". Então se tiverem paciência, também verão a Johanna mudar e aos poucos ir abraçando essa personalidade mortífera e sanguinária que mata pessoas com a facilidade em que respira.
Espero que entendam.
Até sexta então.