Ágda escrita por Maresia


Capítulo 7
Força de vontade




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O rigoroso Inverno avançava a passadas largas e obedientes, gelando por completo o nobre e trabalhador espírito dos habitantes da doce Bluegard. O gélido e cortante vento distribuía abraços de forma penetrante. O gelo caía a pique do platinado céu nublado, cobrindo na totalidade a bela aldeia nórdica.

O grande e precioso relógio, decorado com diversas pedras valiosas, localizado na enorme sala de jantar, badalara impiedosamente as cinco da manhã, o jovem Aquário acordou automaticamente. Levantou-se de forma decidida, vestiu-se e saiu do quarto, dirigindo-se ao quarto da sua aprendiza para que juntos se debatessem com mais um treino rotineiro.

– Bom dia, senhor Dégel! – Disse Ângela, quando ele entrou no quartinho. Ela já estava vestida, pronta para enfrentar a fria madrugada. No seu jovem e bonito rosto algumas feridas ainda brilhavam intensamente.

– Bom dia, Ângela! Como estão os teus ferimentos? – Perguntou o cavaleiro, examinando cuidadosamente o rosto da menina.

– Estão ótimos, não tem importância. – Respondeu ela despreocupada. – Vamos treinar. – Disse, apelando a toda a sua coragem e determinação.

– Claro que sim. Porém, devo-te avisar para que tenhas cautela, o vento hoje vai estar bastante forte e o gelo cai com muita intensidade. O treino não vai ser fácil. – Preveniu o dourado, saindo do quarto, seguido por Ângela.

Quando mestre e discípula atravessavam o vasto e quente hall de entrada uma voz os fez recuar assustados.

– Bom dia, Dégel. Bom dia, Ângela. – Saudou Unity, escondido nas sombras. – Eu irei acompanhar o treino hoje. – Anunciou para espanto dos dois. – Já preparei o meu melhor e mais resistente cavalo. – Disse, apontando para a rua branca.

– Não te aconselho, contudo faz como preferires. Mas agora vamos. – Ordenou o aquário, lamentando profundamente a imprudência desmedida do melhor amigo.

Caminharam em silêncio até deixarem a aldeia, ainda tranquila e adormecida, nas suas costas. O majestoso trotar da nobre montada de Unity era plenamente abafado pelo vasto tapete cor de prata.

– Bem, chegámos, começaremos aqui. – Indicou Dégel, chegando a uma zona deserta, limpa de habitações e repleta de grandes aglomerados de gelo brilhante e perigoso. – Ângela, hoje correremos dez quilómetros. – Disse ele, fitando a menina. – Depois executaremos alguns exercícios de combate. – Prosseguiu. – Durante a tarde debruçar-nos-emos sobre a teoria cósmica. Este é o plano para hoje. – Finalizou, dando sinal para que ela começasse a correr.

– Dégel, espera um pouco. – Pediu Unity, saltando do nobre cavalo de pelagem dourada. – Não achas que é demais, ela é apenas uma menina, tem apenas dez anos! – Interrogou o rapaz indignado, olhando para Ângela cuja longa cabeleira ruiva baloiçava ao sabor do gelado vento enquanto ela corria determinada.

– Unity, com todo o respeito, peço-te que não interfiras nas minhas ordens nem no modo como treino a minha aprendiza. – Respondeu Dégel maldisposto. – Ela será uma amazona, só com este treino rigoroso o conseguirá ser. Ou achas que os cavaleiros se tornam fortes e resistentes a dançar tango ou ballet? – Perguntou sarcasticamente, não esperando a resposta, seguiu Ângela.

Ângela corria e corria, lutando com todas as suas forças contra aquele clima desolador e criminoso. Os seus ferimentos já sangravam como pequeno charcos gelados de cada vez que o gélido vento passava por eles agressivamente. Um disfarçado declive de gelo rasteirou a menina que caiu desamparada naquele tapete de neve e dor, porém ela sem hesitar levantou-se e retomou a corrida.

– São apenas dez quilómetros, dez injustos quilómetros, todavia irei vencê-los com a minha força de vontade, eu irei vencê-los! – Pensava ela enquanto o uivar arrepiante do vento lhe martelava nos ouvidos e no coração. – Eu serei uma amazona! – Gritou ela, limpando um fio de sangue que escorria teimosamente do seu lábio.

– Sim serás sem dúvida. – Cismou Dégel mesmo atrás dela.

Finalmente os dez quilómetros deram tréguas. Ângela respirava com dificuldade, sentia uma dolorosa e aguda dor no seu peito gelado, debruçou-se sobre os seus joelhos, recuperando para a fase seguinte do treino que com certeza não seria melhor nem mais fácil. Do seu rosto brotavam brilhantes e quentes fios de sangue escarlate que pintavam a atmosfera branca. Ela olhou apreensiva em redor, vendo aquelas enormes paredes de gelo mortal que rodeavam a meta da corrida.

– Agora, pretendo que destruas estes muros de gelo apenas com os teus punhos, tens uma hora. – Explicou o cavaleiro, tremendo de remorsos e culpa. – Ela será uma amazona! – Mentalizava-se ele, vendo a menina avançar destemida para a sua fria e difícil tarefa.

– Dégel, por favor escuta-me, isto é uma loucura! – A voz gélida e irritada de Unity cortara o ar, cavalgando a grande velocidade para os alcançar. – Pára com esta barbaridade, olha como ela sangra. – Implorava o jovem aristocrata, tentando chamar à razão o dourado do gelo.

– Unity, mais uma vez te peço, não interfiras. – Respingou o aquário zangado, colocando-se na frente do seu amigo para evitar que ele segurasse Ângela.

– Parem imediatamente com essa discussão! – Gritou a determinada aprendiza, dando um grande e potente soco na muralha de gelo que atirou um enorme bocado pelos ares. – Unity obrigada pela preocupação, contudo este treino é necessário para eu atingir o meu objetivo. – Disse ela.

– Certo. – Resignou-se o jovem de cabelos de ouro virando costas ao tenebroso treino.

Apesar de Ângela colocar toda a sua coragem, força de vontade e determinação nos seus fortes socos, a parede de gelo continuava de pé, firme e rígida como sempre, apenas alguns pedaços faltavam aqui e ali, nada de satisfatório na opinião do gelado cavaleiro. A cada desesperado murro as forças abandonavam-na à mercê daquela neve congelante e mortífera. Num último e desesperado soco, os joelhos da menina embateram pesadamente na superfície suave e macia que a rodeava, os seus olhos mergulharam vertiginosamente no mundo das trevas.

– Ângela! Ângela! – A voz fria e conhecida de Dégel inundava-lhe os ouvidos enquanto a sua mão dava pequenas pancadinhas no rosto ensanguentado da menina. – Vamos acorda o treino ainda não findou e a parede ainda está de pé, vamos acorda! – Dizia Dégel, vigiado de perto por Unity que estava furibundo. Finalmente a menina despertou daquele sono gelado, ergueu-se sem olhar para o Aquário e dirigiu-se sem pestanejar à imponente muralha de gelo – Ângela! – Pensou o dourado, admirado com toda aquela determinação e vontade de vingar perante aquele difícil obstáculo. – Eu acredito em ti.

– Não desistirei! Eu serei uma guerreira ao serviço do santuário! Gela meu cosmo gela! – Um magnífico e suave cosmo repleto de partículas geladas encheu os ares, Ângela libertou um valente soco empregando de toda a sua energia gelada. A atmosfera brilhava agora com a aparição de milhares de cristais brilhantes, finalmente a muralha de gelo cedera, perante a vontade incontestável de Ângela.

– Bravo! Bravo! – Festejava Unity enquanto Dégel segurava a menina a fim de impedir uma nova e dolorosa queda. – Deixa-a descansar um pouco. – Pediu o jovem louro, afagando a linda e quente cabeleira ruiva de Ângela.

– Sim, descansa um pouco. – Concordou o cavaleiro. – Não penses que este feito foi uma grande vitória porque apenas é um começo. Ainda tens uma vasta e complicada jornada pela frente. – Avisou o dourado, recebendo um olhar reprovador dos lindos olhos azuis do jovem nobre.

– Eu sei. – Murmurou Ângela. – Podemos retomar o treino, estou pronta. – Disse decidida.

– Certo, então agora praticaremos alguns movimentos de combate. Quero que me ataques com tudo o que tens. Mostra-me do que és capaz! – Explicou Dégel, elevando ligeiramente o seu cosmo nórdico. – Vamos lá!

Ângela tremeu violentamente perante aquele exercício, ela não queria atacar o seu mestre, o seu salvador, o seu grande amigo, ela não queria mesmo.

– Perdoe-me, mestre Dégel. – Pensou ela, impulsionando-se para dar um pontapé no cavaleiro, todavia este desviou-se com facilidade.

– Concentra-te, isso não foi nada. Tenta de novo. – Repreendeu o dourado.

Desta vez, Ângela investiu com um soco, Dégel segurou-o apenas com uma mão sem qualquer dificuldade. E muitos ataques se sucederam sem êxito algum.

– Senhor Dégel…

– Basta de desculpas! Achas que os teus adversários esperariam que tu os atacasses? Claro que não, eles matar-te-iam no primeiro segundo. O teu inimigo agora sou eu, ataca-me! – Ordenou Dégel, dando um murro que atirou Ângela ao chão. Nada mudou, ela continuou sem querer assertar os seus ataques.

O cavaleiro estava desesperado, não sabia o que fazer. Aquela miúda tinha qualidades e muita potencialidade, porém resistia com todas as suas forças a fazer usufruto das suas imensas e desconhecidas capacidades e do seu fantástico cosmo.

– Há seis meses que iniciámos os teus treinos e ainda não houve progressos significativos, na minha opinião acho que devias repensar as tuas prioridades e objetivos com calma. Num cenário real de combate ou guerra tu não durarias nem um minuto. – Repreendeu o jovem cavaleiro enquanto faziam o caminho de volta a casa para almoçar e abraçarem a tão importante teoria.

– Eu darei o meu melhor. – Disse Ângela em voz sumida e triste devido ao facto de estar a desiludir o seu mestre.

Depois do almoço, Ângela subiu até ao seu quarto para trocar de roupa e descansar um pouco antes da demorada sessão de estudo nos confins poeirentos da biblioteca. Dégel por sua vez, ficou sentado num cadeirão de chita, olhando pela vidraça gelada, refletindo sobre as suas atitudes e o seu modo de treinar aquela criança. A preocupação e os remorsos picavam, como se fossem finas agulhas, o seu coração.

Os pensamentos rodopiavam na cabeça do jovem defensor de Atena, como um tremendo e confuso turbilhão de gelo e calor, porém as desesperadas conclusões fugiam-lhe precipitadamente por entre os dedos adormecidos pelo imenso frio, transformando-se em sombrias miragens indeterminadas e abstractas. O Aquário deu uma pequena pancadinha na sua cabeça com o intuito de se libertar daquela prisão murada de ideias absurdas e estúpidas. Alguns paços cruzaram a atmosfera silenciosa e pensativa, para grande alívio do jovem Dégel. Os seus lindos olhos vaguearam pela vasta e acolhedora sala.

– Tanta preocupação a toldar essa mente brilhante. Tanto sofrimento a congelar esse nobre coração. Qual o motivo de tais e cruéis sentimentos, meu caro cavaleiro? – Perguntou a sábia e terna voz do Senhor Garcia, sentando-se num outro cadeirão de chita, perto da fervilhante lareira cantante.

– Reflecte-se assim com tanta nitidez o meu estado de espírito? – Questionou Dégel, franzido o sobreolho, surpreendido.

– A tua alma, para mim, é tão transparente como um espelho, meu filho. – Esclareceu o bom homem. – As palavras são, por vezes, as melhores armas que possuímos, na luta infindável e desesperada, que travamos contra diversos sentimentos que nos corroem o espírito e a mente, usa-as para te proteger, fala comigo. – Disse sabiamente o velho senhor Garcia.

– Eu estou preocupado com Ângela. Apesar de ela demostrar uma bravura indomável, uma força de vontade que eu nunca antes vira, e uma determinação infalível, as suas qualidades não superam a sua fragilidade. – Desabafou o cavaleiro, recordando o pesado treino de algumas horas atrás. – Talvez Unity tenha razão, talvez este treino seja uma barbaridade, um atentado contra a sua frágil condição humana, talvez tudo isto não passe de um gigantesco erro que lhe pode roubar a vida. Então a culpa será inteiramente minha, única e exclusivamente minha. – Finalizou Dégel angustiado.

– Não escravizes a tua mente e espírito com essas emoções maldosas, meu caro. Tudo o que fizeste até então, foi para ajudar e proteger a menina, é só nisso que deves pensar. Pelo que sei o treino até está a correr bastante bem, existem progressos significativos, pelo que ouvi dizer. – Constatou o patriarca da antiga mansão.

– Sim, ela tem feito progressos, contudo resiste plenamente em não me querer atacar, eu não sei o que fazer. Tenho consciência que ela tem imenso potencial, embora ela não me mostre. – Respondeu o dourado.

– Tudo acontecerá com a tempo devido, tens que arranjar uma forma inteligente de contornar este obstáculo, sei que irás conseguir. – Sugeriu o sábio senhor. – Não lhe podes pedir que ela esqueça tudo aquilo que vos une. – Concluiu, levantando-se e saindo da sala, deixando Dégel entregue aos seus pensamentos, embora um pouco mais claros e concretos, as palavras de facto eram uma boa arma.

Ângela entrou na ampla divisão com um enorme pergaminho na mão e uma pena na outra, pronta para a necessária sessão de estudo.

Conseguirá Ângela romper as cruéis amarras que prendem o seu cosmo e o seu espírito? Conseguirá Dégel congelar os laços que o unem à sua aprendiza?


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