Ágda escrita por Maresia


Capítulo 26
Preces de paz, amor e esperança




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Quando a esperança luzidia de um futuro melhor surge tranquila no horizonte, os astros e a lua sorriem de alegria, quando a súbita ausência de um amigo, de um companheiro, de alguém muito querido troveja no coração, os olhos e o espírito derramam lágrimas de tristeza.

                Na manhã seguinte à inesperada partida da amazona de Cisne, Dokho e Régulos sentados na margem verdejante do cristalino lago sonhador, observavam apreensivos o pergaminho que o guarda noturno lhes entregara poucas horas antes, não tinham coragem de o abrir pois no seu misterioso interior refugiavam-se as tão ansiadas respostas que faziam os seus corações bater ao sabor da gélida brisa da insegurança e da nostalgia.

— Não vamos saber o que diz se não o abrirmos, não é verdade? – Questionou o cavaleiro de Balança em voz sumida, perdido entre as nuvens de algodão e o azul brilhante das águas.

— Sim, tens razão. – Concordou o pequeno Leão em tom distante, mergulhando nas milhares de cores que floriam no arco-íris da sua justiceira alma.

                Os dois amigos pegaram de forma trémula em cada ponta do pergaminho, abrindo com estranha dificuldade, ambos se debruçaram perante aquele mar de letrinhas organizadas e leram.

                Queridos Régulos e Dokho, quando lerem estas simples e insignificantes palavras já eu estarei longe, entre a margem gelada do meu destino e a colina brilhante da nossa amizade, contudo quero que saibam que estarão para todo o sempre à tona da minha mente como as estrelas que vagueiam à superfície misteriosa do vasto universo celestial.

                Acredito que muitos rumores serão tecidos sobre a minha inesperada partida, alguns pensarão que foi traição, outros acreditarão que se tratou de um desprezível ato de cobardia e outros ainda terão a capacidade de almejar o verdadeiro motivo. Eu abandonei o santuário porque na minha última missão em Asgard descobri os enredos misteriosos e confusos do meu passado, sim as minhas memórias retornaram à minha mente e eu agora sei quem realmente sou. Não posso dizer que estou completamente feliz, pois estaria a mentir, no entanto estou mais leve e aliviada, eu sou Ágda a princesa de Asgard, a representante de Ódin na Terra, um pesado e injusto cargo para uma miúda que tinha tantos sonhos a florirem no jardim cintilante do seu futuro.

                Neste momento devem estar-se a questionar porque terei eu aceitado o meu destino sem retaliar, eu respondo de bom grado, sei que compreenderão melhor que ninguém a minha decisão, as insígnias do destino são obscuras, traiçoeiras, cruéis e injustas, porém existe algo de sábio, de inteligente e de verdadeiro nas suas redes difusas. Quando retornei ao santuário, aconteceram diversas peripécias que colocaram à prova tudo aquilo em que eu acreditava, coisas essas que poderiam comprometer o bom funcionamento e a coesão interna da elite de Atena, uma sombra fria que cruzou o meu passeio, essa sombra decidiu por mim o que deveria fazer.

                Desculpem não ter tido a coragem necessária para me despedir de vos, todavia queria somente que recordassem os nossos bons momentos juntos, em fim não queria que eles fossem poluídos pelo pesado ressuar da triste despedida, espero que alguma vez eu possa alcançar o vosso perdão. Adeus meus grandes e insubstituíveis amigos, continuam a semear no vosso caminho a esperança, a luz e o amor que vos distingue do resto do mundo, serão as estrelas que conduzirão os brancos flocos de Asgard rumo à paz.

                Quando as letrinhas ordenadas deixaram de desfilar pelos seus olhos, os dois dourados derramavam lágrimas de alegria, tristeza, compreensão e saudade, os seus pensamentos uniam-se na curta linha que divide as duas atmosferas zodiacais, juntos ergueram-se, seguraram com força o pergaminho, caminharam até à silenciosa margem do lago, jogando-o nas suas profundezas distantes e inalcançáveis, a última prece tecida por Ágda, para os seus dois bravos companheiros, repousaria para toda a eternidade dormindo naquelas águas abençoadas.

                Na gelada e vazia casa do Norte, Dégel de Aquário sentado na sua mal iluminada saleta de estar, pousava pesadamente a cabeça nas mãos, na sua frente jazia imóvel um pergaminho, pergaminho esse que ele lutava com todas as suas forças para não o vislumbrar. Num dos recatados cantos da ampla divisão jazia imóvel a sagrada armadura de bronze de Cisne, lançando sobre o pavimento aquele estranho brilho fosco, o cavaleiro olhou-a com pena e tristeza, como estava vazia e solitária sem a sua linda amazona.

— Deixa de ser cobarde, enfrenta a realidade como ela é. – Murmurou o dourado em voz taciturna, pegando no pergaminho com a sua mão fria, abrindo-o vagarosamente e debruçou-se sobre o pequeno texto lá gravado, puxando para junto de si uma vela quase totalmente ardida para facilitar a leitura.

                Querido Dégel, sagrado Cavaleiro de Ouro de Aquário, sempre foste um homem gelado, intransponível e indiferente aos sentimentos que brotavam da tua alma, lamento que eu tenha sido a única pessoa que despontou o amor nesse bravo coração mascarado pelo linho branco e macio. Quero que saibas que não nutro qualquer tipo de rancor, raiva ou ódio por ti, apenas fico triste por nos termos separado desta forma tão repentina e abrupta, espero que algum dia me possas perdoar. Espero igualmente que não pintes sentimentos negros sobre mim no teu valoroso espírito de ouro e coragem.

                Podia desfazer-me em agradecimentos, lamentos ou desculpas, porém as palavas são vãs, vazias e solitárias, vulneráveis à passagem indubitável do tempo, caindo por fim no obscuro abismo do esquecimento, espero que guardes as memórias que nos unem como algo precioso que o tempo jamais poderá apagar ou destruir, anseio que elas permaneçam claras, transparentes e puras, colorindo como estrelas os nossos futuros. Essas recordações plenas de luz, amizade e companheirismo que nos tornaram durante meses inseparáveis, não as esqueças.

                Deixei-te a minha armadura porque acredito com todas as minhas forças que saberás a forma correta de a tratar, saberás o que fazer com ela e compreenderás certamente os seus sinais cósmicos, cuida dela como cuidaste de mim durante todos estes anos. Isto não é uma despedida definitiva, pois continuaremos ligados para todo o sempre pelos vastos cristais de gelo que constroem o nosso espírito, continuaremos unidos pelas belas pérolas de prata que traçaram o nosso destino e pelas graciosas planícies do Norte que forjaram sabiamente a nossa amizade, os nossos cosmos jamais serão corroídos pelos aguçados cristais de diamante, armas fatais do universo celestial.

                               Sem hesitar o dourado dobrou o pergaminho de forma impecável, mantendo-o igual como se nunca tivesse sido lido, colocou-o sobre a mesa e elevando suavemente o seu lendário cosmo gelou-o, transformando-o num pequeno diamante inquebrável que resistiria ao destino, ao tempo e a própria morte, tornando as palavas da princesa do gelo imortais.

                               Nas imediações calorosas de Rodório, Albafica caminhava de cabeça baixa, dirigindo-se ao seu solitário jardim, refugiando-se na companhia espinhosa e sonhadora das suas doces rosas, na sua mão trazia um pergaminho, no qual estariam inscritas as ternurentas palavras da única pessoa que fizera florir um leve sorriso nos seus lábios. Sentou-se perdido no meio de uma vasta praia de rosas vermelhas e incrivelmente perfumadas, coçou os olhos devido à forte luminosidade proveniente da estrela maior, desdobrou o valioso tesouro de pergaminho sem pestanejar e leu num sussurro somente escutado pelas suas queridas flores.

Meu amado Albafica, provavelmente os teus lindos olhos derramam lágrimas com fragância de carinho e suavidade, provavelmente o teu justo coração está despedaçado, transpassado pelos dolorosos espinhos do destino, da confusão e da dúvida, só me resta pedir-te desculpa por ter colocado na tua sagrada travessia tal obstáculo. As perguntas devem invadir a tua mente como o perfume das tuas rosas invadiu o meu coração, plantando nele este amor que jamais esquecerei. Quero que saibas que a decisão que cruzou o nosso caminho não foi tomada de ânimo leve, pelo contrário foi a mais difícil e injusta que alguma vez fui submetida.

                Na minha viagem até Asgard o meu passado barrou a minha brava cruzada, polvorizando os meus sonhos como um grande abalo de terra, destruindo as magníficas pinturas do nosso universo, manchando as belas e claras cores do arco-íris que coloriam a nossa alma, as recordações penetraram na minha mente como uma catadupa trovejante e negra, refletindo no espelho sonhador do meu espírito quem eu verdadeiramente era, então a vidraça de flocos brancos que protegia a minha alma explodiu revelando a princesa de Asgard, representante de Ódin na terra, governante suprema do gelado reino do Norte.

                               As palavras esgueiram-se pelos meus dedos como os teus beijos ternurentos se perdem no vasto planalto de gelo, o nosso amor permanecerá para sempre intocável, toldado e abençoado pela luz, pela esperança e pelos anjos da neve, nunca te esquecerei, viverás para sempre na imensa ilha do meu ser, acompanhando-me na minha jornada através da luz, da harmonia, da paz e do amor, serás a rosa que floriu nas planícies geladas do meu reino.

                               O dourado de Peixes fitou o firmamento distante, onde as nuvens cor de linho flutuavam ao sabor da brisa perfumada das suas rosas, enrolou o tesouro de caligrafia ordenada e cavou um pequeno buraco na areia quente do seu jardim, dando-lhe um profundo beijo com trago de rio, campo e astros, enterrou-o nas profundezas tranquilas da Mãe Terra, a sua amada rosa branca dormiria para toda a eternidade na companhia das suas guerreiras espinhosas.

                               Ágda chegou ao misterioso e gelado reino de Asgard através da alvorada pintada de prata leve e graciosa, caminhou sobre o vasto jardim branco que culminava na grandiosa estátua de Ódin, ajoelhou-se e levantou os seus olhos sonhadores para o infinito celestial.

— Querido pai, aqui estou, chegada ao nosso cristalino paraíso, pronta para difundir a paz e a esperança pelo nosso sagrado povo, transportando nas asas do imaculado Cisne a alegria que há muito nos foi arrancada por este clima inóspito e hostil, refletindo a severidade e a beleza do linho branco. Contudo ainda existem laços que me unem fortemente ao santuário da sábia Deusa Atena, vínculos que jamais poderão ser quebrados, quero pedir-te, apelando a todas as minhas forças, que lances a tua mão justiceira sobre as calorosas e acolhedoras planícies gregas, quero que semeeis a compaixão, a esperança e a paz nas terras fertilizadas pelo antigo mar Egeu, quero que protejas a luz que forja o coração dos defensores de Atena, quero que salvaguardes a coragem e a valentia que almeja as armaduras lendárias, para que estas nunca deixem de cumprir o seu dever, a sua missão e o seu propósito, obrigada por escutares as minhas preces. – Rezou a princesa, derramando milhares de flocos de prata na imensidão esplendorosa do seu jovem coração.

                                Alguns dias depois da inesperada partida de Ágda, Dégel, Unity e Serafina vagueavam lentamente através do vasto manto de gelo, enfrentando o trovejante firmamento cristalino, onde os relâmpagos cintilantes abençoavam a lendária armadura de Cisne.

— Tudo vai terminar como começou. – Comentou Dégel tristemente, recordando o dia de tempestade em que encontrara a menina indefesa repousando tragicamente sobre o jardim nevado.

— Sim, tens razão. – Concordou Unity em tom melancólico, limpando algumas lágrimas do seu elegante rosto.

— Dégel deves ser tu a devolver a sagrada armadura de Bronze ao seu lugar, onde ela repousará até o universo forjar um novo cavaleiro de Cisne. – Decidiu a linda Serafina em voz abafada pela emoção.

— Obrigado meus amigos. – Agradeceu o cavaleiro, caminhando até as geleiras eternas onde cravou com o seu cosmo a armadura de Bronze e a paixão impossível que fazia o seu nobre coração sangrar, ambas seriam purificadas pelo gelado sopro branco.

                Na perfeita linha Equatorial, onde o Norte e o Sul se cruzam num arco-íris de felicidade e carinho, duas mãos surgem no firmamento infinito, uma crisálida de luz espalha sobre a humanidade borboletas de amor, esperança, tolerância e compaixão, Atena e Ódin protegerão o coração do mundo, a árvore da vida e os legados futuros, semeando nos campos de sol e gelo a tão desejada paz.


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Notas finais do capítulo

Antes de planear um final decisivo para a história reflecti entre quatro possíveis desfechos, até que por fim decidi, como podem verificar com a leitura dos últimos capítulos:
— Ágda ficaria com Albafica por consequência deixaria de ser uma amazona;
— Ágda esqueceria o amor que sentia por Albafica e continuava a sua vida no santuário;
— Ágda ficaria com Dégel acartando as consequências inerentes à sua acção;
— Ágda cumpriria o seu destino como princesa de Asgard, quebrando os laços físicos com o santuário de Atena


Finalmente o desfecho desta história chegou, espero sinceramente que tenham gostado. A minha viagem através do universo cósmico dos cavaleiros do Zodíaco fica momentaneamente parada, contudo não significa que não volte a viajar nas asas das oitenta e oito estrelas da paz.



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