Ágda escrita por Maresia


Capítulo 25
Forjei a luz


Notas iniciais do capítulo

As partes em negrito significam POV



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                Sentada num pequeno banco de palha perscruto a noite calma e estrelada, a lua prateada sorri-me tristemente, iluminando fracamente o meu destroçado coração. Observo aquele falso passado espelhado na minha alma perdida, recordo com nostalgia aquela frágil menina de dez primaveras que corria feliz através das brancas planícies da graciosa Bluegard, relembro aquele sorriso inocente que dava luz aqueles lindos olhos sonhadores, vejo aqueles belos e frios flocos de neve que abençoaram os meus treinos, emoldurando um futuro quase perfeito e transparente, somente sujo pelas peripécias egoístas do destino. Nessas terras de gelo e esperança cresci, tornei-me forte, corajosa e justa, capaz de enfrentar o maior dos perigos, a mais injusta das privações, o mais penoso dos obstáculos. Aquela neve impiedosa forjou delicadamente a minha vontade, tornando-a implacável, inquebrável, eterna e humilde, nunca me soltarei desta preciosa dádiva oferecida pelas agrestes brisas do Norte, esta é a vontade que fez de mim amazona de bronze de Cisne, orgulhosa, justa e transmissora da lei da paz, da harmonia e do amor.

                Ao longo do tempo, ansiava contemplar as minhas perdidas vivências passadas, ansiava com a força poderosa que Bluegard me deu, porém agora sinto-me impotente, frustrada e manipulada pela vontade dos caprichosos Deuses, submissa a uma vontade que não é a minha. Construí um sólido e luminoso passeio, percorri-o com bravura e determinação, criei fortes e belos laços de amizade, sem os quais eu não teria coragem de prosseguir, conheci o verdadeiro milagre do amor, do desejo e da cumplicidade, julguei que seria capaz de enfrentar e alterar o destino, contudo enganei-me. Agora, vejo-me obrigada a abandonar este passeio claro e promissivo, o cruzamento das memórias assim me obrigou, indicando-me a próxima direção, submetendo-me a uma nova e difícil travessia. Deixo nas minhas costas as quentes e sábias planícies gregas, os meus amigos, o desejo de vingar perante as injustiças do universo, deixo para trás Albafica de Peixes unido ao meu coração, para mergulhar no belo, branco e gelado clima do Norte, gracioso e leve na sua beleza, cruel e caprichoso na sua vontade, assumirei o meu reino e cumprirei a minha missão.

                Ergo-me, passo com leveza a minha mão no rosto, limpando uma lágrima de prata que teimosamente escorre, caminho vagarosamente, seguro a minha lendária armadura, o brilho fosco do bronze ofusca-me os olhos, talvez me recrimine, talvez me julgue pela minha decisão, alguns acreditam que as armaduras sentem, eu também acredito, está na hora de a devolver, está na hora de a deixar nas mãos certas, está na hora de a ceder ao seu próximo cavaleiro.

                Depois de entregar três pergaminhos a um dos guardas noturnos, enfrento a frescura cálida da noite aveludada, seguro Snow junto ao peito, prendo a armadura no meu ombro e sigo o meu primeiro rumo nesta grande e desconhecida viagem. Subo diversos patamares de escadas, sentindo aquela estranha e delicada calmaria que apenas emana das profundezas das doze casas Zodiacais, a harmonia silenciosa dos passos abafados pela serena tranquilidade dourada invade-me os sentidos, a verdadeira e clara paz encanta-me o espírito, a varinha mágica da justiça e enfeitiça-me a mente, o pó prateado do amor incondicional floresce no meu coração, a pureza angelical da forte amizade corre nas minhas veias adocicando-me o sangue.

                Detenho-me alguns segundos na fronteira luminosa da casa de Leão, Régulos meu amigo, tu provavelmente sabias o que se escondia nas profundezas distantes do meu encarcerado futuro, esses olhos de luz e doçura nunca me enganaram, contudo sempre te mantiveste impenetrável, ligado a mim pelas protetoras garras do leão, sempre te mantiveste ausente de qualquer julgamento ou culpabilidade, sempre foste aquele amigo único, imprescindível e valioso, devo agradecer-te por isso.

                O misticismo e a fragância fresca e espiritual do sagrado templo de Virgem almeja a minha alma de uma forma constrangedora, uma pessoa como eu não merece estar na presença de tal sensação angelical.

— Vejo que os teus passos te guiam até ao futuro. – Afirmou uma voz tranquila vinda das entranhas pacíficas da nobre casa. – Vejo que a luz brilha intensamente no teu coração. – Comentou no mesmo tom.

— Asmita, sabia que irias cruzar o meu caminho. – Declarou Ágda mantendo um tom doce e amável. – Sim, tens razão a luz habita o meu coração, todavia a tristeza destrói a minha alma.

— Todos os caminhos possuem espinhos, faz parte da condição humana, cabe-nos a nós ultrapassá-los da melhor forma. – Aconselhou o sábio cavaleiro de Virgem. – Vejo que te libertaste das dúvida e das incertezas que tornam vulneráveis os espíritos terrenos, a tua travessia não será fácil, porém está nas tuas mãos a força e a coragem para a ultrapassar com sucesso e dignidade. – Disse, assumindo uma leve posição de lótus, visualizando a princesa de Asgard com as profundezas claras da sua alma. – Forjaste a tua própria luz quando tiveste a coragem de aceitar o teu destino, alcançaste o meu perdão e respeito representante de Ódin, caminha sobre a honra e a compaixão que o santuário de Atena te incutiu, segue a tua alvorada. – Disse com um aceno de despedida.

— Jamais esquecerei as tuas palavras Asmita, obrigada. – Prometeu Ágda honestamente, aquelas palavras invadiram o seu coração com a verdade que só a sabedoria dos puros Deuses possui.

                Saio da magnificente casa de Virgem, sentindo aquela alegria espiritual desvanecer-se com a passagem suave da brisa estelar, adentro o templo de Balança, o templo do equilíbrio e da justiça desmedida. Dokho meu grande amigo, que a tua justiça perdure no mundo por muitos anos, que a tua vontade indomável penetre o destruído coração da humanidade, que os teus magníficos valores morais formem futuras gerações de cavaleiros tão valorosos como estes que cruzaram a minha vida, que a nossa amizade semeie a sua luz em todos os campos de guerra e desolação, jamais te esquecerei.

                O gelo reconfortante da casa de Aquário caminha silenciosamente até mim, alcançando-me com um abraço familiar e doloroso, acariciando o meu rosto com aqueles lindos cristais de diamante brilhante, a minha primeira paragem chegou. Retiro cautelosamente a armadura do meu ombro, coloco-a cuidadosamente no patamar superior da cristalina escadaria, olho-a uma última vez e volto a descer as doze constelações da paz.

                O arco-íris lunar acompanha-me na minha travessia sobre as trevas aveludadas, espalhando luz perfumada à minha silenciosa passagem, o infinito rio da minha alma arde suportando a dor da saudade que inflama a minha mente, os cristais do desespero tentam quebrar a minha vontade, os espinhos da perda arrancam a minha coragem, as agulhas do desalento dilaceram a minha determinação, contudo mantenho-me focada, impassível, confiante, atravessando os nove reinos que traçaram o meu futuro até Asgard.


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