Ágda escrita por Maresia


Capítulo 2
Sobressalto




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O belo nevão continuava a sua cruel devastação branca, acompanhado pela noite gélida e silenciosa. O luar estava escondido, preso por aquele nevoeiro fervilhante e triste, lançando a nobre Bluegard numa escuridão arrepiante. O forte vento lançava na atmosfera fria, uivos repletos de terror, levando para longe o desejado calor.

Dégel de Aquário, por fim deparou-se com o que ansiosamente procurava. Debruçou-se embalado com a força do vento, perante aquela saliência perdida na neve. Tateou cautelosamente, até que descobriu um corpo humano, cabelos e uma mão gelada. Pela estrutura corporal logo compreendeu que se tratava de uma criança, de uma rapariga. Levantou-a com cuidado e apertou-a contra si, tentando oferecer-lhe o seu próprio calor humano.

– Kardia, como eu gostava que aqui estivesses com o teu cosmo quente esta menina recuperaria muito mais depressa. Nada me garante que ela sobreviva, está gelada e inconsciente. E sem dúvida o meu cosmo não é o mais ideal, porém farei o meu melhor. – Lamentou o jovem, pensando desesperadamente no seu amigo cavaleiro de Ouro de escorpião, cujo cosmo atingia temperaturas bastante ideais, propicias à recuperação daquela infortunada criança.

O cavaleiro iniciou um difícil caminho, segurando a menina nos seus fortes e protectores braços, contudo a tempestade não parecia querer facilitar a sua corajosa tarefa, lutava com todas as suas poderosas e geladas forças para o impedir de concretizar aquele salvamento. Uma gelada rajada daquele vento arrepiante e impiedoso derrubou o Aquário e a criança.

– Oh céus! Assim não conseguirei certamente. Ela não acorda, será tarde de mais, permiti que não, por favor. – Pediu o belo rapaz, levantando-se e voltando a pegar a menina nos seus braços. – Aguenta, vou tentar chegar à aldeia, alguém aí poderá ajudar, vamos lá! – Disse ele, apertando a criança contra o seu corpo igualmente gelado.

O dourado caminhava e caminhava, lutava e lutava contra aquela tempestade hostil e devastadora. Os dentes afiados daquele gelo demoníaco mordiam-lhe a alma imersa em frio, sufocavam-lhe o coração, entorpeciam-lhe a mente, habitualmente clara e extremamente lógica. Uma nova e terrível rajada veio caprichosamente ao seu encontro, atirando-o contra umas potentes e aguçadas pedras, uma dor intensa latejava na sua cabeça, um fio de sangue vermelho decorava o perfeito branco da neve. Então a escuridão ficou mais opaca, mais fria, mais dolorosa, mais negra, e as forças abandonaram o nobre cavaleiro.

No quente e confortável palácio do Senhor Garcia, a preocupação percorria todas as mentes e espíritos, enquanto o jantar era servido em belíssimos pratos de puro e brilhante ouro. As milhares de velas impecavelmente colocadas em elegantes castiçais, serpenteavam misteriosamente pela sala de jantar, iluminando os rostos preocupados.

– Ele ainda não regressou. – Disse a bela Serafina, levando um delicioso pedaço de carne guisada à boca. – Será que ele está bem? – Perguntou.

– Ninguém o pode saber, minha querida, mas acredito que sim. – Respondeu o sábio Senhor Garcia, bebendo um grande trago de um vinho muito perfumado e vermelho. – Ele é dotado de uma coragem impressionante, e conhece como ninguém o nosso tenebroso clima. – Reforçou.

– Mas esta tempestade… - Insistiu a jovem, tremendo ligeiramente.

– Ele ficará bem Serafina, tem calma. – Tranquilizou-a Unity. – Dégel mantêm-te vivo, meu irmão. – Pediu o jovem de belos cabelos dourados.

Apesar de estarem bastante preocupados, siaram muito bem, aquela comida era deliciosa e muito quentinha, dava um novo ânimo aos seus espíritos desgostosos. O pai dos dois jovens levantou-se e dirigiu-se aos seus reais aposentos.

– Se surgirem notícias de Dégel, informem-me de imediato. – Ordenou ele, parando junto à porta aos dois filhos e a alguns empregados que por ali deambulavam.

– Fique descansado, pai, assim será feito. – Confirmou Unity, assentindo ao pedido de seu pai.

– Unity, eu irei até à capelinha rezar uma oração, para que os deuses guiem Dégel esta noite. – Afirmou Serafina limpando uma lágrima do seu bonito rosto. Ela nutria um imenso e inexplicável carinho por Dégel, desde o primeiro dia que se cruzaram. – Irmão, escutas-me? – Perguntou, vendo que Unity estava perdido em pensamentos.

– Sim claro. Tu gostas muito dele, não é verdade? – Questionou, olhando seriamente para a sua irmã.

– Sim tu sabes que sim. Mas porquê agora essa questão? – Respondeu ela, devolvendo o olhar.

– Por nada, desculpa. – Disse Unity, levantando-se e dirigindo-se ao Hall de entrada. Serafina por seu turno, seguiu até a pequena capelinha.

Dégel ainda permanecia caído, sucumbindo ao doce e penetrante frio da neve branca e enfeitiçada. Corajosamente apertava ainda a menina junto de si. Ele não iria permitir que aquele nevão arrogante a roubasse ao mundo, ainda não. De súbito, alguns movimentos revoltaram os novelinhos gelados. A criança agitava-se ligeiramente nos braços do cavaleiro. Ela libertou-se do emaranhado de braços e sentou-se.

– Oh! – Fez ela em voz fraca e trémula, tateando a superfície que a protegia da cruel e fria morte gelada. – Por favor não morras, por favor! – Implorava ela, desfazendo-se em lágrimas. – Tu salvaste-me, por favor não me abandones. – Chorava ela, acariciando o rosto frio e manchado de sangue do Dourado. – Alguém me ajude, alguém, por favor! – O seu desesperado grito ecoou na noite silenciosa. – Vá lá, acorda! – Pediu, dando algumas palmadinhas no braço de Dégel.

– Acordaste! – Disse uma frágil voz saindo dos finos lábios do corajoso jovem de Ouro. – Temos que sair daqui, rapidamente.

– Estás ferido! – Disse ela horrorizada, sentindo o sangue de Dégel beijar-lhe as mãos gélidas.

– Não tem importância! Como estão os teus ferimentos? – Perguntou ele, apoiando-se nas pedras para se erguer.

– Dói um pouco, mas acho que consigo caminhar. – Disse ela, levantando-se e colocando-se ao lado do seu salvador.

– Então vamos lá! – Incentivou o lindo Aquário, colocando um braço sobre os ombros da menina.

Juntos caminharam decididos, através da lutadora e persistente tempestade, deixando bem marcados os seus paços na abundante neve reluzente. Depois de vários e infindáveis minutos a andar sobre aquele deserto de neve, escuridão e silêncio a iluminação da pequena aldeia veio carinhosamente ao seu encontro.

– Vamos procurar alguém que ainda não tenha sido abençoado pelo sono para nos auxiliar. – Decidiu Dégel, conduzindo a menina pelas estreitas ruas empedradas do povoado gelado.

– Sim. – Respondeu a menina, encostando-se ao cavaleiro.

– Desculpa perguntar, só respondes à minha questão se achares oportuno, como te chamas? – Perguntou ele timidamente, olhando aquele rosto bonito e infantil marcado pelo frio insolente.

– Eu, eu, o meu nome é… - A menina olhou confusa em volta, como se a pergunta posta por Dégel fosse algo bizarro e assustador. – Desculpa mas eu não sei. – O dourado foi apanhado de surpresa, não esperava aquela resposta. – Desculpa. – Insistiu a menina.

– Tens família? Onde moras? – Persistiu o Aquário confuso.

– Desculpa mas eu não sei. – Disse a criança envergonhada.

– Talvez tenhas perdido a memória com a queda. – Constatou Dégel, analisando a expressão ausente daquela menina.

– Achas? – Perguntou ela.

– Tenho a certeza, porém não te preocupes, eu por enquanto cuidarei de ti, até descobrirmos a tua família. – Prontificou-se o jovem de forma ternurenta.

– Obrigado senhor… - Iniciou ela.

– Dégel, o meu nome é Dégel. – Concluiu o cavaleiro, parando junto de uma cabana que ainda possuía movimento. – Parece que a nossa ajuda chegou.

Dégel caminhou até a porta pintada de castanho e salpicada de branco, ergueu o seu poderoso punho e bateu com força. Os paços não tardaram em responder.

– Ah! Dégel o que te traz aqui nesta noite de tempestade. – Disse uma senhora gordinha de rosto doce e amável. – Oh meu Deus o teu rosto! Quem é esta menina?

– Para lhe dizer a verdade, Gabriela eu não sei. Resgatei-a do meio da tempestade. Acha que podemos entrar para tratar os nossos ferimentos e tomar algo quente. Se não for abuso pedia-lhe igualmente a amabilidade de nos deixar aqui pernoitar. – Pediu Dégel, ganhando folgo.

– Claro, claro entrem. Vou preparar um chá bem quentinho. – Prontificou-se Gabriela dirigindo-se a um pequeno fogão

O cavaleiro de Aquário sentou-se num pequeno sofá e indicou outro à menina. Dégel olhou-a com mais atenção, só agora se dera conta da beleza daquela criança. Ela era magra, de estatura média. Possuía uns lindos e compridos cabelos lisos de um ruivo que personificava as sorridentes labaredas. O seu rosto era calmo, de pele doce e reconfortante. Os seus olhos eram azuis muito claros e sonhadores. Vestia um prático vestido verde-água que lhe assentava muito bem.

– Aqui têm uma chávena bem quente de chá. – Ofereceu a ternurenta senhora exibindo duas grandes canecas de barro fumegantes e apetecíveis. – Agora bebam para depois tratarmos desses ferimentos. – Afirmou ela, passando uma mão pelos lindos cabelos da menina. – Bebe minha querida!

– Muito obrigada. – Agradeceu ela.

– Obrigado Gabriela. – Disse Dégel saboreando aquela bebida divinal.

– De nada, só eu sei como é injusto o nosso Inverno. – Disse a senhora pensativa, olhando pela janelinha de vidro fosco. – Certamente irás cuidar dela até se conseguir encontrar a sua família. O senhor Garcia sem dúvida não se incomodará com isso, ele é um homem dotado de uma bondade inigualável, é um grande homem.

– Certamente, logo pela manhã iremos para a mansão e explicarei o sucedido. – Confirmou Dégel, pousando a caneca numa mesinha de madeira. – Já terminaste…? Sem dúvida temos que te arranjar um nome. – Brincou ele, aproximando-se da criança. – Serafina ajudará nessa tarefa. – Disse, analisando os ferimentos causados pela tempestade. – Não me parecem profundos nem graves, todavia precisam de um curativo adequado. – Finalizou.

Por fim, os curativos estavam feitos, e o cavaleiro e a menina estavam prontos para dormir algumas horas em duas caminhas muito confortáveis e fofas que Gabriela amavelmente elaborara.

– Quem és tu? – Pensou Dégel antes de cair pela quente fenda do mundo dos sonhos.

Quem é esta menina? O que mudará na vida do cavaleiro de Aquário? Que segredos esconde?


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