Ágda escrita por Maresia


Capítulo 18
Saudades silenciosas


Notas iniciais do capítulo

As partes escritas em negrito significam que são partes em POV da Ângela



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                A frescura cálida da sonhadora madrugada acaricia-me o rosto manchado por tristes vagas salgadas, perscruto o horizonte manchado de carmesim e linho, observo aquele que vive alegremente no meu corajoso coração apaixonado. Sentada num aglomerado de felicidade e perda, vejo-o afastar-se nas asas floridas desta inesperada e cruel missão, levando pela mão aquela que provavelmente será a maior prova imposta caprichosamente pelos Deuses Olímpicos. Com um último e triste sorriso desaparece na vidraça branca de um futuro negro de breu e neve, inundando o meu espírito com as frias águas do sofrimento.

                Foi vasta e dolorosa a travessia que corajosamente travei através do trancado coração de Albafica de Peixes, foi cruel e penosa a luta que teimosamente cruzei contra a sua perfumada vontade, foi árduo o tenebroso caminho que percorri através dos aguçados espinhos do seu isolado espírito, foram inúmeras e ardentes tentativas que fracassei ao tentar alcançar aquele sorriso que interiormente desejava, foram longas as noites que derrotei ansiando abraçar aquele olhar onde o sofrimento cerrara permanentes fileiras de pedra, porém depois de uma longa e apaixonada cruzada através das inseguranças e temores de Peixes alcancei luminosamente o seu nobre e sofredor coração.

                               Ao longe, trazido pela leve brisa madrugadora, ainda sinto aquele doce e perigoso perfume de pétalas esvoaçantes e veneno mortal que tanto me seduz, e interrogo-me sobre a injusta justiça imposta por quem possui a poderosa varinha do poder. Estarão certas as decisões dos poderosos soberanos? Serão credíveis as vontades sobre as quais estamos involuntariamente expostos? Serão assertadas as provas às quais somos caprichosamente submetidos? Quem deu aos Deuses o extremo e infindável poder de governar corações alheios? Tantas perguntas intrometidas e impertinentes, escritas numa alma traída por um destino branco, será pecado pensar assim? Serei louca por desafiar as ordens mestras dos governantes não eleitos pela humanidade?

                Sentada na penumbra azul do rio silencioso, vejo com escura nitidez o espelho aveludado do meu distante passado, onde nada habita para além de memórias vazias e abstractas, rodeadas de incertezas cálidas enfeitiçadas pelo tremendo perfume do destino. Lembranças esquecidas, arrancadas de mim pela força divina da tempestade ardentemente gelada, fustigando arrogantemente o meu passado, levando-o para as profundezas brancas do abismo temporal, onde jamais conseguirei entrar.

                Vislumbro taciturna o firmamento onde inscrita está a esperança fugidia e inalcançável, a esperança mascarada pelo fosco beijo da vontade celestial, estico a minha mão fria, tento segurá-la estupidamente entre os dedos, nada, nada para além de ar acariciado pelo orvalho sumarento, caindo das nuvens distantes e presas ao futuro misterioso.

                Três cruéis meses se passaram desde a inesperada partida do meu pirilampo carmesim, três meses imersos em saudades silenciosas, escondidas pelos sorrisos falsos e ocasionais, três meses de sofrimento congelante apenas disfarçado pelas palavras bem-dispostas imersas em escuridão, três meses de lamentos isolados por um florido e nevado véu.

                               Um novo e doloroso dia surge no meu caminho, iluminado pelas negras cores do arco-íris carmesim e branco, cores de insegurança e incerteza, banhadas por brisas de transtorno dor e solidão, cores enevoadas de uma fantasia colorida, preenchida por montanhas de açúcar e mel, sonhos difusos e amados, transportados pelas duras asas da minha gelada armadura. Volta para mim Albafica, volta para mim, imploro enquanto sigo a triste ponte do meu quotidiano até as desertas arenas de treino, repletas de bravos cavaleiros.

— Ângela, estás bem? – Perguntou a voz exaltada de Dokho.

— Sim estou. – Respondeu a ruiva em voz baixa, parando a escassos centímetros do seu grande amigo.

— Nunca te vi tão triste como nos últimos dias, o que se passa? – Questionou o dourado de Balança preocupado.

— É impressão tua, eu estou óptima. – Mentiu a amazona fingindo um falso sorriso.

— Ângela ainda bem que te encontro, o Dégel quer ver-te. – Disse a voz apressada de Régulos.

— Certo, vou até lá. – Decidiu a jovem, partindo a grande velocidade, deixando os seus dois amigos perplexos olhando a sua expressão vazia e desesperada.

— Ela ficou neste estado desde que Bianca partiu em missão, talvez sinta a falta dela, afinal elas eram muito amigas. – Constatou o jovem Balança em voz sumida, vendo a cabeleira de fogo baloiçar ao sabor do vento da sorte.

— Não sei se será bem assim. – Respondeu o pequeno Leão enigmaticamente. – Não sei se a amizade delas será assim tão forte. – Comentou mais para si do que para Dokho que o observava atentamente.

— O que queres dizer? – Questionou o defensor do sétimo templo sagrado em tom curioso.

— Só o tempo dirá. – Afirmou Régulos sem dar grande importância ao rumo do diálogo. – Vamos treinar. – Decidiu.

— Certo, vamos a isto. – Concordou Dokho alegremente.

                Os leves templos sagrados passam por mim calmos como um perfeito rio de paz e saudade, amaciando a melancolia que derrota tragicamente o meu espírito, os ternos degraus das imponentes escadarias desfazem milagrosamente os meus sonhos fantasiados de um futuro pouco definido e imperfeitamente concreto ao lado daquele a quem entregarei a minha vida sem privações. Avanço tranquila, saboreando cada pétala de serenidade que emana de cada pilar sustentável, pétalas que enlouquecem a minha mente desesperada. Vagueio perdida na misteriosa colina que provem saborosamente o silêncio da pacífica casa de Virgem, as palavras sábias e cruéis de Asmita penetram bem fundo nos meus ouvidos, como eu gostava de alcançar a tão desejada luz do meu destino.

                Percorro arrependida a vasta montanha de luz onde o meu futuro se esconde entre copas sombrias e abismais, O frio cintilante da casa de aquário bafeja-me com os seus valiosos cristais de diamantes azuis, a nostalgia invade de forma egoísta o meu coração já despedaçado, afogo-me voluntariamente nas infindáveis e graciosas planícies brancas de algodão e ternura, vejo espelhada no céu aquariano a bela e senhorial mansão onde me tornei quem hoje sou, sinto com agrado os abraços amáveis de Unity e Serafina vindos das entranhas geladas destas paredes de diamantes, percorro com bravura a terrível tempestade onde tudo começou e provavelmente tudo terminará, só o futuro o dirá. Paços apressados arrancam-me à força do meu ilusório devaneio arrepiado, com a mesma frieza e brutalidade que me atingiu com a partida súbita de Albafica.

— Ainda bem que pudeste comparecer ao meu chamado, fico contente por te voltar a ver. – Saudou gelidamente Dégel de Aquário, imóvel a meros centímetros da linda amazona que inexplicavelmente fazia bater o seu coração.

— Eu também fico feliz por o voltar a ver, mestre Dégel. – Retribuiu Ângela ensaiando um prematuro sorriso.

— O que se passa contigo? – Perguntou o cavaleiro, conduzindo-a para o interior da sua magnífica sala de estar, onde Benedita servia dedicadamente um chá de ervas, certamente delicioso.

— Nada. – Mentiu a ruiva, mordiscando o seu lábio inferior, evitando o olhar analisador do seu mestre.

— Não acredito. – Afirmou sem rodeios o dourado, bebendo um grande trago daquela bebida reconfortante.

— Estou a dizer a verdade. – Insistiu Ângela sem pestanejar, bebendo igualmente o chá que lhe era estendido pela querida serva.

— O teu cosmo denuncia-te em cada palavra que prenuncias. – Afirmou o Aquário com sabedoria. – Aos outros tu podes enganar, mas a mim não, conheço com precisão cada oscilação inconstante da tua energia cósmica, não te esqueças desse pequeno grande pormenor. – Explicou remexendo apressadamente num monte bem organizado de pergaminhos. – Mas já percebi que não devo insistir neste assunto, quando quiseres desabafar eu estou aqui para te ouvir, contudo sinto-me no dever de te prevenir que existem segredos que custam muito caro, tem cuidado com esse detalhe. – Aconselhou na mesma e habitual voz fria.

— Irei ter isso em real consideração. – Respondeu a amazona, rezando aos céus para que a incrível inteligência do seu mestre não lhe indicasse a estrada certa. – Porque é que me chamou aqui? – Perguntou em voz determinada, encerrando aquele assunto.

— Preciso da tua ajuda. Lembraste das nossas preciosas aulas de astronomia? Chegou altura de as colocares em prática. – Decifrou, mostrando um pergaminho velho e gasto, onde milhares de movimentos estelares desfilavam em todo o seu esplendor.

— Acho que é mais do que capaz de compreender estes movimentos estelares. – Disse Ângela confusa.

— Sem dúvida alguma que sou, mas quero saber a tua opinião. – Esclareceu o dourado.

— Preciso de algum tempo. – Pediu a ruiva.

— Usa o tempo como quiseres, porém não tardes na tua pesquisa. – Assentiu Dégel misteriosamente. – Os segredos inscritos nos movimentos das estrelas são fascinantes e abrem portas que já estão encerradas à tempo de mais, pensa nisto. – Proferiu com a sabedoria a bailar-lhe nos lindos olhos.

— Certo, brevemente trarei as minhas conclusões. – Despediu-se a Cisne, lançando um pequeno sorriso ao seu querido mestre.

— Como o destino é cruel. – Cismou o dourado, vendo a sua aluna desaparecer imersa pelo frio cintilante da sua casa.

                As mentiras e as traições rasgam-me a garganta, enquanto desço vagarosamente estes degraus isentos de penitências ou maldades, seguro entre os dedos o destino de alguém cujas estrelas inocentemente nos denunciaram, será louvável vasculhar o fado de outrem? Talvez não seja, no entanto a vontade divina assim permitiu. Talvez o meu destino, o meu futuro também esteja desenhado nas finas linhas das minhas mãos, porém talvez eu esteja demasiado cega interiormente para o poder alcançar.

                A quem pertencerá aquele misterioso mapa celeste? Prevalecerá a mentira de Ângela perante os analíticos olhos da armadura de Aquário?


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