Ágda escrita por Maresia


Capítulo 17
Réstia de esperança




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                As privações, as lutas interiores, as barreiras e os momentos menos cintilantes tornam-nos mais fortes, mais capazes, mais corajosos, para enfrentar o que o destino impiedoso e cruel quiser colocar no nosso horizonte misterioso. Finalmente, a vida da linda Ângela começava a seguir um rumo positivo, repleto de amizade, carinho e concretização pessoal. Finalmente o seu futuro desenhava-se brilhante, sorridente e caloroso, somente manchado pelo espelho negro do seu passado obscuro e tricotado pelo gelo branco e destruidor. A amizade preenchia os seus dias agora bastante suportáveis na companhia de Dokho, Bianca e Regulos, o seu querido mestre Dégel regressara da sua longa e infindável missão, e a melhor recompensa fora a aproximação definitiva de Albafica de Peixes, embora secreta e altamente confidencial, era vivida em toda a sua plenitude, guiada pelas sagradas e lindas cordas da paixão espinhosa. Porém todas estas maravilhosas flores presentes eram mascaradas pelas sombras oportunas de um destino coberto de espinhos e decisões difíceis, onde as lembranças tão desejadas se escondiam arrogantemente por de trás do firmamento brilhante, prontas para assaltar a vida da amazona de uma forma quase arrepiante, onde a sua valentia, humanismo e sangue frio estarão em constante avaliação, numa luta desigual e desmedida com o seu doloroso e traído passado.

— Talvez seja melhor regressarmos ao santuário, já é bastante tarde. – Sussurrou a Cisne, perdida nos fortes braços de Albafica de Peixes.

— Sim, tens razão. – Assentiu o belo cavaleiro sorrindo para a misteriosa lua pintada na perfeição nos lindos olhos da ruiva, passando uma das suas mãos pelos cabelos de fogo flamejante e ardentemente apaixonado.

— Vamos. – Disse Ângela tristemente, não querendo deixar nas suas costas aquela maravilhosa escuridão campestre e perfumada, beijada por uma atmosfera de cumplicidade, carinho e ousadia.

                Os dois amantes uniram as suas mãos com o rio silencioso, com o campo palpitante e com o céu negro pintalgado de inúmeros pirilampos celestiais, abraçando com as almas uma nova e cruel despedida.

— Quando é que nos voltamos a encontrar? – Perguntou o dourado em voz baixa, chegando perto da porta da casa da amazona.

— Gostava de te responder, mas eu não sei, desculpa. – Respondeu ela, beijando delicadamente a mão do seu astro cintilante.

— Dorme bem. – Despediu-se o Peixes, virando costas e partindo rumo ao seu templo sagrado com o seu coração embalado pelos estridentes sinos da alegria.

                A paz pairava sobre a Terra como uma enorme pétala de gelo inquebrável, protetora e estranha, tornando a vida dos defensores de Atena um tanto ou quanto vazia e despreocupada, porém todos eles aproveitavam o seu imenso tempo livre da melhor maneira possível. A Cisne e os seus amigos davam grandes passeios sobre a margem relvada e cor de esperança do lago cristalino, Dégel de Aquário perdia-se durante infindáveis horas no meio de inúmeras letrinhas inteligentes, fortalecendo o seu intelecto faminto de conhecimento, Kardia de Escorpião realizava expedições através dos bares gregos, Manigold de Caranguejo divertia-se a arreliar os aprendizes a cavaleiro, Aldebaran esforçava-se por instruir o melhor que lhe era permitido as suas estrelas da sorte, e o nosso solitário Albafica sonhava acordado no meio perfumado das suas rosas, sonhava, perdido em pensamentos abstratos, repletos de sorrisos, luas de prata, flores amorosas e beijos de gelo e açúcar que talvez nunca existissem.

                Numa dessas manhãs ligeiramente beijadas pela chuva miudinha, Bianca estava confortavelmente sentada num pequeno banquinho de palha, junto da pequena lareira que decorava a sala da Cisne, observando com profunda admiração as pulseiras coloridas que cresciam apaixonadamente entre os dedos finos e a afiada agulha que dançava na mão fria da ruiva, linhas de arco-íris formavam belíssimos cordões decorativos banhados pela água divina, o cortante gelo, e o ardente talento da Cisne de bronze.

— São lindas! – Exclamou a loura num sussurro ensonado pelas labaredas cantantes da lareira.

— Se gostas podes ficar com esta, deixa-me apenas terminá-la. – Ofereceu gentilmente Ângela, finalizando uma perfeita trança lilás, que de seguida colocou no delicado pulso da sua amiga.

— Obrigada, esta bracelete simbolizará a força e a resistência da nossa amizade. – Comentou Bianca feliz, examinando cada detalhe entrançado daquele bonito acessório.

— Concordo, farei uma igual para mim. – Decidiu a amazona ruiva contente com o perfeito e ilusório rumo que a sua vida alegremente levava nas asas de gelo e bronze.

— Tenho notado que tens andado muito feliz, o que se passa, lembraste-te de alguma coisa relacionada com o teu passado? – Perguntou a amazona de Leão Menor em tom curioso, observando o resplandecente sorriso que brilhava nas lindas vagas azuis da sua amiga.

— Não, ainda não me recordei de nada, continua tudo tão vazio e distante como sempre esteve. – Decifrou a jovem, matando ligeiramente o seu fresco e contagiante sorriso.

— Se não é isso, então só pode ser uma coisa, estás apaixonada! – Exclamou Bianca apelando a toda a sua infalível perspicácia inoportuna.

— Nada disso! Estás maluca? Nós oferecemos as nossas vidas para proteger a paz no mundo e a Deusa Atena, achas que temos tempo para essas parvoíces do amor? Não voltes a insinuar tal coisa. – Exaltou-se a ruiva assustada, derrubando o arco-íris da sua alma no chão aquecido da sua solitária sala.

— Desculpa, não é motivo para reagires dessa forma atribulada, talvez tenha tocado num ponto sensível, podes contar-me, somos amigas. – Insistiu a Leão Menor com o desafio e a tremenda curiosidade a desfigurar-lhe o rosto elegante.

— Não existe nada para te contar, entende isso. – Defendeu-se Ângela horrorizada com a conversa que nunca devia ter começado, e que ela a tanto custo escondia.

— Não me enganas. Bem, vou andando, tenho que me preparar para a minha primeira missão. Adeus. – Despediu-se a amazona loura, saindo e batendo com a porta.

— Estou tramada. – Pensou Ângela tremendo ligeiramente perante tal ameaça iminente.

                Nessa noite Ângela galgou a grande velocidade o caminho que injustamente a separava de Albafica, estava ansiosa por lhe relatar a pequena discussão que tivera com Bianca horas antes. Temia no fundo apaixonado e inseguro do seu espírito a reação do cavaleiro, temia que ele nunca mais a quisesse ver, temia que aquele nevão de alegria derretesse arrogantemente com a força das chamas de Leão Menor, temia que todos os seus preciosos esforços se afogassem pesadamente no rio silencioso, temia que o cheiro das perfeitas rosas do dourado desaparecessem na atmosfera escura e florida da paisagem campestre, transformando-se numa névoa de sangue, tristeza e pétalas murchas. Temia que a luz de Artemis se apagasse para todo o sempre, deixando de iluminar o destino confuso e misterioso daquela paixão não permitida pelos Deuses.

— Ângela, és tu? – Perguntou uma voz calma como a noite observadora, vinda das profundezas cintilantes da melodia verde e adocicada pelo desejo carmesim e branco de linho.

— Sim sou eu. – Confirmou Ângela feliz, voando nas asas da paixão em direção ao dourado de Peixes.

— Estava um pouco receoso, porque vi o Shion a caminhar aqui perto. – Disse Albafica aliviado, tomando a sua Cisne nos braços. – Pareces preocupada, o que se passa? – Perguntou alarmado, observando os marinhos olhos de Ângela.

— Temos que falar. – Disse a amazona em voz triste. – A Bianca está desconfiada. – Desvendou em tom melancólico.

— A sério, e agora? – Questionou o cavaleiro partilhando o mesmo temor inesperado.

— Não sei. – Admitiu a Cisne, sentando-se numa pedra à beira do passageiro rio aventureiro.

— Não me quero afastar de ti. – Confessou o defensor de Atena, apertando fortemente a mão da ruiva como se receasse que a livre brisa noturna a levasse para longe de si.

— Então vamos ter mais cuidado nos nossos encontros, o que achas? – Sugeriu Ângela esperançada com aquela solução pouco credível.

— Sim, talvez seja o único caminho mais certo e seguro, e além disso… - Principiou Albafica, contudo as palavras pareciam ter ficado presas entre a culpa, o amor e o dever de cavaleiro.

— O que se passa? – Perguntou a amazona, compreendendo que algo bastante grave perturbava a mente do dourado.

— Amanhã parto em missão. – Afirmou Albafica inexpressivamente.

— Amanhã? – Questionou tristemente a ruiva, não querendo acreditar no que Albafica acabava de revelar.

— Sim, eu irei para Holanda o meu país natal. – Explicou o cavaleiro, num misto de terror e perda. – Eu não quero ir, mas não tenho escolha, são ordens irrepreensíveis do Grande Mestre, não há volta a dar, perdoa-me por favor. – Implorou o belo cavaleiro derramando algumas lágrimas de pétalas e veneno.

— Não chores, eu compreendo. – Confortou-o amavelmente Ângela, acariciando ternamente o seu rosto molhado pelo amoroso perfume das rosas.

— É mais complicado do que tu imaginas. Por vezes gostava que o meu passado desaparecesse, desculpa talvez não esteja a ser justo, mas existem coisas relacionadas com a minha infância que eu dava tudo para as esquecer. – Confessou o defensor do Décimo Segundo templo sagrado, olhando tristemente o céu aveludado onde a constelação de Peixes brilhava embalada pela terrível maldição da solidão envenenada.

— Podes falar comigo se quiseres, talvez isso desarme o teu sofrimento. – Sugeriu a jovem angustiada por ver o seu astro afogado em tanta tristeza.

— Eu não irei sozinho na minha missão. – Principiou o atraente dourado. – Irei com Bianca de Leão Menor, não olhes para mim assim, são ordens do Grande-Mestre, eu não posso fazer nada. – Defendeu-se perante o olhar incrédulo e recriminador que se desenhava nos olhos marinhos da amazona. – O regresso ao meu país faz com que as sombras frias e solitárias do meu passado retornem com uma brutalidade indescritível, algo tão sufocante como a crueldade do destino. – Afirmou Albafica inseguro.

— Mas o que se passou assim de tão grave? Podes contar-me jamais te julgarei ou criticarei, não tenho esse direito. – Questionou a ruiva sinceramente.

— Como sabes, o meu sangue é altamente venenoso, quando eu era apenas um adolescente e estava no auge dos meus treinos, aceitei realizar uma troca de sangue com o meu mestre, trata-se de um maldito ritual elaborado entre mestre e discípulo protegidos ou amaldiçoados pela constelação de peixes. – O cavaleiro respirou fundo, recordando com pesar aquele dia fatídico que ainda hoje lhe arrancava horas de sono, trancando-o em pesados e horrorizantes pesadelos. Ângela abraçou-o carinhosamente, tentando-o confortar com todas as suas forças e todo o seu amor, no entanto todos os seus esforços eram inúteis e derrotados pelo forte sofrimento que encerrava o nobre coração do cavaleiro.  – Nesse dia eu não poderia imaginar o que ia acontecer, porque se eu soubesse… - O dourado enterrou o seu belo rosto nas suas mãos. – O meu sangue ganhou mais propriedades venenosas superando o sangue do meu próprio mestre…

— Não precisas de continuar, eu já compreendi. Tem calma, tu nunca poderias saber o que iria acontecer, ainda não tens poderes de adivinhação. Acredito que o teu mestre, esteja onde ele estiver, nunca te culpou de nada. – Disse Ângela, beijando a face sofredora do dourado. – Nós não devemos fugir do nosso passado, devemos enfrentá-lo de cabeça erguida, resolver o que ficou para resolver, para que desta forma possamos seguir em frente. – Aconselhou a jovem.

— Talvez tenhas razão. – Admitiu o belo Peixes limpando os seus lindos olhos de esperança e valentia.

                Os dois piões do medonho destino abraçaram-se tendo a lua e o rio como testemunhas atentas e silenciosas, os seus olhos chorosos encontraram-se nas finas cordas que guia a bela harpa do amor, e levados pelo momento os seus lábios cruzaram-se na gloriosa linha da colorida aurora boreal.

— Fica comigo esta noite. – Pediu o lindo cavaleiro em voz baixa, surpreendido com o que acabara de fazer.

— Eu fico, mas onde? – Perguntou Ângela, não cabendo em si de tanta felicidade.

— Tenho tudo resolvido, confia em mim. Vamos. – Disse Albafica enigmaticamente, segurando tranquilamente a mão fria da ruiva e começando a caminhar pela margem campestre do rio azul e adormecido pela vontade de Morfeu.

                Ao longe, refletida entre a pequena brecha da lua e das estrelas, erguia-se uma pequena cabana de madeira, envolta por espessa vegetação tilintante. Albafica apressou o passo, ansioso por quebrar a distância que os separava daquela pequena mansão campestre onde reinava a simplicidade e a pobreza.

— É aqui. – Anunciou o dourado, rodando a enferrujada maçaneta e abrindo ruidosamente a porta de madeira descorada. – Esta cabana está abandonada há imenso tempo, pertencia a uma família de aldeões que partiram em busca de uma vida melhor, à procura de um futuro mais sorridente para as crianças. – Explicou rapidamente, percebendo o ar confuso da sua namorada.

— Tu és realmente único. – Elogiou a Cisne sorrindo.

                No interior abandonado da pobre cabana apenas existiam um pequeno divã muito velho, uma lareira sem vida e uma pequena mesinha rachada pela triste passagem dos anos.

                Ângela aconchegou-se docemente nos fortes braços do cavaleiro, saboreando cada beijo, cada caricia que as estrelas lhe ofereciam, Albafica nem queria acreditar no que estava a acontecer, jamais pensaria ter tanto amor para dar e para receber, jamais pensaria encontrar-se perante tantos momentos repletos de ternura e carinho. Juntos adormeceram embalados por uma luminosa e calorosa réstia de esperança, onde o futuro sorria timidamente escondido por uma cortina de escuridão e segredos desvendados.

                As parcas preparam-se para tecer uma grande e injusta partida que colocará à prova o amor de Albafica e Ângela, estarão eles prontos para enfrentar o que aí vem? Resistirá a amizade das duas amazonas perante a cruel missão imposta pelos Deuses caprichosos?


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