Ágda escrita por Maresia


Capítulo 15
Avanços e recuos




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                Ângela caminhou apressada através da verdejante margem do lago azul, com os seus olhos curiosos postos naquela esbelta e imponente figura que emanava por todos os esporos tranquilidade, serenidade e misticismo. Os pequenos arbustos movidos pela suave brisa conduziam Asmita de Virgem numa sintonia perfeita e inequívoca entre o mundo corpóreo e o patamar esotérico.

— O que queres rapariga? Observo o teu coração, nele está escrita a palavra arrependimento. – Disse sabiamente o cavaleiro, olhando no fundo espírito da amazona do gelo.

— Sim, eu vim aqui para te pedir desculpa pelo meu comportamento. – Afirmou Ângela completamente atonita com a atitude analítica daquele homem magnífico.

— A oportunidade de pedir perdão tornou-se usual para quem prefere errar. A palavra desculpa apenas simboliza a hipocrisia mascarada e perfeitamente disfarçada. – Cismou o dourado.

— As minhas desculpas são sinceras. – Defendeu-se a jovem irritada com aquele comportamento alheio aos seus verdadeiros motivos.

— A sinceridade deixou de ser uma realidade clara e bela para se tornar um mito distante e cruel. – Vociferou Asmita, acariciando a copa florida de um dos pequenos arbustos cantantes.

— Se és assim tão sábio, tão dono da verdade, então olha para aqui, e vê se o que eu te digo é mentira ou falso. – Disse a Cisne enervada, apontando para o local onde o seu coração batia

— As estradas que cruzam o teu coração são sinuosas, sofredoras e muito misteriosas, nem eu conseguiria ver mais do que aquilo que tu me mostras. – Respondeu o cavaleiro com indiferença aparente. – Procura a luz que existe dentro de ti, se a encontrares eu também a poderei ver, e assim compreenderei se o que dizes é pleno de verdade. Agora não me voltes a abordar sem uma visão nítida do teu coração. – Afirmou sabiamente o louro em voz profunda, desaparecendo embalado pela serenidade da brisa esvoaçante, deixando a jovem confusa, perdida no verde fresco e esperançado dos arbustos. – A luz está ao alcance de todos, contudo nem todos têm a coragem para a alcançar. – Murmurou Asmita entrando como uma livre pluma no sexto templo sagrado.

— Asmita! – Exclamou Ângela em tom monocórdico, observando o seu reflexo recortado na superfície espelhada do lago. – A luz do meu coração certamente será o meu desconhecido passado, eu busco-o com todas as minhas forças, todavia ele foge-me habilmente por entre os dedos. Ajuda-me a alcançá-lo. – Pensava a linda amazona caminhando de cabeça baixa até ao local onde Dokho, preocupado, a aguardava.

— Como correu? – Questionou o dourado de Balança, erguendo-se de um salto.

— Confuso. – Respondeu a ruiva em tom baixo, sem dar muita importância.

— Não compreendi. – Insistiu o cavaleiro.

— Correu bem, acho eu. – Respondeu Ângela sem mais palavras. – Bem vou regressar a casa, comprometi-me que faria o jantar para mim e para a Bianca, até amanhã Dokho. – Despediu-se a amazona começando a correr, só parando na sua pequena habitação, onde a graciosa Bianca já a esperava ansiosa.

                No dia seguinte Ângela procurara pelo seu mestre na gelada casa do Norte, no intuito de lhe relatar a conversa confusa que tivera com Asmita de Virgem, no entanto fora informada por Benedita que ele tinha partido alguns dias antes com Kardia de Escorpião para uma missão muito importante no Oriente. Aquela notícia embateu no coração angustiado da amazona como um pesado cubo de gelo aguçado, cortando aos poucos a esperança quase inexistente de encontrar o seu passado. A passos lentos e tristes regressou à sua solitária casinha, segurando com força entre as mãos a esperança de que o dia seguinte iria ser melhor, mas como estava enganada!

— Bom dia, minha querida, era mesmo contigo que eu queria falar! – Saudou com vivacidade o enorme e carinhoso Touro Dourado, enquanto Ângela acompanhada de Bianca se dirigiam às penosas arenas de treino.

— Bom dia, senhor Aldebaran! Em que posso ser-lhe útil? – Perguntou a ruiva curiosa, observando um pequeno grupo de cavaleiros, tentando descobrir a figura do seu mestre no meio deles.

— Escusas de procurar ele ainda não retornou. – Disse amavelmente o cavaleiro, seguindo-lhe o olhar. – Bem eu gostaria de te pedir se logo à tarde vais com Bianca até à aldeia de Rodório para recolher umas roupas para as crianças, bolas eles não param de crescer, é formidável! – Pediu, olhando a tristeza dançar nas profundezas azuis de Ângela.

— Eu tratarei disso, fique descansado. – Prontificou-se a amazona, prosseguindo o seu caminho.

                O sabor do amargo limão e da azeda descrença acompanharam Ângela no fim do treino, o seu cosmo estava imerso em instabilidade, a concentração abandonara-a por completo, as suas emoções estavam em completo descontrolo, misturando-se, desalinhando-se e evaporando-se, tudo isto culminara na falta de habilidades que Ângela parecia demostrar, parecia que as suas capacidades de luta ficaram perdidas nas terras geladas e amaldiçoadas do reino sagrado de Bluegard tal como o seu passado.

— Quando voltar de Rodório eu darei um passeio contigo, prometo. – Disse calmamente a linda ruiva, quando o seu cãozinho lhe saltara sem rodeios para o colo lambendo-lhe alegremente a cara molhada pelas teimosas lágrimas. – Espera aqui por mim Snow. – Pediu, pegando num saco de verga e dirigindo-se ao exterior solarengo.

                As duas amigas caminharam com muita dificuldade até à estrada que anunciava a entrada da pequena aldeia situada nas imediações do santuário. Os seus peitos arfavam devido ao sinuoso e perigoso caminho que corajosamente percorriam, o suor caía com abundância pelos seus rostos e as suas pernas tremiam violentamente, porém jamais pensaram em desistir da sua missão.

— Finalmente chegámos, nunca tinha percebido que este caminho era tão complicado. – Desabafou Bianca arfante, encostando-se a uma parede branca para tentar recuperar da exaustão.

— Por isso é que somos amazonas, fomos treinadas para ultrapassar cenários como este. Bem, vamos até ao templo da Deusa Hera, é aí que devemos procurar as roupas para as crianças. – Disse a Cisne, puxando a amazona de Leão Menor pela mão.

                Algumas horas mais tarde, já o sol se aninhava com as nuvens para dar as boas vindas à lua de prata, as duas amigas caminhavam de volta ao santuário de Atena, carregadas com dois pesados sacos apinhados de roupa e calçado destinados às crianças de Aldebaran.

— Ai! Ajuda-me Ângela. – Gritou Bianca estatelando-se no chão espinhoso.

— Bianca! Oh meu Deus, segura a minha mão. – Disse a Cisne aflita, pegando a mão da rapariga loura, ajudando-a a erguer-se de novo.

— Estou a sangrar. – Informou Bianca horrorizada.

— Não é grave. – Tranquilizou-a a ruiva, examinando o joelho ferido da sua amiga. – Vamos continuar a caminhar, antes que a noite se cerre e depois ficamos sem visibilidade. – Disse Ângela preocupada.

— Ainda bem que vos encontrei! – Gritou uma voz familiar, na direção das duas defensoras de Atena.

— Dokho! – Exclamaram as raparigas num uníssono de alívio e admiração.

                Com a chegada de Dokho e a colaboração do mesmo, o caminho sinuoso perdera a sua habitual perigosidade, facilitando a travessia dos três jovens. Por fim, os portões do sagrado santuário abraçaram-nos com merecido alento e conforto. O touro Dourado ficou radiante com a enorme recolha feita pelas duas amazonas de bronze, agradeceu com um enorme e contagiante sorriso e seguiu até ao refúgio onde as crianças permaneciam felizes e eternamente gratas.

                Ângela dirigiu-se à sua casa de mão dada com o enorme prazer da solidariedade e do dever cumprido, contra todas adversidades e espinhos, tomou o pequeno Snow nos seus braços e saiu enfrentando a noite calma, silenciosa e quente no seu regaço. Caminhou durante vários minutos saboreando os maravilhosos beijos do luar majestoso, até despontar num florido campo enfeitiçado pelo carvão e pela prata sonhadora. Sentou-se tranquilamente numa almofada de areia fértil e acariciou ternamente a pelagem branca do seu fiel amigo das neves.

— Porque é que ele não me disse que ia em missão. Que tipo mais frio e sem sentimentos, possas eu era sua aluna, será que isso não conta para nada? Talvez não conte para ele. – Desabafou Ângela tristemente, pensando na ausência bem presente do seu querido cavaleiro de Aquário. – Eu merecia um pouco de consideração. – Disse amargamente, atirando um punhado de areia para o leito do pequeno rio que corajosamente cruzava as redes cósmicas das fronteiras do santuário. – Não vás para longe Snow. – Preveniu Ângela largando o pequeno animal no chão areado.

                 O maravilhoso silêncio pintava com dedicação o cenário campestre, os olhos da jovem brincavam divertidos com o cheiro doce e fresco das verduras e das flores, tateando com ternura o quadro negro e prateado do céu verdejante, a sua alma dançava com as águas cristalinas e amorosas do pequeno ser de água, quando os latidos desenfreados de Snow quebraram a atmosfera surreal e telintada do campo. A Cisne correu ao encontro dos murmúrios do seu amigo, envolvida pelo gracioso perfume de rosas.

— Snow anda cá, não aborreças o cavaleiro de Peixes! – Repreendeu a amazona, tentando desesperada segurar no alegre cãozinho que saltitava para o colo do belo homem. Albafica olhava-o confuso, talvez um pouco apreensivo, porém esticou a sua mão e acariciou-lhe o pelo fofo. – Desculpe, ele por vezes é bastante impertinente. – Lamentou-se a ruiva, observando aquela cena repleta de ternura.

— Não faz mal, eu compreendo. – Respondeu o dourado em voz baixa. – Tu és a amazona de Cisne, estou certo?

— Sim, sou. – Confirmou a jovem, sentindo o seu coração palpitar perante tal presença astral. – Acho que ele gosta de si. – Comentou, vendo Snow lamber carinhosamente os dedos do belo dourado de Peixes.

— É, parece que sim. – Concordou Albafica, imerso em amargura e solidão.

— A noite está fascinante. – Constatou a Cisne, hipnotizada com toda aquela beleza surreal e inimaginável.

— A beleza das coisas somente serve para disfarçar a sua verdadeira e real aparência. – Respondeu Albafica, adoptando o seu usual ar indiferente.

— Eu acredito que a beleza é o esconderijo perfeito para isolar as nossas verdadeiras fraquezas e medos. – Afirmou a ruiva, perdida na incrível aparência do cavaleiro de Peixes

— Talvez não estejas assim tão longe da verdade. – Assentiu pensativo o dourado, olhando pela primeira vez nos olhos da amazona.

— Bem, está na hora de voltar. – Disse estupidamente a jovem.

— Claro, o recolher já foi há bastante tempo. – Concordou o atraente peixes, sorrindo internamente.

                Ângela caminhou vagarosamente embalada pela beleza do cavaleiro, os dois cruzaram os seus olhares na fina linha entre o dever e o mistério. A Cisne esticou a mão trémula para segurar Snow, todavia em vez do pelo fofo e açucarado encontrou a mão fria e justiceira do cavaleiro. O tempo parou, a lua sorriu, as plantas dançaram, a brisa encantou o ar, o rio sonhou, as estrelas tocaram harpa, sobre o firmamento celeste daquele momento único e indescritível. Uma carícia involuntária surgiu afagando os corações dos dois defensores da paz, e então…

— O que pensas que estás a fazer, não te aproximes de mim! – Berrou o lindo Peixes, afastando-se tragicamente da amazona confusa e assustada.

— Albafica! Eu não te queria ofender. – Justificou-se dolorosamente a doce ruiva, inundando o campo marinho do seu espírito com lágrimas de carvão de prata. Sentou-se pesadamente na areia moribunda, recordando os breves e perfeitos momentos em que os dois esqueceram as suas diferenças.

— Tu não o ofendeste. – Disse uma voz calma, proveniente das trevas cintilantes do campo afogado em tristeza.

                Estará Asmita realmente certo em relação à luz de Ângela? Quem é este homem que auxilia a Cisne num momento tão critico? Saberá ele os motivos que levam Albafica de Peixes a isolar-se do resto do mundo?


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