Ágda escrita por Maresia


Capítulo 1
Tempestade




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Num longínquo cantinho, localizado bem a Norte do globo, vive a bela e fria Bluegard, imersa em belas planícies de neve branca e serena, embalada pelo nobre e furioso vento gelado, coberta por um imenso e platinado céu decorado com pesadas nuvens solitárias. Este local nunca foi beijado pelos preciosos e quentes raios da estrela maior, em sua vez é abraçado por vastos e fascinantes nevões que a torna a zona mais gelada do mundo. Aqui, os rios não correm alegremente para o grande oceano porque passam a maior parte do tempo trancados por enormes camadas de gelo reluzente e perigoso. As flores não brotam da terra, a vegetação não cresce em abundância devido à imperturbável infertilidade dos solos gelados. O quotidiano dos habitantes desta tranquila e silenciosa terra caminham de mãos dadas com o rigoroso e demorado inverno nórdico.

Algures, num local distante do centro da nevada aldeia, duas pessoas estavam sentadas em duas pedras brancas, observando atentamente o frio que persistentemente os rodeava, sem dar tréguas algumas, porém este não os afetava, viviam com ele como se de um amigo se tratasse. Um dos rapazes tinha uma elegante cabeleira verde, emoldurando um rosto esculpido com finas feições. As suas mãos seguravam um pesado e grosso livro adornado com uma brilhante capa negra, onde se distinguia um enorme título escrito a dourado. A concentração era o único sentimento, a única emoção que o seu nobre rosto deixava transparecer, enquanto analisava atentamente aquele descomunal volume. O outro rapaz possuía um lindo cabelo dourado, o seu rosto era pálido como a neve que os vigiava, os seus olhos eram dois diamantes azuis que reluziam intensamente, contrastando impecavelmente com o cenário gelado. Este, ao contrário do seu melhor amigo, não exibia nenhum pesado e misterioso livro, por seu turno olhava curioso o céu cor de prata, imaginando o que se escondia para além daquela Terra imersa em gelo e silêncio.

- Então, como está a correr a leitura meu irmão? – Perguntou o rapaz louro, desviando as suas atenções para o rapaz do livro.

- Os mistérios do universo são fascinantes, são uma fonte inesgotável de conhecimento, de perguntas, respostas e suposições. – Respondeu o jovem de rosto fino. A sua voz personificava o próprio clima de Bluegard.

- O meu pai nutre um grande orgulho por ti sabes? Ele passa os dias a afirmar que se continuas assim, irás bastante longe. Eu também acredito nisso, Dégel. – Confessou o observador do vasto céu.

- O senhor Garcia é um homem imensamente sábio, nunca conheci um homem com o caracter dele. Estou bastante grato por todos os estudos e ensinamentos que ele me incutiu afavelmente ao longo do tempo, nada pagaria o que ele fez por mim. – Respondeu Dégel, nunca retirando os seus penetrantes olhos de uma página consumida pelo passar cruel dos anos. – Grande parte do que eu sou, a ele lhe agradeço, Unity, disso podes ter tu a certeza, meu amigo. – Murmurou ele, perdendo-se no meio de milhares de letras e runas confusas.

- Apesar de tudo, eu tenho consciência de que o nosso tempo juntos está prestes a findar. – Constatou Unity, demostrando alguma tristeza na sua doce voz. – Quanto tempo mais? – Insistiu, reparando que o outro não estava a prestar atenção. – Dégel estás a ouvir? – Perguntou, ligeiramente aborrecido.

- Sim estou, talvez um mês. – Disse o jovem de longos cabelos verdes, não dando muita importância ao diálogo.

- Mas o santuário já te requisitou? – Voltou a perguntar o louro.

- Sim, eu tenho que ir até lá, porém apenas para resolver assuntos burocráticos, não te preocupes. – Antecipou-se, prevendo que o seu amigo iria proferir nova questão. – Agora, por favor permite-me que finalize esta página deliciosa, sobre a influência das fases da lua na alteração das marés e das correntes marítimas. – Pediu educadamente.

- Certo. – Assentiu maldisposto Unity, voltando a focar o misterioso céu cor de prata.

As nuvens corriam apressadas pelo espelho platinado, empurradas furtivamente pelo forte vente nórdico. Os flocos de neve caíam com grande intensidade, cobrindo por completo o terreno pintado de branco. O vento soprava e soprava, brincando desagradavelmente com os cabelos dos dois jovens. A neve caía sobre as páginas marcadas pelo tempo, finalmente Dégel desistiu dos seus preciosos estudos.

- Bem, vamos voltar, o teu pai provavelmente já cedeu à preocupação. – Decidiu ele, olhando para o amigo que sem êxito sacudia a neve dos cabelos dourados.

- Acho que vem aí um nevão daqueles. – Afirmou Unity, erguendo-se da sua pedra, preparando-se para iniciar o caminho de regresso ao seu nobre e confortável palacete, onde certamente um jantar delicioso os aguardava.

- Sim, parece que sim. – Concordou Dégel, levantando-se e começando a andar.

Juntos caminharam até à aldeia elegantemente decorada de branco. Passaram por pequenas habitações onde a neve já se apresentava com rigor e perfeição, cobrindo as pequenas janelinhas, adornadas com tecidos coloridos. O vento martelava furiosamente contra os frágeis telhados de madeira. As pessoas recolhiam rapidamente ao interior dos seus lares, tentando escapar ao poderoso e gelado nevão. As lareiras crepitavam alegremente desafiando de forma perspicaz a tempestade que floria abundantemente sobre aquela aldeia cor de linho.

Dégel e Unity andavam com alguma dificuldade devido ao violento vento que os desequilibrava, os seus pés já se enterravam através do espesso tapete que cobria Bluegard.

- Temos que nos apressar, se não daqui a pouco não conseguimos chegar a casa, Dégel. – Preveniu o jovem de belos cabelos dourados, vacilando perante o clima desfavorável.

- Sim tens razão, a passagem daqui a pouco já está inteiramente coberta pela neve. – Concordou Dégel, apressando teimosamente o passo, puxando o seu amigo por um braço.

O jovem aquário estava pleno de certeza. A planície que conduzia ao real palacete já estava escondida pelo furioso nevão. Os dois olharam aquele cenário repleto de beleza e perigosidade.

- Eu já não consigo passar, Dégel. – Disse Unity, observando com mais atenção o espaço.

- Não há problema, eu ajudo. – Prontificou-se o nobre rapaz, levantando o amigo e colocando às suas costas. – Acho que assim já consegues certamente. – Disse ele.

- Sem dúvida. Por vezes esqueço-me que o meu melhor amigo é um dos homens mais poderosos que caminha sobre a Terra. Por vezes, esqueço-me que o meu irmão é o cavaleiro de ouro de Aquário! – Exclamou o louro orgulhosamente, segurando-se ao amigo com todas as suas forças, resistindo às tendências caprichosas do vento gelado.

Por entre o vasto e impassível nevoeiro uma antiga e nobre casa fazia a sua difícil aparição, ficando cada vez mais perto e maior, revelando toda a sua magnificência e grandiosidade. As luzes que brilhavam no seu interior luziam de forma convidativa para todos aqueles que corajosamente lutavam contra aquela impiedosa tempestade de neve.

- Estamos quase, Dégel. Só mais um pouco. – Incentivou Unity, sentindo o peso da culpa nos seus ombros, ele não suportava ser um fardo para o amigo. Porém, o Aquário nunca o vira como tal, não o considerando apenas como um amigo, mas sim como o irmão que nunca teve.

- Sim estamos muito perto. – Disse Dégel arfando ligeiramente, devido ao esforço multiplicado.

Num momento de conforto e alegria a nobre casa veio ao encontro de ambos, abençoando-os com o seu carinhoso calor e um delicioso cheirinho a comida perfeitamente confecionada nos enormes fogões abastecidos a lanha. Uma delicada jovem veio esperá-los à porta, ofertando-lhes um doce e ternurento sorriso. Os seus cabelos de ouro reluziam à luz das milhares de velas que garantiam aquela iluminação impressionante, os seus olhos eram de um azul tão profundo como os grandiosos mares. A jovem trajava um elegante vestido azul-claro que combinava impecavelmente com a sua aparência angelical.

- Ainda bem que retornaram. Estávamos a ficar bastante preocupados. – Disse ela em voz tão doce como o seu rosto.

- Não te preocupes maninha, nós estamos óptimos. – Disse Unity, abraçando fraternamente a sua irmã mais nova.

- Que cheirinho agradável, Serafina. – Comentou Dégel.

- Sim, pedimos para que Celeste fizesse um jantar… - Serafina parou a explicação, vendo que Dégel olhava apreensivo para o gelado exterior. – O que se passa Dégel? – Perguntou ela curiosa, aproximando-se do cavaleiro.

- Senti algo. – Confessou Dégel, bastante atento. – Esperem um pouco. – Pediu. – Ainda estou a sentir é a leve réstia de um cosmo, bem perto do local onde estivemos sentados Unity. – Confirmou Dégel. – Vou ver o que se passa. – Decidiu, saindo disparado pela porta ainda aberta.

- Dégel é muito perigoso! A tempestade não é algo que se brinque! Não desafies o clima, porque se assim o fizeres não terás força para o parar! – Avisou Serafina receosa, contudo a única resposta que obteve foi os assustadores uivos do vento.

- Não vale a pena, ele é muito teimoso. – Disse Unity, abraçando a sua adorada irmão. – E além disso, ele é um cavaleiro de ouro um dos homens mais fortes do mundo, não te esqueças. – Disse ele. – Dégel tem cuidado, estou preocupado. Eu não sei o que este horrível nevão esconde. – Pensou ele no seu íntimo, levando Serafina até à sala de jantar bastante perfumada com o odor delicioso da comida quente.

Dégel lutava desesperadamente contra a tenebrosa violência da forte tempestade branca. A força do vento derrubava-o aqui e ali. A neve caia pesadamente sobre o seu corpo gelado, porém ele não desistia da sua busca. A escuridão cegava-o plenamente, ele nada via, apenas tacteava aquele silêncio arrepiante e gelado. Ele tinha consciência que há muito que a aldeia ficara para trás com as suas lareiras cantantes.

De súbito, o seu joelho chocou dolorosamente contra uma pedra, sentiu um fio de sangue quente percorrer-lhe a perna e uma ferida rasgar-lhe a pele, todavia, agora sabia exatamente onde estava.

- Estás perto, tenho a certeza. Aguenta mais um pouco, por favor. – As suas corajosas palavras eram abafadas pelo ensurdecedor vento.

Dégel continuou a vaguear, entregue à sua sorte e ao seu espírito de entreajuda, até que o seu pé tocou em algo saliente. O seu coração bateu mais do que nunca.

A quem pertencerá a pequena réstia de cosmo? Chegará Dégel a tempo? Ou será tarde de mais?


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