— Ei, pra onde você vai? – perguntei na segunda-feira de manhã, enquanto comia meu cereal.

— Trabalhar, ué. Tem gente que precisa, sabia?

— Mas o que você faz? Não, espera. Quero adivinhar. – fingi estar com dúvida. – Hm... Testador de videogames?

— Rá rá, muito engraçado. – fez uma careta pra mim. – Não, Emma. Trabalho numa joalheria. Faço lapidação de pedras preciosas.

— Que nobre. Acho que iria me sentir rica.

— É difícil se sentir rico com seu chefe reclamando toda hora. – ele bufou. – Mas estou acostumado.

— Que horas volta? – isso poderia afetar os treinamentos, o que significava mais tempo longe do acampamento!

— Às 17h. – abriu a porta, e nós dois encaramos a chuva violenta que caia lá fora. – Vê se não quebra tudo, tá legal?

— Vou tentar. – sorri sarcasticamente.

Depois que Charles saiu, fiquei imaginando nas coisas que poderia fazer. Bem, não havia muitas ideias. O lugar era pequeno, e estava chovendo. Me lembrei da promessa de Bella, e peguei um dracma na minha mala. Fiz a ligação de Íris, e logo vi minha irmã treinando com o arco.

— Ei, Bella! Olha pra cá! – comecei a acenar freneticamente.

— Ah, oi Emm! Não esperava te ver tão cedo. – ela se afastou do alvo para falar comigo. – E então, está gostando de sua estadia?

— Não é das piores. Charles até que é legal... Só é um pouco lerdo.

— Não esperava outra coisa de um filho de Hefesto. – ela olhou melhor para mim, como se procurasse alguma coisa. – Que lugar é esse? Seu quarto?

— Meu sótão, você quer dizer. A casa só tem um quarto, e é dele.

— Melhor que nada. Pelo menos não dorme no sofá. – essa era minha irmã, sempre procurando o lado bom em tudo.

— Eu durmo num sofá-cama.

— Pare com isso! Pelo menos não... Ah, me perdi! – comecei a rir da cara dela. – Mas me diz aí... Ele é gato?

— Quem? Charles? Está brincando comigo. – bufei teatralmente. – Nem consigo pensar em uma coisa dessas. Ele é muito fofo, mas...

— Tem músculos? – ela ficou animada. Vai sonhando!

— Só imaginários. – sorri. – Ele tem heterocromia.

— Jura? Que bizarro. – de repente parou e mandou um olhar malicioso para mim. – Espera aí. Você está falando tudo isso para que eu perca o interesse? Aí você pode ficar com ele todinho pra você?

— Não é nada disso! Para de inventar história!

— Opa! Olha aí! Você não está fazendo brincadeira com a situação, está levando a sério! Você gosta dele!

— Eu só o conheço há três dias!

— Emma tá namorando, Emma tá namorando, Emma tá namorando! – que infantil!

A ligação terminou, e fiquei no silêncio do sótão. Que droga! Eu não gostava de Charles, não dessa maneira. Ele era legal, mas mal nos conhecíamos e eu ainda não tinha superado totalmente o lance com David. Ainda o amava, lá no fundo.

Como não tinha muito o que fazer, resolvi assistir TV. Enquanto via um programa culinário, alguém bateu na porta. Visita? Fui até a entrada, mas antes de abrir consultei o olho-mágico. O que vi? Uma mulher loira e alta, com seu batom vermelho e casaco de peles.

Não, não era a Cruella DeVil.

Era ela.

Com medo, girei a maçaneta. Numa nuvem de perfume e maquiagem, me abraçou com toda a delicadeza de uma dama. Entrou na sala apertada, e depois de fazer uma investigação rápida, deu um sorriso branco e deslumbrante.

— Olá Emma, querida. Como vai? – seu tom era de animação contida. O que ela tinha planejado para mim agora?

— Oi Afrodite. – tentei parecer firme. – A que devo o prazer de sua companhia?

— Ora, estava apenas passando e resolvi fazer uma visitinha. – ah, claro. Ela se acomodou no sofá.

— Ahn... Tudo bem. Quer café? – eu não sabia fazer um que prestasse, mas eu sabia que ela não ia aceitar.

— Oh não, obrigada. Não quero borrar o meu batom. Pelo menos, não agora. – deu uma risadinha. – Então, vamos conversar. Fiquei sabendo que terminou com o meu filho, David.

— Na verdade, ele terminou comigo.

— Sim, sim. Querida, não o leve tão a sério. Ele gosta de aventuras amorosas, só isso. Mas fiquei muito triste com o fim do namoro de vocês dois.

— Já superei isso. – falei, mas sabia que era mentira.

— Não tente me enganar, Emma. Eu sei o que tem no seu coração. – mas rapidamente mudou de tom. – Mas... Eu estou um pouco surpresa com você.

— Surpresa?

— Sim. Bem, eu nunca havia pensado nessa alternativa, mas agora... – suspirou. – Me conte mais sobre esse garoto... Charles, não é? – droga!

— Não tem nada entre ele e eu. Nos conhecemos a poucos dias. – tentei cortar seus planos, mas eu sabia que Afrodite não ia cair na minha conversa.

— Pense bem, as possibilidades são infinitas. Imagine como poderia ser o primeiro beijo de vocês! Durante o treino, ou talvez na chuva. Ou que tal depois de uma briga acalorada, e vocês se agarram de repente? Seria incrível!

— Não estou interessada nele.

— Por enquanto. Mas e daqui a alguns dias, quando você perceber como Charles é delicado e gentil? Ou quando estiver sem camisa e perceber que ele não é tão magrelo quanto pensa?

— O quê?! Isso não vai acontecer! – estava quase me levantando do sofá, completamente desconfortável.

— Não se precipite. E uma garota bonita como você sem dúvidas é atraente para ele. – deu mais um de seus sorrisos maldosos.

— Isso não vem ao caso. Não pretendo namorar novamente tão cedo, muito menos o Charles.

— É o que veremos. – descruzou as pernas e foi em direção à porta. Antes de fechá-la atrás de si, deu o veredito. – Não se esqueça, Emma. Eu que mando no seu coração.

E saiu de forma dramática, me deixando plantada no meio da sala.

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Ele chegou cedo do trabalho. Se jogou no sofá, exausto. Fiquei com pena dele, imaginando como aquela rotina devia ser cansativa. Ia fazer um comentário sobre os treinos, mas engoli minhas palavras. Ele não precisava de mais uma coisa para se preocupar.

— Que cheiro é esse? – enrugou o nariz. – Parece... Perfume.

— Perfume? – Afrodite, aquela miserável! Charles não podia saber daquela conversa! – Não, não sinto cheiro de nada.

— Deve ser impressão minha. – e sorriu. – E então, como foi o seu dia? Destruiu muitas coisas?

E depois, o episódio com a deusa do amor foi temporariamente esquecido.