O Cupido escrita por Mits


Capítulo 8
Amigos


Notas iniciais do capítulo

Tire Swing - Kimya Dawson.
Queria agradecer a presença ilustre da Mandy nesses comentários, que o amor esteja com você.
Desculpa erros e blá. Flws



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— Tá. E como terminou? – Resmungou Will pelo telefone.

— A gente ficou um tempão lá fora esperando o pai da Hannah chegar – respondeu Peter sentado na sacada de seu apartamento, os pés balançavam no ar enquanto seus olhos fitavam o céu. Três andares abaixo uma criança barulhenta chamava a sua atenção.

— O diretor ficou muito puto com vocês por terem pegado o carro dele e ainda arrebentar o nariz da filhinha? – Ironizou o moreno. Ele estava em uma praça sentada junto ao lago poluído, seus olhos iam e vinham juntamente com os animais.

— Muito – riu – mas ela tá melhor e é isso que importa. A melhor parte foi ver aquela garota meio doidinha dirigindo – riu outra vez.

Will suspirou meio risonho. – Posso te perguntar uma coisa?

— Não, eu não peguei o numero da Jen pra você.

— Não é isso, idiota. Por que raios você deu uma bolada na cara dela? – A gargalhada do mais velho chamou a atenção de um poodle que corria por perto.

— Não era minha intenção, cacete. Eu queria só dar uma pancada, depois eu pediria desculpas e jogaria meu charme nela. Transaríamos e fim.

— Olha, a parte da pancada funcionou, você só não sabia que ela iria parar no hospital.

— Tem como parar de rir da minha cara – disse também rindo.

— Foi mal.

— E como anda sua garota? Você perdeu a oportunidade de vê-la ontem, garanhão.

— Ela é qualquer coisa menos a minha garota, vai por mim. Ontem eu cheguei a conversar com ela, mas não foi a conversa mais amigável do mundo.

— Parece que não sou o único azarado por aqui.

— Não mesmo – deitou-se no chão com a mão livre apoiada na cabeça, ele ainda não havia fumado naquela tarde. Ainda. – Eu estava pensando em desistir da aposta.

Peter deu um riso anasalado. – Boa sorte.

— Eu estou falando sério.

— Exatamente por isso que eu desejei boa sorte.

— É muito patético isso.

— É só uma aposta, cara.

— Não só a aposta, o jeito como as pessoas tratam ele, se submetem a vontade dele só pelo poder que tem. Isso me irrita muito. Hannah e Jennifer não têm nada a ver com a estupidez desse cara, muito menos a gente.

— Will, se você quiser enfrentar a besta, boa sorte. Eu já vi as coisas que Ethan consegue fazer com apenas uma ligação, o cara parece o chefão da máfia italiana.

— Um líder não é mais um líder se não tiver quem liderar, Pedro.

Peter suspirou pesadamente – se você diz – ao longe uma voz feminina soou de maneira agressiva. Vem arrumar essa merda. Agora! Era o que dizia. – Minha mãe tá me chamando aqui, depois a gente se fala.

 — Tchau, escravo.

— Falou.

 

x

 

 

Uma zona sempre começava quando a loira decidia olhar o guarda-roupa da amiga. Preto, cinza, azul-marinho, branco e preto de novo, eram essas cores que contornavam todo o quarto. 

A cama desorganizada e amontoada de edredons e travesseiros ficava no canto, logo abaixo da janela de madeira que cobria boa parte da parede cor creme. Ela escondia-se com uma cortina grossa, longa e escura, dando um clima único para o quarto e transformando a luz que entrava em cinza. Perto da porta e de frente para a cama, o guarda-roupa branco de quatro portas e um espelho de corpo inteiro era revistado como num enquadro da polícia, as roupas saíam dali e caíam direito no bolo que se formava. O chão de azulejo azul-marinho era coberto por um tapete felpudo na cor ônix, sua principal função era aquecer os pés e entreter Maximus – que adorava rolar naquele tapete. Do outro lado do quarto, também próximo à porta, uma enorme e recheada estante de livros dividia espaço com uma prateleira de animais felpudos, elefantes dominavam cada centímetro, seguido dos dragões. Cinco quadros de bandas desconhecidas e pôsteres do Batman espalhavam-se entre si pelo quarto.

— O que acha dessa? – A cada roupa que caia no chão, mais raiva Hayley sentia. Por sorte a loira estava de costas e não conseguia ver o dedo mediano da amiga levantado constantemente. – Sabe que o espelho está virado na sua direção, não sabe? – Talvez não tanta sorte.

— Sabe que eu não tenho mais saco pra essas coisas, não sabe? – Respondeu amargurada, seu estômago roncava insistentemente e sua mente pedia por um descanso – Megan, hoje é domingo, dia de fazer absolutamente nada. Então, por favor, se você não se importa eu gostaria que você arrumasse sua bagunça e se juntasse a mim para também fazer absolutamente nada.

O celular de Hayley vibrou em algum lugar vago de seu quarto. 

— A gente vai sair pra comer alguma coisa, se é essa sua preocupação – disse distraída com a blusa que acabara de tirar do cabide. Mangas longas e um vermelho intenso. Bingo! Era aquela. – Pronto, já achei a blusa, não foi tão difícil assim.

— Diz isso pro meu guarda-roupa – resmungou deitando-se no meio das roupas.

 Muitos se perguntavam como dois polos tão diferentes se tornaram tão íntimos. A resposta era simples, porém complexa para quem nunca teve uma amizade verdadeira. Hayley e Megan não combinavam em muitas coisas, seus gostos e interesses andavam para lados opostos o tempo todo, distanciavam-se. Mas algo em comum brilhou nesse mar de loucuras, o oposto que se atraiu uma à outra era semelhante: ódio. Elas se detestavam de uma maneira quase surreal.

 Megan odiava como Hayley conseguia ser esquisitona e conseguir tantos amigos com isso, mesmo não os desejando. Sempre passava pela mesa dos garotos e levantava o seu dedo de maneira ofensiva e mal educada, e mesmo com tanto ódio visível por todos eles, caiam no encanto da esquisitona.

 Já Hayley odiava o jeito esnobe de Megan. Princesinha burra e mimada, nunca olhava para os que estavam abaixo dela, gostava de chamar atenção e apaixonar o máximo de pessoas possíveis. Não possuía nenhum talento, mas qualquer coisa estúpida que fazia virava moda entre as meninas e fetiche entre os garotos. Uma Regina falsificada.

Vadia, pensavam em conjunto.  

Esse ódio durou até a sétima série, quando as duas foram castigadas pela mesma professora por um motivo que a senhorinha achou conveniente. Foi então que elas perceberam que um ódio em conjunto era bem melhor do que sozinho. As duas invadiram a sala dos professores e queimaram todas as coisas da pobre professora de matemática – lixeira, álcool e fósforo. Não façam isso em casa, crianças – a fumaça se espalhou pela escola inteira e por consequência de uma escola pequena as aulas foram suspensas.

Alguns dias depois Sra. Sandra, a professora, descobriu sobre o feito através de uma conversa de duas alunas descuidadas na porta do banheiro feminino. As cúmplices foram desmascaradas e receberam a primeira suspensão de suas vidas, mas não a última. Os quatro dias fora da escola foram passados juntos, Meg visitava Hayley em seu casulo – como chamada seu quarto na época – e vice-versa.

Sandra não sabia o monstro que tinha acabado de criar.

 Os ataques só terminaram depois que a querida professora pediu demissão e desistiu de dar aula para o ensino fundamental. A dupla ficou conhecida desde então e a fama só diminuiu com o passar dos anos, quando faziam menos coisas idiotas e ocupavam-se em ignorar tudo ao seu redor. Elas não percebiam, mas precisavam uma da outra. Em meio a “morrer é legal, sabia esquisitona?”, “sim, então por que você não se mata?”, uma relação de irmandade brotou.

— Calça clara ou escura?

 — Ah, vai se foder, Megan.



x

 

A rua estava vazia, o que era maravilhoso, mas em contraponto os ônibus demoravam de maneira absurda para passar, domingo não era um dia de muito movimento, e Alex sabia disso, Anna não.

— Que demora – resmungou a pequena puxando todas as vogais. Seus cachinhos negros estavam presos por uma trança que batia na metade das costas, deixando apenas algumas mechas soltas atrás da orelha. Os olhinhos azuis e ansiosos fitavam o irmão de maneira divertida, mas seu tédio também era visível – demora, demora, demora.

— Para de reclamar tanto – disse o mais velho rindo – quando chegarmos ao centro eu deixo você escolher o café da manhã e algum parque. Mas você não pode reclamar até lá, fechado?

 Anna levou o lábio superior ao nariz e soltou um pequeno grunhido, Alex riu da careta – Vou aceitar como um sim.

Alguns minutos depois o barulho do ônibus chamou a atenção dos dois, o transporte vinha do final da rua, sua traseira balançava rigidamente. Alex sinalizou para que o motorista o visse, Anna agarrou-lhe a mão e arrastou os dois na direção do ônibus. Seus esforços foram pelo ralo quando o irmão a olhou de soslaio e com um sorriso divertido no rosto. Ela não tinha força alguma.

— Muito bom dia, senhor Carlos – disse a pequena com extrema empolgação para o senhor de pele escura e rosto enrugado. Seu grande e grosso bigode estava sozinho no rosto, já que não havia uma barba como acompanhante. As sobrancelhas grossas e quase unidas arquearam para a garotinha, nos lábios um quase sorriso.  Anna correu para o fundo do ônibus e por ali ficou. 

— Quanta animação – disse o motorista para o irmão que lhe entregou duas notas como pagamento. 

— O senhor ainda não viu nada – respondeu risonho. 

Alex estava feliz pelo seu primeiro dia de folga depois de uma longa semana. Marta, sua chefe, estava com certo receio de vê-lo trabalhando tanto. Dia e noite, Alex não parava, afinal, realmente precisava do dinheiro. Quando Marta descobriu que o pobre garoto arrumara outro emprego para completar as dívidas de cuidar sozinho de uma criança, e uma casa, seu coração se partiu, mais ainda por vê-lo tão cansado e triste nos últimos bons meses. Dois dias de folga fora maneira que achou de ajudá-lo a descansar, depois de aconselhá-lo a deixar o outro emprego temporariamente.

— Vai logo, tio Carlos! – Gritou a menor do fundo. 

O ônibus seguiu pela estrada sem pressa, fazendo rápidas paradas e virando esquinas. Logo os irmãos se viram parados no primeiro ponto do centro da cidade. Anna acenou brevemente para Carlos e correu em direção a calçada, esperando o irmão entre curtos intervalos de pulinhos animados. Alex ajeitou a bolsa nas costas e sorriu para o motorista, que retribuiu com um gesto simpático.

— Bolinho Feliz, duas ruas depois dessa – miou a garotinha. 

— Você quem manda, chefe.

Bolinho Feliz era a padaria favorita de Anna, o nome foi de grande ajuda nessa opção. Era um lugar simples e aconchegante: uma porta de entrada alarmada com sino e uma parede inteira de janelas com vista exclusiva para a goiabeira no final da rua. 

O aspecto retro composto por luzes amarelas presas no teto como estrelas douradas no céu, um rádio recém-comprado de um lixão tocava suas musicas mais atuais próximo ao do bar, mesas circulares com detalhes em azul, divãs avermelhados de tecido borrachudo.  As paredes cor de pêssego abordava o tema flores da primavera, em homenagem a estação que logo chegaria com toda sua cor.

Atrás do balcão de madeira uma mulher de seios fartos e cabelos loiros mascava seu chiclete calmamente, nos lábios um sorriso ao ver a miniatura entrar alvoroçada.

— Eu disse que ainda voltaria aqui – disse Anna com um sorriso radiante, seus dentes da frente eram separados.

— É, você disse – riu a senhora. – Então, o que quer hoje?

— Café da manhã. Mas dessa vez para duas pessoas.

A loira se inclinou sobre o balcão e deslizou os olhos castanhos pelo lugar a procura da segunda pessoa. Suas íris cor-de-madeira pararam no jovem alto e bonito que caminhava calmamente por entre as mesas, ele deslizava seus dedos pelos encostos da cadeira e divãs, até parar em um lugar especifico ao fundo. A blusa cinza lhe caia muito bem, ela reconheceu.

— Amigo seu?

— Meu irmão – sorriu. Aproximou-se da mulher e colocou uma das mãos em volta da boca como uma concha. Sussurrou. – Vim fazer inveja pra todas.

A duas riram de maneira descontraída. – Tome, fique com o cardápio – tirou uma folha plastificada dentre os potes de doce. – Emma vai atender você.

Com um ok rápido, Anna correu até o irmão e se ajeitou no divã. Alex digitava rapidamente e um sorrisinho imprudente tomava seus lábios, a irmã tomada por uma curiosidade – que se orgulhava – tentou puxar o celular desastrosamente do irmão, que desviou sem dificuldades.

— É feio ler a conversa dos outros.

— Quem é? – perguntou chateada.

— Uma amiga.

— Uma amiga – respondeu enciumada. Anna tinha muitas coisas, muitos jeitos, mas ciúme pelo irmão mais velho era o mais visível e até mesmo fofo. – Ela é bonita?

Alex pensou um pouco a respeito antes de responder. — Sim.

 Eles foram interrompidos por um arrastar preguiçoso de pés. Na sua direção, a dona de um allstar preto com detalhes brancos, cabelos cor de fogo presos por um rabo de cavalo bem feito, blusa desabotoada debaixo do avental escuro, calça jeans desbotada e um delineador nas pálpebras escurecidas por uma sombra preta. Era uma garota bonita de seu modo. O crachá balançava sobre seu tronco. Emma sorria mais do que o normal, Alex deu um sorrisinho para a irmã, que apoiou seu rosto sobre os ombros e franziu o cenho para a mais velha.

— Qual o pedido? – A voz era fina e um tanto mórbida, Alex percebeu. Uma leve rouquidão forçada fez a pequenina segurar o riso entre as mãos. Emma estava tentando se sexy, numa porcentagem pequena ela estava conseguindo. Seus três atrevidos botões desabotoados foram puxados discretamente para baixo, deixando a mostra o que desejava. Ela colocou o cardápio a disposição dos dois. – Meu nome é Emanuela, mas podem me chamar de Emma.

— Tanto faz – o mau humor de Anna voltou.

— Ok, Emma – disse Alex atrevido, seu intuito era irritar a irmã. Apoiou-se sobre os cotovelos e sorriu para o cardápio, Anna murmurou alguns xingamentos que aprendera na escola, Alex abriu o sorriso – o que você me recomenda? – Perguntou calmo e veludoso, Emma mordiscou a caneta.

Você, ela pensou. – Panquecas, cappuccino e... Hum – sorriu – bolo de baunilha, é o meu preferido – deu ênfase na ultima palavra.

— Que mau gosto você tem – Anna disse de repente.

Anna não tinha ciúmes que seu irmão namorasse – bom, talvez um pouco. Seu medo era que ele a esquecesse. Mesmo parecendo tolice, a pequena era uma criança sem mãe ou pai, um medo natural de constantes perdas era flexível para Alex. A grande crise era o irritante fato de todas, absolutamente todas as garotas que cruzavam com o rapaz ignoravam a pequena existência de Anna, deixando-a fora de seus planos.

Consequentemente ela ficava sozinha. Uma criança sozinha.

— Baunilha é gostoso, Anna – disse o irmão tentando não parecer atirado – o sabor e tudo mais.

— Tem gosto de mingau da escola. É horrível!

— Talvez você não goste, mas isso não quer dizer que seja horrível – Emma trouxa sua natural voz. Monótona e entediante.

— Eu quero pão com muito queijo e presunto, um suco de maçã bem grandão e um bolo de chocolate. Meu irmão quer o mesmo, chocolate é o sabor favorito dele.

Emma revirou os olhos discretamente, mas não a ponto de passar despercebida pelo rapaz. 

Na verdade é morango, mas enfim... Murmurou baixo.

— Você não deveria estar anotando? – Perguntou Anna descaradamente com os braços cruzados e as costas apoiadas na cadeira. Alex queria fazê-la parar, mas essa vontade se resumia bastante. Achava graça. 

Emma, de mau humor, pegou um caderninho de seu avental e fez rápidos rabiscos. – Vai querer o bolo também? Chocolate? – Perguntou a Alex, seus interesses pelo belo moreno não seriam maiores do que a chatice da irmã.

— Pode ser.

A ruiva virou-se e seguiu até o balcão, lançando um olhar irritado para a chefe de seios grandes, que observava tudo com um sorrisinho. Bem feito, era o que dizia.




x

 

 

Lilás era definitivamente a cor favorita da Hannah, Jen preferia roxo.  

Seus olhos escuros se abriram pela segunda vez naquela manhã de domingo. O gosto de remédio ainda permeava sua língua, algumas pontadas fortes na cabeça a incomodava. Seu nariz permanecia inchado e dolorido. Algumas faixas brancas rodeavam seu rosto e contornavam os cabelos ruivos e ondulados, que se espalhavam pela cama e cobriam o travesseiro florido. Sua visão embaçada encontrou o criado-mudo, onde flores margaridas enfeitavam o lugar. 

Jen? Pensou encarando as flores.

Hannah sentiu sede de repente, e uma vontade imensa de mordiscar algum doce. O cheiro de biscoito de chocolate cozido invadiu o quarto, arrebatando os sentidos da garota, a imagem de sua mãe na cozinha a fazia sorrir, já que isso significava a coisa mais saborosa no mundo para ela: comer.

Mãe, a palavra soou de maneira rude em sua mente, ou talvez distante. Mãe, novamente. Foi então que percebeu, as palavras saiam de sua boca – Mãe – dessa vez audível, mas não obteve nenhuma resposta. 

Hannah com certa dificuldade e preguiça, apoiou seu corpo com o cotovelo até ter forças suficientes para se levantar por completo. Fracassou, o corpo pendeu para trás e sua cabeça bateu fortemente no travesseiro que, por sorte, era macio. A ruiva murmurou algumas palavras incompreensíveis e voltou a se enrolar nas cobertas – Mãe! – chamou mais alto e impaciente. Sua cabeça doía, sua língua tinha gosto de remédio e o aroma de biscoitos estava dando fome.  Hannah queria socar alguém, só não lembrava quem.

— Olha quem acordou – uma voz familiar soou da porta, por entre as cobertas a ruiva conseguiu ver a careca de seu pai – Como se sente? 

— Como se tivesse levado muitos socos na cara – murmurou tocando o nariz com delicadeza – Está doendo.

Seu pai estalou a língua e afagou os cabelos da filha. – Imagino que esteja. Sinto muito pelo nariz. 

— Não foi sua culpa, pai.

— Eu deveria estar na escola cuidando da minha garotinha, mas...

— Pai, por favor – ela o interrompeu – Você está parecendo a mamãe.

— Desculpa – murmurou. – Fico feliz que esteja bem.

— Obrigada – sorriu – e onde está a mamãe?

— Ela teve que ir visitar sua avó ontem logo cedo, um pouco depois da gente sair. Disse que passaria a noite lá e voltaria hoje por volta das sete horas da noite. Bom, ela basicamente não sabe o que aconteceu com você e…

— Seria legal se ela não soubesse – disse torcendo a barra do cobertor. Seu pai depositou um beijo na testa. 

— Sim, seria bem legal. Então se ela perguntar alguma coisa, você tropeçou no pé da mesinha, ok? 

— Ok. Do jeito que ela é provavelmente vai queimar a mesinha – os dois completaram rindo, meio tímidos por mentirem para Dona Valério. – Obrigada pai, de verdade.

— De nada, princesa. Agora que tal alguns biscoitos para animar minha filha?

— Por favor! 

— Vou buscá-los, enquanto isso faça companhia para Jen. Ela ficou aqui a manhã toda. 

Foi só então que Hannah percebeu a presença de sua amiga. Ali, parada no batente da porta com um sorriso terno nos lábios e os braços cruzados abaixo dos seios. Os cabelos cacheados e amarronzados estavam presos por um coque, deixando a pele morena da garota mais do que a mostra, um colar prateado de pássaro entrava pela regata, deixando apenas o final das asas de fora. Os olhos âmbar brilhavam com a iluminação, o macacão azulado caia perfeito no corpo formoso de Jen. Era a morena mais bonita que Hannah conhecia.

— Olá, Bela Adormecida – disse com o maior sorriso que tinha. Estava realmente feliz por Hannah estar bem, sua fiel amiga estava bem. 

— Jeeen! Quanto tempo – brincou estirando seus braços para cima. Jen se aproximou e sentou na cama.

— E esse inchaço ai? – Riu, fazendo Hannah tocar delicadamente na área dolorida.

— Está bem feio, não é?

— Que isso! Quase imperceptível.

— Haha, engraçadinha – disse dando um leve empurrão na amiga. – Se minha mãe descobrir como eu fiz isso... Nossa, não quero nem ver.

— Será nosso segredinho – Jen colocou o dedo na frente dos lábios como sinal de silencio.

— Me conta como foi.

— O que quer saber?

— Tudo.

— Ok – a morena se ajeitou e cruzou as pernas sobre a cama – Depois que você levou a bolada do idiota do Pedro, mais conhecido como Peter, ou Peter Pan...

— Quem é esse infeliz?

— Um infeliz. Não me interrompa – deu um tapinha no ombro da amiga, que fingiu afetada. – Alex te pegou no colo e levou até a ambulância, que nem demorou já que não tem ninguém realmente em perigo nessa cidade – riu – enfim, vocês foram juntos para o hospital enquanto eu, Megan, Hayley e Pedro idiota pegamos o carro do senhor diretor escondido e seguimos até o pronto-socorro que você estava.

— Vocês pegaram o carro do meu pai? – perguntou surpresa tentando segurar o riso. – Meu Deus. E como vocês sabiam onde eu estava?

— Hannah, só tem um pronto-socorro em toda cidade.

— Ah, é. E quem dirigiu?

Jen suspirou profundamente de maneira risonha, lembrar-se daquilo era cômico – Hayley. Que por sinal dirige muito mal – as duas riram.

— É ela já tinha comentado isso comigo. Deve ter sido muito legal.

— Legal não é bem a palavra. Enfim... – Jen continuou. – Chegamos ao hospital e Alex avisou que a senhorita estava bem. Seu nariz não chegou a quebrar completamente, mas uma veia estourou, então eles estavam cuidando disso. Ligamos para o seu pai, que chegou muito p-u-t-o, e explicamos toda a situação. Eu acho que ele estava mais preocupado com fato de sua mãe descobrir seu acidente do que com o próprio carro – a ruiva soltou um suspiro – Hayley e Megan assumiram a responsabilidade pelo carro e Pedro pelo seu acidente. Aliás, Alex teve fingir que vocês eram namorados.

A pele de Hannah pulou de tom em uma fração de segundos, vermelho era definitivamente sua cor. – Sério?

— Sério. Seu pai ficou meio boquiaberto, mas Megan fez questão de desmentir tudo depois, longe das enfermeiras, claro.

— Ual.

— Bem, foi isso.

— Que dia, em!

— Pois é.

— Pedro... Em que ano ele está?

— Eu acho que no segundo ano, por quê?

— Acho que vou ter uma conversa com ele

— Eu tenho um taco de beisebol.

x

 

 

Comédia romântica era o gênero favorito dos dois, “10 things i hate about you” passava no telão pela segunda vez àquele ano, Vanessa nunca se cansava de ver Kat e Patrick ficando juntos na cena da tinta, onde dão seu primeiro beijo. Dan preferia quando Kat mostrava os seios ao professor.

A tarde estava terminado, mas uma longa noite estava apenas começando para os dois. Dan havia prometo à sua amiga que depois das longas horas assistindo seu filme favorito, os dois dariam uma volta no parque de diversões da cidade. Pequeno e com brinquedos enferrujados, mas era seu lugar especial para os dois.

Vanessa estava linda. Seus longos e ondulados cabelos castanhos caiam por cima da jaqueta jeans de Dan, duas tranças se encontravam na metade de sua cabeça, unindo-se ali por um elástico preto. Os olhos cor de esmeralda eram contornados por uma maquiagem clara que realçava suas íris, as bochechas salpicadas por sardas estavam rosadas e com duas covinhas, os dentes brancos contornados pelo aparelho roxo estavam à mostra. A calça preta caia de maneira folgada na cintura, a blusa branca de mangas três quartos era de um tecido fino e confortável, transparente. O top preto realçava seus seios.

— Você não cansa desse sapato? – Dan perguntou em meio a risadas.

— Você não cansa dessa calça? – referia-se ao jeans azul marinho desbotado do amigo.

— Espertinha – sua voz perto de Vanessa era doce e sincera. Alinhou seus dedos aos delas, que corou com o toque.

Dan e Vanessa eram amigos desde sempre, vizinhos de apartamento na infância. Os dois cresceram brincando no quintal e subindo em árvores da rua, dormiram na mesma cabana, caíram juntos da bicicleta que descia desfreada pela ladeira, tiveram a primeira intoxicação alimentar por comerem muita pipoca enquanto assistiam Rei Leão. Todos os melhores momentos do garoto foram passados juntos a ela, desde o primeiro beijo na terceira serie, até o baile de formatura do ensino fundamental, Vanessa estava lá.

Dan sempre imaginou crescer e formar uma vida juntos, Vanessa iria ao seu casamento. Sim, estaria lá, tão linda que faria seus amigos morrerem de inveja, seu vestido longo e brilhoso se arrastaria no chão e formaria uma calda, os cabelos ondulados estariam presos por uma trança feita de flores, os olhos cor de esmeralda brilhariam de alegria ao ver o noivo entrar.

— Montanha-russa? – perguntou à amiga.

— Aquela coisa enferrujada? Não, passo. Roda gigante.

— Ai, credo, é tão chato.

— É cinquenta vezes mais seguro.

— Ah, claro senhorita. Vamos chegar ao topo e esperar o ferro velho emperrar e nos jogar de lá. Espero ter tempo de ver seu crânio espalhado no chão.

— Tão gentil quanto um soco.

— E esse sou eu.

— Vem logo – disse o puxando para a fila, que se resumia em duas crianças e um senhor de meia idade com pouco cabelo e muitos pelos.

 Os dois subiram no brinquedo e se ajeitaram da melhor maneira possível. Vanessa se agarrou a jaqueta na esperança de se aquecer, Dan apoiou seu braço no ombro da amiga e a puxou para perto, sorrindo discretamente. Havia borboletas brincando de amarelinha no seu estômago

— Preciso te contar uma coisa... Na verdade faz certo tempo que eu venho querendo contar – a voz de Dan saia de maneira baixa e diferente das outras vezes que ouvia. Ela achou estranho, um comportamento estranho. Aquilo só podia significar uma coisa.

Segredo, Dan iria contar um segredo. Eles dividiam todos os segredos, mas aparentemente aquele não. As borboletas voltar a brincar, mas desta vez pulavam corda e davam cambalhotas. Tudo se encaixava: filme favorito e parque de diversões. Tudo fazia sentido agora.

Vanessa sorriu, envergonhada. – P-pode falar.

— Você deve ter percebido que eu ando meio estranho ultimamente, bom... – começou. Borboletas botavam fogo no estômago de Vanessa.

— Você é a melhor pessoa para me ajudar com esse meu problema... – a puxou pelo ombro, fazendo a morena ficar de frente para ele, seus olhares se encontraram. Ao longe, uma crina vermelha subiu ao céu e se desmanchou em uma cachoeira de pingos vermelhos. Fogos de artifício. Vanessa esperou a vida toda por aquele momento. Seu estômago não existia mais – Preciso que me ajude a conquistar uma garota.

 — Ah.

Vanessa seria uma linda, uma linda madrinha de casamento.


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