O Cupido escrita por Mits


Capítulo 3
Kamikaze


Notas iniciais do capítulo

Kamikaze - M0



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Você deixa meu estômago estranho. Estranho estômago meu deixa você.

É a vida que não faz sentido ou são as pessoas que se recusam acreditar na realidade? De qualquer forma, eu ainda tenho controle das coisas que te acontecem, portanto, doçura, cuidado! O Cupido esta na área.

A cantina estava cheia aquela manhã. Diferente dos outros dias, o sol resolveu ocupar o céu inteiro, transmitindo seu calor por toda a cidade, como uma lupa refletida sobre a formiga. Algumas meninas aproveitaram o clima para usarem saias, shorts e até mesmo bermudas — que roupas curtas, o diretor diria, venham de uniforme!

Francis Morgan era uma escola particular tradicional: no período da manhã tinha-se o ensino médio, já de tarde os alunos do fundamental tomavam conta da escola. Ao total, vinte e duas salas espelhadas e cada uma tinha sua matéria especifica, facilitando muito a vida dos professores, já que os alunos mudavam de sala, e não eles. Dois pátios medianos, um no centro da escola, outro para flores — funcionava mais como uma floricultura, que ficava nos fundos da escola. Flores e arvores rodeavam os muros azuis de nove metros que era o suficiente para afastar os alunos preguiçosos no quesito de escalar. Os pisos de madeira desgastados pelo tempo formavam todo o chão da escola, tirando a cantina e o refeitório. Alguns diriam que Francis era uma escola exigente, uma pitada a mais de açúcar no café.

— Que fome — a ruiva sentada na ultima cadeira da mesa, encostada na janela, resmungou — Minha mãe não quis me dar dinheiro hoje porque eu não lavei a louça. Sério, que motivo mais nada ver — Hanna se ajeitou na cadeira, seus cabelos ruivos caiam como cascatas por seu ombro.

— Que mãe cruel… — ironizou a segunda. Os cachos castanhos que, refletidos no sol tornavam-se vermelho sangue, estavam presos, enquanto uma mecha solta deslizava por sua testa. Olhava para a praça no final das quadras extras, seus olhos cor de folha seca brilhavam com a luz.

Ela estava longe, bem longe, preocupações rondavam a sua cabeça, e aquilo era o suficiente para desligá-la do mundo. Charlote, sua avó adoentada, tinha sido internada semanas atrás no hospital mais próximo de sua casa, para ela aquilo era o suficiente para premeditar um enterro. Ter a avó longe casa não fazia parte dos planos, sua única companheira agora estava deitada em uma cama de hospital tendo apenas as maquinas para conversar. Seus pensamentos acamparam em frente a uma única questão: ela ainda está viva? Passar mais um final de semana em um cemitério seria simplesmente devastador para ela. Perder o pai já não era ruim o suficiente?

—Desculpa, Hanna — disse com tom de desanimo — estou sem fome, foi mal. Depois nos falamos — afastou a cadeira com os pés e se levantou.

— Está tudo bem, Jenny? — murmurou, mais como uma pergunta para si mesma. Era embaraçoso conversar com a morena quando ela não estava bem, Jenny sempre fora um cadeado trancado.

— Sim, esta sim — sorriu. Um sorriso doce com gosto amargo. — Obrigada por perguntar eu só… Quero um tempo para pensar, entende? — A ruiva balançou com concordância.

Jennifer caminhou até a saída mais próxima e sumiu entre os alunos, deixando uma Hanna inquieta e sozinha. Jenny provavelmente tiraria um cigarro amassado do fundo da bolsa e o tragaria até seus pulmões arderem como brasas. Talvez o diretor passasse pelo local e a desse uma semana de suspensão, mas que diferença isso faria afinal.

We got one, two, three 'til the end of the world.




                                                                 
x

Para eles, fumar maconha atrás da antiga praça da cidade era só mais um passatempo. Mesmo com a faculdade logo a porta, os alunos do terceiro ano só se importavam com a curtição — menos quando o professor pedia trabalho em grupo. Perto de uma macieira, sentados no gramado verde, o grupo de amigos conversava sobre assuntos banais, uns com cervejas nas mãos, chacoalhando o liquido cor de ferrugem dentro das garrafas, outros baforavam fumaça cinza pelo ar, cobrindo a visão. Já passava do meio-dia.

— Próxima festa? — um dos garotos sentados no chão perguntou, as espinhas pipocavam em seu rosto, mas aquilo não o impedia de ficar com várias garotas por dia.

— Casa do Peter — o segundo respondeu com certa empolgação e um ar de riso, seus dreads pretos estavam presos num rabo de cavalo, a pele morena refletia no sol, assim como os olhos verdes. William era um adolescente de dezoito anos com uma carreira brilhante como advogado, ou arquiteto. Isso de acordo com seus pais, claro. — Só quero ver a merda que vai dar — riu encostando a cabeça na árvore — Ouvir o “Pode parar com essa palhaçada agora!” — as mãos balançavam no ar e a voz afeminada arrancou riso dos amigos, inclusive de Peter.

— Minha mãe não é assim, seu otário — deu um soco no braço do amigo, ainda rindo. — Ela é pior — Peter era o mais novo com seus dezesseis anos de idade. Os cabelos cor de madeira caiam ondulados sobre a testa até as sobrancelhas, aquela era sua melhor arma com as garotas. Garotas, garotas, maconha, festas e garotas, seu cérebro conseguia pensar nisso. Na boca, um aparelho azul escuro rodeava seus dentes.

— Tenho uma proposta para vocês, mocinhas — uma voz surgiu entre as árvores. Os cabelos negros ficavam ridiculamente arrumados com gel, como um galã dos filmes antigos, seus olhos azuis selvagens estavam sempre prontos para mirar em uma nova vitima, nos lábios o sorriso irônico de sempre. Ethan era um sádico, filho do prefeito e um dos caras mais estúpidos daquela roda de amigos, miserável de espírito. — Um ritual de iniciação que todos aqui já passaram. — Disse se referindo aos sete amigos.

— E quem vai passar por essa tal iniciação dessa vez? — Um dos garotos perguntou.

Ethan e os outros se entreolharam com sorrisos idiotas no rosto.

— Nosso pequeno polegar aqui: Peter — gritos de comemoração surgiram, assim como tapinhas na cabeça de Peter, que sorria torto — E, é claro — Ethan tinha uma voz fria, cruel — não podemos esquecer seu fiel companheiro: William.

Will franziu o cenho enquanto recebia assovios em sua direção. Não fazia sentido, nenhum sentido, Will e Peter não eram os novatos ali. Aquele ritual de iniciação não passava de uma desculpa esfarrapada para ferrar com a vida de alguém, um pobre alguém. Ethan tinha seu próprio jeito de fazer sofrer as pessoas que ele não gostava.

O filho do prefeito lançou uma foto amassada de dentro do seu bolso, havia duas garotas nela, uma morena e outra ruiva. Peter reconheceu a morena, era Jeniffer, a menina que foi obrigada a ajudá-lo nas aulas de português. Na foto as garotas estavam sentadas em uma praça publica, aparentemente conversando e rindo. Eles olharam para a imagem fixamente, pensado seriamente o que raios aquilo significava.

Não vou sequestrar ninguém, Peter pensou.

Ethan limpou a garganta, cruzou os braços e continuou.

— Olhem bem, porque elas serão nossa nova fonte de diversão. Vocês terão que conquistá-las — foi interrompido por um dos garotos. Odiava ser interrompido.

— Mesmo sendo uns babacas, esses caras conseguem conquistar qualquer garota. Não tem graça.

Respirou fundo. O sol estava cada vez mais forte e sua camisa preta acumulava o calor. Todos ali tinham medo dele, medo do seu poder, da sua arrogância, das suas vinganças. Ele nunca precisou de um bom motivo para ferrar alguém, mas naquele caso, ele tinha seus motivos, mas não compartilharia com os otários.

— Não essas… — cuspiu em uma garrafa próxima — elas fazem parte daquele clubinho das vadias difíceis, não é qualquer um que chega perto, tem que ter lábia. Coisa que nenhum garoto nessa escola tem.

Abaixou-se e pegou um cigarro, fumando-o em seguida. Soltou a fumaça pelas narinas.

— Dois meses, Peter e William, vocês têm dois meses para dormirem com elas — Peter engoliu em seco e abaixou a cabeça, William desviou o olhar para uma árvore, seus pensamentos eram de reprovação, mas Ethan não era do tipo que gostava de ouvir não. — Ah, eu quero provas de que isso realmente aconteceu, portanto gravem.

— E se nos dois meses não conseguirmos? — O moreno perguntou com a voz rouca.

— Vocês se tornam menininhas por uma noite toda — sorriu. Mau sinal. — E mais uma coisa — outra tragada — elas não pode saber que isso é uma aposta, muito menos que estão sendo gravadas. Caso falhem, as consequências serão piores — o gosto amargo dos remédios descia pela sua garganta, eles já não faziam mais efeitos. — Vamos lá, caras, vai ser divertido!



                                                            
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Take me to the party, Kamikaze.

Mais uma aula de Geografia. Na ultima sala do corredor 3, junto a biblioteca, o velho professor dava suas aulas extras. Os fios grisalhos estavam lambidos em sua cabeça meio careca, os olhos estreitos de um oriental. Marcial rabiscava a lousa apressadamente, terminando de explicar seu texto, aquelas seriam as últimas aulas de Geografia antes da tão (in)esperada Semana Colorida. Os alunos debruçavam-se sobre a mesa, roncando, babando. De hora em hora o professor batia com a régua na porta pesada de madeira, assustando-os, o barulho se assemelhava bastante com um tiro. Era engraçado o suficiente para fazer Marcial se engasgar na própria tosse gerada pelo riso.

Dan observava as janelas de vidro que cobriam a parede azul inteira, o sol já não brilhava no céu, nuvens tomavam seu lugar. Estava escurecendo, ele odiava ter suas aulas de tarde. O relógio preto no pulso da menina marcava 16h23min, observou, faltava menos de uma aula até o intervalo bater e os alunos serem dispensados, mas isso não impediu as duas garotas de pularem o portão. Notou os curtos cabelos loiros com fios negros de uma, sua calça vermelha perdia-se entre as flores. A segunda era dona de longos cabelos castanhos, quase negros, eles caiam soltos por seu ombro nu, cobrindo a blusa azul.

Eu as conheço...? Pensou. Sim, eu a conheço.

Seu coração descompassou imediatamente ao lembra-se dela.

Megan e Hayley, ou Hayley e Megan, ninguém sabia quem era a líder. As duas escalavam os muros da escola tranquilamente, como se fizesse aquilo todos os dias — quase todos —, não pareciam preocupadas em serem vistas, nem com a altura do muro. Eram bem flexíveis, por sinal. As bolsas foram jogadas sobre o muro, despencando na calçada. Corajosas. Dan não sabia se Marcial as ignorava, ou se realmente não tinha visto ainda. Entretanto, era divertido ver como as duas garotas não ligavam para os olhares lançados para elas dos outros alunos que também estavam vendo a cena do outro lado da janela. Uma vista exclusiva para o segundo portão.

— Puta merda, tem duas meninas pulando o portão — alguém finalmente gritou apontando para a janela, a sala foi inundada de risadas. — Professor, olha isso.

Marcial puxou o jeans para cima, apertou o cinto preto e bradou através das aberturas entre os ferros.

— O que diabos vocês duas pensam que estão fazendo? — Megan sentou-se no muro, de costas, e pulou. O ignorou completamente — Ei! Delinquente, estou falando com você! — era a vez de Hayley, apoiou suas mãos no topo e subiu. Os olhos verdes miraram nas janelas, sorriu de canto. — Venha já aqui — ordenou ele, as veias saltavam em seu pescoço, mas ele não parecia realmente afetado. Dan observava a cena com a cabeça apoiada nas mãos, sorrindo, aquela garota era incrível.

Hayley olhou para o professor por alguns segundos, ainda sorrindo, mas não um sorriso normal, era fechado, irônico, indiferente, difícil de explicar.

Acenou antes de pular.

Dan soube naquele momento que aquela era a sua garota.


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Notas finais do capítulo

Perdi alguns erros bobos na revisão, sorry e talz