O Cupido escrita por Mits


Capítulo 11
Tigre e Pássaro


Notas iniciais do capítulo

Seria esse um capítulo novo?
Mits postando um capítulo novo tão rápido assim? Tá doente essa menina.
SÓ LÊ



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A janela estava aberta, assim com as cortinas escuras. Raios de sol marcavam sua coberta felpuda, a luz fraca e tímida atingia seu rosto cansado. Os cabelos espalhavam-se pelo travesseiro, formando ondas castanhas. Seus olhos ardiam e sua garganta estava seca. O despertador já havia dado seu terrível sinal de que o sono teve seu último prazo naquela manhã, mas ela se recusava a levantar. A porta semiaberta era suficiente para um animal mediano entrar por ali.

Um focinho preto com pintas brancas surgiu por entre o vão, logo um par de olhos escuros e curiosos vistoriaram o quarto. Sua cabeça peluda forçou a porta e o animal mediano invadiu o lugar. Antes que Hayley conseguisse cobrir seu rosto, Maximus pulou na cama e começou a puxar o cobertor com a boca, ao mesmo tempo em que cavava na cama e lambia a amiga.  

— Max, sai! – seu grito fora abafado pelo travesseiro azul-royal que servia de escudo contra as investidas de Max. Ela ria e resmungava ao mesmo tempo. O cachorro continuou com a demonstração excessiva de amor.

O som de passos perto da porta fez o cachorro parar e concentrar-se ali. – Da próxima vez, escute o despertador. Assim não vou ter que usar Max para te acordar – disse seu pai. Nas mãos um embrulho de jornal e uma xícara de café. Ao estalar os dedos e assobiar, Maximus desceu da cama e correu em direção ao dono. Sua cauda sacudia animadamente.

Depois de um grunhido frustrado e um arremesso certeiro de travesseiro, Hayley chutou as cobertas. – Eu não preciso de um diploma!

— Se quiser ser bem sucedida, precisa sim! – gritou seu pai já nas escadas para o segundo andar.

— Eu vou ser rica vendendo food-truck! – gritou de volta.

— Desce logo, Reizinha – disse o mais velho entre risadas.

— Saco! – murmurou limpando a baba de Max.

Suas íris esverdeadas se encontraram com as luzes vermelhas que piscavam sem cessar. Sete horas e trinta e nove minutos marcava o relógio. Hayley respirou fundo e fechou os olhos, pensando nas matérias importantes que viria a ter – provas ou atividades. Até que no meio de tanta violência, piadas ruins e humor negro ela encontrou em sua mente o único motivo válido de ir para a escola.

Matemática, provas finais.

— Pai, por que você não me acordou?! – lamentou-se sem muito tempo para tal.

Correndo até o guarda-roupa, agarrou o jeans preto que sempre usava em ocasiões de atraso, uma regata azul-cobalto de rendas que descobrira sua existência graças à caça de Megan por roupas, e uma blusa de frio preta de tecido fino.

Depois de um banho de gato, ela vestiu-se rapidamente, pegou uma meia de cada par – azul e amarelo –, e desceu as escadas com a bolsa balançando nas costas. No segundo andar seu pai tomava café relaxadamente, enquanto Taylor fritava queijo na frigideira. Maximus mordia seu ursinho na porta de saída.

Hayley pegou um pedaço de pão e, depois de dar duas mordidas, jogou no colo de Curtis. – Quando chegar, eu exijo almoço pronto. Beijos, amo vocês.

— Vai ter macarrão instantâneo! – a resposta fora abafada pela porta fechada.

Já do lado de fora, ela o escutou completar. – Ela nunca chega para o almoço.

Hayley tirou o celular do bolso e deu uma rápida olhada nas mensagens.

Alex:

Aposto que você não consegue chegar a tempo.

Hayley:

Se eu chegar, você vai me pagar um lanche.

Fome é algo presente na minha vida.

Alex:

Fechado.

Se você não conseguir, vai ter que aceitar sair comigo.

Hayley:

Não abusa.

Alex:

Lá, lá, lá, acordo feito. Que os jogos comecem.

Os portões já estavam fechados, o cadeado dourado balançava em frente ao rosto rabugento da inspetora que o acabara de colocá-lo ali. Seu olhar petulante significou mais do que suficiente para Hayley revirar os olhos, era inútil argumentar. Até que o muro dos fundos chamou sua atenção. Jardim vazio, sala do ensino fundamental sem alunos no período, um lugar perfeito para ganhar sua aposta.

Sem pensar muito e com sua experiência de anos, ela seguiu até a rua de trás. Carros de marcas antigas estavam estacionados em frente às suas casas, senhorinhas simpáticas regavam suas plantas de espécies desinteressantes, crianças mimadas eram levadas para a creche, enquanto reclamavam de calor – ou frio – fome, ou qualquer outro motivo. Hayley recriminou a mesmice do bairro e começou a subir no muro.

Seus pés encaixaram-se nos buracos do muro, consequentes do tempo, e com o impulso certo, ela conseguiu alcançar o início do grande concreto. Não ser sempre sedentária tinha lá suas vantagens. Plantas e musgos ficaram presos em sua roupa, mas nada suficiente para fazê-la desistir.

Primeiro a perna esquerda. Agora ela estava sentada no muro. Em seguida a direita. Agora, no chão. Depois de ajeitar sua bolsa e limpar as mãos na parede, correu em direção à sala de aula.

Os corredores estavam vazios, por sorte. Entretanto, inspetores infelizes com a vida espreitavam pelos cantos.

Dois corredores, última salaFácil. Seus pensamentos eram anexados com um pequeno mapa mental da escola. Seu coração não se sobressaltava, porque no final chegar atrasada e pular muros não eram coisas novas na sua lista de afazeres.

Ao cruzar a entrada do segundo corredor, Hayley tropeçou em uma lata de lixo. Papéis velhos e algumas garrafas de refrigerante caíram no chão, espalhando-se entre si e acrescentando no ar seu próprio cheiro. O barulho cortou o silêncio e fez Hayley correr mais rápido em direção à porta de sua sala. Estava entreaberta.

Do vão, ela conseguia ver os alunos rabiscarem em suas folhas. Entre eles, Alex escondia-se em seu capuz preto, seus dedos batucavam na mesa e seus pés balançavam. Em curtos intervalos de tempos ele destravava o celular e procurava notificações.

Hayley:

Ansioso?

Alex viu o celular acender e sorriu entre os panos que escondiam seu rosto. Hayley se sentiu feliz por ver aquilo, era uma sensação que nunca mais havia sentido.

Alex:

Seu tempo está acabando.

Hayley:

Olha pra porta.

Assim fez. Suas íris negras fitaram a porta de madeira, estava com um semblante brincalhão. Os cabelos lisos caiam pela sua testa, a pele pálida se sobressaia sobre o pano negro. Era inegavelmente bonito. No entanto gay, então ela não teria motivos para se sentir culpada. O sorriso largo a fez sentir-se em casa.

— Professor, bom dia – disse entrando na sala. Os alunos usaram-na como argumento para desviarem de sua prova. – Desculpe o atraso, meu… Avô, ele… Professor…

— Me deixa adivinhar – o professor começou. – Ele ficou doente de novo? Hayley, você usa esse argumento em todas as aulas. Só pega sua prova e sente-se, por favor.

— Deus te ama, professor – disse ao pegar sua prova. Depois de uma rápida olhada na sala, ela sorriu ao ver um lugar vazio atrás de Alex.

Ele virou sua prova finalizada e tirou o capuz, Hayley conseguiu ver algumas marcas roxas debaixo de seu queixo, próximas a orelha.

— Qual sabor? – perguntou colocando o capuz novamente ao ver os olhares duvidosos que recebia.

Hayley percebeu que estava sendo intrometida e decidiu mudar de assunto. – Catupiry é bom com qualquer coisa, saiba disso.

— Anotado. Agora vou deixar você fazer a prova, daqui a pouco o professor reclama, e eu não quero que você repita o ano.  

— Isso é algo improvável, saiba disso. Agora, com licença, que eu tenho uma prova para arrasar.

— Ok.

Cumprindo o que havia dito, depois de uma longa lida em todas as questões, ela começou a resolvê-las e preencher a folha com números e figuras.

— Ual – ele deixou escapar. Hayley não desviou sua atenção.  Ela era um gênio inegável. Algumas vezes ao dia ele a via estudar pelos cantos da escola, a prova merecida de que passaria de ano mesmo com as detenções.  

— Alex, por favor, vire pra frente – disse o professor desinteressado.

Depois de obedecer, ele conferiu suas respostas, desligou a música e guardou seu celular. Enquanto sua companhia estava ocupada com a avaliação, Alex deu-se a observar o céu. Cigarras cantavam nas grades das janelas, as quais foram colocadas ali para impedir que os alunos pulassem os pequenos metros até o chão. Os insetos chamavam chuva – era o que sua avó dizia –, e parecia funcionar já que o tempo fechava-se aos poucos. Alex adorava ver esta transição. O sol esboçava sua beleza no céu, feliz e radiante, então, sem cerimônias, as nuvens começavam a cobri-lo com espuma negra e chuvosa, tomando o céu como palco para o seu próprio show, o sol não era mais a estrela principal. Era assim, no fim, que a luz se transformava em trevas.

O sinal da segunda aula tocou e agora pingos tímidos caíam no vidro, Alex percorria o caminho feito pelas gotas com o dedo, quando elas finalmente chegavam ao seu destino final e se desmanchava no chão, ele fingia atirar nelas. Seu celular vibrou na mesa e ele deu uma rápida olhada na notificação. Número desconhecido.

Sem muito interesse, ele desbloqueou a tela e riu um pouco do novo papel de parede – um bulldog no escorregador momentos antes de bater na câmera, Hayley havia enviado a imagem. Clicou na notificação e abriu a mensagem, era um convite para o boliche na sexta-feira. Ele digitou uma resposta rápida, dizendo que não tinha certeza e depois respondia. Os alunos viraram a folha e continuaram fazendo a prova, os que já terminaram mexiam no celular, outros apagavam suas respostas e refaziam. Hayley estava na penúltima questão – Alex soube disso pelo palavrão que ela soltou ao tentar resolver a conta. Seu celular vibrou novamente. Outro pedido, desta vez de uma pessoa diferente, uma garota. Depois de responder a mesma coisa que na anterior, seu celular notificou outra mensagem. Mais um pedido. Outra garota. Mesma resposta. Hayley soltou outro palavrão. Mais duas mensagens, dois garotos. Alex respondeu vagamente.

Seu celular vibrou novamente. – Me deixa em paz! – gritou para o celular. Todos direcionaram seus olhares para ele, algumas garotas riam. Hayley deu um tapinha em suas costas e murmurou esquizofrenia tem tratamento. — Desculpa professor – disse desligando a rede de internet, o professor apenas balançou a cabeça. Inclinando-se para o lado, ele murmurou. – Termina logo.

— Me passa a resposta então.

— Espera – Alex virou sua folha e deu uma rápida olhada na última questão, que era a que faltava. Depois de recordar o que fez, começou a descrever a conta para Hayley. Ela rabiscou em sua folha e soltou um grito de alegria.

— Terminei! Eu disse que conseguia, professor – exclamou feliz. Sem qualquer vestígio de educação, ela segurou o rosto do amigo e depositou um beijo demorado em sua bochecha. Fora inevitável não olhar para os demais presentes. – Você é o melhor.

— Eu faço por merecer – respondeu.

O professor começou a recolher as folhas dos que já haviam terminado e deu permissão para que estes conversassem ou mexessem no celular.

Ele se virou e tirou um pacote de biscoitos da bolsa, Hayley percebeu que havia dois daquele. – Nossa você gosta mesmo disso.

— Minha irmã me obrigou a comprar um monte desses, eu meio que aprendi a gostar. Toma – jogou o pacote na mesa, Hayley tirou a fita vermelha de selo e pegou um biscoito. – Experimenta.

— Esta tentando me conquistar?

— Todos os dias – ele disse e ela riu, um pouco envergonhada e surpresa por não ter se sentido desconfortável. — Acho que são caseiros. Divirta-se.

Obedecendo ao amigo, ela deu uma generosa mordida, os farelos e a calda de chocolate dentro do doce sujaram suas mãos e mesa. – Já comecei a fazer besteira – disse rindo enquanto lambia os dedos sujos.

Alex limpou o canto de sua boca com o dedão delicadamente, assim como sua mãe fazia. Ele ria pela situação, ela percebeu que não estava tentando ser romântico ou algo do tipo e aquilo animou seu dia. Ele estava cuidado dela.

Hayley segurou sua mão e deu um beijo na parte de trás. Alex franziu o cenho e depois sorriu, sem jeito.

— O que foi isso?

— Estava te amaldiçoando. Ferradus tus estaus.

Ele fez uma careta de dor e segurou a mão como se tivesse levado uma facada. – Droga, bruxa, eu sabia que você era problema.

— E doida – ela completou pegando outro biscoito e devolvendo o pacote para ele.

Alex balançou a cabeça negativamente. – É todo seu, eu não aguento mais comer isso.

— Se você esta tentando me comprar com comida, meus parabéns porque você acertou em cheio. Depois de vídeos com pessoas sendo perseguidas por animais, comida é minha coisa favorita no mundo.

— Então se eu estivesse correndo de um animal enquanto levava comida para você, eu seria sua coisa duplamente favorita?

— Você se tornaria o amor da minha vida.

Alex arquejou falsamente e Hayley achou isso ridiculamente engraçado. – Eu preciso de uma vaca e um sanduíche – disse ele fazendo falsas anotações na mesa e fingindo estar pensativo.

— Está tentando se tornar o amor da minha vida?

— Mas é claro que não! Saiba que meu sonho é ser perseguido por uma vaca enquanto seguro um sanduíche.

 Hayley riu e se ajeitou na carteira. Só então ela percebeu que boa parte da sala encarava os dois como se estivessem vendo o acasalamento de dois gorilas. Muitos sabiam que ela não conversava com os garotos, ou simplesmente saia socializando como a miss simpatia. Poucos sabiam o porquê. Era uma enorme surpresa vê-la conversando com Alex, o garoto que a maioria das garotas amava.

Dentre os olhares, um chamou sua atenção.

Uma garota de cabelos platinados, sobrancelhas de henna e batom roxo estava sentada do outro lado da sala. Suas pálpebras estavam contornadas pelo delinear em formato de gatinho, um colar caia por dentro do decote – uma blusa vinho com detalhes pretos nas mangas três quartos. O corpo marcado por seios grandes e quadris largos chamava atenção devida, a pele clara e levemente rosada nas maçãs do rosto parecia mais escura devido à falta de luz ali presente. Seus olhos negros e intensos ficavam a espreita, por baixo da máscara de rímel. Helena sorriu e piscou, em seguida tirou o celular do bolso e começou a digitar de maneira despreocupada. Hayley entendeu o olhar.

Podem continuar.

— Você a conhece? – Hayley perguntou e olhou para a garota, Alex acompanhou seu olhar e logo desviou.

— Não. Mas meus amigos conhecem.

Ela percebeu que ele estava mentindo. – Eu acho que a conheço de algum lugar, mas não sei da onde. Sei lá, achei que você a conhecesse.

Hayley se sentiu chateada por vê-lo mentir. Eles não eram melhores amigos, mas ela queria passar para ele a mesma confiança que ele passava para ela.

— Não conheço.

Foi tudo que ele disse.

Ela sentiu uma vontade súbita de continuar o assunto, mesmo que sua mente gritasse para ela não insistir. – Mas ela é bonita, não acha? – eu sei que é loucura e que você não é obrigado, mas adoraria que você me contasse o que te incomoda nela. Algo te incomoda, certo? Ou eu sou apenas louca?— Um pouco estranha, nós não podemos negar. Mas quem sou eu para falar de pessoas estranhas?

— Você não é estranha, só é diferente. E bonita também, eu acho.

Ele disse com alivio por ter conseguido um jeito de mudar de assunto. Hayley guardou sua curiosidade para outra hora.

— Você me acha bonita?

Ele achava. Encantadoramente linda, era o que achava.

A garota, Helena, era uma leoa, linda por natureza e rainha da selva, uma ferocidade visível e controladora, uma dominadora. Hayley, por outro lado, era um tigre. Solitário e calado, aos poucos tomava sua vida nas mãos e fazia o que queria, sua agressividade era visível pela aparência e jeito de agir, reagir. No entanto ninguém nunca sabia quando atacaria, observava de longe. Tinha preguiça e conforto demais para problemas, ou talvez apenas não se importasse com eles. De qualquer forma, Alex sabia que deveria manter uma distância segura. Por isso disse a maior burrice ciente que era burrice.

Um pássaro não sabe lidar com um tigre.

— Comparando você com as garotas da escola, nota sete – aquilo soou babaca, até mesmo estúpido. Ele sabia disso perfeitamente, mas sua mente estava tão desesperada para trocar de assunto que aquela frase idiota simplesmente saiu.

Hayley sentiu vontade de se afastar e ir embora. Por sorte o sinal da próxima aula tocou. – Letras, e você?

— Outra de exatas.

— Ok, então até depois.

Ela se levantou e jogou a bolsa nos ombros. Estava irritadiça, mas não diria isso a ele. Alex viu a silhueta sumir pela porta da frente, sem tempo para uma despedida.

Assim que a sala começou a esvaziar, ele organizou seu material e seguiu até a penúltima sala do mesmo corredor em que estava. No caminho, uma sombra fluía-se a sua, a pessoa estava próxima o suficiente. Uma garota. Incomodado, Alex acelerou os passos, mas a dona da sombra fez o mesmo. Estavam quase correndo no corredor quando ele virou e parou de supetão. A garota asiática sorriu.

— Oi! – disse visivelmente animada.

— Oi – respondeu com dois graus a menos de felicidade e cinco a mais de estranheza. Sem ter uma resposta rápida, ele virou-se e voltou a andar.

— Você e a Helena têm quase as mesmas aulas toda semana – afirmou o que acabara de dizer acompanhando os passos do rapaz. A sala nunca tinha ficado tão longe.

— Não sei. Talvez – Alex queria parecer educado, mesmo. Mas a vontade de entrar na sala depressa o consumia.

— Eu sempre vejo vocês dois saindo. N-não juntos, e-eu não quiser dizer isso. Vocês não saem juntos ou algo assim. M-mesma sala, saem juntos da sala – ela acenava a cada erro, tentando corrigi-los com as mãos. Seria fofo. Seria.

— Eu entendi – riu e a olhou de maneira cativa, mas não esperançosa.

— Que bom…

O silêncio se alastrou quando a porta da sala estava à frente. Alex a empurrou de maneira descontraída, depois de uma rápida despedida, ele entrou e cumprimentou alguns amigos que estavam sentados no fundo. A garota asiática ficou parada, não sabia muito que fazer. O barulho dos alunos saltava pela brecha da porta, onde ela também conseguia ver Alex sentar-se ao lado de Dan.

— Coragem, Naomi, coragem.

Seu coração estava disparado, saltava com um acrobata – isso antes dele cair de cara no chão. Sua pele estava corada com a ideia do que ia fazer, as mãos suadas e trêmulas se prendiam na barra da blusa. Desejou ter mais seios. Em seguida se recriminou por isso, Alex não ligava para isso. Ou talvez ligasse, ela não sabia. Mas desejou que não ligasse. Poderia estar errada, sempre estava. Não, Alex era diferente. Ou talvez não fosse. Sim! Ele era diferente. O tempo passava e mais alunos entravam na sala. Nada do professor, isso significava que seu tempo ainda não tinha acabado. Pessoas trombavam nela, algumas se desculpavam e outras não.

— Só entra na droga da sala, Naomi!

E foi isso que fez. Engolindo o nervosismo, Naomi abriu a porta de sala e parou. Seus passos não passaram da primeira cadeira perto da janela, poucos alunos a olhavam, já que o restante conversava e distraia-se com as próprias brincadeiras. Seus olhos negros se prenderam em um amontoado de cabelos castanhos laçados por uma trança longa. A dona ria alto propositalmente. Quando as íris verde e negra se encontraram, Amanda acenou para Naomi se aproximar, parecia levemente surpresa.

Alex não olhava para nenhuma das duas, conversava e dava risadas com Dan. Ele estava virado de costas para Amanda e seu grupo. Ela desejou que fosse proposital.

— Ney-Ney! – disse exageradamente animada. Mas seu sorriso caia para o lado. – A que devo a honra? – A simpatia doce demais vez Naomi engolir em seco e sorrir timidamente.

— E-eu só vim perguntar se... Se você vai publicar o vídeo da Hannah?

Com essa pergunta ela percebeu que seu plano de chamar Alex para sair era idiotice. Mal conseguia dar oi, imagine dizer isso com toda a sala de plateia e Amanda do lado. Era suicídio social.

— Ney-Ney, que cruel – as amigas riram. Algumas nem riam de verdade. – Eu estava pensando em usar isso na festa do pijama, por diversão. Mas já que você insiste – as palavras se perderam quando Amanda pegou seu celular e começou a digitar. – Pronto, publiquei no seu mural. Ney-Ney surpreendendo sempre.

Não! Era o que queria ter dito. Ela não desejava isso para Hannah, muito menos estar envolvida, era bullying maquiado. Mas contestar Amanda seria complicação demais para um dia só.

— Legal! – disse com o ânimo mais forçado que conseguiu. A porta da sala abriu e os cabelos brancos da professora tomaram a frente da sala. – Vou para sala, até o intervalo, meninas.

— Tchau, Ney-Ney.

 

x

 

Seus olhos estavam presos na árvore. O pardal azul pulava de galho em galho e cantava ao puxar uma semente, Hayley não conseguiu deixar de sorrir. Ela estava sentada sozinha na cantina, seus dedos batucavam a vidraça com vista para a praça. A música alta em seu fone era exclusão social, não queria conversa – a menos que valesse a pena. Nunca valia. Os pés balançavam no ritmo da música, enquanto batia o pulso e a palma da mão para simbolizar a bateria.

Alex riu ao ver a cena.

Ela viu de relance quando uma mínima fumaça e papel branco passaram deslizando pela mesa. Havia massa também. E catupiry. Hayley tirou um pedaço da massa e jogou no moreno a sua frente. Disse ao tirar os fones:

— Sou nota sete, não mereço seu lanche – disse jogando outro pedaço. Alex o rebateu, fazendo-o voltar para o rosto da garota. – Aquilo foi bem babaca. Comparada com as outras mercadorias, até que você serve. Idiota.

— Falei sem pensar. E por brincadeira – ele puxou o banco e se sentiu. – Nunca te compararia com as outras garotas, nem te daria uma nota. Eu sou babaca, mas não esse tipo de babaca.

— Um babaca diria isso.

— O que eu deveria ter dito? Que te acho muito linda? Que você é a pessoa mais interessante que eu converso há meses? Que tenho medo de agir como um idiota e estragar tudo?

Hayley encarou o lanche, sentindo sua bochecha queimar.

Graças a Deus ele é gay. — Não precisa ficar com medo de estragar tudo. Eu tenho mais chances de fazer isso do que você.

— Todo cuidado é pouco.

Ela sorriu e jogou um pedaço de massa nele. – Você me acha bonita.

— Deusa seria pouco. Agora aproveite seu lanche de graça – ela obedeceu dando uma mordida. Consequentemente o catupiry sujou seu queixo e pingou na mesa.

— Está quente, merda! ­­– gritou ela de boca cheia puxando ar na esperança de que esfriasse.

— Óbvio, eu acabei de comprar!

Hayley pegou a mão de Alex com pressa e cuspiu a massa gosmenta ali. – Bem melhor – disse ainda abanando a boca.

O moreno fitou a massa escorrer pela sua mão, estava morna. Ele ficou quieto por segundos antes de dizer. – Você é uma nojenta. Nunca mais te compro um lanche – ao terminar sua frase, jogou os vestígios da nojeira em Hayley, que deu um grito de nojo e desatou-se a rir.

— Joga na mãe, babaca – falou jogando o guardanapo sujo nele.

— Joga na sua ­– rebateu.

A risada parou devagar. Alex desfez o sorriso e Hayley percebeu, também desfez o seu. Um clima estranho reinou. No entanto não era o clima cotidiano, como ir à casa dos seus avós, ou explicar a verdade para a secretaria da escola que insistia em pedir que sua mãe comparecesse. Era diferente.

— Minha mãe morreu – disse.

— O meu pai também.

Os dois se entreolharam, o silêncio durou pouco. Hayley foi a primeira a dar risada, Alex a acompanhou. Pela primeira vez ela entendeu o que era conforto perto da perda, alguém que entendia a dor, alguém que não sentia pena. Alguém que entendia.

Alex entendia.

— A gente não presta – disse ele mordendo seu próprio lanche.

— Se você cuspir em mim, eu enfio esse lanche no buraco mais complicado de achar.

— A nojenta aqui é você, princesa.

— Parece meu cafetão falando.

Os dois terminaram de comer, parando sempre em meio a risadas e piadas sem nexo. Era uma companhia agradável. Hayley fazia algumas caretas e nojeiras, coisa que nunca pensou fazer perto de um garoto. Alex ria a ponto de sua pele ficar vermelha.

— Ah, e eu também te acho um gatão – disse depois de outra piada.

— Ainda esse assunto – perguntou arqueando uma sobrancelha.

— Sim, ainda. É engraçado, você é muito lindo e tem milhares de garotas atrás de você, mas você gosta de pênis.

A frase foi como um soco. Uma mentira dita da maneira mais crua possível doía mais do que uma verdade enfeitada. Alex tentou não deixar aquilo abalá-lo.

— Pois é – foi tudo o que conseguiu dizer.

— Desculpa a pergunta, mas você já namorou alguma menina antes?

— Aquele papo de você não gosta por que nunca experimentou?

— Não! Só quero saber.

— Sim, namorei uma garota por um ano. Satisfeita?

— E depois dela você descobriu que realmente não curte?

— Sim – mentiu, Hayley percebeu a frieza em sua voz. Era definitivamente um assunto detestável para ele.

— Desculpa, percebi que você ficou irritado.

— Tudo bem – sorriu. – E você?

— Eu…?

— Curte garotas?

— Garotas são chatas e irritantes, não sinto atração por elas. Já tentei, mas não consigo.

— E também não curte garotos?

— Não é que eu não curto, é só que… Um passado ruim, só isso.

— Parece que temos muito em comum. Não ligo de compartilhar experiências com você, então um dia te conto. Prometo.

Ela ficou em silêncio, até que sorriu com a ideia de se abrir com Alex, mesmo com um sorriso fraco. – Um dia eu te conto também.

— Quero saber quem foi o babaca que quebrou seu coração. Ele que me aguarde.

— Espero que a puta tenha fugido para bem longe, também.

— É o que ela faz de melhor.


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Notas finais do capítulo

Se tiver algum erro, bom, senta e chora.
TEAMTCHAU.



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