O Cupido escrita por Mits


Capítulo 10
Delicada


Notas iniciais do capítulo

AAAAAAAAAAH, DESCULPA.

Galera de pião e cowboy, i'm so sorry. Eu juro, foi a Mits, eu sou um ser que cumpre meus prazos, ela não.

Porémmm, temos um ótimo motivo para justificar o atrasado::::: contando com esse, temos quatro capítulos prontos.

/eeee/ isso mesmo, crianças, esse foi o motivo real oficial Nah Cardoso pela demora, a autora estava transcrevendo quatro capítulos que o magnifico Cupido aqui ditava.

Ela provavelmente vai postá-los nos sábados (quatro sábados, contando com esse), isso da tempo suficiente para ela revisar essa bagaça tudo e não postar capítulos revisados que nem a cara dela (como ela andava fazendo antes de sair de ferias).

Semana que vem ela vai entrar de férias do trabalho e preparem suas calcinhas, gatas, vamos esfregá-las no chão.

DIVIRTAM-SE.



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— Minha resposta é não!

— Por favor, pai. Por favor.

— Eu disse não, Hannah. Você sabe o que sua mãe pensa sobre isso.

— Eu sei o que ela pensa sobre qualquer coisa, pai.

— Escute, eu não quero ser tão duro com você, mas também não posso te deixar sair por aí sozinha fazendo só Deus sabe o que.

— Pelo amor de Deus, pai. É só uma festa do pijama, o senhor acha que vamos correr peladas pela Avenida? Eu já dormi fora antes.

— Quer saber? Peça para sua mãe, eu não quero ser sempre o carrasco da história.

Com um grunhido mal-humorado, Hannah deixou a sala de seu pai.

Era quarta-feira e a única coisa em que Hannah pensava era suicídio. Seus dedos tateavam as janelas do corredor da secretária enquanto seguia o caminho até o banheiro feminino. Jeans velho e blusa xadrez vermelha não era sua combinação favorita, mas estar confortável era bem melhor do que estar bonita. Os cabelos estavam presos por um – me desculpe por isso, leitor – coque frouxo – desculpa! – alguns fios caiam delicadamente por seu rosto angelical, que até o atual momento não parecia nada convidativo. Por debaixo do curativo ela sentia seu nariz latejar, aquilo se tornara um estorvo.

— Eu deveria ter aceitado o taco de beisebol – murmurou entre os dentes.

 Adolescente drogado do segundo ano idiota.

Hannah tinha uma voz doce e calma, o timbre perfeito para apaixonar qualquer garoto solitário, seu olhar inofensivo era atraente e acolhedor. As mãos pequenas de dedos finos deixavam uma dormência ao toque singelo. Seria uma boa mãe, prestativa e presente. Excelente esposa que cuidaria do marido e da casa. Sempre arrumada e delicada, pronta para rir de qualquer piada sem graça. Hannah era uma dama incontestável.

Mas não naquele dia. Naquele dia ela queria genocídio, naquele dia ela estaria pronta para mandar qualquer um à merda.  Naquele dia ela não era a santinha filha do diretor. Naquele dia ela não usava a máscara perfeita.

— Bom dia, Hannah! – disse um aluno sorridente ao cruzar com a garota no corredor. Seus cabelos quimicamente tratados estavam presos por um rabo de cavalo, a oleosidade era visível naquele monte negro de cabelos antes crespos.

— Bom dia! – respondeu com educação. Ao ver que a distância entre os dois era suficiente, completou. – Vai lavar esse cabelo, babaca.

O corredor se estendia brevemente até uma escada perto do pátio principal, onde poucos alunos riam e conversavam pelos cantos. Três bebedouros perto da praça – ao lado do banheiro masculino, enquanto do lado oposto ficava banheiro o feminino. Hannah ligeiramente trotou pelos degraus, perdida em pensamentos violentos. O celular vibrou em seu bolso, acompanhado por um jingle japonês. – Alô – atendeu mal-humorada.

— A gente precisa conversar – voz séria e autoritária. Hannah o conhecia muito bem.

— Aconteceu alguma coisa, mãe? – tentou parecer segura e flexível, mas estes sentimentos logo foram substituídos por medo. Uma ligação durante as aulas, um único significado plausível: ela tinha chegado de viagem.

— Quem é Peter, Hannah? – o tom sombrio fez os pelos de sua nuca arrepiar. Sem rodeios ou bom dia, apenas o assunto mais detestável naquela família: meninos.

— Ninguém, mãe. Por quê? Aconteceu alguma coisa? Ele apareceu aí?

— Por que ele apareceria aqui?

— N-não sei, foi só uma pergunta.

— Vocês parecem bem íntimos, ele até mandou flores. Begônias. E ainda tem um cartão: “Sinto muito por sábado, espero te ver na escola e pedir desculpas pessoalmente. Com muito amor, Peter”. Com muito amor, ele disse.

A citação pegou Hannah de surpresa. Como ele conseguiu meu endereço? Perguntou-se enquanto escolhia a melhor resposta para dar. A porta do banheiro estava logo à frente, não hesitou em empurrá-la e se trancar na penúltima cabine. Estava fedendo. Sua mãe permanecia em silêncio.

— Mãe... Eu sinceramente não sei por que ele me enviou flores, mas se a senhora quiser jogar fora pra mim, eu agradeceria muito. Por favor – um tiro certeiro, pedir para sua mãe jogar fora seria um sinal óbvio de que ela não queria as flores.

— Vamos ter uma conversa quando você chegar. Tenha um bom dia, filha.

— Mãe, eu… – o silêncio foi cortado por um barulho ritmado. Ela já havia desligado. – Obrigada pela conversa… Espero que a viagem tenha sido legal… Também te amo – as palavras saíram embainhadas de mágoa.

Hannah encostou sua cabeça no azulejo gelado e permitiu algumas lágrimas brotarem em seus olhos, talvez o fedor do lugar estivesse trazendo a sensação de desgosto de volta. A porta de madeira chiava com o vento que a fazia mexer levemente, as trancas enferrujadas já não serviam mais. Uma pequena brecha entre a porta e a parede refletia as luzes das lâmpadas amareladas, dali Hanna conseguia ver a pia e o espelho sujo que cobria metade da parede, seu reflexo era imperceptível, como uma assombração. Ao fundo, uma descarga com mau funcionamento jorrava água desfreada na primeira cabine. Hannah sorriu levemente, aquela era definitivamente a cena mais lamentável de sua vida.

Trilha sonora e aroma especial de sanitário.

— Meus pais vão viajar nesse final de semana, o que é ótimo. Queria umas férias deles há muito tempo. Meus pais são uma droga – a voz alta e estridente tomou conta do ambiente em pouco tempo, o som agudo de sandálias batendo contra o chão fez Hannah se ajeitar no assento e inclinar-se para o lado, onde teria uma visão melhor. Agarrada aos joelhos ela escutava a conversa.

— Acho que todos são – disse a segunda voz estranhamente animada, se comparar com a frase. Hannah a nomeou de Bajuladora Um.

— Meu cabelo fica bonito assim? – perguntou. A ruiva, pelas suas costas, conseguiu vê-la levantar uma pequena quantia de cabelo castanho e enrolá-lo topo da cabeça, os cachos caiam até a metade de suas costas. Seria sim um penteado bonito, Hannah reconheceu. Se bem feito, claro.

— Seu cabelo fica lindo de qualquer jeito! – outra voz animada, mas desta vez com um timbre baixo e calmo. Provavelmente uma garota do primeiro ano. Bajuladora Dois.

— Eu estou perguntando se ele fica bonito assim. Ai, esquece, vou deixar solto mesmo. Vocês não sabem dar opinião. 

Hannah conhecia a dona da voz, Amanda. Era a imagem e perfeita imitação de beleza padrão. Seus olhos eram verde cristal, os cabelos castanhos e lisos eram longos e bem cuidados, a pele rosada e sem marcas de expressão ou espinhas estava sempre com a quantidade certa de maquiagem. Os seios médios e os quadris pequenos davam-na um aspecto de manequim, no qual qualquer roupa caia bem. Seu andar era imperial, ela não apenas se sentia superior, como era – já que suas bajuladoras faziam questão de tratá-la como a segunda rainha.

— Mony, verifica as cabines. Quero contar uma coisa – disse Amanda tirando o excesso de batom.

A ruiva sentiu seu coração disparar. Ela se apoiou no vaso e deixou seus pés fora do alcance, assim a brecha debaixo da porta não revelaria seu esconderijo. Com as mãos segurou a porta delicadamente, com cuidado para não fazer movimentos rápidos e obviamente humanos – talvez, por sorte, pensassem que fosse o vento.

O som de portas sendo abertas e fechadas estava se tornando cada vez mais próximo.  Hannah fechou os olhos e desejou o melhor. Nada. A sombra feita pelos pés da bajuladora passou reto, sem ao menos se preocupar em dar uma pequena olhada. A porta da cabine ao lado foi aberta e fechada. O último banheiro, tudo limpo. Hannah soltou a porta e se ajeitou no vaso, ainda sem entender.

Hannah não via, mas ainda ouvia.

— Ok, já que não tem ninguém – um zíper fora puxado. – Olha o que eu comprei!

A animação das vozes fez Hannah querer ver o que era.

— As meninas ainda não sabem, então vocês vão ser as primeiras. Às dez horas os caras costumam ir ao boliche, todo segundo sábado do mês. Uma tradição, sei lá. Bom, eu fiquei sabendo que o meu amor vai estar lá, todo lindo jogando boliche. Então eu pensei: por que não dar uma passadinha lá?

— Por isso você queria marcar a festa para o sábado?

— Exato! As meninas enrolam os garotos, enquanto eu fico com meu amorzinho. Todo mundo sai feliz.

A sensação de frustração caiu sobre a curiosa. Todo esse esforço para isso? Hannah revirou os olhos e relaxou o corpo, não importava mais se esconder. Seu corpo começou a deslizar sobre a tampa, com as mãos ela se apoiou na caixa acima do vaso e fez força para se estabilizar, seu cotovelo bateu na válvula da descarga, acionando-a. As meninas ficaram em silêncio, ouvindo a água jorrar, provavelmente esperavam que a curiosa saísse da cabine em que estava. Ela não o fez.

— Quem deu descarga? – a voz da Bajuladora Um se sobressaltou. Ela parecia assustada.

— Esses banheiros são todos velhos, deve estar quebrada – disse a Bajuladora Dois. – Eu abri todas as cabines, não tem ninguém aqui.

— Tanto faz – murmurou Amanda.

Hannah sentiu a tampa se mexer, como se algo a pressionasse para cima. A descarga havia parado, mas o barulho de água continuava e desta vez seguido por um chiado estranho. De relance, a ruiva viu água branca sair pelos canos na base do vaso sanitário, um prego pendia soltar-se a qualquer momento.

E foi o que aconteceu.

Sem cerimônias o vaso cedeu com o peso da garota e veio ao chão. Uma água que se variava entre amarelo, vermelho e marrom começou a transbordar pelas laterais da tampa. O fedor nauseante se misturou ao pânico de Hannah, que agora estava no chão no meio da sujeira.  O cano atrás do vaso, que o ligava à parede, jorrava água – por sorte limpa. Naquele momento Hannah considerou suicídio.

A porta abriu-se de repente e três rostos risonhos surgiram. Na esquerda, uma jovem de cabelos negros trançados e pele escura. Amanda estava no meio observando a cena surpresa, disfarçadamente tirou o celular do bolso. Na direita uma garotinha asiática parecia surpresa.

— H-Hannah – a Bajuladora Dois, agora descoberta como a morena, segurava o riso. Amanda ria descaradamente. A garotinha asiática não sabia como reagir, então riu falsamente.

Hannah não sabia o que responder, nem como reagir. Ao tentar se levantar escorregou em um papel molhado, Amanda riu mais alto e ofereceu a mão. – Tudo bem? – a ruiva balançou a cabeça positivamente, sua pele avermelhada revelada vergonha e frustração.

— Eu preciso ir – Amanda, ainda com um sorriso aberto no rosto, segurou o braço da garota.

— É melhor você se limpar, seria nojento andar assim pelo corredor.

Ela estava certa, o fedor e a sujeira rodeavam Hannah por inteiro. Seus cabelos ruivos agora caiam soltos e embaraçados, alguns pequenos cortes pelo braço latejavam e sangravam, mas não tanto quanto seu nariz. A queda e o nervosismo fizeram a área voltar a doer, agora com sangue escorrendo pelo seu queixo. Amanda ainda sorria.

And you got teeth like a Wolf, but you cry like a sheep.

— Eu disse que preciso ir – a estupidez em sua voz fez com que a garota a soltasse.

Hannah caminhou furiosa e grudenta para longe dali, no meio do caminho escutou a porta da cabine bater rigidamente. – Da próxima vez leia o aviso na porta. Banheiro interditado! Ou não escute a conversa dos outros – Hannah atravessou a porta e deixou a luz do dia atingir sua pele. Ela precisava de um banho.

Agora fora do banheiro, a ruiva subiu as escadas novamente, desta vez com intuito de pedir as chaves de casa e ir tomar um demorado banho. Em seguida se jogar da janela torcendo para, já no chão, torcer para um caminhão passar por cima de sua cabeça.

O sinal da última aula soou por toda a escola, o barulho de trancas e portas sendo arrastadas fez Hannah pensar duas vezes antes de acordar amanhã. Era a troca de sala, o que significava corredor cheio e uma fedida mais do que azarada.

— Peter, sala 12, literatura! – A voz de uma adolescente surgiu entre o silêncio. Uma sensação de prazer e ódio tornou-se palpável. Hannah virou lentamente, o sorriso em seus lábios significava o sentimento mais indesejável, porém prazeroso, no ser humano. Vingança.

Peter.

— Vou mijar! – Gritou em resposta. Ele está ali, bem na sua frente. A descrição batia perfeitamente. Cabelos cacheados e castanhos, aparelho nos dentes, estatura alta, calça colorida e um sorriso irritante. Ele realmente parecia com o Peter Pan.

— Peter.

“Eu ouvi que ele jogou a bola de propósito. Queria chamar atenção das garotas do primeiro ano.”

“Que babaca!”

“Nem me fale. Agora ele faz piada com os amigos.”

“Peter é mesmo um idiota.”

— Hannah, oi! – ele se aproximou sorridente. Ele ainda não tinha percebido. Seus passos rápidos e o abraço apertado deixaram Hannah se reação por alguns instantes. Até que um pensamento triunfante fez seu sorriso maldoso se abrir mais. Peter afastou-se com os olhos lacrimejando e a mão no nariz. Mesmo sendo mais novo, ainda era mais alto. – O que aconteceu? Hannah seu nariz está sangrando. Tudo bem? É melhor você ir ver o diretor e... Hannah?

Ela estava parada, seus olhos negros eram contornados por olheiras. Intensos. O sangue continuava escorrendo e pingando no corredor, mas ela continuava paralisada na mesma posição. Era assustador. O sorriso permanecia intacto e seu olhar cruel não cedia. Alguns alunos saiam de suas salas e via a cena, ninguém intervia. O fedor agora se espalhava e incomodava, a água suja se misturava com o sangue nas roupas da garota. Aquela seria uma perfeita cena de filme de terror.

— A piada foi legal? Dar uma bolada em alguém para chamar atenção parece ser algo legal para você?

Peter ficou em silêncio, ele desejava ter ido com os amigos para a sala. Maldita hora para mijar.

— Dá outra bolada nela! – um aluno gritou enquanto passava. Todos riram, inclusive Peter.

Ao fundo, um par de olhos azuis observava a cena com um sorriso maior que o rosto. Seus cabelos estavam cobertos por uma touca naquele dia, a roupa engomada e o jeito superior fizeram o sorriso de Peter diminuir. Ethan estava ali.

— Olha, foi mal. De verdade, eu sinto muitíssimo. Agora por que você não vai para casa, toma um banho e cuida desse sangue? Seria uma boa.

A dor o fez se curvar. Seu estômago veio à boca, suas pernas ficaram bambas e ele veio ao chão, os gemidos de dor eram sufocados pela ânsia de vômito. As garotas riam e gritavam por mais, os garotos sentiam pelo companheiro. Hannah diziam coisas raivosas, mas ele não conseguia distinguir nada. Peter havia levado um chute no saco.

A última porta do corredor fora aberta drasticamente, o que fez os alunos voltarem para suas salas rapidamente. O diretor abriu espaço entre as pessoas que se dispersavam até alcançar os dois. Peter no chão, Hannah de braços cruzados. Ela não sabia o que fazer a seguir, além da pontada de dó que sentiu pelo idiota. No entanto, não deixaria de demonstrar raiva, mesmo o sentimento já tendo passado.

— Na minha sala, agora! – disse olhando firme para a filha. A culpa cresceu. – E alguém ajuda o coitado a se levantar.

 

X

 

O silêncio era entrecortado pelos baixos gemidos. As cortinas brancas balançavam com o vento, o relógio de ferro preso acima da mesa do diretor emitia um som tranquilizador. Tic-tac. O silêncio continuava. A grande mesa de madeira no centro da sala estava coberta de papéis e pastas, uma poltrona aparentemente confortável mexia-se sozinha com o vento que entrava pela janela de vidro logo atrás. Hannah sentia a sujeira se grudar em sua pele enquanto colocava gelo no nariz. De soslaio ela conseguia ver Peter colocar gelo entre as pernas. Ela segurou a vontade de rir.

— Dói muito? – arriscou a perguntar. Peter lançou um olhar rápido e furtivo, logo voltou a sua atenção às calças. Seus olhos estavam vermelhos e lacrimejavam.

Seu celular vibrou no bolso de trás. Com cuidado, ele destravou a tela e visualizou a mensagem que era notificada.

Will:

E essas omeletes ai?

Peter:

Vai se foder, cara.              

Quem te contou?

Will:

Alex. Ele estava rindo da sua cara. Eu ri junto, claro.

Peter:

Uns otários mesmo.

Will:

Faz parte.

Avisa quando sair daí, eu passo para te buscar.

Peter:

Beleza.

Will:

Falou.

— Qual dos dois vai começar a explicar? – perguntou o diretor ao entrar na sala e sentar-se na poltrona. Peter guardou o celular no bolso com certa dificuldade.  – Dói ainda? – O garoto balançou a cabeça em resposta. – Hannah, você quer começar?

— Eu dei o troco, só isso.

— O troco? Você destruiu minha geração!

O diretor permaneceu pacífico, sabia que a melhor forma de resolver o problema entre duas pessoas era deixando-as colocar tudo para fora. E aparentemente era isso que acontecia naquele momento.

— Você me deu uma bolada! E tudo isso para se mostrar.

— Eu não queria me mostrar.

— Ah, é? O que você queria fazer?

— Chamar sua atenção!

O silêncio caiu novamente entre eles. Hannah balançou a cabeça negativamente, sem entender. Peter ajeitou o gelo nas bolas. – Esquece, não valeu a pena.

— Você acha que a melhor maneira de chamar atenção de uma garota é a machucando? – disse, por fim, o mais velho com a sabedoria de um homem careca.

— Não era minha intenção. Eu só queria que ela me notasse. Agora já era, deixa para lá.

Hannah não sabia o que dizer além de:

—  Burro.

Antônio suspirou e se arriscou a perguntar. – Vocês dois estão de rolo? – pergunta soou mais paternal do que profissional.

— Rolo? – rebateu Hannah. – Não. E ninguém mais fala rolo, pai.

— Eu falo, às vezes – comentou Peter.  

— Parabéns pra você.

— Grossa.

— Oh, me desculpe! – riu irônica. – É melhor eu tomar cuidado, vai que recebo outra bolada do garoto que não sabe agir como um ser humano normal.

Peter não soube se eram os nervos de levar um chute no saco, ou a maneira com aquela garota fala com ele. Mas sentiu sim uma vontade enorme de jogar a bola outra vez. Preferiu o silêncio, que rapidamente fora cortado por Antônio.

— Nossa, vocês estão mesmo de rolo.

— Não estamos! – disseram juntos.

— Então me expliquem, porque eu ainda não entendi. Você a machuca e ela te machuca, isso é quase um casamento. Mágoas guardadas, é isso?

— Sai fora – Peter disse de maneira arrogante.

— Deus me livre – Hannah cruzou os braços. Os dois se entreolharam.

O diretor suspirou. – Eu sinceramente espero que daqui por diante vocês dois se entendam, chega de pessoas machucadas. Peter, peça desculpas para Hannah, e vice-versa.

— Foi mal – ele disse olhando para o outro lado da sala.

— É, foi mal.

— Certo! Agora, Peter, vai querer que eu ligue pra sua mãe?

— Não! – o quase gritou fez a ruiva franzir o cenho. – Não precisa.

— Tem certeza? Você não quer passar no hospital?

— Não, não. Já estou melhor. Não precisa ligar, consigo ir para casa sozinho.

— Tudo bem. Hannah, a gente conversa em casa.

Os dois saíram da sala. O mais novo se escorava na parede enquanto andava. No fundo Hannah achava aquilo exagero, mas não tinha como saber, afinal era uma garota. O silêncio incômodo durou até a metade do caminho, quando ela decidiu quebrá-lo. Deixar sentimentos furiosos regerem sua vida não era algo bom, então preferiu provar para si mesmo que não era uma pessoa horrível. – Sua mãe parece te assustar.

— Muito.

— Ela é muito rígida?

— Doida. Às vezes eu chego em casa e ela está falando com as paredes. Ela curte uns rituais – ele estava fazendo uma piada, mas ela continuou o encarando. – Nosso gato, Félix, ela costuma oferecer ele em sacrifício – desta vez Hannah desviou o olhar e começou a fitar o chão. Ele esperava que ela desse pelo menos uma risadinha. – Desculpa, não sabia que você era evangélica.

A risada da ruiva o fez abrir um sorriso aliviado. – Estava vendo aonde ia parar.  

— Nunca para em alguma coisa boa – as escadas do corredor estavam adiante, Peter parou e encarou os degraus. Hannah, que já estava no segundo, também parou e o encarou.

— Quer ajuda?

— Você está meio sujinha.

— Você não pensou nisso antes de me abraçar.

— Eu não tinha percebido na hora.

— Quer ajuda ou não?

— Quero…

Ele passou o braço pelos ombros de Hannah e juntos desceram as escadas, degrau por degrau a sujeira da ruiva passava para as roupas limpas de Peter, que fingia vomitar. Quando chegaram ao final estavam cansados e risonhos.

— Pronto.

— Valeu, Hannah. Ah, e desculpa pela bolada, de verdade. Não sou muito bom em chamar atenção.

— Eu percebi. Desculpe pelo chute no seu…

— Antônio.

— Antônio?

— É o nome do meu pênis.

— O nome do seu pênis é Antônio?

— Nome de mafioso – respondeu balançando a cabeça como se aquela fosse a coisa mais inteligente a ser dita em voz alta.

Hannah parou por alguns segundos, não sabia se ria ou ia embora.

— Antônio é o nome do meu pai.

Outro silêncio, mas este não tinha algum tipo de peso ou arrependimento. Era leve e confortável, um pouco embaraçoso, mas amigável. No final, suas risadas serviram de preenchimento.

— Como eu não me lembrei disso antes, cara?

— Tinha uma placa com o nome dele.

— Não sou um cara observador, como pôde ver.

— Realmente.

Depois que os risos pararam, Hannah teve coragem de dizer o que pensava durante o caminho até ali.  

— Olha, Peter… Eu sinceramente acho melhor ficarmos longe um do outro a partir de agora, sabe, para evitar machucados.

— Eu não vou te machucar – acrescentou. – De novo.

— As pessoas sempre acabam me machucando no final – aquilo soou melancólico demais. – Quero dizer, sou uma garota frágil fisicamente – sorriu.

— Ok. Vou respeitar sua decisão.

— Obrigada.

— Disponha. Agora com licença que eu preciso ir para casa morrer.

Hannah deu uma risada anasalada. – Eu também. Tchau, Peter Pan.

—Tchau, ruiva.

Peter, no final, queria aquela distância saudável. Ele se considerava um conquistador persistente, mas Hannah precisava mesmo de um espaço. Tudo ficaria bem… Até ele se lembrar da aposta.

— Amanhã eu vou falar com o Ethan a respeito da aposta, você estava certo – disse entrando no carro. Will apertou o volante e desviou o olhar para a janela.


— Não é uma boa ideia.


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Notas finais do capítulo

P.S.: POSTADO