Our Games escrita por Magicath


Capítulo 8
Capítulo 8 — Açúcar, sal e botões.


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Esse é o capítulo das avaliações, Sessão individual ou seja lá o nome que usam.

Não tente reproduzir em casa as experiencias transcritas neste capítulo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/660259/chapter/8

VIII

Açúcar, sal e botões

O segundo dia de treinamento prosseguiu tranquilamente, com mais esforço e sem intervenção dos carreiristas. Com o treinamento ficando muito mais puxado, pude sentir as dores musculares me cutucando a cada movimento. Pelo menos eu estava em forma e não precisava fazer tanto esforço. Tenho aprendido técnicas de luta e defesa, a mexer com armas, montar armadilhas, entre outras coisas. Ou seja, estamos progredindo.

Nesses três dias de treinamento senti falta da companhia de Chris. Ficamos separados para não nos expor aos outros tributos. Vê-lo distante me faz sentir que estou o perdendo cada vez mais cedo, mas eu sei que é uma alternativa razoável. É claro, porém, que esse não é o único motivo. Eu sabia que Chris estava se distanciando emocionalmente para que no final, na hora que as coisas pegarem fogo, o dano não ser tão ruim. 

É claro que isso não vai adiantar. 

A pressão, a responsabilidade e consequências do jogo devem estar sobrecarregando-o. É perceptível uma mudança de comportamento, um clima mais pesado de seriedade. É claro, Jogos Vorazes não é brincadeira. Sei que estamos enraizando no âmago do jogo a cada dia.

Contudo... meu medo é que… Estaria Chris repensando suas próprias escolhas? Se arrependendo de... estar aqui?

Enquanto almoçamos, durante o intervalo no qual nos preparamos para as apresentações, permanecemos quietos. Somos eu e ele ocupando uma mesa junto de outros tributos desconhecidos. O ambiente é silencioso, a não ser pelos carreiristas. São os únicos a fazerem barulho, piada com os outros, debatendo e brigando. Noto os olhos da ruiva do oito caindo sobre nós. O nariz empinado dela me faz lembrar de um furão. Os outros encaram suas comidas, desinteressados e taciturnos. Balanço a cabeça, espantando os devaneios quando começo a pensar numa maneira de mata-los para sobreviver.

1 de 24. As chances são absurdamente inviáveis.

— Esses caras são loucos — Chris sussurra, olhando para a mesa dos carreiristas.

Volto para meus pensamentos quando bisbilhoto a mesa vizinha, observando meus oponentes. É quase como um convite para levantar a bandeira branca. Estamos muito ferrados.

— Como vamos vencer essa gente, Chris? — Indago, baixo bastante para os outros não ouvirem. Suspiro, remexendo o conteúdo em meu prato. — Como conseguiremos ser mais fortes que eles?

Ele me olha atônito, julgando minha pergunta.

— Não sei — expressa-se. Apoia a mão no queixo, pensando. — Mas a sorte não vai ajudar. Ela não tem critérios, ela não escolhe. Nós temos que ser a nossa própria sorte.

Concordo, movendo a cabeça. A seriedade do Jogo está realmente tomando conta de mim e movimentando meu interior. Os neurônios estão fritando e meu estômago revirando. Não só vamos lutar contra diversos outros fatores, com também com todos os outros tributos. Eu não consigo parar de cogitar sobre isso. O caminho árduo que terei de seguir para conquistar a vitória, ou melhor, a sobrevivência, perturba-me. É uma jornada complexa. Como vou conseguir completar esse caminho? Este não é um simples jogo da vida. Ela própria está posta em risco. Não há segundas chances. Não há outras alternativas. Você está sujeitado a comprometer tudo por uma luta, uma chance de sair dela com o prêmio que apostou na brincadeira: a sua própria vida

Isso é simplesmente... insano.

Depois do almoço, após limpar a bandeja, puxo Chris para um canto privado, pois se nos virem conversando deste modo vão achar que estamos conspirando. Temos somente mais alguns segundos antes que as avaliações comecem e não faço ideia do que fazer. 

— Você já sabe o que vai fazer na Sessão Individual? — pergunto, mudando de assunto.

— Sinceramente? Não faço ideia — ele declara. — E você?

— Também não.

— Vamos dar um jeito nisso. Precisamos pelo menos fazer algo razoável para demonstrar que não somos amebas. 

— Precisamos do patrocínio deles — argumento.

— Sim — Chris concorda. —  Precisamos... Mostrar no que somos bons.

— E como fazer isso? — indago, contornando o prato com o garfo. — Não sou melhor que ninguém em nenhuma área.

— Melhor do que alguns é. Sem querer ser modesto, mas nós somos mais inteligentes que a maioria aqui. — Chris desvia os olhos, observando os outros tributos, os oponentes. — Você só precisa mostrar isso.

— Sim... — pondero, considerando seu raciocínio. — Mas como?

Penso nos meus atributos pessoais. Agilidade, flexibilidade. São dois que consigo ressaltar, mas para que serviriam? Por que não consigo pensar em nada? 

Neste momento, uma vez mecânica e masculina, vinda dos autofalantes, ecoa pelo refeitório.

Atenção tributos, as Sessões Individuais começarão daqui a 5 minutos. Dirijam-se para a sala de espera. E que a sorte esteja sempre a seu favor.

Meu coração estronda em meu peito. Olho para meu amigo procurando assistência em seu olhar.

— Apenas use o que você tem de melhor — Chris propõe.

*

O nervosismo me consome. Tento não mover um músculo, mas minhas mãos agitadas não conseguem ficar quietas. Ao meu lado, Chris permanece sereno. O garoto está estático, centrado em algum ponto aleatório da parede, como se estivesse esperando um encontro casual de família ou amigos. Ele não mexe um músculo, tampouco pisca.

Os carreiristas já foram todos chamados. Após a apresentação do distrito 2, Saphire, é a nossa vez. Nunca pensei que iria abominar o número do meu Distrito.

 

Logo os autofalantes ressoam o nome de Chris. Ele inspira uma boa quantidade de ar antes de se levantar.

— Boa sorte — encorajo-o. Dou um aperto atencioso em sua mão antes de soltá-la. Ele força um sorriso e segue em direção à porta.

Os segundos rastejam com lentidão, como se fossem cobras cercando-me em um círculo do qual não posso sair. Para matar o tempo, começo a deduzir o que Chris está fazendo.

Hector recomendara mostrarmos nossas melhores habilidades. Chris insiste em usarmos a inteligência para mostrarmos que as vezes isso se sobressai e pode ser mais útil que armas. Mesmo que em mínimos detalhes, saber usar ou não qualquer tipo de material, ou saber diferenciar plantas, pode salvar a sua vida.

A ideia de Chris é ótima. Mesmo que não haja os recursos necessários para fazermos coisa parecida na arena o importante é tornar incrível aquilo que sabemos fazer. Por ora, o essencial é impressionar.

Quando me dou conta da passagem de tempo, meu nome é chamado. Tranco a respiração e dou passos cautelosos, cuidando para não desmoronar a cada pisada.

O ginásio é inteiramente diferente estando vazio e silencioso. Isso não contribuí para o atual momento de tensão. Tento não encarar os idealizadores e dou uma olhada ao redor. Não há nada que de pistas para deduzir o que Chris fez. Talvez eles tenham tirados os resquícios para que ninguém saiba das outras apresentações.

— Você tem quinze minutos — um dos homens diz, desviando minha atenção.

Ok, concentração.

Dou um passo. Paro. As gotas de suor frio escorrem pelo pescoço, provocando-me. Meu coração parece estar levando um choque de 1000 volts e o cérebro dando um bug. Muita informação roda na minha cabeça, rápidas como partículas em alta velocidade. Meus pés não se movem e não me vejo alcançando a bancada de produtos químicos. São poucos centímetros que parecem quilômetros.

— Senhorita — um Idealizador de terno branco me chama —, você tem algo para nos mostrar? Se não, pode se retirar e encerramos assim mesmo.

Inacreditável, eu sou um completo fracasso. Acabo de denunciar isso a eles.

Eu respiro bem fundo e me acalmo. Dou um beliscão em mim antes de me virar, reunindo toda a convicção que consigo.

— Não, não é preciso — afirmo, tomando postura. Minha voz ecoa em alto e bom som pelo ginásio. — Desculpem, eu estava pensando.

Encaminho-me até a bancada de experiências. Analiso os acessórios e compostos disponíveis para alguns experimentos. Como Chris disse, de fato há todas as substancias não perigosas em cima da mesa para fazer quaisquer reações que eu desejar. O Cloreto de sódio, ou comumente chamado de sal, e o pote com açúcar estão entre os componentes da mesa, assim como os fósforos. Tenho tudo que preciso, só me falta a coragem.

Primeiramente, é preciso uma distração.

— É... O açúcar sozinho não gera nenhuma reação quando colocado no fogo — começo, despejando a substancia em um potinho de alumínio e aproximo a chama de um fósforo. Nada acontece. — Por quê? — incito. — Ele é muito fraco? É só uma mera substancia pra adoçar nosso chá, não?

Dessa vez, coloco o sal e faço o mesmo com o fósforo. Nada acontece novamente.

— O mesmo acontece com o sal. Mas isso não quer dizer que elas não tenham o potencial de criar algo grande.

Em uma proveta, despejo o açúcar e o sal juntos. As minhas mãos tremem um pouco, mas não é um problema. Mesmo o discurso improvisando estando um fiasco, a atenção toda está voltada para mim.

— Duas coisas podem aparentar não ser nada separadas. Podem passar uma primeira impressão errada. Você não pode prestar atenção só em cada parte, mas sim no todo. Sempre ligar as peças, pensar diferente.

Risco o fósforo e o acendo.

— Não é preciso simplesmente ver, mas também observar.

Aproximo-o da proveta, cuidadosamente, não encarando os homens que me observam.

— Nem tudo é o que parece ser de primeira vista.

Então, deixo o fósforo cair dentro do recipiente e me afasto.

O fogo intenso e amarelado incendeia o equipamento que usei. A reação não produz tanta fumaça nem tanto barulho, mas queima intensamente por alguns segundos dependendo da quantidade de produto colocado. Se estivesse tampado, comprimido, tudo explodiria, porém não tenho como transformar isso em uma bomba no momento. Eu espero que os idealizadores entendam o princípio da coisa. Não é algo estupefato queimar açúcar e sal, mas para quem não conhece a reação parece algo extraordinário.

Assim que acaba, os idealizadores têm suas sobrancelhas erguidas por curiosidade e admiração.

— Preste atenção à certas coisas —, completo a minha encenação, — elas podem ser mais perigosas do que parecem.

Terminado, deixo o local sem esperar permissão para tal ato. Eu espero que eles sejam espertos para compreender o que quis mostrar a eles. Não apenas que sei criar reações explosivas e tenho certo conhecimento sobre coisas do tipo, mas que achem a mensagem subliminar oculta na minha explicação.

Entro rapidamente na caixa metálica sem apertar um número. Jogo-me no chão quando as portas se fecham, respirando pesado. Minhas mãos tremem e meu coração dança agitado. Não sei exatamente por que estou assim sendo que não cometi nenhuma gafe quando estava apresentando. Pode não ter sido a coisa mais maravilhosa que eles viram na vida, mas foi algo bem planejado. Bem, pelo menos eu espero que tenha sido.

A insegurança começa a bater na minha porta. E se não foi bom o bastante? O que isso prova sobre mim? Será que estão convencidos? O meu corpo deve estar cheio de hormônios traiçoeiros que me atentam e o medo de não ter sido o suficiente me provoca crises de pânico. Esqueço-me que estou dentro do elevador e me sinto presa.

Repentinamente, a máquina ganha vida e começa a subir. Acalmo-me, estranhando. O elevador para no segundo andar. As portas se abrem e alguém entra sem notar minha presença no início. É Matt, o carreirista.

Por que sempre acabo me encontrando com ele?

Ele nota que estou ali e fica surpreso. Exibe aquele sorriso provocador e traiçoeiro. As portas do elevador se fecham novamente, encurralando-me sozinha, infelizmente, com ele. Matt não clica em nenhum dos botões e faz questão de não deixar que eu toque.

A última coisa que eu queria do universo era ficar presa dentro do elevador com o cara mais repugnante do planeta.

— Olá gracinha — ele cumprimenta. — Perdida?

— Não — respondo. Mantenho-me estática. Lembro que Chris disse para não deixar ele me rebaixar. Mesmo sendo uma ideia ridícula tentar intimida-lo.

— O que faz aqui então? — Matt pergunta. — Voltando da avaliação? Que tal me contar como foi?

Ele se aproxima, tentando me encurralar no canto do elevador, ameaçando-me.

— Não interessa a você — respondo, não me importando com a grosseria.

Ele baixa a cabeça e seu corpo sacoleja. Percebo que ele ri com escárnio, tirando sarro.

— Vamos garota, qual a sua estratégia? O que você e aquele seu amiguinho estão planejando? — Ele se afasta um pouco dos botões, dando-me uma chance. Contudo, está chegando perto demais, encurralando-me. — Esse seu rostinho bonito pode enganar a Capital, mas não a mim.

— Por que acha que eu diria a você? — rebato, voltando ao estado de nervosismo. Afasto-me a medida que ele se aproxima. Ele me cerca perto da parede enquanto tento desviar para perto dos botões.

— Porque senão eu seria obrigado a fazer você dizer — ele ameaça. Meus pelos se eriçam e sinto um arrepio por todo o corpo.

Meu estomago se revira, sentindo ânsia. Matt é repugnante.

— Me deixa em paz! — grito num ato de desespero e o empurro para longe.

Matt troca repentinamente de expressão, tornando-se um pouco intimidador.

— Você acha que é alguma coisa aqui? — ele rosna, cercando-me contra a parede e agarrando meu braço. A sensação de tocar os botões atrás de mim é esperançosa. Sinto um alívio quando aperto o número três.

— Acha que pode ganhar esse jogo? Você pode ser espertinha, mas isso não vai te salvar. Muito menos seu amigo vai. Você é só mais uma. Ninguém vai querer um lixo como você como vitoriosa.

— Você é louco — o repudio com todas as forças. As portas se abrem e eu o empurro, entrando dentro do apartamento.

Antes de ele sumir, vejo o sorriso esboçado nos lábios dele enquanto as portas douradas se fecham. Deito no chão, tremula, desejando nunca mais ver o rosto dele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Funciona gente. Se você misturar cloreto de sódio, ou seja, o sal de cozinha, com açúcar e colocar fogo dá essa reação. Vi isso jogando Life is Strange e dei uma pesquisada pra ver se era verídico. Mas gente, NÃO FAÇAM ISSO EM CASA SEM A SUPERVISÃO DE UM ADULTO OU SEM EQUIPAMENTOS ADEQUADOS, por favor. Se resolverem ignorar minha advertência, pelo menos tenha em mente que pode dar merda, portante mantenha o telefone do lado caso seja necessário chamar uma ambulância. Ou os bombeiros.

Agora sobre o capítulo: acham que Matt está meio exagerado?
Gostaram da apresentação da Lara? Dariam que nota a ela?

Estarei viajando, portanto não se desesperem se eu não responder os comentários.

É só isso então.

Atenciosamente,
Magicath.