Our Games escrita por Magicath


Capítulo 2
Capítulo 2 — Tiras de papel em bolas de vidro


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!

Talvez eu comece a postar dois por semana, porque se não vou terminar a fic só lá em maio e pretendo terminá-lá antes de as férias acabarem. Mas isso farei só quando todo mundo estiver com tempo, ou seja, EM FÉRIAS.

Obrigada a todo mundo que comentou no capítulo e está acompanhando! É muito bom ter vocês aqui.

P.S.: Em cada capítulo haverá gifs ou pequenos banners, como nesse.



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Quando chego em casa, minha mãe prepara alguma coisa no fogão a lenha. Passo por ela, sentindo o cheio de sopa. Grito para informa-la que cheguei e entro na pequena porta no final do corredor para tomar um banho. 

Já no quarto, reparo em meu reflexo no espelho. Meu olhos parecem um tanto cansados e profundos, como quem não tem boas noites de sono. Eles tem um tom interessante de verde musgo, assim como os da minha mãe. Essa foi a única característica que herdei dela, pois meu cabelo escuro, as bochechas gordas e o nariz redondo vieram do meu pai, um homem deplorável que nos deixou há muito tempo.

Na minha cama, mamãe deixou preparada minha roupa. Olha para as peças por um tempo, pois... bem, é a Colheita. Daqui há algumas horas... é hora de enfrentar o caldeirão do azar. E a ansiedade, a conversa que tive mais cedo com Chris, a roupa... Tudo isso se acumula numa sopa que entala na garganta. 

— Pronta? — Mamãe aparece na porta. Seu cabelo loiro está preso em um coque no alto ta cabeça. 

— Sim — respondo um tanto cabisbaixa. Mamãe vem até mim e coloca meu rosto entre suas duas mãos.

— Vai ficar tudo bem — ela diz baixinho, olhando fundo nos meus olhos. Gosto de pensar que essa semelhança que compartilhamos é como um laço, e sempre que olhar meus olhos no espelho, verei ela. 

Com minha própria mão, formo uma concha sobre a dela. Estão frias e com cheiro de tempero, e me demoro nesse lembrança dela. Solto um longo suspiro. 

— Nós vamos passar por essa — mamãe conforta novamente. 

— Só mais dois anos — relembro.

— Só mais dois anos — ela repete como um mantra. 

Com as pálpebras fechadas, reflito novamente sobre os Jogos Vorazes e as chances de perdê-la. Sinto-a soltar meu rosto e colocar as mãos em meus ombros.

— Vem, o almoço está pronto.

*

Depois da refeição, encontramos Chris e sua avó e caminhamos juntos até ponto do transporte coletivo. Chris está engraçado com sua camisa social arrumada dentro da calça sustentada por um cinto. Eu sei que ele odeia se vestir assim, pois na maioria das vezes costuma usar camisetas largas e bermudas esfarrapadas. Os cabelos rebeldes são compridos, chegando as vezes a cobrir seus olhos, e ele não fez nada para ajeitá-los. 

Muitos moradores estão saindo de suas casas e nos acompanhando na trajetória. Todos com suas melhores roupas, caras amarradas, pais abraçados a suas crianças. Ninguém gosta de ser obrigado a assistir todo ano à mesma catástrofe. E a não ser que você esteja já indo para o caixão ou esteja com uma doença contagiosa e letal você deverá ir.

O transporte lotado desembarca no centro da cidade, no local onde o evento acontece, bem em frente ao edifício da Justiça. O centro da cidade é lindo, a praça é aberta e grande, contudo não é o suficiente para encaixar todo o D3, deixando o espaço público tumultuado. Os carros particulares vindos da área dos ricos chegam ao mesmo tempo que nós. Observo as famílias ricas chegarem, todas elas presenciando o mesmo temor. A família do prefeito atravessa o pátio escoltada por pacificadores, junto da dama da Capital. Aqui, neste momento, não importa como você vive ou o quanto você come, todos são iguais. Seus filhos podem ter a mesma má sorte que uma pobre criança de rua. Não há como escapar dos Jogos.

A não ser que você tenha dinheiro suficiente para subornar as chances. 

Há duas filas para inscrição dos jogos na entrada; é para onde devo ir. Despeço-me da minha mãe por hora. Ela me abraça e conduz a avó de Chris para junto dos adultos. Eu e Chris nos encaminhamos às filas de adolescentes para marcar presença.

— Vejo você depois — ele diz antes de nos separarmos. Digo o mesmo e desejo boa sorte. 

Um pacificador analisa minha digital em um aparelho. Meus dados aparecem na tela, mostrando até o número de vezes cadastrada na colheita e na coleta de Tésseras. Minha foto é mostrada ao lado do meu nome e dos registros, exatamente como o documento de identificação que possuímos como cidadão.

Lara Watterson, 17 anos e mais alguns dados. Vejo-o clicar na tela do aparelho e então acenar com a cabeça. Estou oficialmente marcada como comparecida. Mais um bilhete marcado na loteria da morte.

Dirijo-me à fileira de adolescentes da minha idade e espero. Lá no palco, as bolas de vidro contendo tirinhas com meu nome estão alinhadas no centro do cenário, refletindo a luz do sol que tenta ultrapassar as nuvens cinzentas. Nas cadeiras do palco vejo o prefeito esperando para fazer o discurso e a acompanhante colorida da capital, Ayla Maili, cujo vestido é uma combinação de plumas rosas pomposas e exageradas. Ela usa um cachecol peludo que parece um rabo de gato. A única coisa menos anormal nela é o cabelo louro, mas deve ser peruca.

Atrás dela, Hector Ricardo, vencedor da 40ª edição dos Jogos, permanece desinteressado, sentado em sua cadeira emburrado. Mesmo tendo 33 anos de idade tem cara de acabado. Estranho a presença apenas dele nas cadeiras, sendo que deveria haver dois mentores. Às vezes é permitido que uma substituição aconteça, em caso de problemas internos. E além da vitoriosa Wiress, não há nenhuma outra mulher vencedora dos Jogos viva. A única além dela morreu internada ou algo do tipo. Pelo menos é isso que contam.

Assim que chega a hora, o prefeito sobe ao palco e faz o mesmo discurso de todos os anos, incorporando o espírito patriota. Conta a história de Panem, a Nação que surgiu das cinzas da América do Norte. Uma Capital, treze distritos, isso e aquilo. É como assistir a uma aula de história da nação na escola. Em seguida, ele lê a lista de vencedores de antigas edições. Nosso distrito não é um dos mais fortes nos jogos, mesmo assim tivemos significativo número de vencedores.

O prefeito então passa a vez para Ayla. Ela levanta, feliz e agradecida, e a plumagem do vestido acompanha os movimentos, balançando. A mulher anuncia formalmente o fútil curta-metragem que a Capital sempre nos faz assistir, mostrando o tempo dos Dias Escuros, no qual os distritos se rebelaram contra o poder da Capital. Doze deles foram derrotados e o décimo terceiro totalmente aniquilado. Então para oprimir os distritos, do Tratado da Traição, foi criado os Jogos Vorazes, evento no qual jovens inocentes são jogados numa arena para lutar até a morte, até sobrar apenas um, o grande vencedor. E é claro, os 23 mortos azarados.

Enfim a tela escurece e a hora tão tenebrosa chega. A praça inteira entra num estado de tensão, como se qualquer movimento pudesse alterar suas chances. Procuro por Chris na fila dos meninos. Sua expressão não satisfeita não consegue me tranquilizar no momento.

— Bem-vindos a mais uma edição dos Jogos Vorazes! E que a sorte esteja sempre a seu favor — Ayla saúda. Ela se dirige a primeira bola de vidro.

Primeiro as damas.

Sua mão brinca com os pequenos pedacinhos brancos recortados, torturando todos os presentes. Seu sorriso é travesso e venenoso. Ela se diverte com tudo isso. Cerro os punhos, fecho os olhos e respiro fundo.

Torno a abri-los, quase fazendo eles saltarem do meu rosto. Meu coração parece não bater. Se bem que eu não me importaria de ter um infarto agora.

Parte da multidão solta um suspiro em conjunto, agradecendo por não terem sido eles ou seus filhos. Eles murmuram, e os que já ouviram falar de mim me observam. O que eu escuto não é um nome qualquer. É o meu nome.

— Lara Watterson? — A mulher colorida estende a mão me procurando, exibindo sua fileira de dentes brancos e falsos. — Venha, não tenha vergonha.

É como se o mundo tivesse parado. É difícil acreditar que isso realmente está acontecendo. Parece um sonho, um sonho muito ruim do qual eu quero acordar, pois por mais que tenhamos medo de ser escolhidos, parece impossível que isso aconteça. Por que, de todas as chances, alguém que nunca se destaca, vivendo uma vida simples e quieta... está sendo escolhida? 

Por que logo agora o universo me escolhe para algo importante?

Preciso começar a me mover, mas não quero ir até lá. Se eu chegar até aquele palco, vai se concretizar. Eu não quero morrer, não quero morrer, penso várias e várias vezes. Pela expressão de pavor em meu rosto, as pessoas devem saber que sou eu, pois elas abrem espaço para mim. Os pacificadores tem que me empurrar até o palco pois não consigo me mexer. 

Quando chegou lá em cima, lágrimas escorrem de meus olhos. Eu não consigo segurar o pânico de que minha vida vai acabar assim que eu chegar na Capital. É um erro, porém, deixar que lágrimas caiam. Estou passando a imagem da garota frágil e vulnerável, portanto, serei um alvo. 

Logo Ayla vai para os meninos e eu lembro que Chris está entre eles. Minha incredulidade acredita que é impossível que ele seja escolhido, que ele vá comigo para os jogos. 

Porém eu também achei que seria impossível para eu estar onde estou. Seria muita sorte no azar se ele for sorteado. 

Felizmente, não é o nome dele a ser chamado. É um garoto normal, provavelmente uma criança entre seus 12-13 anos. Ele parece assustado. Não quero ter que conviver com ele. Não quero ter que mata-lo ou dedejar sua morte para poder sobreviver.

 Sua escolha gera um pequeno alvoroço, um tumultinho que não faz eu perceber que Chris saiu do meio dos garotos. 

— Espere! — ele grita. 

— Não... — eu sussurro, incrédula. Ele não pode estar fazendo isso.

— Eu vou no lugar dele — Chris profere determinado. — Eu me voluntario... como tributo.  

Chris acaba de se voluntariar. Salvou uma vida alheia, mas condenou a mim e a si mesmo. O resto do distrito pode dormir em paz e desfrutar da sua refeição da noite em comemoração. Nós estaremos sendo preparados para o abate.

— Ora... isso é uma surpresa — Ayla diz tentando manter a postura. Seus olhos brilhavam de satisfação. Aposto que ganharia muito dinheiro pelo ocorrido, já que administrava o evento no nosso distrito. Voluntários sempre atraem grana. 

Fuzilo Chris com um olhar quando ele sobe no palco, sentindo uma mistura de sentimentos, principalmente medo e raiva. Eu queria desabar aqui e agora mesmo, mas mantenho tudo reprimido o máximo que posso. Há apenas lágrimas furtivas escorrendo dos olhos, mas controlo minha compostura.

Chris só pode estar delirando. O que ele pensa que está fazendo? Se eu não estivesse na frente de todo o distrito e isso não fosse transmitido ao vivo, juro que eu o espancaria agora mesmo.

— Nome e idade, por favor? — A mulher empenada pergunta ao garoto quando nos posicionamos ao lado dela.

— Christopher Darwin — ele responde com dureza, — 16 anos.

— Maravilhoso! — Ayla pergunta cheia de entusiasmo. Não sei o que ela enxerga como maravilhoso. Ayla caminha pelo palco, sorridente e triunfante. — Senhoras e Senhores, um salva de palmas aos tributos da 56ª edição dos Jogos Vorazes! Podem apertar as mãos.

Viramos um para o outro. Chris parece nada contente e eu muito menos. Meu rosto está apático e duro. O dele parece... arrependido, como se lamentasse isso. 

Não há palmas, não há aperto de mão, quem nos conhece no distrito sabe qual é a nossa ligação. O resto... será contado durante os jogos. 

Aperto a mão dele como se fosse um real oponente. A farsa já começa aqui. Vejo os lábios dele murmurando um desculpa. Continuo a encará-lo sem expressão. 

Meu nome foi selecionado. Chris se voluntariou.

Somos dois dos 23 azarados.


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Notas finais do capítulo

Curiosidade: Ayla Maili. O sobrenome dela é Liliam ao contrário. O nome dela significa "luz da lua".

Olha, Hector existia na antiga Our Games e eu tinha esquecido o Beetee e Wiress. Tentei usá-los, mas eu amo o Hector e não consegui excluir ele, principalmente porque ele tem um papel importante na vida dos nossos tributos.


Então, isso é só. Críticas, elogios, opiniões e até mesmo papo furado são bem vindos! Até o próximo.

Att,
Magicath.