Our Games escrita por Magicath


Capítulo 18
Capítulo 18 — Encontro Inesperado


Notas iniciais do capítulo

olar
meio chatinho no começo, depois fica interessante.

tem imagem no asterisco (*). Nada relevante, só achei cute



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XVIII

Encontro Inesperado

 

Voltar ao lago não estava na minha lista de opções, mas infelizmente a água em nosso cantil tinha acabado e precisávamos repô-la antes de continuarmos nossa trilha até… Bem, não sei qual era o destino que Chris tinha em mente, mas eu apenas o seguia enquanto ele me guiava aonde ele queria.

Chegar até o lago não foi tão difícil, principalmente porque tínhamos gravado o caminho até lá. Surpreendentemente, ele não está congelado. Talvez tenha permanecido assim desde que caí nele junto com Jess.

Enquanto eu encho o cantil, fico pensando na cena que acontecera dias atrás. Uns dois, três talvez? Nem lembro. Parece que foi há um longo tempo. Mas me lembrar da reação terrível que Chris teve, de seu olhar sádico e o sangue cobrindo todo seu rosto me dá até calafrios. Todas aquelas sensações que senti aquele dia… Tento não pensar nelas. Foram elas que fizeram Chris se envenenar, que fizeram eu quase querer matar meu amigo.

Veja só o tanto que coisa que aquela situação nos trouxe para suportar... E agora estamos aqui, como se nada tivesse acontecido, como se os acontecimentos não tivessem interferido em nada.

Termino o meu trabalho e aproveito a água para lavar minhas mãos. Ela está gelada, porém não tão gelada quanto o dia em que caí dentro dela. A sujeira impregnada na minha pele sai, deixando-a branca, quase como a neve, novamente. Eu pareço uma jovem anêmica.

Isso me faz pensar que faz dias que não tomo banho. Minhas roupas e meu cabelo devem estar mais sujos que as ruas do meu distrito. Aqui na arena é fácil se acostumar a isso, mas eu realmente sinto falta de um banho. Esse lago poderia servir, se não fosse pela porcaria do clima e da temperatura da água. Pego somente um pouco de água para molhar o rosto e retirar a sujeira e o sangue seco ainda existente. Passo as mãos molhadas pelo cabelo e o amarro em um nó, formando um coque.

Observo minha pele pálida, os ossos e as veias da mão protuberantes sob o órgão. Meus dedos nunca foram finos, mas agora parecem pequenos galhos secos, dedos de caveira. Nem sei como ainda tenho energias ou como me mantenho viva. Minhas reservas de gordura devem estar esgotadas.

— Ei Lara — Chris me chama de onde está sentado, inspecionando a mochila —, você sabe o que é isso aqui?

Vou até ele, pegando o objeto que ele segura e o conferindo.

— Não sei — digo sem ter a mínima ideia do que é aquilo. É algo como uma máscara escura, com lentes pretas parecidas com as de óculos de sol. — Ah não.

— O que foi? — Chris levanta achando que tem algo muito sério acontecendo. De fato, não consigo acreditar na nossa burrice.

— Não me diga que isso estava na mochila o tempo todo — comento indignada. Chris arregala os olhos.

— Isso é…

— Isso mesmo que está pensando. Óculos de visão noturna.

Passamos o tempo inteiro no escuro, andando com dificuldade pela arena e logo quando os idealizadores dão uma chance de o dia raiar e deixar a arena iluminada é que achamos a droga do utensílio. Legal, muito legal

— Bem, guarde isso. — Entrego a máscara para ele. — Não acho que vai ficar claro por muito tempo. Vamos precisar em breve.

Sento na rocha ao lado dele e retiro as botas, massageando meus pés. Eles possuem algumas escoriações e estão um tanto inchados. Depois de tanto tempo caminhando, descansá-los é o melhor prêmio.

— Por Panem Lara! — Chris exclama, fazendo cara de nojo. — Coloca essa bota de novo, as pessoas vão farejar você com esse fedor.

— Vai se ferrar — digo, o empurrando.

O vento lança uma rajada fustigante, fazendo várias árvores chacoalharem. Os flocos de neve começam a cair lentamente, acompanhando o curso do vento. Preciso tapar o rosto até que ele se acalme, mas, por enquanto, é inofensivo. Isso me lembra que faz tempo que não nevava na arena. O dia hoje está bem nublado. Haveria uma possibilidade de chuva, se não fosse tão frio a ponto de a água congelar antes de atingir o chão.

Retiro o ultimo pedaço de esquilo, envolto em saco plástico, da mochila. A carne cozida está fria; felizmente, porém, não congelada e ainda comestível. Não arriscamos acender uma fogueira, então comemos assim mesmo. A carne é dura de engolir e mastigar, mas enche o estomago. É uma ótima fonte de proteínas, mas o que precisamos mesmo é de açúcares, carboidratos, se quisermos ter energia para fugir das ameaças.

Um movimento atrás de uma árvore ao longe me chama a atenção. Como se uma sombra estivesse se movendo. Os flocos de neve, que se intensificam a cada segundo, dificultam a visão.

Falando em ameaças...

— Algum problema? — pergunta Chris. Faço que não. Um pássaro levanta voa da árvore que achei ter avistado alguém, confirmando ser apenas um animal inofensivo.

A paranoia é um dos efeitos colaterais de estar na arena.

Assim que acabamos de comer, juntamos nossos pertences para enfim partirmos novamente. Recolho o cantil e o amarro na mochila. Chris a coloca nas costas e me entrega uma das machadinhas.

— Pronto, vamos indo — ele diz.

— Chris, aonde exatamente você espera chegar?

— Bem, antes eu pensava em ir para aquela montanha — Chris aponta para ela, enorme e majestosa cobrindo o céu atrás da grande floresta. — Mas eles podem fazer uma avalanche matar metade dos tributos a qualquer momento. Então eu decidi seguir o lago para ver onde ele acaba.

— E pra que isso? — questiono. Parece-me uma ideia muito chula.

— Não sei, curiosidade? Estamos sem rumo, não custa nada traçar um objetivo, mesmo que inútil. O que poderia acontecer de tão ruim?

— Nós morrermos?

— Isso não seria inesperado — diz ele, sorrindo. Dou de ombros.

*

O céu ameaçou a ficar escuro novamente. As nuvens pesadas e escuras, que antes pareciam inocentes, preenchem o céu com mais dominância e ameaça. Se não me engado, uma tempestade está chegando.

Enxergar alguma coisa era uma tarefa difícil. A neve caía do céu em enorme quantidade, como se fosse chuva de flocos caindo e castigando tudo que estivesse em terra firme. Ela caia e ia se acumulando no chão, tornando a caminhada ainda mais difícil.

Trovões ressonavam e ameaçavam estourar aquelas nuvens. De vez em quando, era possível ver clarões no céu.

— Chris, acho que deveríamos encontrar abrigo — sugiro.

Ele para por um instante e olha para o céu.

— É, você tem razão.

Caminhamos por duas horas desde a última parada. Como sempre, Chris na frente e eu na retaguarda. O lago foi se estreitando, até se transformar num mar de pedras afogadas em água de um riacho dentro de uma floresta branca e cristalina.*

 — Vamos avançar mais um pouco para ver se achamos uma caverna ou algum lugar pra ficar.

Balanço a cabeça em concordância e prossigo. Caminhar já parecia um ato involuntário para mim, quase me arrastando, tentando não ser levada ao chão pelo peso da mochila em minhas costas.

Fico atenta a todos os cantos, apesar da dificuldade, sempre alertar pelo pressentimento de que havia algo em volta.

Levo um susto quando escuto o barulho estrondoso, forte e estranho, como um pássaro sendo estrangulado. Ele ecoa e faz passarinhos voarem dos galhos das árvores. É quase como uma sirene. Um...

Um aviso.

— O que é isso? — eu grito. Fico abismada quando não sou capaz de ouvir a própria voz. Chris também fala algo, posso vê-lo movendo os lábios, mas não consigo escutá-lo. O único som audível é a terrível sirene.

Então, quando ela cessa, uma ventania muito forte derruba minhas estruturas e me joga no chão. Ela acontece rápida e repentina, quase como um tapa da natureza. Levantar torna-se uma tarefa difícil quando feita contra o vento. E é tão forte que o topo das árvores se inclinam formando arcos e os flocos de neve formam espirais no ar. Nossos corpos são literalmente empurrados pelo vento. A força que fazemos para andar não parece ser páreo. Porém, prosseguimos, mesmo com lentidão.

Começo a pensar que algo de ruim está prestes a acontecer. Um pressentimento terrível me preenche.

Interrompo a caminha de repente quando algo passa voando perto de nós. Um pássaro? Um vulto? Uma faca de atirar? Olho rapidamente para o local de onde captei o movimento, tentando identificar o que é. Não há nada envolta. Mas eu vi, tenho certeza que vi. Seria alguém esperando uma emboscada ou a minha mente transformando uma folha ou um galho em uma ameaça não existente?

  Como poderia alguém estar no seguindo no meio dessa tempestade de neve?

— Por que parou? — Chris pergunta, elevando a voz para poder ser ouvido. Ele protege o rosto com o braço e o vento faz muito barulho.

— Eu vi alguma coisa — informo a ele.

— Tem certeza que não foi só essa ventania?

Não respondo. Continuo a olhar fixamente para os lados. Não, não era um galho, muito menos uma folha. O negócio, seja lá o que for, passou por nós na direção contra o vento. Ou seja, o objeto foi atirado, com a intenção de nos atingir. Tem que ser isso, não há outra explicação. É pura física. E eu sinto, sinto com tanta força que algo ruim estava prestes a acontecer, como uma premonição.

Então lá está, lá está o sinal que eu procurava. Encarando, a pessoa sente que seu esconderijo foi denunciado e tem tendência de ficar desconfortável e cometer algum erro. E é vendo ela tentando se ajeitar que percebo a falha na neve, o contorno de seu corpo camuflado atrás das árvores e dos galhos. E ela tem algo na mão pronto para ser usado.

— Abaixa! — grito para Chris. Eu empurro ele, nos jogando no chão por instinto. Eu ouço o zunido da coisa passar voando perto de nós. A faca atinge o tronco da árvore mais próxima.

Antes sequer conseguir mexer um musculo, avisto um vulto ao longe, na direção oposta ao tributo que nos ataca. Um garoto de óculos de proteção, de cabelo cor de fogo e pele bronzeada, carregando uma lança numa das mãos. Reconheço-o como carreirista do Quatro.

— Puta merda Chris, corre — eu alerto. Ele também vê o carreirista, agora apontando para nós, sinalizando para os companheiros que nos achou. Nos levantamos às pressas e iniciamos a fuga.

Talvez fossemos mais rápidos, talvez ele tenha esperado os outros para se juntar à caçada ou talvez sejam os flocos de neve que atrapalham minha visão à medida que o vento fica mais forte, mas não conseguia avistá-los atrás de nós. Mesmo assim, não deixo de correr. Não deixo de fugir, mesmo que a tempestade retarde meus movimentos, mesmo sabendo que não tenho chances contra o grupo de carreiristas. E logo agora quando achava que minhas chances eram boas...

Eu os ouço. Ouço seus gritos, a euforia que fazem por terem finalmente achado os tributos que tanto queriam matar. Mas eu e Chris somos rápidos. Desviamos dos obstáculos facilmente, pois anos escalando e pulando muros e prédios não foram em vão. Eu permaneço atenta ao redor caso surja algum esconderijo. Não posso deixar eles nos pegarem, não posso…

Algo atinge meu braço. Sinto uma dor terrível que dura apenas alguns segundos, sendo substituída em seguida por uma sensação de dormência. Ela se espalha rapidamente, deixando-me mais lenta, sem controle das minhas capacidades motoras. Lentamente despenco no chão sem sentir nada, sem poder me mexer.

— Chris… — eu o chamo antes que ele suma sem notar o que aconteceu. Eu fico zonza e minha visão embaça. Ele nota e vem correndo até mim.

— O que aconteceu? — ele me vira e mexe meus braços de gelatina. Eu não sinto seu toque. Chris nota a coisa em meu braço. Eu posso imaginar o sangue escorrendo, mas não o sentir.

— Uma faca… — Chris murmura quando analisa a arma presa em meu braço. — Droga! É entorpecente ou algo assim.

— Por favor Chris, não é hora de adivinhar o que é isso — eu imploro. Minha voz soa um pouco retardada e lenta. — Você tem que... sair daqui.

— O que? Não Lara, eu não vou te deixar aqui, você tá louca?!

— Chris, essa… é nossa única chance. Se eles nos pegarem juntos, vão no… nos matar! – eu exclamo fazendo força para as palavras saírem. É como se meu cérebro não enviasse os comandos na hora certa e atrasasse o que eu falo.

— E o que te faz acreditar que ele não vai te matar se eu deixar você aqui? — Chris questiona.

— É o Matt, você não o conhece? Eles querem atiçar o público. Nós... número principal para o espetáculo dele.

Chris permanece em seu lugar, claramente perdido, sem saber o que fazer. Suas mãos ainda seguram as minhas, ainda não convicto de que deve me deixar aqui. Eu consigo ouvir os carreiristas próximos, muito próximos…

— Por favor… — peço uma última vez.

— E se ele mudar de ideia? — contesta ele mais uma vez.

Suspiro. Esse é uma das possibilidades na qual não queria pensar.

— Então isso é um adeus — digo.

Ele olha novamente para suas mãos segurando as minhas e fecha os olhos com pesar. Então ele finalmente me solta. Uma lágrima escorre pela sua bochecha.

— Isso não é um adeus. Não desista, isso ainda não acabou — ele declara. Então levanta e se afasta aos poucos, começando a correr até eu não mais conseguir avistá-lo. Sinto vontade de chorar, porém meus olhos não ardem e ficam molhados por lágrimas.

Não tenho certeza de que o plano vai funcionar. O futuro agora é muito mais incerto que antes. Eu sei que não há mais esperanças para nós dois, manda-lo fugir foi um erro. Eu só adiei um evento inevitável.

Mas aquele resquício de chance…

Vejo pelo canto do olho a sombra de alguém. Não consigo enxerga-la direito, mas vejo sua expressão um tanto assustada, confusa. Ela se aproxima de mim e consigo ver seus cabelos ruivos e a  o conjunto de facas em suas mãos.

— Eu sinto muito… — ela sussurra para mim. Pretendia franzir as sobrancelhas, mas não é possível.

Era ela que estava nos seguindo, que estava nos espionando na árvore e tentou me acertar na primeira vez. Foi ela. Estaria ela aliada aos carreiristas? Provavelmente. Contudo…  Por que ela não acertou Chris também? Ela deixou-o escapar, posso ver isso em seu olhar. Em que time ela está jogando?

Possivelmente em time nenhum. Não há times, apenas a chance de se salvar. Os carreiristas matariam ela depois de fazer o trabalho sujo… E talvez ela tenha se sentido culpada e saiba que se deixasse Chris escapar, haveria uma chance… Não. Se ela quisesse mesmo sobreviver e vencer, teria que se livrar de nós cedo ou tarde.

Não há tempo para respostas. A menina, antes decidida a me ajudar, agora trava. Mesmo paralisada, sinto medo de me dominar ao ouvir a voz dele, daquele que nunca sonhei em encontrar novamente.

— Veja só o que temos aqui! — Matt exclama animado. Não olhe para ele, não olhe…

Mas ele chuta meu corpo e o vira para que eu fique cara a cara com seu sorriso maníaco. A faca enterrada em meu braço deve ter entrado mais. Felizmente, não sinto nada.

O sorriso costumeiro dele logo desaparece quando ele olha ao redor, procurando por algo que não se encontra ali.

— Onde está o garoto? — Ele se volta para a menina da zarabatana. A garota recua, mas Matt a intercepta e agarra o pulso dela. — Sua vaca imprestável, você deixou ele escapar!

— N-não, eu não…

Sua explicação não vem a tempo. A espada atravessa seu coração logo em seguida. E ela despenca, assim como Ethan despencou quando o machado atingiu sua cabeça, e seu sangue tinge a neve. O canhão canta a sua morte e seus olhos sem vida me encaram, culpando-me. Estou muito aterrorizada para reagir.

Sinto suas mãos agarrando o meu casaco e ele me levanta com uma força quase sobrenatural. Sinto-me um saco de pancadas inerte e vulnerável. Felizmente, não sinto dor nenhuma.

— Você e seu namorado achando que podem me fazer de tolo — o carreirista resmunga, quase cuspindo no meu rosto.

— Matt, ela não pode sentir dor agora. Ela está sob o efeito do negócio da garota, talvez nem esteja te ouvindo no momento — uma das carreiristas constata. Matt assente, pensativo.

— Tem razão, isso não teria a menor graça — ele diz e me joga no chão. Por pouco meu nariz fraturado da luta com Saphire no Banho de Sangue não atinge o chão.

Eu fecho os olhos, esperando que eles me matem. Eu espero mesmo que eles façam isso, mas Matt com certeza quer que eu recupere meus sentidos para poder me machucar. Então, quando os abro novamente, a última coisa que eu vejo é um cabo de lança vindo na minha direção.


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Notas finais do capítulo

é isso
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