Our Games escrita por Magicath


Capítulo 13
Capítulo 13 — Desespero


Notas iniciais do capítulo

OLÁ

Não postei sábado nem domingo, porque tive medo de estar indo rápido demais. Algumas pessoas demoram pra aparecer, pq não podem entrar todos os dias no Nyah, então não quero ficar sobrecarregando vocês.

Mas o prometido: segunda e sexta tem.

E agora, um pouco de adrenalina no sangue. Os acontecimentos que os fazem perder lentamente a lucidez na arena.



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XIII

Desespero

Sinto algo gelado pinicar meu rosto. Quando abro os olhos, vejo floquinhos de neve caírem e se acumularem no meu cabelo e no rosto apoiado no chão. Estreito os olhos para tentar me acostumar com a claridade. Sinto algumas pontadas de dor no meu cérebro e corpo toda vez que mexo a cabeça ou algum músculo. Demoro um pouco para lembrar que estou nos Jogos Vorazes e, que por consequência do Banho de sangue, devo estar ferrada fisicamente. Pelo menos eu sobrevivi.

Eu sobrevivi!

Levanto bruscamente realizando que estou no meio de uma floresta de neve. Não é um sonho, é real. Não estou na minha cama, no meu quarto, acabando de levantar de um pesadelo ou saindo de um devaneio mental. Estou viva e estou nos Jogos Vorazes. Não consigo decidir se isso é bom ou ruim. Estar viva é bom. Estar nos Jogos Vorazes é ruim.

Meu ombro sustenta o peso de alguém. Chris está profundamente inconsciente ao meu lado, caído sobre mim. A boca está aberta como de costume e flocos de neve caem dentro dela, deixando sua boca sem cor. Os lábios estão rachados por causa do frio e possuem pequenos cortes. Dou uma mexida para ver se ele acorda. Chris resmunga duas vezes antes de esfregar os olhos. Quando enfim me vê parada ali, ele é tomado pela surpresa.

— Você está acordada! — ele exclama, segurando meus ombros. — Que susto, caramba, eu estava preocupado. Você levou uma surra ontem Lara.

Toco meu próprio rosto, lembrando do que ocorreu no banho de sangue. Saphire conseguiu arrebentar meu olho esquerdo. Sinto-o inchado e não consigo abri-lo totalmente. Vejo que há um curativo coberto de sangue em meu braço. Dói quando eu o movimento. Precisarei cuidar disso depois. Meu nariz também parece estar machucado e arde quando mexo os músculos faciais. Espero que não esteja quebrado.

­— Tá muito feio? — pergunto a Chris.

— Seu olho está amarelo, roxo e vermelho — ele analisa, tocando meu rosto. Eu me afasto quando sinto dor. — Desculpa. É só inchaço, acho que não demora muito tempo pra passar. Talvez se não fizer muito esforço...

— É difícil, devido à nossa situação atual.

— Vamos ter que conviver com isso — ele encolhe os ombros.

Pois é, os Jogos Vorazes começaram para valer. Levar porrada, tanto dos tributos quanto da própria arena, vai ser mesmo um acontecimento cotidiano.  Alguns efeitos colaterais começam a se manifestar: minha garganta seca deseja água e minha barriga clama por comida. Não é tanta falta a ponto de morrer de fome, ainda tenho proteínas e outras substancias que podem me manter viva por um tempo.  Mas o pior — não querendo ser dramática, apenas realista — é o psicológico. A exaustão e o desanimo são intensos desmotivadores.

Abraço as pernas e apoio a cabeça nos joelhos. Mal acordei e sinto a cabeça pesada, cheia de pensamentos ruins.

— Isso é uma merda — reclamo.

— Eu sei, mas não adianta ficar revoltada — Chris rebela-se contra minha raiva. Reviro os olhos, apesar de ele ter razão. — Você consegue levantar? Acho melhor andarmos um pouco.  

Uso a árvore como apoio para subir. Ao levantar, tenho uma sensação de vertigem e Chris precisa me segurar para que eu não caia. Apoio a testa na superfície do tronco, esperando passar. A sensação é terrível, os olhos e ouvidos parecem estar sendo comprimidos e o mundo oscilando.

— Passou? ­— pergunta ele de sobrancelhas erguidas e olhar interrogativo. Afirmo com a cabeça ao me sentir um pouco melhor. — Consegue andar?

— Fala sério Chris, não estou aleijada — digo, soando um pouco ríspida.

— Caramba, acordou arisca hoje — Chris reclama dessa vez.

— Desculpa, eu to estressada. Sabe que eu não controlo bem as emoções.

— Disso eu sei bastante — constata ele, iniciando a caminhada. Junto-me a ele.

— Enfim, tem ideia de onde a gente tem que ir?

— Não, mas para trás nem pensar. O seu perseguidor está louco pra esfolar a gente.

— Matt? — Indago. Chris assente, mesmo que sendo obvia a resposta. O carreirista deixou claro que iria terminar nossa “rixa” na arena. — O que essa besta quer comigo?

— Simples: ele nos quer mortos — Chris afirma. — Acho que ele se sente ameaçado por nós.

Levanto as sobrancelhas, surpresa. Essa é uma afirmação interessante.

— Então por que ele mesmo não foi lá me matar? — questiono, lembrando da minha luta no banho de sangue. Eu não vi Matt em momento algum.

— Vai saber o que se passa na cabeça daquele pirado — Chris diz, dando de ombros. — Deixa pra lá. A gente precisa achar água e comida agora.

— O que tem na mochila? 

— Uma garrafa vazia, cordas e um par de luvas — ele diz, caminhando e olhando para frente distraído. — E algumas bandagens.

— Só? Mas que sorte.

Pela primeira vez posso analisar a arena. Não é novidade ela ser feita inteira de neve e o frio congelante ser o maior companheiro indesejável. Fazem parte da monotonia esbranquiçada, em sua maioria, arvores coníferas, pinheiros e pinus. Os troncos são escuros e magros, cheio de rugas nas cascas; os galhos sustentam a neve acumulada, deixando a planta com aspecto fantasmagórico. Pinhas caem de vez em quando. O cenário é homogêneo, parece não mudar. Arbustos também cobrem o chão, mas são uma desolação de galhos secos, sem folhas ou frutos para colori-los de verde. Rochas traiçoeiras aparecem de vez em quando escondidas na neve para atrapalhar o caminho. O tapete branco e gelado cobre todo o solo, impedindo qualquer tipo de florescência.

Chris sonda o chão estranhamente enquanto andamos. Algumas vezes ele diminui o passo para analisar algo que encontrou. Quando ele para, volta em seguida segurando um galho. Ele separa a ponta em duas, bifurcando-a até a metade. Pergunto a ele o que pretende com aquilo.

— É uma arma natural. Já ouviu falar em porrete? — afirmo e ele prossegue: — Então, só preciso achar uma pedra agora.

Participo também, procurando em baixo da neve, afastando-a com o pé, porém sem desviar do caminho. Encontro terra no meio de tanta brancura e pedrinhas pequenas. É difícil, as únicas rochas aqui são as grandes demais. Num súbito momento de esperança, chuto algo e paro para observar. Um par de óculos arrebentado e estilhaçado. Eu me lembro vagamente de um garoto do distrito 5 ou 6, a quem o objeto pertence.  A expressão apática dele me vem à cabeça. Por algum tipo de precaução, guardo o pertence no bolso. 

Um farfalhar de folhas chama minha atenção. Paro o que estou fazendo para olhar em volta. Não vejo nada. Se há alguém à espreita, está se escondendo bem. Considero o barulho como consequência do vento, truques da mente me pregando peças ou outra pinha caindo, mas não deixo de ficar atenta e cautelosa. Então eu noto que Chris não está mais ao meu lado e o vazio preenche seu lugar. Neste momento, o medo começa a aparecer.

Segundos depois um canhão me sobressalta. Minha respiração acelera, meus ouvidos aprumam tentando captar qualquer som. Ouço bem de leve o som de pés afundando e escorregando na neve. Folhas, passos, tiros de canhão. Alguma coisa errada está acontecendo.

Ou seria Chris tentando me pregar uma peça? Não, ele não faria isso na arena.

Começo a pensar que foram os carreiristas. Eles poderiam estar nos seguindo desde cedo e resolveram esperar para abordar repentinamente. Primeiro pegaram Chris sem deixar vestígios e agora estavam fazendo um suspense para me aterrorizar, se escondendo atrás das árvores para dar o bote. Seria essa a situação? É assim que eu vou morrer? Ou eu estou apenas delirando?

Não, não pode ser eles. Os carreiristas não têm cara de quem elaborariam um plano de rapto tão silencioso. Não é do feitio deles. Os caras gostam de farra.

Mas porque Chris sumiu de repente? E de quem foi aquele canhão?

Giro sob meus próprios pés, sondando toda a paisagem. Dou cada passo com cuidado, lentamente. Minha vontade é de correr, porém o medo me mantém em torpor e não consigo pensar direito.

Ouço um pequeno estalo quando piso em alguma coisa. Milésimos de segundos depois vejo uma armadilha sendo acionada.

— Cuidado! — ouço alguém gritar.

Meu grito acompanha o eco de outro grito quando alguém me empurra bruscamente. Uma corda fisga meu pé e me arrasta pela neve. Alguém arfa de dor e vejo uma corda enlaçar um corpo na árvore mais próxima. Minha perna está elevada e só não estou pendurada porque a armadilha deu errado, graças à menina do distrito 5 enlaçada por uma corda espessa.

A corda aperta o pescoço dela. Se não fosse pelo braço preso ao lado, ela seria enforcada pela pressão. A garota tem cabelos curtinhos, olhos esbugalhados esticados para os lados. Sua aparência a faz parecer ser bem mais nova do que é. Seu rosto se assemelha à inocência e pureza de uma criança, mas sei que ela é mais velha do que eu. E no momento, ela está muito assustada.

Fico estática estirada no chão apenas encarando a menina. Com as mãos, ela tenta afrouxar o aperto da armadilha. Demoro um pouco para recobrar os sentidos e lembrar que meu pé está preso.

— Droga! — praguejo enquanto tento desatar o nó. Não é um daqueles complicados, porém ele é muito apertado.

— Faca — ela fala, sendo interrompido por um aperto da corda. – Na bota. 

 Sem questionar, arrasto-me até ela e avisto a arma onde ela disse que estaria. Ainda não consigo acreditar que ela está me ajudando.

Minha mão treme devido à agitação do momento, mas depois de algumas tentativas o material se rompe e estou livre. Levanto para ajudar a menina, mas ela se recusa e me empurra com um dos pés.

— Vá! — ela diz para mim. — Saia daqui e se salve!

Não entendo porque não deseja minha ajuda. Quero correr, mas vê-la presa à árvore me causa intriga, principalmente depois de ela ter me ajudado. O meu ser luta contra essa vontade de solidariedade e me deixa sem reação. Perdi o controle.

Eu me aproximo atônita sem saber o que fazer. Eu travo, não conseguindo sair do lugar. Sei que o princípio do jogo é ela morrer para que eu sobreviva, mas não me permito abandonar a garota. Não posso ajuda-la, não posso.  

Ouço meu nome ser chamado por uma voz conhecida. Chris vem correndo na minha direção. Ele está eufórico e arfante, os olhos estão esbugalhados de apreensão. Alguma coisa deve ter feito ele entrar em estado de alerta.

— Que droga Lara, não posso ficar um segundo sem olhar para você que você some!

— Não foi culpa minha!

— Não importa, temos que sair daqui!

Tento reproduzir algum som, mas nada sai. Ainda olho para a garota, sentindo pena e remorso por abandoná-la ali. É difícil me desfazer dessa essência.

Chris nem parece ligar para a existência dela.

— Por favor, vai — ela implora.

— Lara, não é hora de ter bom senso! Os carreiristas estão aqui, temos que ir, agora! — ele avisa desesperado, segurando nos meus ombros.

O som de risadas do bando me faz despertar. Percebo a burrice que estou fazendo e que isso é em vão. O momento de humanidade acaba e dá lugar ao instinto de sobrevivência. A garota deve morrer. Não há como salvar ninguém nesse jogo, nem menos a mim mesma.

Tomando a mão de Chris, corremos, deixando tudo isso para trás. Escuto os carreiristas chegando, agraciados ao ver a garota amarrada à árvore, como se fosse uma dádiva.

— Olha só! Primeiro o Distrito 9 e depois essa aqui, acho que a sorte está ao nosso favor — ouço um deles gritar. As vozes são fracas, mas ainda audíveis.  

Alguém faz uma piada e as risadas ficam cada vez mais distantes. Não escuto mais nada. Apenas um grito e um tiro de canhão.

Não posso fechar os olhos, preciso continuar correndo. Desviamos das árvores, descendo cuidadosamente um declive, pulando sobre as rochas. Enquanto corro, tento me desvencilhar dos acontecimentos lá trás. Não posso pirar agora.

Viramos uma curva quando chegamos a um relevo plano. Paramos em um paredão de rochas escuras cobertas com neve. Sento-me numa com formato perfeitamente retangular. Respiro pesadamente, tentando recuperar o folego. Nossa respiração é o único barulho no meio da pacificidade do ambiente.

— Lara — Chris chama, tomando um pouco de ar —, seu nariz está sangrando.

Toco meu nariz e sinto o líquido quente que escorre dele. Procuro alguma coisa para limpar, mas não há nada. O sangue mancha minhas mãos e eu penso na garota que acaba de morrer. Eu soluço e escondo o rosto na palma das mãos, manchando o rosto de vermelho.  

— Ei ei ei, calma Lara — Chris pega minhas mãos tremulas. — Calma, já passou.

— Eu não soube como reagir, fiquei em pane! Eu sinto muito Chris, me desculpa… — deixo que as palavras saiam quase atropelando uma a outra. Não sei exatamente sobre o que quero me expressar, não é só por causa da garota. Há muita coisa por trás dessa simples morte.

— Para de se punir — ele me conforta. — A culpa não é sua.

Não, a culpa é minha, de certa forma. Se for para eu sobreviver, eles precisam morrer. Pela primeira vez, eu sinto isso nos meus vasos sanguíneos, sinto isso corroendo-me por dentro, incrustado na minha consciência. E me fez perceber a minha realidade. Não é apenas ela. São todas as vidas que hão de ir para eu vencer. O canhão não representa só a morte daquela garota, mas também representa tudo que eu terei de sacrificar para sair daqui. O rosto que eu via naquele momento não era o dela. A garota foi a primeira. Chris será só mais uma das minhas vítimas.


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Notas finais do capítulo

Lara está sendo muito dramática? Ou é normal para alguém que está correndo perigo de vida logo após acordar e lembrar que quase morreu no banho de sangue?
Eles estão lidando com isso pela primeira vez na vida. Imaginem o quão pesado deve ser.

E o que seria Our Games sem o drama, não é mesmo?

Mudei a capa da história também, gostaram? Ou preferem a outra?

Acho que é só. Obrigada pessoal, deixem um review com suas opiniões.
Att,
Magicath



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