Our Games escrita por Magicath


Capítulo 10
Capítulo 10 — Papeando com Caesar Flickerman


Notas iniciais do capítulo

Sim, um título maravilhoso parecendo programa de SBT porque estou estressada porque esse capítulo deu um trabalho danado e não tenho paciência pra um título melhor e super filosófico (créditos ao Tagliari, dono de toda a verdade e da melhor história sobre os jogos da Johanna).

Estou de volta galera. Mas não garanto que voltarei em breve para o postar o próximo capítulo. Ainda está difícil escrever os 3 capítulos finais de Our Games. Mas não me abandonem ;-; Quando eu voltar, vou voltar com tudo.

Novamente, cliquem no na palavra em azul, tem imagem.



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Papeando com Caesar Flickerman

 

No dia das Entrevistas, minha equipe de preparação passa a tarde todo comigo, preparando-me para a grande noite. Torno-me um objeto cuja pintura e confecção estão sendo moldadas. Stanley demora um pouco para chegar, pois está programando os últimos detalhes da roupa que usarei mais tarde.

O estilista chega cheio de determinação, discursando sobre não perder tempo e começar logo o trabalho. Se não fosse pela franja rosa e toda a produção, juraria de joelhos que ele era uma das pessoas que trabalham em laboratório no Distrito 3. Ele coloca um jaleco branco sobre seu terno roxo de cashmere — para não o sujar — e protege as mãos com luvas de borracha antes de começar o trabalho.

Ele inicia a preparação no meu cabelo. Demora quase uma hora para serem aplicados todos os produtos, alguns com cheiros irritantes e outros com cheirinho de fruta. Até mesmo cheiro de tinta eu sinto.

As horas passam e canso de olhar para o teto branco e sem graça do quarto. A maquiagem está pronta e Stanley termina de fazer meu penteado. É a última etapa que falta antes de colocar o vestido. Quando terminada, Stanley ordena que tragam minha roupa. Eles colocam a peça delicadamente em mim para não estragar nada na aparência. Então, ao acabarem, permitem que eu me olhe no espelho.

Estou irreconhecível.

É difícil acreditar que sou eu em frente ao objeto. Todas as manchas da pele, qualquer mínima imperfeição, foi escondida com maquiagem. Minha franja é penteada para o lado e presa atrás da orelha. Parte do cabelo está preso em um coque e o resto cai sobre meus ombros como cachos. Toco nas pontas soltas e enroladas, analisando a nova textura. Meu cabelo está mais escuro e também muito mais... como posso dizer... radiante, luminoso. É impressionante.

Ah, mas o vestido...

— Então, o que achou? — o homem me pergunta.

— Estou sem palavras Stan — profiro encantada. 

— Sabia que esse vestido cairia muito bem em você — ele denota, satisfeito com o trabalho. — É feito de cetim, direto do melhor fornecedor de Panem! 

O vestido é a coisa mais linda que vesti na vida.

Balanço a cabeça em concordância. O tecido preto ajuda ainda mais a realçar meu corpo; tem formato quadrado no busto, é justo na cintura e tem um broche com formato de estrelas que prende uma faixa na cintura. A saia esvoaçante possui uma abertura gigante na lateral mostrando parte da minha perna. Branca como sou, pareço um fantasma envolto em trevas. Cria um contraste deslumbrante.

A vestimenta mostra mais pele do que eu gostaria e a abertura na saia incomoda. Lembro-me do que Ayla me disse no dia anterior quando treinávamos para as entrevistas. Chamou-me de... sem graça, que sou ofuscada e escondo minha aparência, minha beleza. Então sugeriu que eu fosse um pouco mais ousada. O povo da Capital gosta de audácia e ousadia. Entretanto, eu não esperava vestir-me de forma tão... demonstrativa.

— Sim, mas... eu não esperava por isso — revelo, sentindo-me incomodada. O sangue flui para minhas bochechas, fazendo-me corar. — Não me sinto confortável.

Não, não é só essa barra do vestido, o comprimento... Talvez eu não esteja querendo aceitar que estou diferente. Eu nunca fui o tipo de menina que gosta de chamar a atenção. O nervosismo está me deixando insegura demais.

— Oh — Stanley compreende minha inquietação —, não se preocupe querida. Se você sentar um pouco de lado e cobrir com a saia garanto que nada aparecerá.  

— Obrigada. Realmente aprecio seu trabalho — agradeço. Mesmo não me sentindo tão intima dele, eu o abraço.

— Você é a menina mais gentil que conheci. Está fazendo eu me emocionar!  

Os olhos dele se apertam com o sorriso amistoso. Vejo as estrelinhas que contornam a curva da sua bochecha, as mesmas que ele desenhou nas minhas.

— Stanley por que você gosta tanto de estrelas? Vejo que as usou também no vestido e nos meus brincos.

— Ah — ele faz um gesto com a mão como se fosse óbvio —, eu acredito que cada pessoa que nasce é como uma estrela e tem seu próprio brilho. É singular como cada uma no céu. Hoje, minha cara, você é a minha estrela!

Eu sorri verdadeiramente dessa vez. Eu nunca pensei que seria especial dessa maneira para alguém. 

— Agora vamos, não podemos mais esperar.

Encontramos os outros na sala sentados no sofá. Quando chego, sou agraciada com elogios de toda a equipe.

Chris está sentado em uma poltrona esperando. O traje dele é um simples terno bordô, quase vinho, de dois botões.  É realmente muito difícil aceitar que Chris está usando terno e gravata borboleta depois de ver ele usando farrapos a maior parte da nossa vida. O cabelo está mais escuro do que o normal, perdeu a cor fosca que tinha e passou a ser mais brilhante, quase um castanho meio mel. Ele também tem estrelas desenhadas no rosto.

Chris está distante, brincando com os próprios dedos, o rosto virado para o nada. Seu olhar não apresenta um mínimo resquício daquele brilho alegre que sempre teve.  Não é do feitio dele ficar calado em um canto. Há algo errado, muito errado.

Assim que Chris nota minha presença na sala, ele se vira. Fica surpreendido quando me vê.

— Por Panem… O que vocês fizeram com a Lara? — Chris brinca, fingindo me procurar. Seu sorriso costumeiro de repente aparece, deixando aquele estado misterioso de lado.

Reviro os olhos e sorrio por causa da brincadeira. Eu queria descobrir o que aconteceu com ele, mas agora não é o momento certo.

— Idiota.

— Desculpe. É que você está muito... diferente.

— Diferente como? — indago sobre sua conclusão.

— Um diferente legal — ele explica, dando de ombros. — Nem parece aquela menina terrível que conheci nas ruas.

Levanto as sobrancelhas, indignada.

— Nossa, agora estão eliminadas as chances de eu te elogiar.

— Eu to brincando — ele ri. ­— Você está linda. Elli… Sua mãe deve estar muito orgulhosa.

Os sorrisos somem lentamente. Meu coração se aperta e meus olhos ardem por causas das lágrimas que vão aos poucos surgindo. Seu comentário… provocou algo inexplicável em ambos. Penso no que éramos antes e no que somos agora, nas barreiras que estamos criando, fingindo que tudo continua como antes, muito embora sabemos que nada é e nem será a mesma coisa. Fingimos que as coisas não estão erradas, mas continuar escondendo isso não vai ajudar a concertar as coisas.

Praticamente me jogo em Chris, abraçando-o. Quando ele retribui, é como se estivéssemos em outro lugar, como se todo aquele cenário e todos envolta sumissem e nós nos transportássemos para o nosso Distrito, para o que éramos antes dos jogos.

Mas o momento acaba quando Hector me toca no ombro.

— Sinto muito crianças — Hector ele diz —, mas a hora do show chegou.

*

A maldição do número três novamente assola, fazendo os minutos passarem voando como um pássaro em voo rasante. Repasso mentalmente todos os conselhos. Preciso ser eu mesma, sem ser entediante e, se precisar, inventar alguma história ou frase chocante. Impressionar. Preciso convence-los de que sou uma boa escolha para patrocinar e provar que não sou um desperdício para a grana deles.

A entrevista de Matt se encerra e é a minha vez. O carreirista é carismático e conquista o público em segundos. Ele diz que está confiante ao extremo e que terá o prazer de sujar as mãos para levar a glória ao seu distrito. Não consigo imaginar que tipo de coisas ensinaram ao garoto para ele ser assim.

Caesar anuncia minha entrada e caminho até o palco, puxando a saia do vestido como Stan aconselhou. Respiro fundo. Minhas pernas tremem e me concentro para me manter equilibrada com o salto alto.

Matt está sorrindo confiante ao retornar para os bastidores. O carreirista passa por mim com um olhar provocante, demonstrando uma intenção não muito agradável. E é como se acontecesse em câmera lenta. Assim que sinto seus dedos tocarem minha coxa e puxarem a saia, eu a afasto com um tapa e lhe dou um empurrão, mantendo-o longe de mim. Ele se desequilibra por um momento, transformando sua expressão idiota em pura incredulidade.

Formo um nó na garganta, não acreditando que fiz mesmo isso. Mas estou demorando muito para entrar no palco. Retomo a postura. Sigo meu caminho, como se nada tivesse acontecido.

O nervosismo só aumenta.

Assim que entro em cena, Caesar Flickeman, vestido todo de branco, exceto pelo cabelo violeta, estende a mão para mim. Os holofotes me cegam, iluminando minha entrada.

— Lara Watterson, bela e formidável — o apresentador elogia, tomando minha mão para me conduzir. — Eu estava tão ansioso para conhecer você.

­— Eu também estava ansiosa para conhece-lo, Caesar ­— minto. Repudio o momento com todas as forças. Contudo, o show precisa continuar. — Todos vocês — completo, olhando para os habitantes da Capital. Seguro a vontade de vomitar.

Sorrio para os aplausos que recebo. Tento imaginar que as pessoas não estão ali e essa é só uma encenação com Hector ou uma conversa causal com Chris. Suspiro para aliviar.

— Nervosa? — ele pergunta assim que sentamos nas cadeiras do palco, percebendo minhas mãos tremulas.

— Um pouco — respondo. Inclino-me um pouco para o lado, cobrindo a perna com a saia do vestido.

— Todos nós ficamos — Caesar comenta e arranca risadas do público. Acompanho-os. — Certo, vamos começar com as perguntas fáceis. O que tem achado da Capital?

Concentro-me. Não é uma pergunta penosa, basta elogiar, paparicar, sem parecer falsa ou bajuladora.

— Extravagante. Estou adorando tudo! Sinto-me muito bem acolhida. – Bisbilhoto a plateia. Percebo sorrisos em alguns espectadores curiosos. — Mas sinto saudades do meu distrito.

Apelar para o lado emocional. Será que estou fazendo isso certo? Ou estou demasiada entediante? Não quero parecer falsa. Mesmo sendo uma estratégia, sinto saudades mesmo e o sentimento me pega de surpresa. Penso em minha mãe assistindo a isso agora ou mais tarde. Meus olhos marejam e fico emocionada, mas me contenho.

— Sei que é duro estar longe de casa — ele lamenta, tomando minha mão com carinho. — Alguém especial lhe esperando?

— Só a minha mãe.

— Só? Nenhum, digamos, pretendente especial? — Flickerman entoa e insinua também à plateia. — Uma moça linda como você já deve ter conquistado o coração de um homem, não?

Os espectadores riem e alguns concordam, gritando elogios e assoviando. Ruboresço e o primeiro sorriso involuntário e verdadeiro da noite aparece em meu rosto.

— Obrigada, eu sei que pode ser difícil resistir a tudo isso — digo, apontando para mim. O comentário arranca um coro de risadas. — Infelizmente, não tenho ninguém assim na minha vida.

— É uma pena que ninguém tenha essa sorte — ele diz. Parece estar... me promovendo? Sinto meu estomago embrulhar.

— Falando em família, — continua o apresentador —, soubemos que seu histórico informa que você tinha um irmão e ele participou dos Jogos. Então você não é a única Watterson que pisa em nosso palco, certo?

— Sim — concordo, baixando a cabeça. Faço as emoções transporem a minha máscara, deixando que eles vejam como realmente me sinto. — Infelizmente ele não ganhou a edição. Foi um infortúnio para mim. O Distrito 3 perdeu um grande vitorioso naquele dia.

— Sinto muito. — Caesar coloca a mão no meu ombro. Sorrio tristemente para ele. — Mas pense pelo lado bom, se você ganhar poderá levar a coroa a sua família e ao distrito.

É isso. Essa é a deixa.

— Eu sei, Caesar — pronuncio com destemor. — O Distrito 3 terá um vencedor esse ano.

Essas são minhas últimas palavras. 

A audiência vibra. Alguns levantam. Enxergo Hector na plateia, nas primeiras fileiras. Ele faz um sinal positivo com a mão.

Eu esperava por perguntas sobre Chris, porém, por sorte, meu tempo acaba. O apresentador lamenta e nem precisa pedir aplausos, pois eles continuam. Palmas e assovios soam ensurdecedores e quase não cessam. Apenas quando saio do palco, sorrindo e acenando.

Então chega a vez de Chris.

— Então Christopher... — Flickerman começa.

— Pode me chamar de Chris, Caesar, por favor — o menino pede gentilmente. Ele não gosta do nome verdadeiro.

— Tudo Bem, Chris então. Nós estávamos ansiosos para saber sobre você. Você ganhou muita fama por aqui. Como está sendo para você lidar com isso?

— Bem, eu não diria que estou tão famoso. — Chris encolhe os ombros, sorrindo de forma simples. Reviro os olhos. Quanta modéstia. — Mas as coisas aqui são bem agitadas. Bem diferente da minha vida no Distrito.

— É mesmo? — Caesar levanta as sobrancelhas, exibindo seu sorriso enorme. — Se você ganhar então terá uma vida completamente nova.

Os dois riem. É estranho como Caesar sempre toca no assunto sobre ganhar os Jogos. Ele dá esperanças a todos os tributos, sempre falando “se você ganhar”. É interessante e, obviamente, ele não deve se posicionar sobre seu tributo favorito, apenas conduzir as entrevistas de modo que a incerteza sobre a vitória permaneça.

— Então Chris — o apresentador fica um pouco mais sério agora, — como você acha que pode ganhar os jogos?

— Ah, é claro que isso aqui não vai ajudar muito — ele comenta, apontando para os próprios bíceps fracos. Todos os presentes riem. Até eu deixo escapar uma risadinha. — Só que eu nasci em um Distrito que preza pela inteligência. Ela não pesa, mas pode ser muito mais eficiente do que massa muscular.  

A plateia aplaude com euforia. Eles gostam de Chris, gostam do seu carisma e do jeito audacioso que fala, representando muito bem o que eles desejam ouvir. Um oponente que está pronto para jogar. Chris é bom nisso. Sinto até uma pontinha de inveja por não ter feito tão bem quando ele.

— Esse é o espirito! ­— Caesar comemora animado.

— Obrigada. Mas falando sério agora — Chris assume uma expressão severa, — eu não estou aqui para ganhar — ele acrescenta. O público fica atônito. Há um coro de suspiros de surpresa e murmúrios diante a revelação.

— Não? — Caesar indaga curioso. — Então porque se voluntariou? Quais foram as suas razões?

O garoto pensa por um momento, capturando a resposta mais coerente.

— Uma promessa — Chris pronuncia somente.

— Uma promessa? — indaga o homem, motivado pela expectativa. — A quem?

— A uma pessoa. — Ele é direto. As pessoas estão centradas e atentas. Estão adorando.

­— Uma pessoa? — Chris assente, sério. — Qual a sua história com ela?

— É... É complicado. Na verdade, eu... eu prometi manter a salvo uma outra pessoa muito importante para ela. E se eu descumprisse essa promessa... Eu não sei o que seria de mim, Caesar.

Cravo as unhas na palma da mão e fecho os olhos. Tento ignorar os olhares dos outros tributos, encarando-me e julgando a situação. Eu estou começando a me irritar com a situação. Se foi por Elliot que Chris se voluntariou, qual é o sentido disso? Meu irmão está morto, não tem razão nenhuma se sacrificar por ele.

Não que eu queria que Chris se sacrifique por mim. Não quero ser a causa do problema. Só não queria que ele acabasse com a própria vida por algo completamente inútil. Não faz sentido.

— E como fará isso aqui? — o homem de branco continua a questionar.

— Bem, acho que todos sabemos a resposta.

Todos os habitantes consentem em silencio. Eles captam a mensagem de Chris, entendendo a seriedade das suas escolhas.

— Você está realmente disposto a fazer isso, então? — Caesar finaliza com uma última pergunta.

— Sim. É por isso que estou aqui.

O tempo dele acaba, recebendo aplausos pesarosos. Caesar agradece a presença e deseja boa sorte, ainda totalmente comovido. Enfim, Chris retorna para seu lugar ao meu lado sem pronunciar uma palavra.

Diferente dos outros tributos que demonstraram seu esplendor e tentaram encantar o povo, Chris foi singelo e sincero. Ficaram muito mais maravilhados e cativados pela dramaticidade dele. Eles nunca viram nada igual, uma pessoa que revela fato tão chocante, desistindo da vitória por alguém.

Porém... será que eles acreditam?

*

Abraço meus próprios joelhos, aconchegando-me no sofá azul. Observo a sombra da janela no chão aumentar e chegar até o outro lado da sala. A Capital está esplendida por trás de suas luzes e cores. Todos comemoram, enfim, o começo do favorito jogo.

Olho para a caixa de comprimidos soníferos que não fazem efeito deixada na mesa de centro. Há horas não consigo dormir, há horas meus olhos ardem de tão abertos que permanecem encarando a janela. Não consigo e não quero dormir. Quando eu acordar, já vai estar na hora de entrar na arena.

Ignoro o fato de que amanhã não mais estarei aqui. Concentro-me no silencio, deixo-o me embalar. Quero dormir, mas minha mente está muito agitada. Se eu mergulhar dentro do nada e do vazio talvez isso acalme os meus pensamentos gritantes. Porém, assim que fecho os olhos, pensamentos assustadores me despertam.

Ouço uma porta ser aberta e passos interrompem meu exílio.  

— Lara? — alguém sussurra. Vejo Chris do outro lado do cômodo. — Você deveria estar dormindo — ele constata, se aproximando.

— Eu sei. Minha cabeça está muito pesada no momento, acho que não conseguiria dormir. Mesmo com os comprimidos.

— Lara, são duas da manhã.

— Você também deveria estar na cama, então — retruco.

— Acordei com sede e vim pegar água — é a desculpa que ele dá.

Não faço questão de responder. Continuo concentrada na janela. Chris para ao meu lado, colocando a mão no meu ombro.

— Quer conversar? — pergunta. Assinto, dando espaço para ele sentar. — Qual o problema?

Eu suspiro frustrada.

— Eu não sei — admito, apoiando a cabeça nos joelhos.

— Deve ser o estresse — ele deduz. — Eu entendo.

— Como pode estar tão tranquilo então? — indago, finalmente o encarando. Sua expressão apresenta serenidade. Contudo, seus olhos demonstram uma ideia distinta da qual ele quer passar.

— Acho que já me acostumei com a atual situação — Chris dá de ombros.

A situação. É claro, para ele há uma única opção. Mas deve ser difícil encará-la, não? É como estar no hospital com uma doença crônica que te matará em alguns dias. Aceitar o fato de que tudo vai acabar, e tão rápido, é um desafio. Não entendo como ele suporta tão facilmente a própria sentença. Como uma pessoa em plena sanidade faz uma coisa dessas e aceita tão rapidamente as consequências?

— Como você pode Chris? Como consegue?

Ele está distante, olhando para a janela, como se lembrasse de algo. Muito embora ele pareça calmo, seu lábio inferior treme. Eu sei que ele está nervoso, sei que isso significa que está se controlando para não desabar.

O silencio preenche a sala. Um silencio insuportável. Eu me sinto horrível por ser esse fardo que Chris tem de carregar. Ele não deveria ter feito isso por mim. E essa culpa está me sobrecarregando.

— Às vezes eu deixo de entender. Por que tanto sacrifício...

Ouço ele soltar um longo suspiro.

— Há quatro anos… na sala de despedidas — ele começa meio atrapalhado. Sua voz fraqueja e perde a força. Ele engole em seco, respirando fundo e olhando para cima. — Prometi a ele que... que não deixaria nada acontecer com você. E, bem, eu estou aqui agora, mas…

Eu entendo o que ele quer dizer. É por isso que temos tanto essa necessidade mútua de proteção. Porque eu não fui a única que sofreu com a perda. Ele sabe como eu me senti. E Chris sente a carga da responsabilidade que ele tem sobre mim, porque foi isso que meu irmão quis. Que Chris assumisse seu lugar.

— Mas…? — indago, pedindo para que prossiga.

— Eu estou tão confuso Lara! E-eu não…

Chris engasga com as palavras, não conseguindo continuar. O tremor no seu lábio se intensifica e ele coloca a mão sobre a boca, fechando os olhos para deixar as lágrimas saírem. Soluços e mais soluços escapam dele, não conseguindo mais segurar o choro.

Há anos não o vejo chorar assim. Há quatro anos, especificamente.

Suas pernas fraquejam e ele cai no chão, de joelhos. Eu o amparo, acolhendo-o em um abraço, apertando ele contra meu peito, assim como minha mãe fazia quando eu estava triste. Não aguento vê-lo chorar, senti-lo soluçar na proteção dos meus braços, despejando tudo o que vem guardando e que eu não havia prestado atenção. Eu quero carregar e poder tirar todo esse tormento que ele vem carregando.

— Porque esconde isso de mim, Chris?

— Eu não queria que você soubesse que me arrependo por estar aqui pelos motivos errados — ele desabafa, apertando ainda mais o abraço. A tal revelação me faz arregalar os olhos. — Mas eu não sei mais porque estou fazendo isso. Eu...

Ele faz uma pausa para controlar a respiração. Ele não consegue falar de tanto que chora.

— Eu estou com medo, Lara. Estou com medo de morrer pelos motivos errados e… me desculpe.

— Não se sinta culpado, Chris. Você também é humano.

Todo ser humano deve ter medo de perder o bem mais preciosa que lhe foi dado. Chris não é mais diferente de todos. É difícil aceitar a morte certa; para ele, porém, deve estar sendo duplamente difícil. Ele está confuso, não consegue se decidir se valeu a pena ter se voluntariado, pois não sabe mais por quem se voluntariou. Eu não o culpo pelo arrependimento. Eu estaria muito mais perdida se estivesse no lugar dele.

— Você fez isso por nós, Chris. Por nossa família — verbalizo. Passo a mão pelo cabelo dele, acalmando-o. Ainda sinto seu corpo soluçando. — Por favor, não fique se punindo.

Ficamos mais alguns segundos abraçados, em silêncio. Abraça-lo me traz uma sensação tão boa e senti-lo retribuir é ainda mais confortador. É como se nada no mundo pudesse nos separar. Só nós dois aqui, no silencio, recobrando nossa amizade.

— Obrigada — ele diz quando recobra o controle, agora mais tranquilo. — Eu realmente precisava disso.

— Você não precisa esconder de mim o que sente, Chris — eu digo. — Se afastar de mim só torna as coisas piores.

Eu o sinto assentir, balançando a cabeça.

— Eu sei — ele sussurra.

Um bocejo involuntário interrompe minha fala.

— Você tem que descansar Lara — Chris constata, se levantando. — Os jogos começam daqui algumas horas…

Agarro o pulso dele, impedindo que vá embora.

— Chris? Você pode ficar aqui até eu dormir? — eu peço. Ele me olha com ternura e sorri.

— É claro.

Ele puxa o cobertor jogado no sofá para me cobrir. Eu me aproximo e deito no ombro dele, fechando os olhos. As cigarras lá fora matam o nosso silencio. E nós sentámos no sofá enquanto tomamos um chocolate quente depois de mais uma Colheita, mais um ano a salvo. O fogão a lenha esquenta a casa, porque faz frio nessa época. Nós três, como sempre foi e deveria ser. Então ele não está mais aqui e o chocolate quente não está mais aqui, o fogão a lenha não esquenta a casa. Apenas nós dois e um vazio no meio constantemente tentando ser preenchido.

— Eu preciso de você, Chris, mais do que tudo — eu suplico.

Mas não posso ouvir o que ele diz, pois já estou longe. Minhas pálpebras pesam e eu ouço a canção do sono me embalar e levar os pesadelos embora. Não há mais preocupações no mundo dos sonhos.

 


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Notas finais do capítulo

Eu, sinceramente, preferi a entrevista do Chris à da Lara sjuhdsauhhashdjahsd E vocês?

Me contem o que acharam do Matt também. Exagerei? Eu sempre tenho a mania de achar que ele é exagerado demais na dose de maldade e discurso de vilão. Afinal, a única desculpa minha para ele estar implicando com a Lara é que ele é louco e acha que os irmãos siameses estão conspirando contra ele.

Sobre a imagem no hiperlink: desculpa, não resisti, fui procurar imagens de ternos bordô pra não errar na descrição e apareceu o Faustão.

E agora, o irmão da Lara agora tem um nome: Elliot.

Então...
Nas notas do capítulo 4 eu dei um pequeno spoiler, lembram? Que Chris tinha uma ligação emocional muito forte com o Elliot (e sim, isso significa que ele o amava, mas não era recíproco, ok?). E ao longo da história o famoso irmão defunto provou que o papel dele é mais profundo do que parece. A promessa de Chris não vem só da ideia de "preciso proteger minha melhor amiga porque é isso que o herói protagonista faria". Agora Chris está um tanto arrependido, porque não sabe se voluntariou-se pelos motivos certos. Se foi por egoismo por estar pensando em conservar a última lembrança que resta da pessoa que ele amava ou se foi por não querer perder a única pessoa que se importa com ele. Deu pra entender? Espero que sim.

Att,
Magicath.