Impasse escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 18
Capítulo 17




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Por Ginny Weasley

Harry foi meu primeiro amor.

Eu colocava seu nome nas brincadeiras infantis de previsão do futuro, nos imaginava andando de mãos dadas pela escola, desenhava infinitos “G e H“ nas laterais das folhas do meu caderno e corava apenas por estar no mesmo ambiente que ele.

Quando de fato o conheci eu era pequena demais para me lembrar, visto que ele e Ron estudaram juntos desde os primeiros anos de escola, mas a primeira recordação clara que tenho dele aconteceu quando eu tinha sete anos. Harry e seus pais foram convidados para jantar conosco e acharam desnecessário informar a caçula que teríamos visita, então entrei na sala e lá estavam os três parados olhando para mim. Eu saí correndo dali na hora em que eles me cumprimentaram e ganhei a fama de que me escondia de visitas.

Todos atribuíram minha reação à Tio James e Tia Lily, que eram as únicas novidades já que o filho deles não saía de nossa casa, eu atribuo minha reação ao sorriso e aceno que Harry me lançou. Foi a partir daí que minhas canetas coloridas começaram a decorar os contornos necessários para compor a letra H.

Sempre gostei de ficar no meu quarto e depois de um tempo eu comecei a gostar também das borboletas alvoroçadas no meu estômago toda vez que eu o ouvia chegar falando alto em seu habitual escândalo. Para não repetir a cena do dia do jantar sem ninguém em quem eu pudesse colocar a culpa, me contentei por bastante tempo em espiar pela fresta da porta sempre que podia.

Quando deixei a infância para trás e entrei na adolescência coincidentemente Harry também se apaixonou. Não por mim, é claro. Me lembro claramente de chorar enquanto dizia a Luna que havia perdido meu amor para aquela menina estranha, como se algum dia eu o tivesse tido.

Nessa época também meu orgulho começou a dar as caras e eu aprendi que se fosse chorar por alguém que não queria nada comigo nunca seria na frente dessa pessoa.

Progressivamente aprendi a responder quando ele se dirigia a mim, controlei a tremedeira, parei de gaguejar e de segui-lo com o olhar quando ele entrava, até restar apenas a taquicardia e as borboletas no estômago. Felizmente essas eram discretas o suficiente para eu não precisar me constranger.

Só nunca parei de achar Harry o cara mais lindo em um raio mínimo de 400 Km. Mas aparentemente a escola inteira tinha a mesma opinião.

A primeira vez que o vi com uma garota eu tinha pouco mais de treze anos, e naquele dia eu novamente chorei inconsolável no colo de Luna. Após me fazer cafuné e oferecer seguidos lencinhos, como a boa amiga que era, ela opinou que ao invés de ficar chorando por isso eu deveria tentar parar de gostar de alguém que nem olhava para mim. O que ela disse me deixou triste, mas não deixava de ser verdade, então eu comecei a tentar.

Foi assim que, aos catorze anos, eu deixei de lado a ilusão de que Harry Potter me desse o primeiro beijo e aceitei o convite de um garoto um ano mais velho do que eu para tomarmos sorvete depois da aula. Foi nesse dia também que, depois de conhecer a tão famosa sensação mágica de ter outra boca colada à minha, eu entendi que poderia, e deveria, viver plenamente independente do que sentia por ele.

No final desse mesmo ano Harry e Ron terminaram a escola regular. Não vê-lo todos os dias ajudou, e muito, minha decisão de enfiar meus sentimentos platônicos em uma caixinha de esquecimento onde eu ainda poderia vê-los, mas eles não me atingiriam.

Foi nesse ponto que eu parei de falar sobre isso, inclusive com Luna que era minha confidente desde as primeira lágrimas, e até mesmo de pensar nele. Parar de falar foi bom porque aos poucos ninguém mais se lembrava disso para tocar no assunto, assim eu também fui esquecendo e tornando meu muro de proteção mais alto e robusto.

Depois da decisão tomada, e agora sem sua presença constante para me lembrar de algo que eu não tinha, vieram muitos mais beijos, a primeira balada, o primeiro namorado, a primeira vez, o primeiro porre. Tudo isso contribuiu para me deixar mais forte e segura, mas então chegou o primeiro dia de faculdade.

Não é como se eu não o tivesse visto nunca mais, Harry visitava minha casa pelo menos uma vez por semana, mas eu tampouco era condicionada a ficar com ele no mesmo ambiente e manter uma conversa, como nosso trajeto de ida e volta exigiriam.

Nossa convivência enquanto melhor amigo do irmão versus irmã do melhor amigo era muito amigável e leve para mim, mas apenas porque se restringia a cumprimentos e algumas piadas e comentários soltos. Fazer parte do percurso dos dois diariamente implicaria participar de conversas concretas: trabalho, provas, acontecimentos, família, problemas, novidades, mulheres. E eu definitivamente me considerava despreparada para esse último tópico.

No primeiro dia de aula, antes de sair do quarto já vestida para encontrá-los na sala apenas me esperando, eu me olhei no espelho e repeti três vezes para mim mesma que seria fácil e nada iria mudar. Quando anunciei minha presença ele se levantou sorrindo e me deu um beijo no rosto que era incomum nos nossos cumprimentos até então e me fez novamente, depois de muito tempo, tremer um pouco.

Fiquei quieta durante todo o caminho e culpei a ansiedade do primeiro dia quando me perguntaram o que eu tinha, eles riram do meu ataque de caloura e disseram que isso iria passar.

O primeiro encontro universitário em que os acompanhei aconteceu já na minha primeira semana de aula, e nele eu descobri que havia uma garota no campus com quem Harry estava saindo. Novamente o orgulho falou mais alto e eu me comprometi a não deixar de aproveitar essa fase da minha vida por uma paixonite de infância já esquecida, então um mês depois comecei a me encontrar com Dino Tomaz.

A primeira vez que Ron precisou faltar eu inventei uma desculpa e fiz o mesmo, mas na segunda eu tinha prova e não houve alternativa a não ser ficar sozinha no carro com ele em nossos vinte minutos de trajeto. Foi divertido ver como ele agia normalmente comigo e eu conseguia corresponder da mesma forma. Ali eu vi que agora existia uma relação entre nós: éramos amigos.

Na primeira vez em que ele me ligou para perguntar se eu estava afim de sair para comer alguma coisa eu percebi que precisaria ser uma psicóloga muito melhor do que fui engenheira, porque só aquela frase abalou totalmente a estrutura da minha fortaleza. Esse foi o motivo pelo qual aceitei: eu afundaria isso também, junto com todo o resto.

Nessa fase a faculdade já estava me introduzindo no mundo Freudiano dos mecanismos de defesa, mas foi com Harry que treinei na prática os estados de Repressão, Formação Reativa, Negação e Projeção.

Primeiro eu deliberadamente repreendi toda e qualquer esperança de que algum dia isso evoluísse para qualquer outra coisa, depois eu comecei a transformar reativamente qualquer sentimento romântico em uma amizade sólida e inquebrável, então meu subconsciente passou a se negar a prestar atenção em qualquer coisa nele que pudesse ser apaixonante e, por fim, inconscientemente projetei tudo isso, me convencendo de que Harry nunca sentiria por mim nada além disso.

Nossa convivência me fez bem porque ele deixou de ser o garoto perfeito e se tornou um homem real. Bonito, claro, mas com qualidades e defeitos como todos os outros, diferindo apenas porque tínhamos uma afinidade que me fazia querê-lo em minha vida de uma forma ou de outra, e eu o tinha.

Meu primeiro amor agora era só uma lembrança por trás da relação de cumplicidade que construímos a despeito da intimidade física em que fatalmente culminava um relacionamento amoroso.

E eu me sentia bem com isso, porque quando passei a vê-lo assim ganhei uma pessoa divertida e confiável com quem eu passava horas rindo e certamente poderia contar, e que me enxergava da mesma forma. Não foram raras as vezes que confidenciamos problemas e questões mais íntimas um ao outro, e eu recebi com uma agradável surpresa o fato de não me abalar nem ficar triste quando ele me contou pela primeira vez que estava interessado por alguém.

Na primeira vez que dormimos na mesma cama, durante uma viagem à praia, eu ignorei qualquer conotação sexual que aquilo poderia ter, e que certamente só existiria na minha cabeça, e me permiti afundar em um sono profundo que foi interrompido horas depois por suas reclamações a respeito de minha perna ter ido parar em cima de sua barriga e isso estar atrapalhando. Seu exagero enquanto reclamava me fez rir da situação e prometer que não iria mais me mexer tanto, mas serviu apenas para ele começar a dizer que eu não era confiável porque não cumpria minhas promessas e algo sobre eu estar possuída enquanto dormia.

Quando ele se trocou na minha frente pela primeira vez, ficando apenas de cueca sem nenhum constrangimento e me mostrando que ele não tinha apenas um rosto extremamente atraente, aproveitei sua distração e registrei todos os pedacinhos daquela cena para revivê-la por alguns dias antes de propositalmente arquivar no lugar destinado a tudo que se referia a ele. Tendo isso em um local seguro não precisei me preocupar em olhar nas próximas vezes e a ação se tornou comum, não exercendo sobre mim nenhuma reação que não deveria.

A convivência se tornou igualmente comum, as risadas se tornaram comuns, não me preocupar em cobrir meu corpo apenas de roupa íntima quando ele entrava no meu quarto sem bater na porta se tornou comum, as baladas, passeios, bares, viagens, jantares, ligações constantes e mensagens diárias se tornaram comuns, dançar e dormir juntos também ficou comum depois de um tempo. Era uma relação gostosa, confortável.

Aí nós fizemos sexo.

Naquele dia, depois de toda a brincadeira recreativa que começou no chão da sala, passou pelo sofá, fez uma escala rápida na mesa de jantar e terminou com um beijo faminto em cima da cama, eu respirei fundo, saí de seu colo e me deitei para controlar a respiração e o coração, ambos acelerados. Harry fez o mesmo ao meu lado, sorriu para mim quando eu virei para encará-lo e falou algo sobre ter sido surpreendente e estar com sono.

Me lembro claramente que ele se inclinou sobre mim, me beijou mais uma vez, afundou o rosto no meu pescoço e aspirou profundamente enquanto apertava minha bunda. Depois ele disse: “Você é muito cheirosa, Gin, eu poderia me viciar nesse cheiro”, riu da própria frase e completou: “Boa noite”.

Ele dormiu minutos depois, mas eu ainda fiquei acordada por muito tempo.

Aguardei ouvir o som característico de seu ressonar indicando que já estava em sono profundo e me apoiei nos cotovelos para olhar aquela cena a fim de decorar cada detalhe que eu pudesse dela.

Tantas vezes eu sonhei e imaginei viver isso que não sabia o que pensar nem como deveria me sentir diante da prova iminente da concretização do ato. Eu quis sentir as mãos de Harry em mim desde que comecei a considerar o sexo como algo que deveria ser gostoso e não nojento, o que contabilizava uns dez anos de espera.

Observei com atenção seu rosto relaxado e satisfeito, o corpo descoberto, exatamente como ele se deitou, os cabelos grudados na testa pelo suor que eu causei, a marca leve da minha unha ainda visível em seu ombro esquerdo e sorri satisfeita porque agora minha caixinha de coisas para lembrar e esquecer, simultaneamente, estava completa.

Fiz carinho em suas costas durante todo o tempo e revivi em silêncio todo o prazer que senti, os arrepios, a sensação do êxtase, cada pequeno detalhe de tudo o que aconteceu. Quando não havia mais formas possíveis de pensar naquilo juntei tudo ao toque, ao cheiro, ao gosto e aos sons dele e guardei em meu lugar seguro, só então adormeci.

No dia seguinte foi tudo como antes, mas ainda éramos só os dois ali e isso fazia com que ainda fosse presente. Por mim eu ficaria até o fim do dia, mas a mesma chuva que nos fez acabar sem roupa e enroscados um no outro também encerrou nosso final de semana mais cedo do que deveria.

Ele dormiu enquanto eu dirigia no caminho de volta para casa e eu gostei de poder aproveitar o silêncio e a privacidade do carro para digerir que era hora de voltar para a vida real. Dividi minha atenção entre a estrada e o homem tranquilo ao meu lado, a quem eu erroneamente julgava ser agora totalmente imune.

No dia seguinte ao nosso retorno eu estava deitada em meu quarto com o celular na mão quando meu irmão abriu a porta sem se anunciar e questionou incrédulo:

—Você e Harry transaram?

—Homens não sabem mesmo guardar essas coisas só para eles, não é? - Foi a única coisa que respondi com indiferença sem nem desviar os olhos da tela onde aparecia minha conversa com Luna, mas secretamente morri de vontade de perguntar o que mais ele tinha falado.

Da parte dele eu sabia que nada mudaria, e até preferia que assim fosse porque comigo eu já sabia lidar, portanto não me surpreendeu sua reação natural e descontraída quando o garçom me entregou o papel com o telefone do Colin.

Colin, aliás, foi mais uma dessas pessoas com as quais você se diverte muito e passa ótimos momentos, mas no fim não dá certo porque seus objetivos nunca serão iguais.

Eu mentiria se dissesse que não notei o incômodo de Harry no dia em que ele chegou e eu estava saindo para um encontro, ou a maneira diferente que me elogiou a caminho do clube onde almoçamos com nossos amigos e até mesmo quando foi irônico algumas vezes ao falar sobre com quem eu estava saindo. Seria mentira também, no entanto, dizer que meu lado racional aceitou isso como interesse por mim, porque algo internamente sempre me convencia de que os motivos eram outros, o que quer que fossem esses outros.

Meus mecanismos de defesa só ruíram e permitiram que isso acontecesse quando não havia mais alternativa nenhuma que não essa: no dia em que ele me roubou um beijo. Mais precisamente quando eu percebi sua mágoa diante da minha resposta que, pensando calmamente agora, foi extremamente mal colocada naquela ocasião.

E devo deixar claro que não foi nada sutil, o que aconteceu a eles parecia mais um desmoronamento em massa.

Não se nega um beijo como o que ele me deu, ainda mais vindo de alguém que sempre te faz suspirar por uma coisinha ou outra, mas só quando fiquei parada ali, no meio da pista de dança e vendo-o ir embora magoado pude perceber que onde eu vi apenas um impulso motivado por desejo ele talvez visse algo mais. Nunca o termo ironia do destino me fez tanto sentido.

Ron e Mione não questionaram quando eu pedi para irmos embora e ela o interrompeu quando ele deu a entender que estava se virando para falar comigo. Internamente agradeci, porque eu preferia sentir sozinha enquanto para mim acabavam a festa e o humor e começavam as dúvidas. Não tive uma boa noite, dividida entre tentar dormir e imaginar o que aconteceria se eu o tivesse respondido condizente com o momento não obtive sucesso em nenhuma das duas coisas.

Acordei decidida a ligar para ele e explicar que eu não quis dizer aquilo e que minha resposta impensada não queria dizer que eu não tinha gostado, mas ele não me atendeu e esse impulso passou. Afinal se ele havia me beijado sem nenhum motivo aparente para tal não era eu quem devia explicações.

Mudei de abordagem e liguei novamente para perguntar por que ele tinha feito aquilo e esclarecer que sim, eu gostei. Ele não atendeu de novo, e eu desisti de falar isso também.

Por fim optei pela alternativa mais sensata e tentei outra vez para perguntar apenas se ele queria conversar, mas quando ele recusou minha chamada pela terceira vez, me dando a certeza de que era proposital, deixei o orgulho tomar as rédeas da situação e desisti de entrar em contato.

Eu queria entendê-lo, conversar com ele e o consolar para que aquela expressão de tristeza nunca nublasse suas feições por minha causa, mas isso de forma alguma significava sobrepujar meu amor próprio e implorar que ele me desse atenção. Harry sabia ser infantil quando contrariado e eu sabia ser orgulhosa quando achava que era o certo a se fazer, e foi assim que terminei meu domingo chorando novamente, depois de anos, pela pessoa de sempre.

A semana foi estranha porque eu não estava acostumada com esse silêncio que mantivemos um com o outro. A falta de notícias, mensagens, ligações e, principalmente, a falta da presença dele contribuíram para deixar mais difícil meu processo de encobrir tudo o que aconteceu.

Sábado pela manhã meus pais saíram para o costumeiro passeio de final de semana e Ron entrou no meu quarto um tempo depois para dizer que iria almoçar com Hermione e se eu gostaria de acompanhá-los, o que eu obviamente neguei. Decidida a passar o dia sozinha no sofá da sala colocando minha série preferida em dia, e distraída com a TV, levei um susto quando o celular tocou ao meu lado, mas o coração acelerou mesmo para valer quando eu vi que era Harry me ligando.

Não fiquei surpresa quando ele me pediu para conversarmos e decidi não adiar, por mais que eu suspeitasse o que ele diria e tudo o que isso implicaria. Nunca o vi com vergonha ao falar comigo e seu tom tímido e incomum me indicou logo de cara que não havia mais nada para eu tentar salvar além de todo o autocontrole que levei anos para desenvolver.

Agora não havia mais Repressão, Formação Reativa, Negação e nem Projeção ao redor de mim para impedir que eu visse as coisas com mais clareza, mas tudo isso havia dado lugar à possibilidade gritante e psicologicamente possível, também apresentada por Freud, de que ele tivesse apenas o que chamamos de Ilusão: uma reação inconsciente de algo que ele gostaria que fosse verdade e que futuramente poderia vir a ser ou não.

Diante disso me dei o direito de não querer arriscar adicionar às minhas lembranças já não tão felizes o peso da decepção iminente. Chame de covardia se quiser, eu chamo de realidade. Saber que ele havia recebido uma proposta de emprego irrecusável e maravilhosa só me deu mais certeza de que essa era a decisão correta a se tomar. O problema é, que certa ou não, isso não a fez mais fácil.

Durante aqueles minutos intermináveis de conversa eu senti desde satisfação por finalmente ouvir dele tudo aquilo até raiva por só agora ele estar falando, mas independente disso eu precisei prestar muita atenção à voz da minha razão para me manter firme diante de sua insistência. Harry se ajoelhou para mim, física e emocionalmente, e é claro que lá no fundo isso fez bem ao meu ego e me deixou uma vontade enorme de jogar tudo para o ar e me lançar ao risco, no entanto muito maior era a certeza de que isso não deveria ser feito nesse impulso de momento em que ele nos colocou.

Tempos atrás eu teria sentido vergonha de chorar por ele na frente dele, ou por qualquer pessoa na frente dessa pessoa, mas na hora eu nem me importei com quanto isso me deixava vulnerável a seus olhos e tirava toda a confiança que eu tentava a todo custo introduzir nas minhas palavras. Responder positivamente ao beijo que ele pediu foi um reflexo que eu não freei e em troca ganhei mais uma boa recordação.

Tudo o que pensei nos dias que se seguiram é que ele iria embora. Não era para o outro lado do mundo, mas também não estaria mais do outro lado do bairro. Somando isso ao fato de que provavelmente não conseguiríamos mais conversar como antes era o fim certeiro do relacionamento que poderíamos ter e da amizade que de fato tínhamos.

Quando seus pais ligaram para nos convidar para a festa de despedida que fariam eu tive o privilégio de atender ao telefone. Após informar o dia e horário, Tia Lily fez questão de deixar bem claro que o convite incluía a mim também e eu fiquei profundamente constrangida. Ela e o filho sempre tiveram uma relação muito próxima de amizade, somando isso ao seu tom demasiado compreensivo é claro que ela sabia de tudo.

Depois de pensar bastante e chegar à conclusão de que minha presença não ajudaria a melhorar nada para nenhum de nós dois eu decidi não comparecer.

Ron bateu na porta do meu quarto antes de ir para perguntar se eu ficaria mesmo em casa e minha resposta o fez sair balançando negativamente a cabeça como se não concordasse com aquilo, mas disposto a não falar nada. A próxima pessoa a passar pela porta foi minha mãe, minutos depois dele, e sua postura foi mais direta:

—Você não vai mesmo? – Perguntou sem rodeios com os braços cruzados e encostada ao batente.

—Não, é melhor eu ficar em casa. – Respondi sem vontade de prolongar o assunto.

—Meu amor, não faça isso com você mesma. – Aconselhou vindo até mim para pregar um beijo no meu rosto e continuou sem me dar tempo de responder. – Eu e seu pai vamos sair, voltamos daqui a pouco.

Eu estava sentada na sala quando meu irmão chegou e mordi a língua para conter a vontade de perguntar como tinha sido, ele, por sua vez, passou sorrindo sarcástico por mim, como sempre fez quando sabia que eu queria saber de algo que ele não me diria espontaneamente. Sua tentativa de sigilo não deu certo quando nossa mãe o encontrou no corredor e perguntou alto o suficiente para eu conseguir ouvir:

—E então, como foi? Ele está empolgado?

—Foi legal, normal, está mais ou menos. Tia Lily é que está triste. – Respondeu o mais vago que conseguiu e eu quis socar a cara dele.

Acordei no dia seguinte prevendo nada de interessante para fazer, então apenas vesti um short jeans velho e me joguei no sofá. Ouvi meus pais conversando na cozinha e estranhei a TV ligada e ninguém na sala, mas aproveitei a praticidade de não precisar usar o controle e comecei a prestar atenção no programa que passava. Alguns minutos depois eu espirrei, e movida por esse barulho minha mãe apareceu na porta com a seguinte pergunta:

—Ele já foi? Estava terminando de fazer aquele sanduíche que ele gosta, para a viagem. - Sua expressão mudou de fraternal para envergonhada quando ela viu que era eu e não Ron. – Desculpe, achei que fosse seu irmão.

—Quem já foi? – Perguntei de um salto e abri um pequeno pedaço da cortina a tempo de ver Harry e Ron trocando um abraço de despedida. – Por que ninguém me disse que ele estava aqui? – Perguntei ressentida.

—Porque ele não queria que disséssemos. – Respondeu dando de ombros.

Antes de pensar eu já estava lá fora chamando por ele e pedindo que esperasse um minuto. Quando ele se virou para mim me senti novamente com sete anos, mudando apenas a direção para onde eu queria correr.

Eu não queria colocar nós dois na situação desconfortável de ter que sorrir durante uma festa e fingir que estava tudo bem, mas também não gostaria que ele fosse embora sem se despedir como se falar comigo fosse algo desnecessário. Recebi sua resposta como um soco sufocante no estômago que me escancarou o fato de que eu tinha me colocado numa situação indigna de pedir o que quer que fosse, e isso me deixou com um misto de vergonha e mágoa que fez meu rosto corar e os olhos arderem.

Diante de sua relutância compreensível à minha tentativa de deixar as coisas mais normais entre nós, apenas desejei sorte quando na verdade eu queria dar um abraço e acompanhei com os olhos quando seu carro desapareceu de vista, dando a martelada final que derrubou toda a minha estrutura.

 Quando seu carro virou a esquina eu me senti perdida e sem saber o que fazer. Harry não estava comigo, mas sempre esteve aqui e agora não estava mais, o que por um momento me deixou em pânico. Passei reto pela sala e me tranquei no quarto o resto do dia, remoendo e deixando as lágrimas teimosas rolarem a vontade pelo meu rosto. Desabafei comigo mesma tudo o que queria antes de começar o dia seguinte disposta a lidar com as consequências da minha escolha.

Decidi continuar a vida, o que era um pouco difícil quando não se tem um emprego, mas eu faria. Na segunda-feira acordei e me troquei como fazia todos os dias, fui à academia, procurei vagas de meu interesse na internet e me recusei a pensar nele ou fazer qualquer coisa que me lembrasse dele.

Nos primeiros dias eu me distraí, pensei em outras coisas, saí de casa, encontrei os amigos, convivi com a minha família como sempre fazia e me mantive concentrada o tempo todo em afastar meus pensamentos de Harry. Não posso dizer que consegui, porque mantê-lo longe era uma reação ensaiada e não espontânea, mas eu estava tendo relativo sucesso nas minhas tentativas.

Isso também mudou mais ou menos um mês depois que ele foi embora, quando recebi a ligação de uma clínica agendando uma entrevista comigo. Eu estava cansada de ficar em casa e não fazer nada com essa demora toda me afligindo, então a notícia me deixou tão eufórica que minha primeira reação foi pegar o celular e ligar para ele para compartilhar a novidade. Só me dei conta do que estava fazendo quando a gravação anunciou que aquele número não existia mais, e o balde de água fria foi tão grande que me fez chorar.

Deixei a saudade me dominar por um tempo e depois limpei o rosto antes de sair do quarto e dizer à minha mãe que eu teria a oportunidade de tentar em um novo lugar. O caminho até a cozinha me fez passar por Ron, deitado no sofá da sala com o celular no ouvido, rindo e falando algo sobre visitar algum lugar na próxima vez que fosse para lá, dali a duas semanas. Seu tom me fez saber que era Harry na linha e eu tentei ao máximo não prestar atenção em sua conversa, mas meus pés adotaram uma lentidão incomum ao passar por ele e absorver o máximo que pude, que não foi muito.

Harry mudou de telefone e de endereço, e eu não tinha mais nenhum dos dois. Ron, por sua vez, mantinha um contato tão constante que nem parecia que ele não morava mais algumas ruas adiante, mas não compartilhava isso comigo e nem eu pedia a ele que o fizesse. Minha relação com meu irmão era e continuava sendo ótima, mas ele se reservava o direito de não ser minha fonte de notícias, e eu o entendia e confiava que a mesma regra valia para o outro lado.

Aquele ato falho que resultou em uma ligação impensada mexeu comigo, porque foi a primeira vez que notei uma barreira entre nós, e isso foi notável até no meu comportamento pelos próximos dias. Meus pais e eu nunca tivemos uma relação tão estreita de amizade, então eu apenas os notava me olhando questionadores em algumas ocasiões, mas guardavam para si suas observações enquanto eu guardava para mim os meus motivos. Ron, ao contrário, me alugava em longas conversas divertidas e propositais e algumas vezes apenas me dizia que se eu estava certa da minha decisão poderia ficar tranquila porque essa fase ruim iria passar, como já havia passado uma vez.

Com a distância agora tão palpável foi inevitável fugir de alguns lapsos de arrependimento pelo rumo que eu dei ao nosso relacionamento, e impossível compartimentalizar meus sentimentos como eu fazia antes com sucesso. Tudo o que guardei tão bem por anos agora parecia dançar ao vento na minha cabeça e diante dos meus olhos, me fazendo lembrar dele com o que quer que acontecesse: desde passar na frente do seu restaurante preferido a rir sozinha quando me vinha alguma piada ridícula que ele contava.

O dia que abri a gaveta errada do escritório ao procurar um bloco de anotações e encontrei as chaves da casa da montanha, então, foi como se algo tivesse entrado em luto dentro de mim. Fechei o compartimento com força, esqueci do bloco e até do que iria escrever, e me afundei em um prato de brigadeiros apenas para comprovar que a história de que isso tornava as coisas melhores era uma tremenda lenda mentirosa.

Tudo piorou consideravelmente quando, três semanas após passar uma hora conversando sobre minhas qualificações profissionais, recebi outro não como resposta. Eu falava com Harry primeiro sempre que algo não dava certo e ele me animava como ninguém, sem forçar a situação ele dizia exatamente tudo o que eu gostaria de ouvir, e agora olhar para o celular me lembrava apenas que eu não tinha mais como entrar em contato.

Em nenhum outro dia ele me fez tanta falta como nesse momento, quando parecia que nada estava dando certo. Sem sucesso em retrair meus sentimentos, agora eu sentia falta do beijo, do abraço, da presença dele, dos cafunés que ele me fazia assistindo filme, da atenção e do carinho, do meu amigo e cúmplice para várias coisas.

Para ajudar eu me lembrei também que na última vez que recebi uma resposta negativa em minha tentativa de iniciar a vida profissional Harry disse que me amava e eu disse que ele era o melhor amigo do mundo. Tal fato precedeu o beijo que ele me roubou e para o qual eu dei uma resposta patética. A junção de tudo isso fez eu me sentir burra, sem nenhum outro termo ameno para substituir esse e ainda expressar com perfeição.

Continuei não tendo sucesso em esquecê-lo, mas eu ainda conseguia refrear os impulsos de retomar o contato. Eu sabia o que diria se nos falássemos, e então eu seria a impulsiva dessa vez. Eu estava sofrendo e sentindo muito sua falta, mas mantinha minha posição de que não se tomam decisões assim por euforia, por isso eu inventava qualquer outra coisa para fazer quando a vontade de pegar o computador e mandar uma mensagem era grande demais.

Dias depois Luna me ligou e convidou para dormir na casa dela e assistirmos juntas a um filme que lançaria na TV a cabo. Coloquei as poucas roupas necessárias na mochila, vesti o casaco que me protegeria do tempo já frio e fui até o quarto do Ron informar que dormiria fora e pedir a ele que avisasse nossos pais. Ouvi sua voz através da porta fechada e deduzi que ele estivesse no telefone, então não bati na porta ao entrar.

—Ron? - Chamei já dentro do quarto e esperei ele se virar para me olhar.

A mesa com seu notebook ficava de frente para a entrada, e quando ele se afastou eu pude ver que na verdade a conversa era com Harry através de transmissão de vídeo. Senti meu coração acelerar e as bochechas corarem quando o vi ainda rindo, logo antes de fechar a cara e só encarar o que certamente era minha imagem em sua tela. Por falta de reação melhor eu mordi o lábio e esqueci o que ia dizer.

—Você ia me dizer alguma coisa? - Meu irmão perguntou, se esforçando para ignorar a situação.

—Ah, sim. Vou dormir na casa da Luna, você avisa mamãe e papai, por favor? - Pedi mais baixo do que o normal, sentindo meu rosto quente.

—Aviso sim, fique tranquila. - Confirmou e continuou me olhando, dividido entre divertido e culpado.

—Obrigada. - Agradeci e antes de me virar para sair forcei minha voz a expressarem bons modos. - Olá, Harry, bom te ver.

Sem alterar sua expressão e ainda com o queixo apoiado sobre as mãos ele respondeu:

—Bom te ver também, Gin.

Acenei brevemente e saí, fechando a porta atrás de mim. Parei do lado de fora e respirei para aliviar o impacto de vê-lo pela primeira vez depois da nossa despedida desastrosa, ficar atrás da porta do quarto do meu irmão enquanto isso foi proposital para tentar ouvir alguma coisa, mas só o que escutei foram os sons de seus dedos batendo nas teclas, indicando que não conversariam mais por áudio.

Dirigi até a casa de Luna pensando com tristeza quando foi que nossa convivência se resumiu a um simples "bom te ver" depois de mais de dois meses sem nenhum contato. Seja o que for que eu pretendia que acontecesse depois daquela nossa conversa, estava tudo indo por água abaixo, inclusive minha certeza de que não ficarmos juntos era o certo a se fazer. Como poderia ser certo nos darmos tão bem, nos completarmos em tantos pontos e estarmos sofrendo longe um do outro?

Desci do carro carregando minha pequena bagagem e contando com o bom humor e espiritualidade da minha amiga para ter uma noite agradável e divertida, como deveriam ser todas as noites de uma pessoa feliz e bem resolvida, em paz com as próprias decisões. O que definitivamente não era o meu caso.

Nos cumprimentamos e ela voltou à cozinha para terminar de preparar alguns aperitivos que comeríamos durante a sessão enquanto eu ia até o quarto deixar minha bolsa. Na volta me encostei no balcão ao seu lado e puxei uma conversa normal, que certamente nos levaria por assuntos casuais e leves.

Conversamos banalidades, falamos bastante bobagens, ela me contou algumas coisas sobre seu trabalho e eu informei as últimas novidades sobre ainda não ter um. Nos sentamos sobre o tapete da sala com duas taças de vinho e um prato cheio de frios que nos alimentou durante boa parte do filme que passava.

Luna não poderia ter pensado num momento melhor para escolher uma comédia romântica daquelas bem lindas e emocionantes, onde as coisas dão certo no final apesar de tudo, e isso me deixou ressentida e saudosa. O vinho que tomamos contribuiu também para minha sentimentalidade dobrar de tamanho, principalmente porque a última ocasião em que eu havia tomado um não me saía da cabeça.

—O que vamos assistir agora, Lulu? - Questionei excessiva e propositalmente animada quando as letras pequenas subiram na tela, após a típica declaração mútua de amor e as promessas de ficarem juntos para sempre.

—Fico até com saudade do Harry aqui para me defender desse apelido. - Lamentou rindo, com um comentário inocente.

Eu estava me inclinando para deixar a taça apoiada na mesa de centro quando ela disse isso, mas me deixei cair novamente encostada no sofá ainda com ela em mãos. Eu não queria falar de Harry, mas ao mesmo tempo queria desabafar e contar tudo o que aconteceu a alguém, eu também não queria ouvir as pessoas falando dele com tanta naturalidade como se não fosse nada demais ele não estar aqui, mas ao mesmo tempo queria que me contassem tudo o que ele estava fazendo sem mim em sua nova vida.

A confusão de sentimentos escolheu justo esse momento para entrar em colapso, então bastou Luna me olhar e perguntar o que houve para eu me derramar em um choro sentido muito semelhante ao de anos atrás, quando eu ainda falava sobre isso com ela.

Sua cara me deu a certeza de que ela não estava entendendo nada, mas isso não a impediu de se sentar do meu lado, tirar a bebida de minhas mãos e escorregar os dedos por meus cabelos enquanto eu desabava em um silêncio repleto de soluços. Vários minutos depois, quando me levantei e fui até o banheiro pegar um pedaço de papel, já mais controlada, ela repetiu sua pergunta sobre o que tinha acontecido.

—Quer me contar o que está havendo? - Perguntou com sutileza, mas me olhando curiosa.

—É uma longa história. - Contestei um pouco envergonhada.

—Ainda bem que temos a noite toda, não é? - Comentou insistente e me acompanhou quando eu ri.

—Harry, de novo, foi o que aconteceu. Sempre Harry. - Comecei pelo resumo que a faria entender o que desencadeou essa cena.

Sua cara de surpresa e compreensão foi cômica, como normalmente eram suas expressões faciais.

—De novo o Harry? - Questionou confusa.

—Eu diria que ainda o Harry. - Confessei e limpei o rosto com as costas das mãos.

—Só o fato de ele se mudar já te fez ficar assim de novo?

—Na verdade não foi só isso. - Informei e respirei fundo antes de começar a história pelo início. - Lembra a viagem que você e o Ron marcaram conosco e depois não puderam ir? - Perguntei e ela assentiu. - Então, nós fizemos sexo.

—Vocês o que? - Perguntou esganiçada e se inclinando em minha direção com os olhos arregalados. Seu exagero me fez rir e balançar afirmativamente a cabeça. - Mas como? Do nada, assim? Eu vi vocês aqui em casa depois disso, naquele dia em que jantamos juntos, vocês estavam normais.

—Nós ficamos normais mesmo, nada mudou por causa disso. Eu fiquei bem, ele ficou bem e estava tudo certo. - Confirmei sua afirmação.

—E o que mais faltou acontecer, então? - Perguntou irônica.

—Ele se declarar e dizer que recusaria a proposta da empresa se eu ficasse com ele. - Contei sem graça, já prevendo sua reação, e por fim completei. - Eu eu dizer não.

Luna abriu tanto a boca que foi engraçado, depois ela sacudiu a cabeça um pouco e pediu, confusa e incrédula:

—Por favor, me conte tudo por ordem cronológica e com detalhes, porque eu quero acreditar que tem um motivo muito bom para você ter dito não e agora estar aqui deplorável desse jeito.

Eu ri do seu exagero e narrei a história desde o começo, com todos os detalhes pertinentes e os adicionais que ela pediu. Contei a ela do beijo que ele me deu sem aviso, nossa conversa, meus motivos para ter negado, quando ele ia embora sem se despedir e eu o chamei, sua negação em falar comigo e, por fim, quando o vi hoje pelo computador do Ron antes de vir encontrá-la.

Terminei e fiquei em silêncio vendo ela me olhar inexpressiva por um momento, até por fim dizer:

—Me fala de novo, por favor, por que mesmo você ouve o cara por quem é apaixonada desde criança dizer que quer largar tudo para ficar com você, e diz não?

Revirei os olhos antes de responder diante de sua visível discordância:

—Porque não se decide isso por impulso, Luna. Eu não vou ser a pessoa pra quem Harry vai olhar e dizer que não está numa situação melhor por causa dela. - Expliquei dando de ombros. - Além disso, o que adianta dizer sim agora e daqui um ano ele perceber que se enganou e só estava confuso? Prefiro não me decepcionar.

Ela me olhou incrédula por um tempo, até eu me irritar:

—Não contei tudo isso só para você ficar me olhado, fale alguma coisa, por favor.

—Ginny, desculpe a sinceridade, mas vocês são dois burros. - Falou com naturalidade, e mesmo não sendo o que eu esperava ouvir tive vontade de rir. - Você foi burra e covarde, ele só foi burro mesmo.

—Obrigada por me animar, está ajudando bastante. - Agradeci lançando mão de todo meu sarcasmo. - Mais alguma palavra de incentivo ou é só isso por hoje?

—Você queria dizer não? - Perguntou ignorando tudo o que eu falei. - Sinceramente, pensando só em você e esquecendo o medo, você queria dizer não?

Não precisei pensar nisso por muito tempo, a resposta já estava na minha cara:

—Eu queria dizer sim, claro. Mas como eu não pensaria nele também e em tudo o que estaria abrindo mão? Não quero ser a causa da sua insatisfação no futuro.

—Ginny, se alguém por quem você é louca diz que está disposto a abrir mão do que quer que seja por você, você aceita. Sabe por que? - Afirmou categórica e  não esperou minha resposta. - Porque você não pediu que ele fizesse isso, e se mesmo assim está fazendo é porque você vale a pena.

Suas palavras me deixaram pensativa, mas eu decidi continuar o assunto antes de me aprofundar nessa reflexão:

—Da minha parte eu entendi, mas ele é burro por que? - Quis saber, mantendo os mesmos termos que ela usou.

—Porque não é como se tivessem dito que ele deveria se mudar de continente, não é? - Disse como se fosse óbvio. - Por favor, ele estaria a uma hora de carro daqui e já acha que tem que escolher entre você e o trabalho? Cadê o senso lógico dele para saber que é perfeitamente possível ter as duas coisas? Ele estava disposto a perder a oportunidade e não pode dirigir um pouquinho todo final de semana?

Ouvindo-a falar assim me parecia bastante óbvio mesmo, mas era um ponto de vista que eu também não tinha considerado. Mais do que o argumento anterior, esse me deixou pensativa de um jeito esperançoso. A sensação foi boa, mas era exatamente o que eu queria evitar nessa fase de confusão.

—Ainda temos o risco disso tudo ser uma empolgação passageira por parte dele, não é? E depois? - Finalmente expressei a possibilidade que mais me machucaria, caso verdadeira.

—Covardia nunca combinou muito com a sua personalidade, Gi. Por que isso agora? - Rebateu com outra pergunta.

—Harry mexe até com isso. - Assumi e ela sorriu compreensiva.

Olhei para a mesa de centro e avistei minha taça ainda com um pouco do vinho que não terminei de tomar. Me inclinei e a apanhei novamente, bebendo um longo gole enquanto pensava no que ela tinha tido, e Luna tinha razão, o medo nunca foi muito a minha cara. Somado a isso, eu estava com saudade, com vontade de conversar com ele e cansada de reprimir tudo isso.

—O que você acha que eu deveria fazer? - Pedi sua opinião e ela sorriu satisfeita com isso.

—Primeiro deve ser uma amiga melhor e não esperar meses para me contar as melhores fofocas. - Advertiu e eu gargalhei, agradecida por ela descontrair a situação. - Você disse que nunca mais conversaram, não é? Ligue para ele, retome o contato e seja o que Deus quiser.

—Ele mudou de telefone, não tenho mais o número. - Até dizer isso me deixou triste.

—Você quer dizer a uma pessoa da área de informática que o telefone é sua única forma de se comunicar? Pense nas redes sociais, Ginny. - Solucionou meu problema apresentando uma alternativa óbvia e fácil.

Tudo o que meu cérebro estava procurando era um argumento convincente para dar vazão à minha vontade de ir atrás dele de alguma forma, e foi exatamente isso o que Luna me deu. Ela mal terminou de falar e eu me inclinei o suficiente para pegar meu celular em cima do sofá. Antes que eu o desbloqueasse, porém, ela o tomou de mim:

—Às duas da manhã? Sério? - Questionou divertida, me fazendo rir envergonhada. - Parecer desesperada não vai melhorar sua vida. Faça isso amanhã depois do almoço, num horário decente e confortável o suficiente para conversarem com calma.

Com relutância aceitei que ela tinha razão e agradeci o conselho, mas apenas com muita insistência interna me forcei a dormir um tempo depois, já perto de amanhecer e após o segundo filme da noite. Acordei perto da hora do almoço e fui para casa ansiosa para falar com ele, e no caminho até lá imaginei milhares de maneiras diferentes para chegar ao assunto que eu queria: nós dois.

Apenas minha mãe estava em casa, e eu dei um beijo rápido nela antes de ir até meu quarto e ligar o computador. Não me preocupei em fechar a porta antes de me sentar em frente a ele e torcer os dedos enquanto o sistema operacional era iniciado. Desde que tudo aconteceu não olhar as notificações de Harry e sua movimentação social fez parte da minha estratégia de me manter indiferente, e essa seria a primeira vez que eu faria isso desde então. Abri o navegador, fiz meu login e não me preocupei em ver as notificações antes de digitar seu nome no campo de busca.

Não foi com uma sensação agradável que eu vi o site indicar que aquele perfil não poderia ser acessado, menos agradável ainda foi a minha incredulidade quando me toquei e expressei em voz alta o que havia acontecido:

—Aquele filho da puta me bloqueou! - Exclamei indignada, clicando incessantemente no link de pesquisa e vendo sempre a mesma coisa aparecer.

Aparentemente minha reclamação não foi tão contida assim, porque em instantes uma voz familiar e amável soou da porta:

—Você está falando do Harry? - Minha mãe perguntou com os braços cruzados.

Me virei para olhar para ela e assenti que sim, era dele que eu falava. Ela entrou e se sentou na minha cama, de frente para mim, anta de sugerir:

—Por que não me conta o que está havendo entre vocês?

—Não sei por onde começar. - Assumi mordendo o lábio.

—Comece me dizendo por que ele não queria se despedir de você. Suspeito que esse seja o mesmo motivo pelo qual você estava andando triste por aí. - Propôs.

Sabendo que ela me ajudaria se pudesse e que independente disso me animaria de alguma forma, excluí os detalhes desnecessários e contei a ela tudo o que já tinha dito a Luna horas atrás.

—Você já deve ter percebido que a possibilidade de se machucar ainda é mais atrativa do que o peso de não tentar, não é? - Questionou e eu assenti. - Você nunca vai saber se não arriscar, e por tudo que me disse é hora de você ir atrás.

—Não tenho como entrar em contato com ele. - Lamentei e então me expliquei. - Sem que ele concorde Ron não vai me passar seu novo número e eu não gostaria de fazer isso mandando um recado pelo meu irmão.

—Realmente não seria muito apropriado mandar um recado.

—Então o que eu faço? - Perguntei esperando uma sugestão milagrosa.

—Pense, Ginny, você é muito esperta para não ter em mente nenhuma ideia. - Afirmou como se fosse óbvio. - Mas não deixe de fazer algo para se sentir melhor, não gostamos de te ver triste assim.

Assenti e agradeci antes que ela saísse e me deixasse sozinha novamente. Pensando com calma sobre a situação cheguei a conclusão de que se ele havia quebrado essa possibilidade de contato significava que não havia indiferença ali, apenas um meio de não precisar conviver com a minha lembrança de nenhuma maneira, e isso me animou um pouco.

Como minha mãe havia dito, eu realmente tinha uma ideia em mente, mas que me obrigaria a passar por cima de todo o meu orgulho ao ser executada, e isso era o que me deixava relutante. Ir atrás dele já era uma rendição que o faria rir de canto com aquela cara vitoriosa que eu já conseguia imaginar perfeitamente, mas a única possibilidade que me ocorria nesse momento para conseguir entrar em contato diretamente com ele envolvia uma pessoa cuja reação e disponibilidade em ajudar não me eram certas.

Pensei em recuar e desistir dessa ideia, mas o que minha mãe e Luna disseram era verdade: medo não era muito a minha cara, e o peso da dúvida é quase esmagador. Respirei fundo na tentativa de me preparar e controlar a vergonha que me encontraria quando eu ouvisse "alô". Depois de chegar à conclusão de que essas tentativas eram inúteis, me enchi de coragem e peguei o telefone. Os três toques de chamadas antes de minha ligação ser atendida foram infinitos e eu senti meu rosto esquentar no momento em que ouvi a voz familiar do outro lado.

—Tia Lily? - Consegui dizer com calma, como havia ensaiado. - Sou eu, Ginny, podemos conversar?


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoas lindas!
Oito mil palavras de POV Ginny está bom para vocês? haha
E então, as razões da nossa psicóloga ficaram claras? Complicada essa moça, não?!
Estou ansiosa para saber a opinião de vocês sobre tudo isso.
Não deixem de me dizer o que estão achando e o que acham que vai acontecer daqui para a frente.
Já não vejo a hora de ler os comentários de vocês, então não me decepcionem ;)
Prontos para a próxima fase de Impasse? *--*
Obrigada por comentar e até a próxima semana.
Beijos!



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