Impasse escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 11
Capítulo 10




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Luna era um pouco diferente. Entre nós quatro ela sempre foi a amiga nerd, aquela que vivia enfiada em livros de fantasia, participava dos eventos promovidos por suas editoras, comparecia às pré estreias daqueles que viravam filmes devidamente caracterizada e colecionava tudo que fosse relacionado a eles.

Ela passou a  infância tentando desvendar mistérios que ela mesma inventava e montando quebra cabeças gigantes, durante a adolescência descobriu o mundo dos jogos de lógica e a graça de abrir e explorar aparelhos eletrônicos e agora, quando adulta, fez um apanhado geral de suas preferências e tornou isso tudo sua profissão como programadora de softwares e jogos de computador.

Sua mãe havia falecido quando ela era ainda muito nova, e o pai muito sabiamente a incentivou desde criança a se dedicar àquilo que gostava e a aprender e desenvolver-se cada vez mais.

Alguns anos atrás, quando ela e Ginny terminaram o último ano de escola regular, ele decidiu que a filha já tinha idade e juízo suficientes para morar sozinha e seguiu sua própria ambição de vida: mudou-se para uma comunidade orgânica no interior, daquelas com muita natureza e quase nenhuma tecnologia. Luna até foi convidada, mas dado seu histórico a recusa não foi uma surpresa.

Ela se adaptou muita bem à vida solitária em casa e não fez muitas mudanças no ambiente. A mais visível delas foi se mudar para o quarto maior e equipar seu antigo seus livros de programação e computadores, tão modernos que eu não ousaria nem tentar ligar, para transformá-lo em um escritório onde faz home office e trabalha em alguns projetos próprios. A mais aconchegante foi espalhar pela sala alguns pufes infláveis e muito confortáveis, um dos quais eu estou sentado agora.

—Obrigada, Lulu. - Ginny agradeceu a garrafa de cerveja que ela lhe entregou.

—Lulu não, Ginny, por favor. - Pedi franzindo o cenho para esse apelido horrível com que ela se referia à amiga. - Obrigado, Luna. - Agradeci a minha garrafa e ela riu da minha defesa.

—É carinhoso, oras. - Ela se defendeu. -  E além disso ela gosta.

—Eu me acostumei. - Luna comentou conformada, me fazendo rir e arrancando de Ginny uma careta.

Ron não quis se juntar a nós porque iria jantar com os pais de Hermione pela primeira vez, então Ginny e eu o deixamos sozinho para ficar nervoso sem constrangimentos e viemos  aproveitar o convite de Luna para comer pizzas que ela mesma faria.

Ela nos entregou as bebidas e foi até a cozinha verificar se a massa já estava em ponto de ser aberta, e eu me virei para Ginny quando ficamos sozinhos:

—O que foi que está com essa cara de acabada? - Questionei quando a vi deitada de costas com os olhos fechados.

—Treino novo na academia, estou acabada mesmo. - Confirmou e virou o rosto para me olhar. - Você podia me fazer aquela massagem, não é? - Pediu com a expressão empolgada.

—Não sou fácil assim, não. Para ter meus serviços tem que me conquistar primeiro. - Neguei e ela gargalhou com vontade.

—Só quero uma massagem, moço de família. - insistiu.

—Você também disse isso da última vez. - Argumentei e rimos mais.

Essa foi a primeira vez que falamos sobre a nossa noite depois da viagem, e eu o fiz com uma certa expectativa sobre como seriam nossas reações. A dela foi normal, riu como quando qualquer outra piada é dita, mas eu me senti estranhamente ansioso para sua resposta e as possibilidades daquela suposta massagem.

—Da última vez não prometi nada, mas se está tão preocupado assim eu prometo não te agarrar. - Brincou.

Eu aproveitei a brincadeira do momento e abri a boca para dizer que ficasse a vontade para isso também, já que entre nós as coisas voltaram à mesma naturalidade de antes depois da primeira e única vez, mas nessa hora Luna nos interrompeu voltando da cozinha:

—Do que estão rindo? - Quis saber e se sentou em um pufe do outro lado da sala.

—Harry faz uma massagem ótima, sabia? - Ginny contou e ela me olhou surpreso. - E não quer fazer em mim.

—Mas que maldade, Potter. - Luna ironizou, me fazendo rir e Ginny revirar os olhos para sua falta de compaixão.

—E nossa pizza? - Perguntei, mudando o foco da conversa.

—Quando quiserem podemos abrir a massa e preparar, já está no ponto.

—Então vamos, estou com fome. - Ginny decidiu se levantando do sofá de um salto.

Luna não era o que se podia chamar de sucesso na cozinha, mas é uma das pessoas mais divertidas que conheço e isso valia todos os nossos encontros desde a época da faculdade, então ainda que o gosto não fosse dos melhores as risadas roubariam nosso foco.

Jantamos na sala enquanto a anfitriã nos contava com visível empolgação sobre um jogo lógico que estava desenvolvendo em conjunto com uma colega de trabalho e o quão ansiosa estava para disponibilizar o download em grande escala, e nós dois ouvimos a todos os termos técnicos muito atentamente mesmo que quase nada fosse compreendido.

Normalmente, quando visitamos a casa de nossa amiga em comum Ginny fica para passar a noite e conversarem com mais privacidade, mas no domingo pela manhã Luna já tinha um compromisso. Por isso entramos em meu carro mais cedo que o de costume para que eu a deixasse em sua casa antes de seguir para a minha.

—Obrigada pela carona, Harry. - Ela me agradeceu quando parei o carro rente ao meio fio.

—Por nada. - Respondi correspondendo ao beijo em minha bochecha quando ela se inclinou em minha direção.

Esperei ela pegar a bolsa apoiada no banco traseiro e antes que se virasse para sair eu a chamei:

—Ei, Ginny. - Ela me olhou antes que eu continuasse. - Falou sério sobre a massagem? Posso fazer se quiser.

Ela achou graça da minha pergunta e riu antes de responder:

—Obrigada, muito gentil da sua parte, mas eu estava brincando. Vou tomar um banho quente na banheira dos meus pais, sempre funciona e não dá trabalho para ninguém. - Negou se explicando.

—Não é trabalho nenhum, mas você que sabe.

—Além disso, você teria que me conquistar primeiro. Sabe como é, não é? - Me imitou e foi minha vez de gargalhar.

—Vai logo para dentro porque você já está se achando. - Respondi sua brincadeira e ela saiu do carro rindo.

—Boa noite, Harry. Obrigada de novo. - Agradeceu novamente apoiada no vidro aberto da porta do passageiro.

—Boa noite, Gi. Sempre que precisar.- Falei antes que ela saísse em direção à casa.

Esperei que ela entrasse antes de seguir meu caminho, e durante todo o trajeto um sorriso de satisfação dançou no meu rosto ao lembrar das gargalhadas que ela soltou com meus comentários. Eu sempre gostei do jeito que Ginny ri, descontraída e um pouco largada, jogando levemente a cabeça para trás e produzindo um som até um pouco escandaloso, mas que é único.

A segunda-feira me recebeu com uma quantidade de trabalho que eu não tinha o tempo todo, então ao mesmo tempo que a empolgação de um projeto novo me envolvia o cansaço também me dominava ao final do dia.

Recusei o convite para o happy hour na quarta com o pessoal do trabalho, mas aceitei beber uma cerveja com o Ron na quinta-feira a noite. Fui direto do escritório e nos encontramos em um lugar simples e confortável, onde nos sentamos em bancos mais altos dispostos ao lado do balcão.

Conversamos banalidades por bastante tempo enquanto esgotamos nossas porções e alguns chopes. Ele me contou que achava que estava gostando mesmo de Hermione e eu disse que também achava isso, porque ele já estava ostentando aquela típica cada de bobo de quando estamos apaixonados.

—Por que Ginny não veio? - Perguntei depois de algumas risadas.

—Porque eu não convidei. - Respondeu dando de ombros.

—Mas por que não?

—Para podermos conversar, oras. - Explicou como se fosse óbvio.

—Ela nunca nos impediu de conversar, isso foi maldade da sua parte. Sinceramente eu acho muito egoísta o que você fez, porque agora ele deve estar sozinha em casa e nós dois nos divertindo. - Expus meu ponto de vista e notei que ele segurou uma risada.

—Pode deixar, não vai se repetir. - Desculpou-se enquanto comia uma batata. - Sabe, Harry, acho que devo te pedir desculpas. Se eu soubesse que era você quem ficaria assim teria dado o soco nela.

Ele gargalhou da própria piada e eu o olhei abismado até que parasse.

—Como você é ridículo, Ronald. - Comentei e ri também, mais de sua expressão do que da piada em si.

—Você passa uma noite com ela e já fica todo apaixonadinho e o ridículo sou eu? - Desafiou e eu revirei os olhos decidido a nem dar ouvidos àquele absurdo.

—Cala a boca, cara. - Foi meu único comentário.

—Ginny deve mandar muito bem. - Ponderou e eu não consegui mais me manter sério.

—Se eu te contar alguns detalhes vou levar outro soco? - Entrei na brincadeira e questionei.

—Provavelmente.

—Então vou guardar só para mim mesmo. - Observei conformado.

Ele também veio direto do trabalho, então nos despedimos na calçada em frente ao seu carro um tempo depois e eu segui até onde o meu havia ficado estacionado.

Terminei a semana exausto, mas com o meu esboço já completo e muito satisfeito com os resultados obtidos até então, assim aproveitei toda a manhã de sábado para dormir.

Pulei o horário do café da manhã e desci direto para o almoço com meus pais, de quem eu já conseguia ouvir as vozes no andar inferior. Não me preocupei em mudar de roupas, então apareci na cozinha apenas com minha calça de moletom do pijama e chinelos.

—Bom dia. - Os cumprimentei e dei um beijo em cada um.

Esperei que eles terminassem o que estavam preparando enquanto eu colocava pratos e talheres na mesa. Almoçamos tranquilos e mantendo uma conversa que girou quase completamente em torno dos últimos acontecimentos da minha semana, não que houvesse algo extraordinário a ser dito, mas eles gostavam de perguntar.

—Lily, amor, precisamos ir. - Meu pai anunciou depois de checar as horas no relógio de pulso.

Ela acenou que sim e pediu que esperasse enquanto terminava seu prato.

—Vamos ao cinema, quer vir conosco? - Ele convidou.

—Não, obrigado, vou ficar por aqui mesmo. Dei uma olhada na Internet ontem e não tem nada interessante em cartaz.

—Vamos assistir aquele novo de ação. Também não achei interessante, mas James não terá paz se não for. - Minha mãe opinou e nós dois rimos.

—Podem ir, eu tiro a mesa e lavo a louça.

—É claro que você lava, nós fizemos o almoço e isso quer dizer que a louça é sua. - Ela reafirmou mostrando que isso era óbvio e matando meu tom de favor.

Isso arrancou do meu pai uma risadinha zombeteira.

—Sim, senhora. Vai estar tudo limpinho. - Afirmei e ambos riram de mim.

Os dois se levantaram e foram em direção às escadas para mudar de roupas antes de sair e eu me empenhei em minha tarefa de organizar as coisas. Ganhei um beijo de despedida alguns minutos depois e então fiquei sozinho em casa.

Terminei vários minutos depois e voltei ao meu quarto tempo suficiente para pegar meu notebook e descer novamente para me aconchegar no sofá da sala.

Liguei a TV em um talk show para preencher o silêncio e me concentrei na tela do meu computador. Limpei meu email pessoal, verifiquei as notificações da minha rede social, marquei Ron, Ginny e Luna em dois vídeos engraçados e curti uma foto de Jefrey com as crianças antes que meu celular tocasse.

Era Ron, me perguntando se eu estava a fim de comer uma pizza hoje. Respondi que sim, mas não na minha casa porque eu havia acabado de lavar a louça e não iria sujar tudo de novo.

—Vou dizer à tia Lily que você está reclamando e sendo mal educado comigo. - Ameaçou como quando éramos crianças e eu ri antes de ofendê-lo apenas com uma palavra. - Vem para cá, então.

Aceitei seu convite e demorei apenas tempo suficiente para vestir uma roupa mais apresentável antes de sair de casa. Parei meu carro no lugar de sempre e toquei a campainha quando cheguei à porta.

—E aí, cara? - Cumprimentei meu amigo assim que a porta foi aberta.

Antes que ele me respondesse a voz de Ginny soou apressada vinda do seu quarto:

—Deixa aberto, por favor. - Pediu e eu me virei a tempo de vê-la caminhar em nossa direção e procurar algo na bolsa ao mesmo tempo. - Oi, Harry.

Ela estava usando um vestido azul e rente ao corpo, cujo comprimento a cobria quase até os joelhos e ostentava pelo menos dez centímetros a mais de altura devido ao salto preto sobre o qual se equilibrava com graça.

—Oi. Nós vamos sair? - Perguntei confuso, vendo que ela estava arrumada demais para ficar em casa.

E incrivelmente bonita, como consequência.

—Nós não, eu vou sair. - Explicou e puxou de dentro da bolsa a chave do próprio carro. - Achei!

—Com a Luna? - Questionei apenas como hábito, porque as vezes as duas saíam sozinhas.

—Não, com o Colin. - Me corrigiu e eu senti meu sorriso diminuir com isso.

—Quem é Colin? - Perguntei interessado, mas não consegui esconder o descaso na voz.

—O rapaz que me mandou aquele bilhete no restaurante, lembra? Desde aquele dia estamos conversando bastante, então decidimos nos encontrar. - Contou como se não fosse nada demais antes de se apoiar no meu ombro e dar um beijo no meu rosto. - Tchau, Harry.

Só notei novamente a presença do Ron quando ela fez o mesmo com ele.

—Tchau, Gi. Divirta-se e qualquer coisa me ligue. - Ele se despediu dela, o riso contido na voz.

Não esperei ela sair para me virar e caminhar até o sofá, onde me joguei sentado para ponderar em silêncio minha indignação com seu descaso ao sair de casa para encontrar um idiota qualquer quando eu já tinha dito que viria aqui. Ron sentou-se no assento em frente ao meu ainda com cara de deboche e esperou alguns segundos antes de se manifestar, vendo que eu não diria nada:

—Ficou bravinho por que ela saiu? - Perguntou com sarcasmo.

—Claro que não, Ginny pode sair com quem ela quiser e quando quiser, oras. - Respondi como se fosse óbvio e ele riu, mas não falou mais nada.

A temporada de basquete já havia começado, então passamos a tarde toda entretidos nos jogos e programas de comentaristas esportivos para nos informarmos sobre as chances de que nosso time seja o campeão. O silêncio não era uma atitude típica minha, mas aproveitei a atenção que os programas de TV exigiam para me manter calado, pois minha vontade de me expressar não estava muito presente desde que cheguei aqui.

Pedimos comida chinesa para o jantar e eu ouvi com atenção parcial quando Ron começou a me contar sobre uma possível promoção no trabalho e a respeito de uma viagem que Mione faria na próxima semana com algumas amigas. Soltei algumas exclamações nas horas certas, mas no geral continuei quieto.

—Você vai mesmo ficar a noite toda emburrado? - Questionou incrédulo.

—Já disse que não estou emburrado porque Ginny saiu. - Repeti sem paciência. - Se quer saber eu acho muita desfeita ela ter saído com esse idiota mesmo quando sabia que eu estava vindo para cá. Mas tudo bem, não tem problema. - Desabafei exasperado.

Ele não disse nada por um momento, mas pela expressão que fazia e o jeito diferente que me encarava, como se tentasse adivinhar alguma coisa, eu soube que ele estava especulando alguma coisa.

—Harry?

—O que é? - Falei sem vontade de continuar esse assunto.

—Eu não disse que você estava emburrado por causa dela. - Comentou despretensioso, com um sorriso de canto prepotente.

—Cala a boca, Ronald. - Foi a coisa mais sensata que consegui responder.


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Notas finais do capítulo

Olá, meus lindos!
E então, o que acharam do capítulo? Daqui pra frente algumas reações do Sr. Potter ficam super legais.
Recebi uma dúvida bem preocupante em um comentário, e já adianto: não haverá nenhum tipo de problema de saúde e aqui ninguém vai morrer, podem ficar tranquilos. hehehe
Gostaria de agradecer de coração a todos os comentários maravilhosos que recebo, leio todos eles com o maior carinho do mundo e daqui para frente vou tentar respondê-los, prometo!
Não deixem de me contar se estão gostando e o que acham que vai acontecer daqui para frente.
Vejo vocês nos comentários!
Até o próximo,
Beijos!



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