Epifania escrita por Vaalas


Capítulo 10
Capítulo 10 ― Urso humano de vômito e hortelã


Notas iniciais do capítulo

EPIFANIA ESTÁ DE VOLTA, BABY.
Após um ano que pareceu dois, tiro Epifania do hiatus e a jogo na mão de Deus. Espero que alguém ainda esteja vivo do outro lado dessa tela, amém.
Um recapitulação pra quem não lembra de nada: Peter, cara estranho, bebeu muito e comeu muito no último capítulo. Alex, cara ok, carregou ele de volta pra casa e pra cama, mas acabou sendo usado de travesseiro.
É isso, boa leitura, não desistam de mim ahha



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31 de Março.

Pensei que não conseguiria dormir naquela noite, apesar de ter os olhos pesando de sono. Para começar, Peter me apertava como se eu fosse um ursinho de pelúcia, esmagando-me contra seu peito sem nenhum dó dos meus pulmões perdendo o oxigênio. Além disso, estava começando a ficar calor e era um tanto estranho dormir tão grudado com Miles. Dava para ouvir os batimentos cardíacos e a respiração dele, e isso é estranho, não dá para dizer o contrário.

No entanto, em algum momento despercebido por mim, eu dormi. Não saberia dizer quando, porque nunca se sabe o exato momento em que se dorme, mas ao acordar, senti logo a mesma respiração da noite passada no meu pescoço, e o mesmo braço esguio circulando meu corpo em um abraço.

Peter poderia dormir de vários jeitos, mas por algum motivo ele decidiu dormir respirando ar quente no meu pescoço. Lindo, não?

Busquei pelo relógio de cabeceira com o olhar, mas só então lembrei que Miles havia o arremessado em um gato vagabundo que entrou no quarto dele em uma manhã de domingo. Eu nunca cheguei a ver o tal gato, mas cheguei a escutar os gritos de Peter e os barulhos de objetos se quebrando quando ele acordou às 5:30h com um ser não identificado e peludo dormindo em cima de sua cabeça.

Pobre gato, espero que ainda esteja vivo.

De todo modo, não fazia ideia que horas eram e as cortinas pesadas do quarto do maníaco eram muito grossas para permitir a entrada de luz. Sempre fora assim, e ao menos agora eu posso abrir as cortinas da sala e proibir Miles de acender incensos loucamente pela casa.

— Alex... — Peter balbuciou, dormindo. Pouco depois ele riu debilmente. — Pare, seu loirinho idio...

E então a frase foi se perdendo até ele estar dormindo sem falar novamente. Tinha medo do que quer que ele estivesse sonhando, mais medo ainda em saber que eu estava no sonho dele.

Tentei tirar o braço dele de cima de mim, mas ele me puxou mais ainda e esfregou as bochechas no meu ombro. Acho que eu era mesmo um ursinho de pelúcia ali.

E Peter babava enquanto dormia.

Dez minutos depois eu consegui me livrar de Miles e fui ao banheiro. Escovei os dentes e liguei a ducha quente. Eu simplesmente adorava ducha fria, mas o clima estava congelante demais para me permitir um agradável banho frio. Na noite anterior eu não havia trocado de roupa, e as marcas do jeans mostravam-se pelas minhas pernas, além da sensação de estar sujo, já que passara boa parte do dia fora de casa, resolvendo os problemas dos peixes e sem tomar banho antes de dormir.

E ainda tinha o maldito trabalho que não consegui terminar! E mais, será que os peixes ainda estavam vivos no banco de trás do carro?

Suspirei e desliguei a ducha quando escutei a porta do banheiro se abrindo. Tínhamos um acordo naquele apartamento, pois o banheiro não tinha fechadura e etc. Não que tivéssemos problemas em nos ver nus, não erámos garotinhas ou algo assim, mas era um tanto constrangedor você estar na hora H e a porta ser aberta porque um indivíduo quer escovar os dentes. Então, para resolver esse problema, sempre que o banheiro está em uso é preciso colar um adesivo de caderno na porta e o tirar ao sair. Peter não tinha caderno, então ele colava um pedaço de folha A4 à base de cuspe e eu colava um adesivo da Coca-Cola.

Eu havia colado o meu adesivo ao entrar, lembrava bem.

— Mau dia, Alex — Era a voz de Peter, seguida pelo som de bocejo. — Estou com dor de cabeça, sensibilidade sonora, indisposição e vontade de vomitar, isso é normal?

— Miles! O que diabos você está fazendo? — Abri o box e o encarei.

— Me preparando para pôr para fora os quatro pedaços de bolo de rum da noite passada. — se ajoelhou na frente do vaso e me olhou. — Sinceramente, Alex, isso está óbvio.

— Quatro pedaços? — Puxei a toalha do cabide e comecei a secar os cabelos — Você comeu um bolo inteiro, Peter! Um bolo inteiro! Fora as taças de margarita!

— Hm. Isso explica muita coisa. — Seu corpo ricocheteou para frente, como que prestes a soltar as tripas pela boca. — Agora sai, sei por experiência própria que a imagem não é nada bonita.

Ele ricocheteou mais uma vez em direção ao vaso aberto e se apoiou na borda, enquanto isso eu enrolei a toalha na cintura às pressas e corri para trás dele. Seu rosto estava pálido e dava para notar que todo o álcool e bolo da noite anterior sairiam em poucos minutos.

— Tudo bem — Esfreguei suas costas e fiz careta — vomite.

Ele olhou para mim e sorriu negando com a cabeça.

— Você tão estranho, cara.

E então se jogou para frente e vomitou.

Ser chamado de estranho pelo cara estranho não estava na minha lista de desejos da vida, assim como ter um Peter de ressaca e assim como ter que cuidar dele. Odiava cuidar de pessoas doentes, odiava lugares muito escuros, odiava ter que sussurrar e Miles de ressaca me proporcionou tudo isso de uma só vez.

— Beba — pus a xícara em frente à ele e me sentei ao seu lado.

A sala estava coberta de escuridão, já que Miles fez questão de fechar as cortinas, desligar a TV. Apenas a luz do corredor estava acesa, o suficiente para eu me orientar e não cair em nada.

Peter nem havia ingerido muito álcool na noite anterior, mas o pouco que ingeriu foi o suficiente para torná-lo um quase-morto.

— Não gostei da aparência. — ele encolheu-se no lençol e ergueu o pescoço um pouco para olhar dentro da xícara. — Parece água suja.

— Deixe de ser tão criança. É chá de hortelã, faz bem para a ressaca.

— Prefiro deixar meu organismo se virar com a desintoxicação. — Virou o corpo para o outro lado, me dando as costas e se apoiando do braço engessado. — Só me dê água limpa, estou com sede.

— Peter Alguma Coisa Miles. — Nunca lembrava seu nome do meio. — Beba esse maldito chá agora ou eu vou abrir a porta e deixar Luke entrar.

Luke não desistia, no entanto notei nas últimas semanas que ele já não ficava mais de 15 minutos lá fora. Ele já nem batia, simplesmente gritava e chutava a porta no mesmo lugar que sempre chutava. Estava esperando o dia em que ele deixasse de ficar e apenas botasse um bilhete debaixo da porta.

A ameaça pareceu ter tido efeito, já que Peter virou-se lentamente e pôs os olhos para fora do lençol.

— Você não faria isso.

Sorri.

— Você sabe que eu faria. — cruzei os braços — Agora beba, é gostoso.

Miles resmungou algo, mas sentou-se, abraçou o lençol e olhou para a xícara à sua frente como se olhasse para um arqui-inimigo. Respirou fundo antes de pegar o pires e segurar a xícara.

— Já provei chá uma vez. É tão ruim quanto café. Amargo e com gosto de morte.

— Beba, Peter.

Ele fechou os olhos, parou de respirar e levou a xícara até os lábios, virando tudo de uma vez. Sorte da humanidade que eu não havia lhe dado totalmente quente. Podia imaginá-lo queimando a língua e gritando aos sete ventos o quanto odiava chá.

Após acabar, ergueu as sobrancelhas e olhou para dentro do objeto.

— É, até que é bom. — tossiu. — Agora me deixe dormir.

Sorri e levei a xícara com o pires até a pia. Peguei minha carteira no balcão, meu celular na mesa e voltei para a sala, indo até o sofá mais uma vez e sentando-me ao lado do maníaco. Levantei a franja dele e toquei a testa, não estava quente.

— Vou ao mercado, vai querer algo?

— Hunf! — bufou — Quero baterias para meu cigarro.

— Não acho que vendam isso lá. — continuei passando as mãos no cabelo dele. Era um cabelo macio, apesar dele nunca pentear ou passar condicionador, de uma cor muito escura. Depois de um tempo notei que estava fazendo cafuné nele, pois ele passou a se esfregar na minha mão como um gatinho se esfrega no dono em busca de carinho. Tive que rir daquilo. — Tem mais algo que queira?

Mas ele já dormia.


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Notas finais do capítulo

ALGUÉM AÍ, SENHOR?