21/06/2010

Jane,

Você estava certa em presumir que eu soube do que aconteceu pelos jornais. Eu estava em casa empacotando mais uma vez para a mudança - acabei por comprar mesmo aquela casa ideal a qual desejava e mencionei antes, e até o fim desse semana estarei em meu novo endereço, o colocarei no final dessa carta para que você possa encaminhar as suas novas para lá. Eu não estava realmente prestando atenção na reportagem, até que ouvi seu nome. Só então eu parei de fazer o que estava fazendo e aumentei o volume, e meu coração acelerou ao saber que você tinha estado lá. Medo me consumiu porque, como havia perdido metade da reportagem, não sabia se era você quem tinha sido atingida ou não. Troquei de canal várias vezes até encontrar um novo noticiário, e daquela vez soube que você estava bem.

Eu estava esperando tua carta. Eu sei que a jornalista disse que você estava bem, e ela até mesmo citou o nome de Lucy, mas eu precisava receber tua carta em mãos para... apenas ter certeza. É mais real assim; carrega um tanto de você. E você não sabe o alívio que é poder abrir e ler sua letra tão bem traçada no papel.

Jane, não se atreva a pensar por um minuto que deveria ter sido você. Eu posso apenas supor, considerando tudo o que você passou, que deve ser perturbador e angustiante o pós-trauma. Você pode estar até mesmo carregando um tipo de culpa específica em casos similares à esse: a culpa do sobrevivente. Mas me ouça, não havia nada que você pudesse ter feito diferente, Jane. Não foi você a carregar uma arma, não foi você a colocar um alvo no peito dela, e não foi você, principalmente, a puxar o gatilho.

A decisão de insistir foi dela, de acordo com o que você disse. Ela possivelmente sabia dos perigos envolvidos na decisão em que tomaria. Ela não fez isso para salvar você, Jane, logo não há razão para achar que a atitude dela é culpa tua. E o jovem homem que decidiu disparar a arma... Por que você acha que você seria capaz de fazê-lo mudar de idéia enquanto você mesma me disse que sabia que era momento para recuar? Que você estava até mesmo desarmada? Duas escolhas foram feitas ali, e nenhuma delas dizia respeito à você. Claramente a cena e seu desfecho dependiam apenas daqueles dois, e não poderia se esperar muita congruência vinda de um homem afetado por substâncias químicas. Não há nada que você pudesse ter feito para mudar o que aconteceu. Não se responsabilize pelas escolhas e atitudes de outras pessoas.

Colocar-se no lugar dela não é uma moeda de troca para se livrar do que você está sentindo agora, Jane. Eu sei que há sofrimento espalhado por todo lado: a filha de Lucy, os avós da menina, você. Mas não pense que se fosse você em vez de Lucy, não haveria sofrimento. Seriam seus pais, irmãos, colegas de trabalho. Eu. Nós todos sofreríamos, você apenas não saberia, não estaria aqui para presenciar. Então não carregue o peso do mundo em suas costas. De novo: não há nada que você pudesse ter feito. É triste, realmente, mas não é responsabilidade tua. Se há alguma forma de honrar o nome de Lucy, é fazer aquilo que você - que vocês - sempre acreditaram: combater o mal que existe no mundo. E é aqui que preciso concordar com tua mãe quando ela disse que você foi sortuda. Você foi. Mas apenas porque soube reagir corretamente à uma situação de perigo. Isso demonstra que você é capacitada naquilo que decidiu trabalhar.

Quanto aos sonhos, eles vão se apagar. Há uma técnica cuja qual consiste em tentar controlar e mudar o final do sonho, de modo que você pode finalizá-lo como quiser. Tente isso, tenho certeza de que pode te ajudar. Eles não vou durar por muito tempo, Jane. Você passou por um trauma, e considerando que não conversa com ninguém - sendo eu a exceção - se torna um pouco mais demorado o processo de elaboração. Escreva para mim, nesse caso, o quanto quiser.

Eu gostaria de poder fazer mais por você, de fazer com que você se sinta melhor. Eu espero que você entenda que nada daquilo dependeu em algum momento de você. Eu sei que não.

E Jane, toda confiança é recíproca.

Espero ouvir de você logo. E espero que você esteja melhor. Aqui segue meu novo endereço:

5801, Pickney Street.

Boston, MA, 01224

Por favor se cuide,

Maura