Aposta Perigosa escrita por Bardo Maldito


Capítulo 1
Aposta Perigosa


Notas iniciais do capítulo

Ante de começar, eu quero explicar algo aqui: essa fanfic é de autoria minha, mas a ideia principal (uma mulher que faz uma aposta com um homem homossexual sobre quem conseguiria ficar com uma garota primeiro) é de uma fanfic Original que li há muito tempo atrás. Essa fanfic em si é de minha autoria, o modo como foi escrita é de minha autoria, o modo como a ideia foi desenvolvida é de minha autoria, a adaptação pra Homestuck é de minha autoria, mas a ideia principal veio de outro autor. Infelizmente, não lembro o título da fanfic, nem o autor, mas se alguém souber dessa fanfic, por favor me avise, que colocarei os devidos créditos.



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Acordei de ressaca.

Com muita dificuldade, me arrastei até o banheiro, aonde sorri meio em graça ao ver que o vômito que despejara ao chegar em casa ainda estava ali. Chegara em casa tão bêbada que se surpreendia em ver que ainda teve a capacidade de acertar a privada.

A noite passada havia sido um tédio. Mas carregava certo atrativo.

Sempre era interessante ver para que caminhos a noite me traria. Que companhia me traria. As pessoas que me rodeavam me mostravam um show que eu nunca cansava de me admirar, e sempre me fazia querer mais.

Porém, após ver um show semelhante mais de cem vezes, talvez eu realmente estivesse cada vez mais cansada e entediada. Era difícil dizer.

— Bom dia.

Dirk cumprimentou em voz baixa e arrastada enquanto também vagava até o banheiro. Enquanto eu escovava os dentes, ele levantou a tampa da privada e viu, boiando na água, o pouco que eu havia comido e o muito que havia bebido na noite passada.

— Porca. - ele resmungou

Então, começou a urinar. Para nós, não havia pudores há muito tempo. Como irmãos gêmeos que cresceram juntos, conhecíamos tudo um do outro, e morando juntos há tanto tempo, não havia necessidade de se manter em guarda um contra o outro.

Cuspi a espuma na pia.

— É melhor isso do que ficar em casa em um sábado à noite. Você está uma ruína. - eu respondi

— Cale a boca, eu só... não estou pronto. - disse Dirk, enquanto dava descarga

— Você nunca vai estar, se continuar com sua atitude. - retruquei – Eu mal te reconheço. Não precisa de tudo isso só porque o Jake terminou com você.

— Não diz o nome dele logo cedo. - respondeu Dirk, ainda muito mal-humorado, começando a escovar os dentes

— Você é um chato, sabia? - suspirei – Jake English terminou com você, e daí? Siga em frente. Ele não é o único cara no mundo. Tem muitos outros por aí.

— É fácil pra você falar. - disse, com a voz meio engrolada, cuspindo a espuma – Se eu fosse numa de suas baladas, não teria um único cara interessante que prestaria atenção em mim.

— Um cara, talvez não. Mas dezenas de moças fariam fila pra te possuir. Quem mandou gostar de pica? - disse com ar risonho, antes de sair do banheiro

Fui até meu quarto e comecei a me trocar. Ainda estava com dor de cabeça, mal me aguentava em pé, mas mesmo pra ir comprar pão mais tarde, eu tinha que vestir alguma coisa.

Após me vestir de maneira simples, fui até a sala e encontrei Dirk, assistindo um dos programas ruins que lotam os domingos de manhã.

— Seria realmente mais fácil, não é, Roxy? - perguntou Dirk

— O quê?

— Se eu gostasse de garotas.

— Não, eu estava brincando. Não vamos voltar para os seus treze anos, Dirk. Você é gay. Gosta de pica. E isso não tem o menor problema. Ponto final.

— Tem problema quando, de todos os caras gays da cidade, eu conhecesse só quatro, dois deles sendo comprometidos, um deles sendo um cretino, e o outro sendo meu ex.

— E o que pretende fazer, então? Você não vai virar hétero de uma hora pra outra. Seria a mesma coisa que eu passar a gostar de mulher de uma hora pra outra. E, de qualquer jeito, não seria você. Você estaria indo contra você mesmo.

— Eu sei, eu sei... - Dirk resmungou, trocando os canais

Me sentei no sofá, ao lado dele. A dor de cabeça já começava a passar. Abençoado seja o Tylenol.

E enquanto passava uma reprise daquele programa idiota sobre leilões, fui pensando. Dirk estava realmente péssimo. Mas sua adolescência já tinha sido prova suficiente de que não, ele realmente não conseguia nada com garotas. Claro, muitas já haviam sido apaixonadas por ele, mas ele nunca conseguia retribuir da mesma maneira. E quando se forçava, apenas se sentia mais e mais preso. Foi uma época horrível, já vi ele chorando e chamando a si mesmo de “meio-homem” por não conseguir sentir atração pela namoradinha que arranjara pra tentar provar a si mesmo que podia. Foi um trabalho imenso fazê-lo entender que estava tudo bem não gostar de garotas. Que o importante é que ele parasse de se reprimir e se sentisse livre pra ser exatamente como queria ser, e que se dane quem o julgasse por isso.

Porém, isso havia mudado. Ele já era um adulto, assim como eu. Sabia que não precisava provar nada pra ninguém. Apenas queria encontrar um rumo frente ao desconhecido. E, nesse aspecto, não era muito diferente de mim.

Desconhecido...

— Sabe de uma coisa, Dirk? - eu disse, de repente

— O quê? - ele respondeu

— Você sabe que não gosta de garotas. Mas isso não quer dizer que você não possa tentar, se realmente quiser, né? Só como experiência.

— E daí?

— Daí... que acho que seria divertido e interessante. Vamos fazer uma aposta.

— Que aposta?

— Vamos ter um prazo máximo de uma semana. Vamos ver quem consegue levar uma mulher pra cama primeiro: eu ou você.

Dirk arregalou os olhos. Eu mesma parecia bem surpresa. Afinal, sempre me identifiquei completamente como heterossexual. Sempre tive muito firme na minha mente a minha atração por homens. Podia admirar uma mulher, achá-la linda, sensual, mas sempre soube que, pra um contato íntimo, só conseguiria se fosse um homem. Porém... não é como se eu fosse virar lésbica de uma hora pra outra se procurasse uma experiência diferente, isso nem é possível. Afinal... qualquer coisa pra sair da mesmice, não é?

— Você está brincando? - ele perguntou

— Não, não, estou falando bem sério. - respondi - Vamos fazer isso. Só de zoas. Vale a experiência, o que tem de mais?

Ele me encarou, ainda bem estupefato. Porém, no instante seguinte, até conseguiu dar uma risadinha.

— Uma semana, é? - ele perguntou – Feito.

— O perdedor vai ter que lavar a roupa dos dois por um ano.

— Quê?!

— Ué, vai amarelar? Você tem uma vantagem. Não é você que estava dizendo agora que existe muito mais gente hétero? Vai ter mulher fazendo fila pra ir pra cama com você. E eu... vou ter que desenvolver um faro pra caçar lésbicas.

— Bom... então, tá. Vamos ver.

 

*

 

A ideia pareceu engraçada e divertida no momento. Mas, na segunda-feira, eu já estava quase em pânico. No que diabos eu fui me meter? Eu não podia fazer isso. Dar em cima de uma mulher, beijar ela, ir pra cama com ela...? Minhas entranhas reviravam só de pensar nisso. Agora eu tinha uma ideia melhor de como o Dirk se sentira na adolescência dele, ao pensar que, pra ser um homem, tinha que gostar de mulher. Já eu, tinha que aprender a gostar de mulher de uma hora pra outra, ou iria lavar uma tonelada de roupa por um ano inteiro.

Flertar sempre foi a coisa mais fácil do mundo, pra mim. A maioria dos homens com quem eu me envolvia arregalava os olhos com o corpo que eu tinha a oferecer, e uma mera piscada ou conversa mole era suficiente pra tê-los aos meus pés. Faziam tudo que eu queria, porque eu tinha muito mais a oferecer. Durante meu ensino médio, e na faculdade, todos sabiam que Roxy Lalonde era uma leoa na cama. Mas eu não ligava. Eu era bonita, sexy, atraente, sabia sentir prazer e levar os homens à loucura. Era forte e independente pra ser assim e não ligar se me chamassem de vadia.

Agora, tudo isso parecia inútil. Eu me sentia uma adolescentezinha de treze anos que não sabia ser levada a sério.

Certamente, eu havia tentado. No trabalho e na faculdade, eu havia tentado disparar uns elogios pra colegas minhas, tentei reproduzir aquele meu olhar que era infalível com homens. Porém, não adiantava. Nenhuma delas parecia entender o que eu estava realmente procurando. “No homo” é o caralho, me deem todo o homo, ou eu vou ter que lavar uma tonelada de roupa todo ano!

Dirk também não parecia ter a menor sorte. Enfrentava o problema oposto ao meu: embora fosse decididamente bonito, e certamente houvessem dezenas de mulheres interessadas nele, lhe faltava o discernimento pra perceber quando uma mulher o queria, e a habilidade pra conversar com ela no jogo da sedução. Eu poderia até lhe dar um empurrãozinho nisso em condições normais, mas não agora. Não enquanto eu não levasse uma mulher pra cama antes dele.

Essa situação inútil durou toda a semana. Sexta-feira havia chegado, e eu não havia conseguido nem que uma mulher me olhasse duas vezes. Então, decidi dar um basta. Era hora de tomar medidas drásticas.

Haviam poucas baladas LGBT na cidade em que morávamos. Eu conhecia umas duas, mas só de ouvir falar, porque nunca senti vontade de ir lá. Não porque tivesse algo contra o público LGBT, mas porque sabia que, lá, não encontraria o que queria. Mas agora, sabia que ali encontraria exatamente o que precisava.

Havia hesitado muito antes de fazer isso, porque sabia que me sentiria muito nervosa. Tinha tido esperanças de resolver isso durante a semana, porque não tinha certeza se acharia confortável aquele ambiente. Porém, agora precisava. Era uma emergência. Afinal, se Dirk tivesse a mesma ideia que eu, e fosse pra uma balada hétero, certamente não iria sair de lá sem companhia.

Então, após o trabalho, voltei pra casa rapidamente. E, após tomar um banho e me produzir o melhor que pude, fui até lá.

Fiquei realmente surpresa: era um ambiente completamente diferente do que eu esperava. E, pra meu espanto, não era desagradável. Era até mais descontraído que uma balada hétero, que é cheia do mesmo tipinho: homens com camiseta polo ou gola em V, mulheres com aqueles vestidos tubo. Ali, só entrando, já havia visto gente muito mais diferente e colorida: cabelos pintados de todas as formas que se pudesse imaginar, visual até um pouco espalhafatoso, baseado no de cantoras pop. Visual meio punk, com calças apertadas e roupas pretas. Roupa toda colorida, com cabelos espetados. E todos esses visuais existindo igualmente entre homens e mulheres. Não sei exatamente o que eu esperava, mas parecia uma atmosfera boa. Não ligaria de vir ali mesmo se não estivesse procurando companhia.

Porém, eu estava. E agora, pensando nisso, eu estava realmente nervosa.

E, aparentemente, isso transparecia no ar. Enquanto dançava, tentei interagir com algumas moças que via, e embora pudesse notar o interesse por trás de seus olhares, eu ficava nervosa demais, falava de maneira estranha, e apenas conseguia afastar a moça. Ao contrário do que eu pensaria, creio que a maioria apenas percebia que essa não era minha praia e respeitava. Percebia que, embora fosse uma balada LGBT, ninguém me criticaria por ser hétero, e nem tentaria impor nada a mim. Porém, o problema é que, mesmo sendo estranho, eu queria isso. Não queria perder a droga da aposta.

Cheguei a pensar em falar a verdade pra alguma moça que demonstrasse interesse em mim. Dizer que precisava ficar com uma mulher pra ganhar uma aposta. Não duvido que alguém não acharia graça da situação e decidiria me ajudar. Talvez resolvesse as coisas. Mas antes que tentasse isso, decidi ir ao banheiro.

E lá estava ela.

Era uma mulher aparentemente da minha idade. Apenas um pouquinho mais baixa que eu. Ao contrário da maioria do público, estava vestida de maneira absolutamente discreta. Uma camisa branca, uma saia azul combinando, sapatos brancos. Tinha um cabelo curto e preto, e usava óculos, atrás dos quais se via olhos azuis que transpiravam inocência e nervosismo.

Estava à frente do espelho, debruçada sobre a pia. Parecia um bocado pálida.

— Ei... você tá bem? - perguntei

Ela se virou, parecia meio assustada.

— E... estou. Está tudo bem. - deu um sorrisinho meio nervoso

Completa mentira, qualquer um percebia. Ela não estava bem. Percebi imediatamente, pois eu mesma não me sentia diferente. Sobrecarregada.

— Primeira vez? - perguntei

Ela disse que sim com a cabeça.

— Vim com um amigo. Ele disse que eu precisava de uma mudança de ambiente. Mas chegamos aqui, ele bebeu e agora está lá, dançando com um cara. E eu... completamente perdida. Três mulheres já tentaram flertar comigo.

— Você é hétero?

— Sou. - ela disse, ficando vermelha

— Ei, fica tranquila. - eu disse, sorrindo – Eu também sou. Mas isso não é um problema.

— Eu sei lá o que me deu pra aceitar vir aqui. - ela disse, parecendo meio exasperada – Não é meu ambiente!

— Olha... você não costuma ir muito em festas, não é?

— Não... como sabe?

— Foi só um palpite. Mas bem... a verdade é que uma balada hétero, embora diferente dessa em vários aspectos, também tem muita semelhança. Não tem nada a ver com sua sexualidade, ou com a sexualidade da maioria das pessoas que vem aqui. É só que você não está acostumada. Tem que se soltar um pouco. Mas relaxe, não precisa ficar com ninguém. Todo mundo aqui vai te respeitar se você disser que é hétero. Provavelmente vão dizer só algo como “Que pena, não sabe o que tá perdendo”, mas não vão tentar fazer nada com você.

Ela sorriu.

— Você vem muito em lugares assim? - perguntou

— Não. - eu admiti – É a primeira vez que venho aqui. Normalmente frequento outras baladas. Só vim aqui por... uma mudança de ares. Mas não achei ruim. É um bom ambiente.

— É... é bem alegre. Olha, obrigada. Qual é seu nome?

— Roxanne Lalonde. Roxy.

— Ah, meu nome é Jane. Jane Crocker.

Sorri. Quer saber? Dane-se a aposta. Eu estava num ambiente legal, tendo uma conversa legal com alguém. Podia muito bem passar uma noite divertida sem pegar ninguém. E bem, mesmo que eu não pegasse ninguém, só tinha que torcer pro Dirk também não conseguir, e não teria que lavar a roupa sozinha por um ano.

Saímos do banheiro. Estava tocando Lady GaGa, que eu sempre gostei, e vendo o receio de minha nova amiga Jane, que ainda parecia muito tímida e acanhada naquele ambiente, apenas ri e a puxei, estimulando-a a dançar. Embora desajeitada a princípio, logo percebi que ela foi se soltando mais. Ficando mais alegre, se deixando afetar pela atmosfera do local, que unia a todos nós em um só. Enquanto a música tocava, e nossos espíritos se maximizavam, não havia diferença: éramos todos iguais e estávamos ali, aproveitando. Vivendo.

Foi uma noite muito agradável. Após dançarmos um bocado, fomos as duas até o bar, aonde pedimos uma bebida, ainda rindo um bocado, contagiadas pelo bom humor.

— Ai, ai... que noite! - disse Jane, risonha e alegre

— Você não viu nada! - eu disse, também sorrindo – Você devia sair mais. Se divertir. Fazer parte de algo. Viver.

— Ei, achei ofensivo! - ela disse, rindo – Ficar em casa assistindo Netflix com meu gato também é viver!

— É, eu gosto de Netflix também! - eu disse, porém, nessa hora, a música deu um bom aumento no volume, de modo que minhas palavras foram abafadas

— O quê?! - ela perguntou, em tom bem alto, tentando se fazer ouvir

— Eu disse que também gosto de Netflix! - disse, ainda mais alto, mas novamente minhas palavras foram abafadas

— O quê?! - ela repetiu, quase gritando

— Eu disse...! - estava falando bem alto, e me aproximando mais de Jane, pra me fazer ouvir

Não sei como aconteceu exatamente. Só sei que, no instante seguinte, estava grudada nela, colando meus lábios aos dela.

Fiquei tão surpresa quanto ela, mas com a adrenalina do momento, nem eu e nem ela paramos pra pensar. Nos beijamos vorazmente, com uma vontade e um fogo que eu poucas vezes sentira na vida.

Quando finalmente nossas bocas se separaram, nem eu e nem ela tínhamos muita noção ou certeza do que havia acontecido. O barman estava parado ali no bar, nos olhando de maneira que oscilava entre o impaciente e o divertido, com os dois copos na mão, como que dizendo “Ei, já terminaram de se amassar? Podem pegar as bebidas agora?”.

Agradecemos e pegamos as bebidas. Então, nos afastamos.

Jane estava mais vermelha que um pimentão, e eu acho que não estava muito diferente. Beberiquei de leve minha bebida, que era boa pra me soltar um pouco, mas não forte o suficiente pra me deixar muito alterada, mas Jane se recusava até a olhar pro meu lado, de tão constrangida que estava.

Eu mesma me questionava. Uau, eu me empolguei. De maneira que eu não imaginava. E bem quando eu tinha decidido esquecer a aposta.

Olhei Jane dos pés à cabeça. Ela não tinha a beleza provocativa que vemos por aí. Mas, do jeito dela, era muito bonita. Discreta, mas realmente atraente. Fofa.

E já que eu havia chegado até aqui... por que não?

Me inclinei e falei ao ouvido dela:

— Você gostou?

Ela ainda não tinha coragem de me encarar nos olhos, e continuava envergonhada. Mas fez que sim com a cabeça, sem olhar pra mim.

Sorri. Dei um beijo no rosto dela. Comecei a beijar vários pontos de sua bochecha, enquanto ela fechava os olhos. Devagarinho, fui levando o caminho de beijos até o pescoço, e nesse momento senti Jane tremer por todo o seu corpo.

— Quer ir mais além? - perguntei ao ouvido dela

Ela hesitou por um instante. Então, fez que sim com a cabeça.

 

*

 

Eu já havia encontrado pessoas como Jane. Gente completamente tímida e acanhada. Mas que, na hora H, mostra tudo o que tem. Como se um fogo sobrenatural tomasse conta de seu corpo e o colocasse com uma adrenalina tão grande que até surpreende. Eu nunca esperaria que aquela mulher tímida e acanhada que encontrei no banheiro revelasse tanta vontade e voracidade entre quatro paredes.

Saí da casa dela de fininho pela manhã, enquanto ela dormia. Sorria por dentro, com a grande noite que tivemos. E já antegozava a expressão de Dirk quando chegasse em casa e lhe contasse que ele teria que lavar as roupas por um ano.

Entrei em casa, e ele estava sentado no sofá, assistindo TV.

— Você ganhou a aposta, não ganhou? - ele perguntou, assim que me viu entrar

— Ganhei! Ganhei, ganhei, ganhei, ganhei, ganhei, ganhei! - eu disse, rindo enquanto tirava minha jaqueta e jogava em cima dele

— Para com isso!

— Lava aí, perdedor! - eu disse, gargalhando, mas em seguida recolhi a jaqueta e fui tomar banho

Quando saí do banho, ele ainda estava na mesma pose, mas com um ar risonho.

— Pelo visto, a noite de alguém foi boa. - ele disse – Quem foi?

— Uma mulher que encontrei na Fraps. O nome é Jane. Tímida, acanhada, a coisa mais fofa desse mundo.

— Ela caiu direitinho na sua lábia, não é?

— Olha, eu confesso que eu tinha até esquecido da aposta, o ambiente de lá é muito bom. Mas a oportunidade surgiu...

— E aí? Vai voltar a ver ela?

Ouvindo isso, meu sorriso vacilou um pouco.

— Bom, nós trocamos números de telefone. Mas... que cara é essa? - perguntei, porque Dirk me fitava com um sorrisinho que me pareceu bem desagradável – Você... ah, não. Nem pense nisso, Dirk!

— Você parecia bem animada.

— Foi uma aposta. Aconteceu. Mas agora, já foi.

— Sabe, eu já vi você indo pra baladas várias vezes. Já vi você saindo com caras várias vezes. Já vi você voltar pra casa de manhã, após uma noite de sexo, muitas vezes. E ainda assim, nunca te vi tão animada quanto você estava agora há pouco.

— Aí, você acha que por causa disso, toda a minha sexualidade mudou? A coisa não funciona desse jeito!

— Claro que não funciona. Não estou dizendo que você sempre tenha sido lésbica dentro do armário, não estou dizendo que você era hétero e virou lésbica do nada. Nós sabemos que isso não existe. Estou dizendo que, de repente, esse lance de sexualidade não importa. Faz diferença o rótulo que você se dá? Olha, tá escrito na sua cara que você adorou essa noite. O que tem de errado nisso? Você gosta de pica, mas também gosta de buceta, ou pelo menos gostou de uma em particular. E isso não tem o menor problema.

Senti raiva. Nós tínhamos tido essa exata conversa há anos atrás, quando ele começara a perceber que não ligava a mínima pra bunda da Megan Fox, mas ficava hipnotizado com a do Hugh Jackman. Mas agora, era ele que falava as mesmas palavras que eu disse a ele anteriormente.

Mas eu não era uma adolescentezinha insegura. Diabo, eu já tinha 22 anos. Conhecia eu mesma.

— Dirk, vê se fica quieto, tá? Para com isso. Já passei da fase de não me conhecer. Ontem foi uma experiência, só isso. Eu sou hétero. Gosto de homem. Ok?

— Ok, ok... - ele disse, erguendo os braços – Só acho que você parece muito nervosa com is...

Nesse momento, meu celular começou a tocar “Alejandro”. Peguei ele e vi o número.

Jane Crocker.

Atendi, meio apreensiva.

— Alô?

— Roxy? Você saiu bem cedo.

— Aaaah, isso... desculpe por isso, eu não queria te acordar, e tinha que vir aqui pra casa.

— Bom, tudo bem... só tava pensando... se você não queria ir comigo até o parque hoje. Um grupo indígena toca lá nas tardes de sábado. Música folclórica, eu gosto de ir lá pra ouvir.

Parei pra pensar por um instante. Podia sentir o olhar de superioridade de Dirk em mim. Mas então pensei... Jane também é hétero. Ela também pensa da mesma forma. Ok, experimentamos algo diferente... mas isso não quer dizer que não possamos ser amigas. É. Isso. Ela está procurando amizade.

— Tudo bem. Que horas?

— Me encontre pra almoçar, pode ser? Uma da tarde?

— Pode ser. Até.

Desliguei o celular. Dirk estava me olhando com a detestável expressão de superioridade.

— Você é um cretino, sabia? - eu disse

 

*

 

O resultado foi um dia muito agradável. Agora em roupas mais casuais, fomos até o parque, aonde o grupo indígena tocava músicas belíssimas. Comemos algodão-doce, sentamos na praça conversando sobre nossas vidas, observamos crianças brincando.

Notei que ela também estava um bocado constrangida com a noite passada, mas parecia sorridente. Em certos momentos, percebi que ela ficava muito quieta, como que esperando que eu tomasse alguma atitude. Mas... não. Não ia confundir a cabeça dela. Ela não precisava disso. Não era como ela esperava que fosse.

Acompanhei ela até a casa dela, mas dessa vez não entrei. Tinha que voltar pra casa. Não sei o porquê, mas eu tinha. De modo que apenas me despedi dela e vim embora. No momento da despedida, ela fechou os olhos, e eu percebi que ela estava levemente trêmula. Mas apenas sorri e beijei seu rosto antes de sair.

“Não precisa se preocupar, Jane. Você não me deve nada.”

Ela pareceu um pouco desapontada. Mas bobagem. Ela havia dito. Ela é hétero.

Nos dias que se passaram, eu conversava com Jane quase todo dia. Nos ligávamos quando eu estava em casa. De vez em quando, almoçávamos juntas, já que o meu horário de almoço batia com o dela. Porém, não houve nenhuma aproximação com segundas intenções. Beijo, apenas no rosto, na hora de dar tchau. Nem sequer segurei a mão dela. E, no íntimo, eu gostava de pensar que me sentia satisfeita com isso. Uma bela amizade. O que mais eu iria querer?

Até que, um dia, estávamos almoçando juntas, na praça de alimentação de um shopping. Outro momento descontraído e divertido, conversando sobre banalidades. Até que percebi que dali a pouco teria que voltar pro trabalho.

— Jane, já tá na hora. Vamos embora? - perguntei, sorrindo

— Por que você está fazendo isso, Roxy? - ela perguntou, a expressão ainda leve, mas mais séria do que antes

— Fazendo o quê?

— Isso. Se fechando. Ignorando o que... o que...

Então, gargalhei.

— Jane! Querida, não se preocupe com isso! Não precisa ficar receosa! Olha, o que aconteceu aquele dia, foi que nós duas nos deixamos levar. Coisa do momento. Mas não precisa ficar pensando. Você não me deve nada.

— E se... - ela começou a ficar vermelha - … eu quisesse passar a te dever?

O sorriso congelou em meu rosto, enquanto meu ânimo parecia esfriar.

— Jane. Você é hétero. Eu sou hétero. - respondi

— Você não parecia muito hétero quando estava no meio das minhas pern...

— Fala baixo! - eu disse, um pouco irritada – Olha, você mesma disse, aquele mesmo dia, você estava lá só porque seu amigo foi, e...!

— Acho que você está arrumando desculpas. - Jane disse, calmamente – Você me disse que seu irmão é gay, e que foi bem difícil fazer ele se aceitar na adolescência dele, não é? Mas agora, é você que está negando.

— Eu... eu... - não tinha palavras, mas estava agora bem nervosa com isso

— Roxy, está tudo bem. - ela pegou minha mão

— Não, não está! - eu finalmente exclamei, já indignada – Eu estava naquela balada porque fiz uma aposta com meu irmão, sobre quem conseguiria ficar com uma mulher primeiro! Só isso!

Jane soltou minha mão. Me encarou estupefata e surpresa, como se não conseguisse acreditar no que estava ouvindo.

— Foi uma aposta! Só isso! Agora, por favor, Jane, pare com essa história!

Jane ainda estava em estado de choque. Então, o choque virou raiva. Seus olhos começaram a lacrimejar, e ela começou a tremer, mas parecia furiosa como nunca.

Então, se levantou bruscamente e virou a mesa, fazendo com que os pratos e copos que estavam usando caíssem e se quebrassem, chamando a atenção de todos ali perto, antes que saísse batendo os pés.

Tenho certeza que ouvi um soluço.

Eu fiquei ali, parada, também surpresa com o que aconteceu... mas pensando que tinha sido melhor desse jeito. Melhor pra nós duas.

Após pagar o prejuízo (e lá se foi o celular novo que eu estava querendo comprar), voltei para o serviço em silêncio, e então voltei pra casa.

Dirk ergue a sobrancelha quando me viu.

— Você está com uma cara horrível. O que houve?

Apenas o olhei, mas não respondi nada. Fui tomar banho, e em seguida fui pra cama, aonde fiquei lendo até finalmente cair no sono.

Após isso, foram vários dias nos quais basicamente me arrastei para viver. Ia trabalhar, e quando saía do trabalho, bebia. Bebia, bebia até me sentir amortecida, e então voltava pra casa e dormia, pra repetir o dia seguinte. Apenas empurrando o mundo com a barriga, tentando lidar com a culpa que sentia.

Eu sabia que Jane estava furiosa comigo. E também... quem não estaria? A aposta que fiz com Dirk, de repente, me pareceu muito cruel. Achei que seria pouca coisa, porque por toda a minha vida tive relações casuais. Todas as pessoas com quem me envolvi pareciam satisfeitas com um único dia de prazer, sem compromisso. Eu mesma sempre me senti assim. Mas não havia parado pra pensar nessa possibilidade... de magoar realmente alguém.

E o remorso me devorava todos os dias.

Até que...

— Chega. Roxy, senta aqui.

Dirk me chamou quando fui pro quarto dormir. Eu havia bebido mais cedo, também.

— Não enche. - eu disse, engrolando a voz – Quero dormir.

— Você não vai dormir até eu conversar com você. Senta aqui, agora.

Meio relutante, sentei no sofá, ao lado dele.

— Roxy, você tem que parar com isso. - ele disse

— Parar com o quê? Eu estou bem, não enche, para de se met...

— Você e a Jane brigaram. Isso está mais do que óbvio. E você está com remorso por causa disso. E... sente falta dela.

— Não vem com esse papo de novo. Eu não sou...

— Aceite de uma vez, merda! Você foi pra cama com a Jane e gostou!

— Mas... - estava insegura – Como pode ser? Eu sempre me senti tão segura da minha sexualidade, e...

— Roxy. - Dirk disse, mais suavemente agora - Pare de pensar em sexualidade como algo que tem que ser “oficializado” dessa forma. O mundo não é dividido de maneira tão simples, quanto a gostar do mesmo sexo, ou gostar do sexo oposto. Existem pessoas que gostam de ambos os sexos, pessoas que gostam de todas as possibilidades de sexo, pessoas que não gostam de sexo nenhum, pessoas que gostam de sexo apenas com uma única pessoa, sexualidade não é tão simples que possa ser resumida tão facilmente. Então, pare de se prender a um conceito. Quem liga pra como você se intitula? O importante, e que nós sabemos... é que você gosta da Jane, não é?

Olhei para Dirk. Era verdade, mas... era tão difícil encarar isso de frente!

— Ela ficou ofendida e magoada. - eu disse – Acabei contando pra ela da nossa aposta.

— Contou de maneira suave?

— Bem... eu meio que explodi e joguei isso na cara dela.

Dirk suspirou.

— Olha, Roxy... você não está bem. Mas você tem que tomar uma atitude. Não pode ficar se lamentando a vida toda. Tem que ir atrás do que você quer. E o que você quer?

A resposta veio à minha mente quase instantaneamente.

“Jane.”

— Mas... ela não vai me perdoar.

— Se você continuar se devorando de remorso e autopiedade, talvez não. Mas assumir que errou e ser sincera requer a verdadeira coragem.

Pesei essas palavras por um instante. A verdadeira coragem. Eu tinha essa coragem dentro de mim?

Então, me levantei.

— Vai até lá agora? - Dirk perguntou

— Vou.

— Você tá fedendo a bebida. Toma um banho antes.

 

*

 

Toquei a campainha da casa de Jane meio descrente. No fundo, não sabia se ela ia aceitar conversar comigo. Uma semana já havia se passado, talvez os ânimos dela tivessem esfriado... mas talvez não.

Esperei durante cinco minutos cravados. Quando estava começando a desistir e pensando em ir embora, a porta se abriu.

Ela estava de roupão, carregando um gato no colo. Provavelmente estava fazendo uma maratona de Netflix ou coisa parecida. Me olhava nos olhos de maneira fria. Dava pra ver toda a mágoa por trás de seus olhos.

— O que você quer? - ela me perguntou

Respirei fundo.

— Jane, eu...

Jane levantou as sobrancelhas, enquanto eu gaguejava. Mas era difícil começar.

— Eu... eu fiz algo errado. Pelas razões erradas. E o modo como lidei depois também foi errado.

— O que você quer dizer com isso?

— Eu não deveria ter ido pra cama com você assim, de cara. E não deveria ter feito isso porque tinha apostado com meu irmão. E depois de ter feito isso... eu não devia tentar fugir de tudo que isso implicou. Me deixando levar por... por...

Até o gato de Jane estava me encarando. Estava sendo mais difícil do que eu pensei que seria.

— … eu acho que, no fundo, ainda tem muita coisa errada no modo como eu vejo o mundo. E estava sendo até um bocado hipócrita, porque me esforcei tanto pro meu irmão aceitar a si mesmo na nossa adolescência, mas até hoje, eu provavelmente não estava pronta para aceitar a mim mesma. Estava fugindo.

— E...? - Jane perguntou

— … e eu lamento muito por isso, Jane.

— E por que veio me dizer tudo isso?

— Porque eu não desisti de você. Não faço a mínima ideia se isso muda alguma coisa, se você me perdoaria ou me daria a chance de retomarmos de onde paramos, mas eu tinha que tentar.

Jane largou o gato no chão, que saiu andando pra dentro de casa, então voltou a me olhar.

— Olha... - ela suspirou – Roxy, não foi fácil pra mim também, sabe. Com você, não foi apenas a minha primeira vez com uma mulher, foi minha primeira vez na vida. E se você achou difícil encarar algo assim tranquilamente, mesmo sendo tranquila com a sua sexualidade há anos, e tendo um irmão gay, imagine como foi pra mim. Eu me sentia insegura como uma adolescentezinha há anos, nunca sabia realmente como ver a mim mesma. Aí você apareceu, e... e nós duas agimos por impulso, e eu comecei a questionar a mim mesmo, mas... eu sabia que era certo, e era bom. E mesmo morrendo de medo, tentei fazer funcionar.

— Você ainda acredita nisso?

— Talvez sim, talvez não... você errou em muita coisa, mas ainda assim... você é humana. Você erra. Não precisa ser o fim pra nós duas.

Eu sorri. Cheguei pra frente, aproximando meus lábios dos dela.

Porém, ela tapou minha boca com a mão.

— Opa, calma aí. Vamos mais devagar. - ela disse, com uma risadinha

— Olha, eu não pretendia te levar pra cama de novo. Só ia te dar um beijo.

— Devagar, assanhadinha. Pra começar, apenas... não quer entrar? Eu estava assistindo Monty Python.

— Me chamando pra entrar, é?

— Vamos só assistir, pode ser?

Assenti, e entramos.

Isso marcaria o início de um longo relacionamento. Até agora, que estou me lembrando desses tempos enquanto Jane está dormindo do meu lado, não sei se sou lésbica, se sou bissexual, se sou pansexual, ou o que for. Sei lá se a única mulher por quem eu poderia sentir atração é a Jane, se eu gostaria de outras garotas se me envolvesse com elas. Mas não ligo pra isso. Dirk estava certo. Rótulos podem ser algo bom pra pessoas que querem se identificar com algo, mas se eu não quiser esquentar a cabeça enquadrando minha sexualidade em algum rótulo, qual é a droga do problema? Só o que eu sei é que amo Jane. Me chamem de lésbica, de bi, de pansexual, de “janesexual”, tanto faz. Quem tem o direito de regrar minha sexualidade, se não eu?

Naquele dia, terminamos de assistir Monty Python. Então, assistimos Azul É A Cor Mais Quente. Então, assistimos uns três episódios de Orange Is The New Black.

Então, não assistimos mais nada. Pelo resto da noite.


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Notas finais do capítulo

Aqui está. Obrigado pela leitura! =D



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