Yellow escrita por Eduardo Mauricio


Capítulo 4
Capítulo 04 - Sonhos




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A biblioteca do colégio era enorme, era a parte mais legal do lugar. Alguns metros depois deles estavam as prateleiras cheias de livros, muitas delas. No final, depois dos corredores, estavam algumas mesas de estudo e as enormes janelas, por onde, de longe, eles conseguiam ver a neve caindo intensamente.

Antes das prateleiras tinha uma parte quase vazia, com apenas algumas mesas grandes de madeira. No lado direito ficava a pequena escada para um pequeno primeiro andar com uma prateleira grudada à parede, que ia de um canto da parede ao outro. Lá em cima não tinha mesas, apenas algumas almofadas gigantes para se sentar.

Aquele lugar era realmente grande.

Eles ouviram um leve ruído e Alfie exclamou:

— Pronto!

Harry se sentou em uma cadeira e colocou os pés na mesa. Os outros sentaram na mesma mesa. Alfie se juntou a eles instantes depois.

— Finalmente um aquecedor, eu estou congelando — disse Sally, esfregando as mãos.

— Vamos ficar aqui até alguém chegar — falou Troye.

— Mas ninguém sabe que estamos aqui — disse Molly.

— Eles irão procurar, não se preocupe.

— Então... Esqueceu trabalho de biologia. — Mia apontou para Troye. — Provavelmente saíram no tapa como duas leoas. — Apontou para Sally e Molly. — Tentou defender a amiga otária. — Ela apontou para Alfie. — E você, qual o seu problema? Eu já te vi umas três vezes na detenção — ela perguntou a Harry.

— Bem, se você já me viu três vezes por lá, não sou o único que tem problemas.

Ela riu.

— Já gostei de você.

— Eu só estou cansado de estudar, não ligo pra isso — respondeu ele, despreocupadamente. — Por isso não sou bem um aluno exemplar...

— O que você quer fazer da vida, então? — perguntou Molly. — Somos jovens, estudar é a única coisa que precisamos fazer, nosso único dever.

— Como se você fosse a melhor aluna da sala, não é?

Ela não respondeu.

(Santigold – Disparate Youth)

— Eu estou cansado da escola, cansado das pessoas — continuou ele. — Eu consigo imaginar as vidas de cada pessoa nessa escola apenas olhando para elas, mas as pessoas olham pra mim e não veem nada, não sabem quem eu sou de verdade...

— Então, quem é você de verdade? — disse Mia.

Ele abaixou a cabeça e respirou fundo.

— Deixa pra lá.

— Bem, pelo menos as pessoas olham pra você — disse Troye. — Eu estou nessa escola há cinco anos e ninguém nunca me notou... Eu consigo contar todos os meus amigos nos dedos de uma mão. — Ele riu.

— É simplesmente como a vida é — disse Harry. — Um sistema de classes estabelecido em cada cultura. Se na sociedade temos os ricos e o pobres, na escola temos os populares, como ela. — Ele apontou para Molly. — E os invisíveis como você. — Em seguida apontou para Troye.

— Onde você se encaixa nisso?

— Oh, eu não sou invisível... Todos me enxergam, todos me olham estranho e se perguntam por que diabos eu nunca sorrio e não falo com ninguém.

Eles ficaram em silêncio por alguns instantes, talvez estivessem refletindo um pouco.

— Eu já estou acostumado com os olhares e com os comentários. — Ele olhou para Troye. — Eu daria tudo pra ser invisível como você.

Mais um silêncio desconfortante.

— Vocês não me conhecem, mas eu conheço cada um de vocês. — Dessa vez ele olhou para Molly. — Qual é o seu sonho, princesa? Encontrar um homem pra casar? Colocar silicone na bunda?

— Você realmente não me conhece.

— Mas eu acertei?

— Não.

— Então, qual é o seu sonho?

— Viajar pelo mundo, conhecer diferentes culturas e não ficar presa a um homem.

Ele sorriu.

— Eu estava apostando no silicone — disse Alfie, fazendo Mia e Sally rirem.

— E você, pequeno. — Harry apontou para Troye. — Qual é o seu sonho?

— Eu não sei. — Ele deu de ombros. — Ser rico, talvez... É um pouco superficial, eu sei, mas talvez seja isso que eu quero.

— Entendo. Quem não quer ser rico, afinal?

— Eu não — falou Molly.

— O quê? — disse Harry, surpreso.

— Eu não quero ser rica — ela repetiu. — Eu não quero terminar com minha mãe... Eu não quero continuar sendo quem eu sou.

Harry sorriu timidamente, percebendo que talvez estivesse errado sobre ela.

— Eu sou uma pessoa terrível — disse ela, abaixando a cabeça. — Eu até entendo o porquê de você ter gritado daquele jeito comigo. — Ela olhou para Sally. — Eu não sou uma pessoa que pede desculpas.

— Então deveria considerar — falou Alfie.

Ela olhou para ele e depois para baixo de novo. Pensou um pouco.

— Você me desculparia?

Sally abriu um tímido sorriso e Molly também, considerando aquilo como um "sim".

— Às vezes eu também queria ser invisível — disse Alfie. — Eu sei bem o que é ser o alvo de olhares julgadores. — Ele soltou uma risadinha nervosa. — Às vezes acho que queria sumir.

Mia deitou a cabeça no seu ombro e segurou sua mão.

— Você acha que tem poucos amigos? — disse ele, olhando para Troye. — Eu só tenho ela.

Mia sorriu, mas não como se estivesse feliz. Era diferente.

— E eu? — falou Molly. — Sou a garota mais odiada da escola, meu namorado me trai frequentemente e todas as minhas amigas falam mal de mim pelas costas.

— Ah, coitada da garota branca e rica que não tem amigos — disse Alfie, ironicamente. — Você nunca vai saber o que é ser alvo de piadas por ser negra e se vestir como uma mulher, ninguém nunca vai chegar até você, segurar no seu pescoço e mandar você virar homem! — ele exclamou.

Todos ficaram em silêncio.

— Isso aconteceu com você? — perguntou Sally, em um baixo tom de voz.

Ele não respondeu, estava com a cabeça baixa, mas ela podia ver que seus olhos estavam marejados.

— Eu sinto muito — Molly falou.

— Tenho certeza que sim — disse ele.

— Não fique assim, Alfie — falou Mia. — Você é a maior diva que eu já conheci.

Ele sorriu levemente. Ela enxugou as lágrimas dele.

— O meu sonho é ser rapper — falou Mia, fazendo Alfie rir, enquanto ainda enxugava algumas lágrimas.

— É sério? — perguntou Harry.

— Mais ou menos — disse ela. — Eu tenho talento, juro.

— Ela tem mesmo — falou Alfie.

— O meu sonho é ser atriz — disse Sally, timidamente, como se aquilo fosse estúpido.

— Agora, isso é um sonho legal! — Mia riu.

— É estúpido. — Sally deu de ombros.

— Não, querida, é claro que não é — falou Alfie. — Na verdade, é mais fácil do que parece, você só precisa se mudar para Los Angeles.

— Já o meu sonho é ter um sonho — disse Harry.

— Como assim? — perguntou Troye.

— Eu sou realista demais para saber que não poderei realizar nada do que pensar, a não ser que meu sonho seja morar na rua lutando para sobreviver.

— Você já percebeu que todos os realistas são pessimistas? — disse Molly.

Ele riu.

— O que posso fazer? A realidade é uma merda.

— O futuro não pode ser tão ruim assim, afinal, você estuda na melhor escola da cidade — falou Molly.

— Bolsa parcial, e minha vó tenta se virar com o que ganha — disse ele. — Eu não sei o que estou fazendo aqui.

— Você não mora com seus pais? — perguntou ela.

Ele a olhou em silêncio por alguns instantes, depois olhou para os outros, que pareciam esperar a resposta.

— Você acha que tem Stephen King nessa biblioteca? — ele perguntou, ignorando a pergunta, e se levantou, caminhando até um dos corredores cheios de livro. Depois ele sumiu.

Os outros cinco se entreolharam, surpresos.

— Alguém deveria ir falar com ele — disse Mia.

Sally se levantou em silêncio e passou por um corredor com prateleiras de livros até chegar do outro lado, onde encontrou Harry ajoelhado em uma cadeira, olhando a neve cair pela enorme janela de vidro.

— Você está bem? — perguntou ela, sem se aproximar.

Ele não a olhou, apenas fechou os olhos e suspirou.

— Estou — respondeu, friamente.

— Ela não teve a intenção de...

— Eu sei.

Ele olhou para ela e depois para a janela.

— Eu sei.

Sally se aproximou e tocou o ombro dele.

Harry se afastou, aborrecido.

— Você não precisa falar sobre isso — disse ela. — Vamos voltar, procurar algo divertido para fazer enquanto estamos presos aqui.

Ele a encarou depois de alguns segundos em silêncio e respirou fundo.

***

Molly estava um pouco preocupada.

— Eu não queria ser insensível — dizia ela. — Eu sou tão estúpida.

— Você não sabia — falou Alfie.

— Aliás, saber o quê? Nós também não sabemos — disse Mia.

— É melhor não tocarmos nesse assunto de novo — concluiu ele.

— Eu acho que deveríamos jogar alguma coisa — falou Sally, quando voltou e se sentou na cadeira. — Não tem jogos de tabuleiro aqui?

— Eu acho que tem xadrez, mas eu não sei jogar isso — respondeu Alfie.

— Nem eu — disse Molly.

Harry se sentou na mesma cadeira e ficou com a cabeça abaixada. Os outros o olhavam com preocupação, mas com medo de falar algo.


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