A Raposa escrita por Miss Weirdo


Capítulo 13
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

~E aí gente, tudo bacana?~
Já que eu ando toda nessa onda de apresentação de youtubers pra começar as notas, adivinhem aí qual canal foi dessa vez :D
Ok, vamos aos fatos: EU ESTAVA LOUCA PARA ESCREVER ESSE CAPÍTULO
Ok, esse era o fato, obrigada por lerem.
Um capítulo meu nunca chegou a ter tantas palavras na minha vida, foram 5k, vamos todos chorar e comer queijo juntos :') Ah, e 18 páginas no editor de textos. DEZOITO PÁGINAS, WHAT?
Certo, deixa eu prosseguir com a minha história pomposa: eu espero que vocês curtam o capítulo, de verdade, eu fiquei escrevendo até 3:13 da manhã, e me esforcei bastante. A primeira coisa que eu fiz ao acordar foi revisar ele, eu tava toda zumbi, mas eu revisei. Fiz um capítulo bem incrível no estilão #papapum pra compensar o passado, que eu sei que ninguém curtiu, MAS ANYWAYS, acho que já falei muito.
Ah, lembrando que a bolinha preta no meio do mar no mapa é o Metal Curse!
Boa leitura, jovens!



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Deitado na rede do quarto, os olhos ameaçando se fecharem, eu brincava com a corrente dourada em meu pescoço. Passava o pequeno sol pela ponta de meus dedos, lembrando-me de que em menos de uma hora a versão real do enfeite estaria tocando o oceano, completando aquela tarde.  Nunca havia notado que Fox carregava tal coisa no pescoço, e me deixava incomodado lembrar que o objeto era importante para ela e eu havia levado-o em uma aposta. Eu tinha algo precioso também, que não abriria mão. Um anel fino, dourado e com um pequeno rubi incrustado na parte superior, a aliança de meu pai, que ele esqueceu em casa no dia em que partiu. 

Olhei de relance para o lado. Mesmo escuro, a silhueta de Ello em sua cama ainda era nítida para mim, ou talvez fosse só a minha cabeça criando imagens, já que a luz tremulante da vela ao seu lado era apenas o que eu tinha de base. O marujo ficava quieto, e sua aura triste fazia com que eu sentisse… Culpa. Não pude entender o motivo, eu apenas sentia-me culpado. Não pude entender também se a culpa era apenas por ter arrancado um bem precioso de Fox ou se eu estava com pena de Ello. 

Eu precisava de ar puro, a melancolia estava me matando. Mesmo assim, a preguiça me manteve parado exatamente onde eu estava, ainda pressionando o pingente de sol entre meus dedos.

Alguém abriu a porta, inundando o cômodo com o ar frio resultado da ausência do sol e uma luz fraca e alaranjada. Os passos sutis da capitã inundaram o ambiente, e eu permaneci quieto e encolhido, tentando imaginar quais motivos levariam ela, que nunca se aproximava daquele buraco malcheiroso onde dormíamos - apesar de bem aconchegante.

— Ello? - chamou calmamente. Meu cenho se franziu. Por que ela queria falar com ele?

— Fox? - ele respondeu de maneira fraca - não achei que você fosse voltar.

Voltar?

— Eu lhe prometi, não é? - respondeu sussurrando, no meio de um riso.

Prometeu?

— De fato, prometeu, mas eu achei que fosse apenas para fazer com que eu me sentisse bem.

— Ah, por favor, pensa isso de mim? - disse, sentando-se em uma cama.

— Não foi o que eu quis dizer, quer dizer, foi, mas eu…

— Quieto - ela cortou, rindo de sua confusão, e ele riu também, apesar de que suavemente - hoje o dia está bonito. Você não sai daqui faz tempo, daqui a pouco sua cama te transformará em um cobertor… Acho que te faria bem sentir a brisa fresca.

— Eu sinto medo, Fox - ele falou, após alguns segundos de silêncio - eu não quero sair daqui apenas para descobrir que não posso ver mais nada. Como deve ser sentir o nascer do sol sem realmente vê-lo?

Meu coração se apertou, e eu fiquei com pena. Eu não dava a atenção devida às maravilhas simples, como o pôr e nascer do sol, uma flor, o céu azul, os mares infinitos, e só de pensar em perder a vista de qualquer uma dessas coisas já me enlouquecia.

— Bat sobreviveu com seus olhos novos - ela tentou, mas Ello logo continuou:

— Eu não tenho mais olhos, capitã. Lembra-se?

— Lembro-me bem - respondeu rispidamente, mas como nenhum deles continuou, imaginei que ela estivesse respirando fundo, pronta para recuperar sua calma - mas você não sabe como eles funcionam. Ficou preso nesse buraco desde o incidente.

— Eu não me sinto pronto - ele falou.

— Então fique - concluiu - pois seja lá quais nossos inimigos em nossa próxima luta, eles não vão esperar. A vida não espera ninguém, e sim você deve manter o ritmo. Tudo bem?

— Sim - respondeu, seco.

— Ah, Ello, o que aconteceu com você? - começou, sua voz contendo os mais puros resquícios de pena - sempre uma aura vibrante, conversando com todos, fazendo piadas…

— Você sempre detestou minhas piadas - ele disse, confuso

— Sim, mas pelo menos você falava algo. Sentimos sua falta, seu otário… - pausou, e ao mesmo tempo que eu desejava não ter ouvido a frase seguinte, eu sabia que era a que ele mais ansiava - eu sinto sua falta.

O assunto ficou por ali, o que me deu vontade de acertar um soco no meio do rosto de Ello. Depois de ouvir o que eu mais tinha certeza que ele queria, simplesmente silêncio? Bem, eu também queria socar ele por ser um idiota, mas aquilo era outra história.

Ouvi o barulho dela se erguendo, saindo da cama em que se sentara, e logo a voz do marujo preencheu o cômodo escuro.

— Fox… - começou, incerto, e os passos pararam - eu não consigo mais tocar piano.

Mais silêncio, como se a ruiva não tivesse resposta para aquilo. Sem dizer mais nada, ela subiu a escada da escotilha e sumiu.

Levantei da rede e saí do quarto silenciosamente. Deixei a porta aberta, apenas para o Sailor não acabar morrendo sufocado naquele ar. Por algum motivo, a corrente em meu pescoço parecia pesar, como se quisesse alcançar o chão levando meu pescoço no trajeto. Eu não podia ficar com aquilo.

Olhei para todos os lados, mas Fox não estava em nenhum lugar para ser encontrada. A cortina da sacada de seu quarto estava aberta e balançando com o vento. Sem pensar muito, comecei a andar em direção à escada. 

Quando cheguei na porta, bati. Fox abriu:

— O que faz aqui? - questionou, querendo se livrar logo de mim. Seus olhos estavam profundos, parecendo tristes.

— Eu não posso ficar com isso - tirei o colar de meu pescoço e estiquei minha mão para que ela o pegasse.

— Como? - indagou, confusa.

— Isso aqui tem algum valor sentimental para você, algo forte, e não está me fazendo bem usa-lo. Pode ficar - insisti mais uma vez para que ela pegasse, a palma da mão aberta.

— As coisas não funcionam assim, Tomeh - ela negou com a cabeça - eu perdi a aposta. Você fica com esse colar e com aquele favor estúpido - rolou os olhos, mas logo usou seus dedos para fechar os meus em sua corrente - entendeu?

— Mas eu não posso ficar com ele, é importante para você - falei.

— Sim, você pode ficar com ele. A vida é assim, Tomeh, sempre tirando coisas importantes de nós - cruzou os braços e se apoiou na parede com os ombros, mirando o chão.

— A vida tirou o piano de Ello - falei impulsivamente.

E ao ouvir isso, parecia que Fox tinha encolhido ainda mais, como se criando um escudo para proteger-se da ideia, e se havia percebido que eu tinha escutado sua conversa com o Sailor, ignorou para evitar uma discussão que não lhe faria bem naquele momento.

— Você já tocou alguma vez? - perguntei, sem saber o motivo. Eu fazia várias coisas sem pensar quando estava perto dela, e aquilo era algo que eu precisava repensar para não ocorrerem besteiras futuras.

— Não quero falar sobre isso - respondeu, alcançando a maçaneta para fechar a porta, mas eu impedi o trajeto com o meu pé.

— Por que tudo ao seu redor é um segredo? - perguntei - eu só quero saber se já tocou piano, mas pelo visto isso te trás memórias que você não quer lembrar, como tudo na sua vida - eu disse, o cenho franzido, certa impaciência. Eu sinceramente estava cansado das mais simples coisas a deixarem agoniada, e infelizmente eu não queria desistir de saber o porquê - eu não consigo entender, Fox.

— Eu nunca te pedi para entender nada! - esbravejou, ainda assim mantendo a voz baixa. 

— Eu já matei por você, capitã - respondi, certo nojo em minha voz - há problema em tentar entender de quem são as ordens que estou seguindo? - indaguei.

— Matou para não ser morto - ela cuspiu as palavras - e há problema sim, se a sua busca por respostas me deixar irritada como ela faz.

— Eu nunca fiz nada demais! - me defendi - eu só queria…

— Nada demais? - ironizou. Seus pés se elevaram, para tentar ficar da mesma altura que eu, mas mesmo com seus 1,75 era algo impossível - você é completamente inconsequente, me seguindo quando todos sabem que devem manter distância, sendo insistente e basicamente forçando uma ajuda que, olhe que surpresa, eu não preciso!

— Não é isso que você pensou quando estava chorando desesperada por causa de um simples trovão - joguei a verdade em seu rosto, e naquela hora eu não pude concluir se ela estava mais desconsertada ou nervosa. Seu rosto ficou vermelho e seus olhos se fecharam com força:

— Cale a boca antes que eu te mate aqui mesmo - disse, no meio de uma respiração pesada - você não sabe o que me aconteceu para tomar tal conclusão. Você simplesmente decidiu de um dia para o outro que seu objetivo era desvendar minha vida particular. Eu nem te conheço, mas que inferno!

— Claramente eu não sei o que te aconteceu, já que você se recusa a compartilhar qualquer coisa sobre sua vida! Eu nem sabia seu nome - balancei a cabeça, tentando negar os fatos - estou no seu navio há semanas, capitã, e sinto como se te conhecesse mais que a maioria de seus homens, e encaremos os fatos: eu não tenho ideia de quem você é.

— Não lhe diz respeito quem eu sou ou escolhi ser - era quase possível ver as chamas saindo de seus olhos, mas eu podia sentir as minhas também. Eu não me recordava de ter parado para respirar um segundo sequer, e na nossa batalha de olhares, piscar era um erro fatal.

— Sim, me diz respeito, pois eu estou confinado eternamente a esta tábua flutuante obedecendo ordens de uma mera atriz - a voracidade de nossos olhos podia ferir mais que qualquer espada naquele momento, e mesmo assim eu sentia que tinha atingido um ponto fraco. Ela voltou a sua altura normal, mesmo sem deixar de me fitar. Eu deixei de proferir as palavras com tanta raiva, apenas para concluir - você não pode transformar seu passado em uma pessoa para faze-la andar na prancha. A vida não funciona assim, e se você continuar engolindo seus segredos, vai morrer engasgada.

Como se não pudesse mais aguentar o que estava acontecendo, ela soltou o ar de seus pulmões e cobriu os olhos com as mãos, respirando fundo. Preocupei-me se ela estava bem, mas ao mesmo tempo me repreendi por ser tão frouxo. Ela não teria se preocupado comigo. Ela não se preocupava com ninguém.

Apoiei-me na parede e arrastei as costas até o chão, onde encostei minha cabeça nos joelhos. Ficamos lá em silêncio, apenas sentindo a raiva se esvair aos poucos. Meu coração saltava enlouquecidamente de meu peito, e eu fiquei surpreso, pois não havia acontecido nada de demais.

Nada demais, Tomeh, você apenas confrontou uma menina por aparentemente ser uma pessoa comum e querer guardar um segredo, e infelizmente essa menina podia ter arrancado seus órgãos com uma faca, pois além de lutar muito melhor que você…

Interrompi a linha de pensamento por ali para não me deprimir.

— Eu só queria entender por que você me deixa tão brava - ela cruzou os braços, se sentando de frente para mim, encostando na porta fechada.

— Idem - dei de ombros. 

Ficamos envoltos em mais silêncio, algo que já era comum entre nós. Instintivamente levei a mão ao pingente de sol em meu pescoço, e fiquei passando-o entre os dedos, sentindo os pequenos raios, esperando que fizessem algum milagre que nem mesmo eu sabia que queria.

De repente Fox se pronunciou, a voz calma, mas algum tipo de ressentimento:

— Eu já toquei piano algumas vezes.

Tirei os olhos dos dedos de meu pé para a encarar.

— Quais músicas sabe? - perguntei.

— Só uma, na verdade, e nem consigo toca-la direito, faz tanto tempo - e balançou a cabeça suavemente.

— Por que não tenta novamente?

— Eu não sei se conseguiria - respondeu, tirando o cabelo dos olhos e colocando uma mecha atrás da orelha.

— Parece-me que alguém está com medo do desconhecido - concluí - o que é ridículo, já que este alguém desbrava o oceano todo dia. O que é mais desconhecido que o mar? 

Encarou fundo meus olhos. Eu não sabia muito bem o que estava acontecendo ali, naquele momento, entre nós, com o mundo. Como nós havíamos passado de “quase arrancar a cabeça um do outro” para “respondermos calmamente perguntas”?

A ruiva se levantou, ajustou a roupa e começou a descer a escada. Fitei sem reação por alguns instantes, e eu sabia que seja lá o que ela fosse fazer, não iria esperar por mim. Corri atrás, apenas para encontra-la caminhando em direção ao piano, o cabelo se camuflando no céu completamente laranja com o pôr do sol, que aconteceria em instantes.

O vento balançava suavemente nossas roupas, e a cada passo que Fox dava eu percebia que nada naquele mundo me intrigava mais do que ela. Ninguém deu atenção a cena, provavelmente por estarem todos muito ocupados fazendo seus afazeres. Isso mesmo, Tomeh não era o responsável pela limpeza, otários.

Ao alcançar o grande instrumento, o encarou antes de fazer qualquer outra coisa. Logo em seguida, tocou-o com cuidado com o dedo indicador, como se pedindo permissão para usa-lo, depois de tanto tempo. Seja lá quais fossem os pensamentos que rondavam sua mente, ela se sentia pronta, ou pelo menos fingia, e se sentou no banco, colocando as duas mãos nas teclas, posicionando-as. Fechou os olhos, respirou fundo, e sussurrou:

— Minha mãe que me ensinou.

E começou a tocar a canção dos quatro inimigos. Mas o ritmo não era animado, como quando Ello tocava para que os marujos dançassem, e sim calmo, melódico, belo e incerto, igual a capitã.

“Na noite escura, quatro inimigos jantavam

Pratos bateram, copos quebraram

Eles se odiavam”

Para a minha surpresa, ela começou a cantar também. Estreitei meus olhos para ter certeza de que aquilo estava mesmo acontecendo. Sua voz definitivamente não era feita para o canto, apesar de eu preferi-la assim do que me ameaçando, mas de alguma maneira peculiar tinha seu encanto.

“A bruxa mexia sua língua maldita

Ela queria, ela faria

Presos na névoa infinita”

Os homens perceberam o barulho, obviamente, e os Sailors foram acocorando-se aos poucos ao nosso redor, para ver o que estava acontecendo. Mohra, ao ver que quem tocava a canção era Fox, abriu uma expressão de pura surpresa, e eu me senti o ser mais especial de todos por ser o único que estava entendendo algo, e o curioso era que eu também não estava entendendo nada.

“E o homem bem quieto, era tudo arranjado

Um mercenário, frio!

Pago com dinheiro manchado”

Ao mesmo tempo que ela cantava, o sol se punha, tornando a cena mágica. De um lado do navio, o círculo incandescente adentrava o oceano, e era quase possível ouvir um chiado resultante, e do outro a noite já dançava em nossos olhos, escurecendo nossa visão.

“A dama como uma rosa, bela de se olhar

Mas o veneno de seu perfume

Aprendeu a manipular”

Marujo por marujo, eles se uniram a Fox, cantando junto a letra da canção. Era curiosa a maneira que todas aquelas vozes grossas resultavam em algo até que bonito. 

“E o que restava era o caçador,

Perseguia as sombras, fugia dos vivos

Vivia na dor”

Desviei meus olhos da cena apenas para ver algo que me surpreendeu. Era Ello, que saía do quarto e vinha em direção a nós. Sua feição não demonstrava a comum tristeza. Ele apenas caminhava as cegas, mas tornando seus ouvidos seus olhos, e um sorriso suave em seu rosto, como se entendendo a situação. Não pude deixar de sorrir também.

“E no fim da refeição todos se olharam

Deram um grito e caíram

Os barulhos cessaram”

E por um único instante, quando o sol já havia sumido por completo e o azul tornava-se negro acima de nossas cabeças, nós pudemos esquecer a loucura que era nossa vida. Abandonar tudo o que conhecíamos para vagar nos oceanos, nos alimentando dos pores e nasceres do sol, das noites estreladas e das tempestades. Nós não passávamos de caçadores de horizonte.

“E na noite escura, os inimigos se separaram

Quatro almas, tão confusas

Em silêncio vagavam”

— Homem ao mar! - gritou Jaguar, apontando para fora do navio.

A harmonia foi quebrada como vidro se estilhaçando. Todos os olhos viraram na direção de seu dedo, e eu tentava entender como diabos uma pessoa estava ali, no meio do nada. Aquela não era uma rota comum entre navios.

Então, quando eu finalmente visualizei o que era, tive que tomar cuidado para não desmaiar.

Há quinze metros do navio, no breu da noite, duas criaturas tremulavam, brancas e brilhantes, de mãos dadas, encarando o Metal Curse. Uma mulher e um homem, para ser mais preciso. Trajavam farrapos, ou lindas roupas de festa, eu não pude ter certeza qual delas parecia mais real.   

Um grito agudo atingiu meus ouvidos, mas eu já estava familiarizado com as maneiras de Fox expressar seu horror. Ela saltou do banco do piano, fazendo com que ele atingisse o chão com um baque, e correu para bombordo, debruçando-se no apoio de madeira. Seus olhos estavam completamente abertos, assim como a boca escancarada. 

— Fox, não pode ser real - Mohra falou, encostando a mão em seu ombro.

Ela empurrou sua mão de modo impaciente, mas seus olhos apenas indicavam o que ela vivia escondendo: dor.

— Isso é mais um ataque? - Batata perguntou.

De repente, como um sopro de ar frio, todas as velas acesas do navio se apagaram, deixando-nos no escuro. Meu coração se acelerou, e eu não pude distinguir se era medo, angustia, ansiedade ou qualquer outra coisa. Eu fiquei esperando um ataque, paralisado, mas ele nunca veio. A única coisa acontecendo era o silêncio ensurdecedor daquela situação, a expectativa, a tensão entre todos, que já se armavam. Mohra não parecia ligar para nada, olhando para Fox, que encarava as figuras no mar tão chocada como quando ocorreu o incidente de Proi. Será que ela os conhecia também?

Me aproximei devagar, até chegar ao seu lado. Eu e o outro Sailor trocamos olhares rápidos, e daqueles poucos segundos em que fitei seus olhos pude detectar que ele não fazia ideia do motivo de eu estar ali, e ele não queria que eu estivesse ali, acima de tudo, mas quando o assunto era ajudar uma ruiva desesperada, eu acabava tendo vantagem.

— Eu tenho que tira-los de lá - sussurrou, convencida.

— Perdão? - indaguei, tentando imaginar qual o grau de importância daquelas figuras para Fox resolver simplesmente saltar do navio para resgatar fantasmas.

— Eu vou até lá - decidiu, se aproximando da borda do navio, mas Mohra a agarrou.

— Não vai a lugar algum, pequena - disse.

— Me solte! - ela gritou, se debatendo, tentando a todo custo libertar-se. Eu encarei em horror enquanto as lágrimas brotavam em seus olhos, mas lágrimas de puro ódio. Todos encaravam em silêncio, segurando forte suas armas.

— Você está indo para morte certa, Bel - ele falou, tentando a arrastar para longe, e o apelido me surpreendeu.

— Não me chame assim - ela berrou, dando um chute nas partes baixas do pobre homem, que a soltou por um segundo enquanto sofria em pura dor.

Meus olhos levaram dois segundos para deixar de sentir pena de Mohra para olhar Fox, mas ela não estava mais lá, e sim na borda do navio. Corri para tentar agarra-la, mas a ruiva já estava saltando seu caminho até o mar.

— Fox! - gritei, me agarrando à base de madeira. Ao não obter resposta, não sei o que deu em mim, mas sem me dar conta já estava despencando na água atrás dela. 

A sensação de queda livre era horrorosa. Pude sentir meu coração escapando pela boca, junto a minha alma, e o vento batendo não me agradava nem um pouco. O pior foi quando eu atingi o mar, com a graça dos deuses de maneira correta para impedir que eu morresse ou quebrasse qualquer parte do meu corpo, mas de qualquer maneira a água gelada fez até meus ossos tremerem, como se estivessem esfarelando em meio as ondas. 

Os espíritos encontravam-se metros a frente, assim como Fox, que atrapalhava-se nadando, estando afobada demais com a visão que estava tendo. “Felizmente” eu já estive em situações parecidas, e lembrei-me daquele momento em minha segunda noite no navio, onde a tensão quase me fez saltar para fugir da morte certa na manhã seguinte. Resumindo, eu era um ótimo nadador, e em pouco tempo eu já a havia alcançado.

Porém quanto mais nos aproximávamos dos vultos, mais eles pareciam sumir, e aquilo estava me intrigando. Fox nadava incessantemente, e por mais que eu quisesse para-la, eu sabia que qualquer coisa que eu dissesse ela ignoraria.

— Não tem nada aqui! - gritei mesmo assim.

— Tem de haver! - ela gritou de volta, olhando para cima esperando por algo, e logo completou com a voz de choro - por favor, tem de haver.

Nadei para perto dela e a puxei para perto, tentando ignorar a água gelada, mesmo com o queixo tremendo. Suas lágrimas se misturavam com o mar, e eu tive de arrasta-la dali enquanto ela chorava copiosamente, tentando estender a mão para as figuras que desapareciam ao tentarmos alcança-las.

— Por que comigo? - ela se perguntava, enquanto eu a tirava dali. Os sailors haviam descido o bote até o mar, e estavam apenas esperando nós subirmos para puxa-lo.

Assim que coloquei Fox sentada, ela se encolheu inteira, inconformada e soluçando.

— Você sentiu também, Tomeh? - ela perguntou.

— Se eu senti? - indaguei, confuso - senti o quê?

— Eu senti… Vida - ela murmurou, e logo após ficou fitando o mar, a procura de respostas.

Quando chegamos no convés, Mohra rapidamente a pegou do barco, apesar de eu tentar segura-la. Corri atrás igual um idiota enquanto os marujos murmuravam coisas como “estúpido” e “esperto” ao mesmo tempo, mas eu os estava ignorando. Eu sabia que era apenas uma questão de tempo até que as lágrimas voltassem a jorrar na frente de todos como uma cachoeira, e era o que eu e ela menos queríamos.

Mohra subiu as escadas carregando a ruiva, e aos tropeços, tentei manter o passo. Quando ele abriu a porta e a colocou na cama, tentei chegar perto, mas apenas fui expulso:

— O que você está fazendo aqui? - disse, irritado - se manda, cara! 

— Eu pulei do navio pra ver se ela estava bem - respondi, cansado de ser subestimado por ele o tempo todo - sou eu quem deve ficar aqui.

— Eu não ligo - disse ríspido, elevando o tom de voz - você não sabe a história dela, você não sabe de nada…

— Não dou a mínima para não saber a história dela - gritei, estressado, o interrompendo - pare de achar que você é dono da Fox!
— Dono? Eu? - ele riu - eu estou aqui desde o começo, otário, você está aqui a semanas!

— E pelo visto ela prefere a mim - comecei, mas fui interrompido por um marujo irritado que partiu para cima de mim, acertando-me um soco no olho.

— Qual seu problema? - levantei, gritando, procurando dar um soco nele também, mas obviamente Tomeh não tinha chance contra Punho de Ferro. Mesmo assim eu não podia deixar de tentar.

— Calem a boca! - vociferou Fox, interrompendo nossa briga. Olhamos em silêncio para ela igual a duas crianças briguentas, e a minha vontade era de joga-lo da escada. Afinal, qual a insistência dele em me tratar mal? - o que está acontecendo aqui? Ridículo, eu não quero nada disso no meu quarto! Se quiserem arrebentar seus dentes a tapas, que se dane, mas façam isso no convés, pois lá o sangue de vocês não manchará minha tapeçaria.

Engoli em seco, pois eu sabia que a frase dizia de modo implícito que o meu sangue não mancharia seu tapete.

— Mohra, fora - ela murmurou, gesticulando com a cabeça.

Ele arqueou as sobrancelhas e exclamou em segundos:

— Perdão?

— Eu disse fora— reafirmou, a voz firme.

O Sailor pareceu indignado, e irrompeu porta afora, batendo-a com força ao sair. Fiquei sozinho com Fox, e não pude deixar de dizer:

— Que cara idiota, quem ele pensa…

E fui interrompido novamente, dessa vez pela mão da ruiva atravessando meu rosto em um tapa, que me surpreendeu. E então ela caiu de joelhos aos meus pés, tremendo e chorando.

Com a face toda latejando, eu abaixei e a envolvi em um abraço. Ela engasgava no meio do pânico, e eu sentia que daquela vez não tinha escapatória.

— Quem é Belena?

Pensei que não fosse responder, tamanha a dificuldade em se livrar das lágrimas. 

— Belena está morta - sussurrou, tentando se controlar.

— Não, Fox. Você é Belena. Mas eu quero entender de quem estamos falando.

A garota limpou as lágrimas com as mãos, ainda soluçando.

— Eu sou Belena, marquesa de Lysem, filha de Corana, o sol do palácio de Epícia.

Espera. O que?

Minhas mãos foram rapidamente para o pingente de sol em meu pescoço.Suas palavras não continham nada mais que ressentimento. Não pode segurar meu olhar por muito tempo, logo fitou o chão, envolvendo-se em um abraço. Eu, por outro lado, agradeci por estar sentado naquele momento, pois poderia cair.

— Você é uma marquesa? - perguntei, gaguejando com a surpresa.

— Não mais, este era apenas um título que tive durante a infância graças a meus pais. Este se perdeu junto com meu nome no dia em que fui arrancada de minha casa para trabalhar como escrava.

— Perdão?

Ela revirou os olhos, com dificuldade de se permitir voltar a mexer naquele velho baú de lembranças, apesar de que eu tinha certeza de que ela não passava um dia sem ser atormentada pelos pesadelos do passado.

— Quando eu tinha treze anos, Tomeh, a marca de meu pai, marquês de Lysem, foi invadida. Ela ficava justamente na fronteira marítima - ela balançou a cabeça enquanto olhava para cima, tentando não sofrer mais com o momento do que já estava - foram piratas. Nossas riquezas roubadas, meus pais levados amarrados junto a mim e meu irmão no meio da noite. Ele só tinha nove anos - e as lágrimas voltaram novamente, mas ela não desistiu de terminar. Fechou os olhos com força, mas eu não tinha ideia se o intuito era impedir o choro ou seus olhos de arderem em chamas de ódio.

— Fox, eu… - tentei  invadir, chocado, mas ela apenas balançou a cabeça enquanto ria sarcasticamente.

— Você sempre quis descobrir minha história, não? - indagou, a feição vazia - agora vai ouvi-la por inteiro.

Arregalei os olhos, de certo modo arrependido por ter feito chega-la a tal ponto.

— Mantinham a mim e minha família presos no calabouço do navio - voltou a falar - foram dias passando fome, eu não tinha ideia do que estava acontecendo, eu era tão vulnerável… - e balançou a cabeça, se negando o fato - até que um dia atracamos em um porto. Eu achei que iam nos liberar, mas que ideia a minha, aquele era apenas o início do meu inferno. Nos levaram até uma venda clandestina de escravos, e cobraram caro por nós justamente por sermos da realeza. Infelizmente, meus pais não eram mais valiosos que duas crianças, e eles os levaram. Eles arrancaram os pais de duas crianças, Tomeh, você sabe o que é isso? - ela perguntou, olhando para cima, enquanto as gotas de água escorriam pela bochecha - a última coisa que eles me pediram havia sido para proteger meu irmão. E foi o que eu tentei fazer. 

Tentei.

— Foram dois meses, Tom, dois meses trabalhando para sobreviver e mal recebendo um pão por refeição. “Fiquem gratos por receberem comida” eles diziam. “Podíamos deixa-los morrer de fome”… - os pelos de meu braço se arrepiavam a cada frase, e ver aquela garota tão confiante se quebrar bem na minha frente… Eu finalmente entendi o motivo de sua nova personalidade - até que um dia, estava chovendo, e chovendo muito. Trovões para todos os lados, e naquela época eu não os temia. Eu até esperava que um deles virasse o navio, tamanhos os estrondos, para dar fim àquela tortura inacabável. Meu irmão era meu único bem - ela sussurrou - e como naquele dia todos estavam ocupados em impedir que o navio virasse, ele desapareceu. Eu só percebi o que havia acontecido quando o capitão o trouxe arrastado pela gola da blusa, alegando que ele tinha tentado roubar um cálice. Um cálice para vendermos no próximo porto e podermos fugir - ela completou.

— Roubo em navio pirata tem pena de morte - concluí, e quando ela assentiu suavemente com a cabeça, senti que meu coração havia se partido em milhões de pedaços.

— Ele mataram meu irmão com um tiro na cabeça. EU tentei impedir, mas me seguraram. Eu odeio quando me seguram! - gritou - eu poderia te-lo salvo, eu sei disso, eu sei, eu sei… - começou a repetir, colocando a mão na cabeça, presa em uma memória - eles mataram Proi!

Proi.

Proi era seu irmão.

E se o primeiro espírito era seu irmão morto, o homem e a mulher que se vestiam de roupas reais e trapos eram seus pais.

Cobri minha boca para evitar uma exclamação de pânico.

— Você tinha só treze anos, não poderia ter salvado Proi - murmurei.

— Mas eu me vinguei - ela completou, esfregando a palma da mão em seus olhos para se livrar das lágrimas - após a morte de meu irmão, eles me trancaram no calabouço. Passei duas semanas lá, mas pareceram anos. Um dia a noite o navio foi invadido. Eu já não dava a mínima para meu futuro. A única promessa que eu tinha feito havia se quebrado. Foi quando Mohra surgiu.

E então eu me recordei de tudo o que haviam me dito sobre Mohra ter resgatado Fox do outro navio. Toda a raiva que eu estava sentindo por ele se esvaiu, e eu imaginei todas as vezes que ele não a confortou após todos os pesadelos e problemas.

— Ele me levou para o convés e convenceu o capitão a não me matar junto com os outros. Ah, o capitão… Ele era um bom homem - ela sorriu perante a lembrança - mas um demônio para seus inimigos. Eu lhes contei minha história, e ele perguntou se eu queria viver, e respondi que já nem sabia. Sua condição para me deixar adentrar o Metal Curse era matar o homem que tanto havia me feito mal. Naquele dia, eu tirei uma vida e não senti remorso - ela deu de ombros, um sorriso macabro formando-se em seu rosto - olhei fundo nos olhos do bastardo que matou meu irmão, ri quando apertei o gatilho, e ainda cuspi em seu cadáver. Quer saber? Eu sorrio apenas de me lembrar de seu corpo sem vida batendo no convés.

Arregalei os olhos, surpreso com o que estava ouvindo. Ela era uma garota de treze anos quando tirou a primeira vida, e tinha sido uma experiência que ela gostava de se lembrar.

— Eles me treinaram para ser uma assassina. Eu aprendi a lutar sendo guiada por todos. E não foi fácil - ela balançou a cabeça - eu era da realeza, e de repente virei uma corsária. Depois da primeira vez que invadi um navio, o capitão ficou surpreso com a minha agilidade. Ele me apelidou de Sea Fox, a famosa Raposa do Mar, com seus cabelos laranjas iguais à pelagem do traiçoeiro e sobrevivente animal, pois era aquilo que eu era, uma sobrevivente.

— E como você virou capitã? - questionei.

— Todos sempre me trataram como uma irmã mais nova. O capitão não, aquele me via como uma filha, aquela que ele deixou no continente. Me ensinava suas melhores estratégias. Eu sou a cópia ruiva dele - deu de ombros, fungando - e quando estava lento, velho, disse a todos de maneira bem clara que queria que eu tomasse seu lugar como capitã do navio. Naquela mesma semana, durante um saque, ele morreu durante o ataque. Nós o queimamos em um dos botes, e suas cinzas estão espalhadas livres pelo mar, assim como ele era.

O colar em meu pescoço pesou mais do que nunca. Mas eu não iria devolve-lo. Pelo contrário, eu faria um sacrifício, assim como a vida inteira dela havia sido.

— Quero que fique com algo - falei, tirando a aliança de meu pai de meu dedo e entregando para ela.

— O que é isso? - perguntou, confusa.

— Isso é algo tão importante para mim quanto o colar de sua mãe é para você. É a aliança de noivado dos meus pais. É a única coisa que eu tenho do meu pai antes de ele sumir pelo mundo.

Ela me olhou com pena, mas eu não era quem precisava de pena ali.

— Ele sempre me ajudou, como um amuleto. Quem sabe não te trará força também? - e dei de ombros.

Ela, depois de analisa-lo por um tempo, depositou-o no chão ao seu lado.

— Se tem uma coisa que eu aprendi com os anos é que se a vida te der um soco, você deve se erguer - ela falou, me olhando - a desgraçada odeia quando não consegue te derrubar.

Eu sorri, confiante. Aquela ela a Fox, a garota que ameaçava seus amigos e que ao mesmo tempo sabia conduzir um navio inteiro de selvagens. Mas quando sua feição se tornou em um sorriso seco, eu não pude prevenir a última coisa que ela disse:

— O problema é que eu já caí faz tempo.

 


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Notas finais do capítulo

AEEEEE, FINALMENTE, O QUE VOCÊS TANTO QUERIAM ~palmas~
Por favor elogiem meu mapa que eu atualizo com tanto carinho todo capítulo para vocês verem onde está o Metal Curse, eu sou carente pessoal ;-;
Façam o que quiserem agora, me xinguem, me batam, me beijem, eu sou toda ouvidos para os reviews de vocês. Vou só relembrar que eu também respondo tudo que vocês mandam pelo twitter: @missweirdonotes
Beijinhos e até o próximo!