Quer brincar comigo? escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 6
Belos vestidos de boneca




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/655946/chapter/6

– Tu não devias ter feito isso. Como vamos explicar as pessoas? – A voz de um homem falou. – Tudo isso só por causa de uma boneca de papel marche? Tu foste longe demais, mulher!

– Ela precisava aprender uma lição! Onde já se viu fazer uma coisa dessas? Cada um tem que conhecer o seu lugar.

– Concordo, mas o que tu fizeste foi exagero!

A mulher pareceu não se importar.

– É apenas a filha de uma escrava sem importância. Vamos escondê-la onde nunca ninguém vai encontrar.

Ele ficou assustado com a frieza da mulher. Ou seria apenas porque fazia um frio glacial naquela noite?

– Ela está procurando pela filha.

– Deixe que procure. Eu falei a ela que a menina tinha ido buscar água no poço e não voltou. Só isso. Tem ciganos na cidade, não tem? Ótimo! Colocamos a culpa neles e ninguém ficará sabendo.

Seu marido entendeu a idéia, embora lhe causasse repulsa.

– Sempre me falaram que eles raptam crianças, mas...

– Não tem mas. É isso ou ter muitas dores de cabeça com uma menina insignificante que não vale nem as sobras que come!

– Está certo. E o que fazemos com o corpo?

Os olhos dela brilharam de maneira insana, fazendo-o questionar sua sanidade. Será que ele tinha se casado com uma bruxa sem coração?

– Vamos picar muito bem e esconder os restos onde ninguém irá encontrar.

Sarah acordou de sobressalto com o coração batendo acelerado e o suor escorrendo pelo rosto. Daquela vez ela não sentia frio, só muito medo. Céus, será que ela não podia nem cochilar sossegada? Era para ser apenas um cochilo depois do almoço.

– Isso tá indo muito longe demais! Tenho que falar com o Cebola!

__________________________________________________________________

– Ah, está pronto! Finalmente! – Magali falou após terminar de costurar o vestido que pretendia usar na festa de Halloween do colégio. – Que vestido lindo, amei! Vai ficar um luxo.

– Magali, a Mônica quer falar com você.

– Pode deixar ela entrar, mãe.

– Oi Magá. Ué, tá fazendo o quê?

– Meu vestido para a festa do mês que vem, né?

Mônica não acreditou.

– Festa? Quatro das nossas amigas sumiram e você tá pensando em festa? O que deu em você?

– Mas elas vão aparecer, não vão? Sei que vão... e olha como esse vestido ficou lindo!

Talvez fosse mesmo verdade que a beleza estava nos olhos de quem via, pois Mônica não viu beleza nenhum naquele vestido mal costurado, remendado e feito com panos velhos. Aliás, onde ela tinha arranjado aqueles panos? Tinha muitos deles espalhados pelo quarto.

– Que panos são esses, Magá?

– Ah, são uns panos que tinha no porão da tia Nena e ela não quer mais. Aí me deu pra eu fazer minha fantasia.

– Credo, esses panos estão muito velhos! Bom, se é pra ser fantasia de Halloween, até que dá. Só que tem muito aqui! E olha quantas fitas e botões!

– Dá pra fazer muitos vestidos lindos, não dá? Acho que vou fazer para todas as garotas da turma!

– Quê? – Agora sim Mônica estava achando aquilo muito estranho. O que tinha dado na Magali? De onde ela tirou que aqueles panos eram lindos? Por que iria querer fazer vestido para todas as garotas? E por que vestidos tão grandes e feios? Mas Magali parecia tão feliz e tranqüila que ela resolveu não questionar muito. Talvez fosse a forma dela de lidar com aquela crise. – Então tá, né... vem que tá na hora daquela reunião na casa do Cebola e a gente precisa estar lá.

– Eu não posso fazer mais um vestido?

– Não, Magá, vamos! Depois você costura mais!

Ela pegou a amiga pela mão e a tirou do quarto sob protestos. No meio do caminho, Mingau rosnou para Magali e fugiu em disparada.

– Eu heim... seu gato ficou maluco mesmo.

– Ah, deixa que depois eu cuido dele.

A última frase foi dita de uma forma bem estranha.

__________________________________________________________________

A cabeça de Denise pendia e ela se mexia muito pouco, deixando as outras garotas preocupadas. Maria, que estava mais perto, tentava chamá-la cutucando com um pé e dando vários gritinhos abafados pelo esparadrapo, mas a ruiva não respondia.

Marina torcia um dos pulsos várias vezes tentando se soltar da corda. Não dava para arrebentar, então ela tentava afrouxar aos poucos e assim soltar uma das mãos. Podia ser a única esperança delas. Era preciso correr, já que cortar a corda poderia levar tempo e ela não podia esperar anoitecer, que era quando aquela louca chegava para torturá-las ainda mais.

Seu pulso doía e sangrava, algumas vezes ela tinha a impressão de que a corda tinha roído sua pele chegando até o osso. Ela puxava, torcia, forçava e aos poucos o nó ia se afrouxando. Era preciso muita força, persistência e uma dose de resistência a dor. Aos poucos sua mão foi saindo da corda até chegar mais ou menos na metade, na parte onde começa o osso do polegar. Ali era mais largo e por mais que tentasse encolher a mão, ela não passava.

Ela fez uma pausa, respirou fundo várias vezes para afastar a dor e continuou insistindo. Estava entardecendo e o tempo esgotava, por isso Marina duplicou seus esforços e puxou a mão com toda força. Um osso estalou fazendo-a gritar sob o esparadrapo. Seu rosto estava banhado de suor e em alguns momentos ela pensou que fosse desmaiar. Ao lado dela, Carmem e Maria observavam tudo entre a esperança e o medo. Se ela conseguisse, poderia salvá-las. Se falhasse, podia ser o seu fim.

Com mais um esforço, alguns ossos da sua mão estalaram e por fim ela conseguiu se libertar. Sua mão doía, latejava e ela não conseguia movê-la direito. Os dedos mal conseguiam se mover. Se ela ainda tivesse o lápis mágico, poderia desenhar uma faca para cortar o restante daquelas cordas, só que ele ficou na sua bolsa, que a raptora tinha jogado fora.

Ainda assim ela lutou para desamarrar a outra mão. Talvez houvesse algum objeto cortante por ali que ela pudesse usar, mas era preciso se libertar primeiro. O tempo não estava a seu favor.

__________________________________________________________________

No quarto do Cebola, ele mostrava um mural para a turma com as fotos das garotas.

– Eu estava tentando estabelecer um padrão entre as garotas que sumiram. Todas são da turma, tem a mesma idade e notei que tem cabelos compridos.

(Cascão) – A Denise não.

(Mônica) – A gente já viu ela de cabelo solto uma vez e caia abaixo dos ombros. Deve estar mais comprido agora. O que mais você descobriu?

– Pelo que as outras garotas falaram, Marina e Carmem também sentiram aquele frio estranho, igual a Maria Mello. E depois desapareceram quando ficaram sozinhas. Droga, a gente devia ter prestado mais atenção e ficado de olho! – ele disparou frustrado.

Cascão logo ficou preocupado e não pôde manter a boca fechada.

– A Magá também anda sentindo uns ventinhos frios aí.

– Cascão! – a moça ralhou.

– É verdade, ué! Agora a gente sabe que isso tem algo a ver, então tem que contar pra galera!

(Mônica) – É verdade, Magali? Por que não me falou? Tem consciência do perigo que você tá passando?

Cebola entendeu a mensagem.

– Você tem cabelo comprido, é da turma e tem a mesma idade que as outras meninas. E agora tá sentindo esse frio estranho. Então a gente vai ter que ficar de olho sim.

– Gente, não precisa, eu vou ficar bem...

Sarah olhou para Magali e percebeu que alguma coisa ali não estava bem. Era como se ela não raciocinasse direito.

(Mônica)- Ainda temos que descobrir onde fica essa fazenda que aparece no sonho da Sarah.

(Cebola) – Eu quebrei a cabeça com isso até não poder mais, só que não tá dando. Nessa cidade não tem nenhuma, só nas cidades vizinhas tipo Vila Abobrinha, Poserlândia do Norte ou Sococó da Ema.

Mônica coçou o queixo.

– Ficam muito longe. Não faz sentido o maníaco vir até aqui só pra raptar essas moças. Seria mais fácil raptar garotas da região, não de outra cidade. Sarah, você viu mais algum detalhe da fazenda em seu sonho?

Ela descreveu mais algumas coisas de que conseguia lembrar. E também falou do último sonho, enchendo todos de arrepios desagradáveis. Cebola se esforçou para vencer o mal-estar e falou.

– Boneca de papel marchê? Não se usa mais isso! E a linguagem dessas pessoas é tão arcaica... Acho que ninguém mais fala assim, só em algumas regiões. E eles falaram mesmo “escrava”? Peraí...

O rapaz continuou pensando. Talvez os sonhos da Sarah não fossem para ser levados ao pé da letra. Talvez quisessem passar uma mensagem que eles precisavam desvendar. Uma menina morreu por maus tratos num lugar frio e escuro. Depois seus restos foram escondidos em algum lugar. O que isso teria a ver com o misterioso rapto das suas amigas? Se ele ao menos soubesse onde ficava essa fazenda... Cascão interrompeu seus pensamentos com uma idéia maluca e sem noção que só ele poderia ter.

– Vem cá, será que essa tal fazenda ainda existe mesmo? Os sonhos da Sarah são meio cabulosos, de repente ela tá vendo alguma coisa do passado e não dos dias de hoje.

(Cebola) – É mesmo! Bonecas de papel marchê, linguajar estranho, fazenda sem luz elétrica, cheia de carroças, trabalho escravo... e se for um evento que aconteceu no passado? – Monica concordou.

– Pode ser, mas como a gente vai descobrir?

Ele deu um sorrisinho de vitória e falou.

– Essa cidade é bem antiga e começou como um povoado mais ou menos no fim do século 18. Há boas chances de ter existido uma fazenda aqui também.

(Mônica) – Então a gente vai ter que pesquisar e descobrir onde ficava essa fazenda.

(Cebola) – Deixa que eu faço isso, vocês ficam de olho na Magali pra não dar galho.

Magali parecia muito impaciente e mal prestava atenção ao que os outros falavam.

– Posso ir pra casa agora? Ainda tenho que fazer mais vestidos!

Todos olharam para ela como se tivesse enlouquecido.

(Sarah) – Vestidos? Pra quê vestidos?

– Pras meninas da turma, ué! Vão ficar lindas que nem bonecas!

“Lindas que nem bonecas”.

Algo acertou Sarah em cheio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quer brincar comigo?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.