Quer brincar comigo? escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 3
Minha linda bonequinha




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Num momento estava quente e o suor escorria pela sua testa. Em outro, ela sentia frio como se estivesse dentro de um freezer. Aquilo só podia significar uma coisa.

– Filhinha, mamãe chegou! – uma voz estridente e desagradável ecoou pelo galpão. Era como se uma mulher crescida tentasse imitar a voz de uma criança. Passos duros e cadenciados foram na sua direção, lhe enchendo de arrepios. – Você se comportou direitinho? Espero que sim, senão mamãe vai te colocar de castigo.

Denise grunhiu através do esparadrapo e balançou a cabeça positivamente várias vezes, pois sabia muito bem dos castigos que aquela maluca bizarra poderia aplicar.

– Que bom! Olha o que a mamãe trouxe! Vamos pentear seu cabelo!

A mulher desamarrou suas Marias-chiquinhas e começou a escová-las bruscamente, puxando seu cabelo a ponto de quase arrancar parte do seu couro cabeludo. Denise se esforçava para não chorar

– Eu também trouxe comidinha gostosa para você, filhinha! Você está com fome? Tem que comer tudo para crescer bonita e forte!

Quando terminou de pentear seus cabelos, ela refez as Marias-chiquinhas e colocou algo que parecia um prato na frente da Denise e falou segurando uma colher.

– Olha o aviãozinho! Vrummm! – a mulher falou dando voltas no ar com a colher e encostando na boca da ruiva, que continuava sem entender o sentido de toda aquela insanidade. Era como se sua raptora estivesse lhe usando para brincar de boneca. – Hum... está gostoso? Come tudo!

Não havia como ingerir aquela refeição porque sua boca estava tampada e também porque não havia nada na colher. Aquela louca apenas fingia alimentá-la.

– O que foi? Não quer comer? Menina má! Você é uma menina muito má, perversa, ingrata! Tem que ser punida! – um tapa estalou no seu rosto e por um instante Denise pensou que tinha quebrado um dente.

Depois veio outro e mais outro. Por fim, a voz infantil falou tentando soar doce e carinhosa.

– Eu faço isso para o seu bem, filhinha! Você é minha bonequinha e mamãe vai cuidar de você!

A moça soluçava tentando engolir o choro, pois sabia que só deixava a mulher mais zangada.

– Isso mesmo, é assim que mamãe gosta. Não pode chorar. Tem que ficar bem quietinha e ser minha boneca.

Após ajeitar seus cabelos e suas roupas, a mulher lhe deu um beijo frio na testa e finalizou.

– Mamãe tem que ir trabalhar. Amanhã eu volto para brincar com você.

Os passos foram se afastando, juntamente com aquele estranho frio glacial. Dentro de algumas horas o sol ia nascer e ela sabia que tinha mais um longo dia de espera e angústia pela frente.

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– E vocês ainda não tiveram nenhuma notícia?

– Nenhuma. Vê se pode? Parece que a Denise sumiu e eu tô muito preocupada! O pior é que eu não tô podendo fazer nada, que coisa!

– Fica assim não, linda. – DC falou dando um beijo em sua mão. – Você tá fazendo tudo o que pode. Eu só não entendo como a Denise foi desaparecer desse jeito sem deixar nenhum rastro. Coisa estranha!

– E não é? Nem o Cebola tá conseguindo nenhuma pista!

Ele tentou disfarçar uma carranca ao ouvir o nome do Cebola sendo pronunciado. Afinal, aquele sujeito salvou sua vida. Isso significava que ele pelo menos não lhe odiava. Ainda assim o sentimento de ciúme era desagradável, mas DC procurou se manter calmo, pois confiava na Mônica. Afinal, o Cebola tinha corrido atrás dela várias vezes. Ela não ficou com ele porque não quis.

– Fico só pensando em como devem estar os pais dela.

– Ih, numa tristeza que só vendo! Dá dó de ver.

O casal foi conversando e Mônica também contou a ele as últimas novidades do colégio para mantê-lo atualizado. DC estava se recuperando bem e esperava receber alta dentro de alguns dias. Seu estado tinha sido muito grave e ele ainda estava em observação, pois tinha perdido muito sangue e era difícil repor já que seu tipo era raro e Cebola não ia poder lhe doar uma segunda vez.

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A lanchonete estava movimentada, mas um grupo de clientes estava muito distraído com algo importante. As garotas olhavam enquanto Sarah analisava as cartas de tarô. Finalmente ela tirou uma carta e seu rosto ficou bastante preocupado, deixando Maria Mello muito apreensiva.

– Alguma coisa errada?

– É a carta do sol.

– Se é carta do sol, devia ser uma coisa boa, não?

– Ela saiu invertida, então nesse caso quer dizer sombra, escuridão. Eu sinto muito frio quando toco nessa carta...

Elas murmuraram entre si, imaginando qual tipo de má sorte poderia cercar a pobre Maria.

– Frio? Engraçado... eu ando sentindo uns ventinhos bem frios de vez em quando.

Um gosto metálico invadiu sua boca.

– Frio? Como se fosse algo cortante que gela até os ossos?

– É... mas depois passa. Estranho, né?

Cascuda também ficou arrepiada.

– Credo! Acha que vai acontecer alguma coisa ruim com ela?

(Marina) – Tá dando até medo!

– Meninas, não é pra ter medo. Meu conselho é pra ajudar, não amedrontar. Maria, você não precisa deixar de fazer as coisas que faz normalmente, só tente não ficar sozinha. Especialmente à noite.

– Ai, você fala pra não ficar com medo, mas agora eu tô!

– É só por alguns dias, depois vai passar e tudo voltará ao normal.

Elas suspiraram de alívio e Maria ficou mais calma. Não havia problema nenhum em ser mais cuidadosa só por alguns dias.

Após ler a sorte para as outras garotas, Sarah decidiu ir embora para casa recusando o convite de ficar para tomar um sorvete.

Aquele frio estranho ainda persistia. Frio e escuridão. Como no seu sonho. Ao invés de ir para casa, ela resolveu passar no cemitério. Conversar com Victor sempre lhe acalmava.

– E aí? – Ele cumprimentou sentado sobre o túmulo.

– Oi...

– Você não parece muito bem.

– E não tô mesmo. Tive um sonho muito estranho essa noite. – Ela contou sobre o sonho e também sobre a carta que tirou para Maria, inclusive aquele frio estranho que a moça estava sentindo. Victor ouvia tudo muito sério, coçando o queixo e balançando a cabeça suavemente para cima e para baixo.

– Eu não sei se fiz bem em tentar avisar a Maria. Acho que ela ficou mais assustada.

– É por isso que você deve tomar cuidado com o que fala as pessoas. Sei que quer ajudar, mas há momentos em que não dá para evitar. De qualquer forma, o aviso foi dado. Pode ser que adiante alguma coisa.

Os dois foram conversando sobre o assunto e quando chegou a hora de Sarah ir para casa, Victor aconselhou.

– Acho que você devia falar sobre isso ao seu amigo do cabelo espetado.

– O Cebola?

– Sim. Isto é algo que os dois devem resolver juntos. – ele finalizou e não disse mais nada, deixando Sarah pensativa.

Sua relação com o Cebola tinha melhorado bem e de vez em quando eles até conversavam. Mas quando ele pedia para que ela tirasse as cartas para saber se a Mônica ia voltar ou não para ele, ela se esquivava alegando que era algo que ele devia descobrir por si mesmo. Era melhor assim. Se a resposta fosse positiva, ele poderia acabar fazendo algo precipitado que iria estragar tudo. Se fosse negativa, ele ia desistir de lutar e talvez até deixasse passar a oportunidade de voltar com ela. O melhor era deixá-lo cuidar disso sozinho.

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– Ah, então você não conseguiu nada, né... – a voz decepcionada no outro lado da linha fez seu coração apertar. Ele detestava desapontá-la.

– Pois é, Mô. Eu liguei pra todo mundo que tava ajudando a Denise na festa e ninguém falou com ela naquela noite. Coisa mais estranha...

– Estranha mesmo. Então alguém deve ter invadido a casa da Denise e tirado ela a força.

– Pode ser, mas não tinha nenhum sinal de arrombamento. Só se ela abriu a porta para algum estranho e acabou sendo raptada. O diabo é que não tem câmera de segurança em lugar nenhum, aí fica complicado!

Os dois conversaram mais um pouco e somente por educação Cebola perguntou como estava DC. Ah, céus... ele sabia que tinha feito a coisa certa, já que deixar uma pessoa morrer sendo possível ajudá-la ia contra seus princípios. Mas aquele ato de altruísmo tinha um preço: a Mônica ia continuar com aquele Zé Mané por mais um tempo. Paciência. Era preferível que aquele namoro acabasse de outra forma e não com a morte do DC, caso contrário ele seria obrigado a dividir o coração dela com aquele maldito pelo resto da vida e isso estava fora de cogitação.

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Era oito da noite e fazia muito frio. Que coisa estranha! Ultimamente fazia muito calor, mesmo a noite e agora esse frio maluco? Maria apertou o passo para chegar em casa logo e se aconchegar debaixo das cobertas. Ela não devia ter ficado até tarde na casa da Carmem tirando fotos, mas foi tão difícil separar algumas que tivessem ficado boas! Por que suas fotos sempre ficavam ruins? Seria o excesso de gordura? Era a única explicação. Talvez fosse bom procurar um novo regime já que o atual não estava funcionando.

A rua estava com pouco movimento e um vento frio soprava na sua nuca. Andar sozinha assim no meio da noite era muito perigoso e ela já podia ouvir as broncas da mãe pelo seu atraso. E o conselho que Sarah tinha lhe dado de não ficar sozinha ecoava na sua cabeça deixando-a mais assustada.

– O quê? – ela virou para trás rapidamente ao ter a sensação de que estava sendo seguida. Não havia ninguém na calçada e ela voltou a andar.

Passos ecoavam atrás dela, fazendo-a gelar ainda mais de medo. O vento frio na sua nuca intensificou e ela apertou para o passo rezando em silêncio para que fosse só outra pessoa andando casualmente e não algum tarado psicopata.

Seus pés começaram a ficar dormentes por causa do frio, o que atrapalhou sua caminhada. Céus, a era do gelo tinha começado e ninguém lhe avisou? Por que estava tão frio? Bem, não era hora de pensar nisso. Na pressa em fugir daqueles passos estranhos ela virou uma esquina sem pensar no que estava fazendo e logo se arrependeu. Aquele não era o caminho para sua casa, mas voltar podia ser péssima ideia. Os passos continuavam lhe seguindo e ela tinha medo de confrontar aquela pessoa, que podia ser um marginal perigoso.

O jeito foi continuar andando na esperança de encontrar uma loja aberta onde pudesse se esconder, o que era difícil já que o Limoeiro era um bairro residencial. Ainda assim ela continuou andando, tremendo de frio, medo e soprando uma fumaça esbranquiçada pela boca. Os passos atrás dela ficaram mais fortes e ela decidiu que estava na hora de correr.

Só que era difícil correr com tanto frio e o corpo fraco de fome. Ela virou outra esquina e, não aguentando mais, encostou um poste para descansar. Os passos tinham cessado, para seu alívio. Talvez fosse só sua imaginação ou apenas alguém sem más intenções que acabou tomando outro caminho.

Ela respirou fundo várias vezes, sentindo aquele ar frio quase congelando seus pulmões e decidiu voltar por onde tinha visto, achando que o perigo tinha acabado.

Não, não acabou. A luz do poste apagou de repente, o frio se intensificou mais ainda e quando ela pensou que não podia ficar pior, uma mão forte agarrou seus cabelos por trás. Quando tentou gritar, ela teve a sensação de que sua garganta tinha congelado e seu corpo já não respondia mais, sendo praticamente arrastado pelas ruas.


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