Horror candy - Pesadelos escritos escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 2
Acorde, Netinha




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Uma noite mais escura do que as normais. A Lua estampada com um tom enegrecido, tomada pelo medo, engolfada pelos reflexos obscuros do Sol engolido.

Entremos na casa de uma avó e sua neta. Dormiam na mesma cama, com o mesmo cobertor, não importava o quão escaldante a madrugada se mostrava, estranhamente só dormiam após cobrir as pernas... Nem lhe conto o motivo. Num mundo de fantasias, não é só a luz que ergue suas criaturas.

A vozinha beirava seus 80 anos, dores nas juntas, pernas voltadas para dentro. A netinha, tão meiga e ingrata, 13 anos jogados num corpo de mulher. O relógio havia parado, mas não havia como perceber, uma bruma densa cobria o quarto, cinza e inodora.

Acordou a netinha com toques seguidos no braço, sussurrando enquanto a menina abria lentamente os olhos: “Vamos lá fora comigo... Rápido”.

Qualquer ser de sã consciência perguntaria o motivo:

— Vó, já é tarde, você ouviu alguma coisa?

— Têm coisas que tenho medo de ver.

Uma face perplexa e sem nenhum pingo de jocosidade.

Levantaram, a vó foi à frente, e o corredor que levava ao alpendre parecia extenso comparado aos dias claros. A bruma entrava nos pulmões com um efeito ignoto.

Uma vovózinha baixa, com as pernas tão curvadas que parecia se arrastar pelos azulejos, a netinha assustou-se com a velocidade que a mesma andava, como se caçasse. Por quais diachos nenhuma das duas acendeu as luzes? Sendo guiadas por sombras na névoa interior.

Chegaram na sala, a visão prejudicada fez a menina perder a sua criadora no meio do tecido condensado, da teia magérrima de seres indistintos.

Começou seus chamados:

— Vó... Vó? Cadê você? Vó!

Ao avistar alguma criatura decrépita andar na sua direção, recuou. Foi impedida de gritar. Há sensação pior? Sentiu?

Uma face saltou no seu parâmetro de visão... Era sua vó com tantos traços de velhice que tornava intragável a imagem. Havia envelhecido. Noites de envelhecimento. Como não havia pensado nisso antes? Era uma maldita noite de envelhecimento, e uma delas havia chamado a criatura das brumas. Só havia uma forma de constatar aquela ancestral presença: a abominável risada.

A vó sussurrou com a garganta escamada:

— Fique quieta menina, você não sabe o que tem lá fora. E ficaria com medo se eu contasse as minhas histórias de infância, então cale essa boca e coce seus lábios.

O que teria tornado aquela mulher tão rude num intervalo curto de tempo?

Abriram a porta que levava ao portão com uma calma inenarrável. Procuravam fazer o mínimo de som.

Andaram entre o mundo invisível, a velha se aproximou da entrada do lar, olhou para trás e com o dedo indicador sinalizou para a menina fazer silêncio.

Do outro lado da rua havia algo estático. Não era um carro, nem um coelho branco.

Ambas olhavam para o nada, a nova sabia onde procurar, e só para ela a bruma começou a se desfazer no canto do olho, um logradouro tamanho específico, como se sua própria mente apontasse para onde olhar.

Pernas peludas, semelhantes a de um centauro, patas de cavalo, e um corpo amarronzado, ereto... O carneiro com seus olhos em sua completude negros, ouvidos triangulando e captando o medo tomando forma.

Imagine a pior gargalhada possível, daquelas que ecoam nos piores cantos da sua insanidade, nutrindo do seu medo para uma melhor e horrenda entonação.

A menina estava perdida e o seu coro cabeludo excitado, estremecido e arrepiado, a área onde guarda todos os enigmas e intrigas, a área que só arrepia quando uma conspiração grandiosa completa os segredos da criação.

A quase-morta mulher olhava para a neta e contradizendo o silêncio que queria, disse:

— Você vê, né? — Uma lágrima tendia a escapar — Agora sabe o motivo de trancar todas as portas e o portão como se fossem entradas do paraíso? Agora, querida, se realmente quer voltar para o seu corpo, corra para ele, ainda resguardado na cama, e acredite, corra como se houvesse só isso a ser feito, pois você sabe quem estará te esperando... Corra!

O grito despertou a garota que correu de um hipotético carrasco pela sua salvação, cruzou a sala num piscar e chegou ao corredor medonho que estava muito estreito para as pernas da vó, ela ficaria para atrás! Não importava o motivo.

Arrastou-se pela fenda, já sem a névoa, estagnou na entrada do quarto. Adivinha só? A vovó conseguiu chegar a tempo e estava deitada na cama... Ou será que...

Sentiu seus ossos se tornarem um fino vidro, suscetível ao menor dos impactos, a espinha transmutou-se em gelo que ia derretendo.

Deu o primeiro passo rumo ao travesseiro, a cama se moveu para o lado com o remexer do corpo da anosa, ajeitando-se entre as molas.

A rapariga tentou retomar a calma, mesmo com o coração acelerado, só queria que tudo aquilo acabasse. A lucidez aumentava a tensão.

Aumentou os passos, deitou e virou para o lado contrário, olhando para o guarda-roupa embutido. Enquanto a “vovó” olhava para o relógio, lembra-se dele?

Os olhos persistiam abertos, um suor frio escorria pelas têmporas. Travou os músculos ao ouvir uma tosse seguida do seu lado.

Entre tossidas e escárnio, uma risada nascia, um deboche. Pela ideoplastia, restara a conclusão: o caçador ria do veado, pois já sabia que havia ganho, restara o desdém.

Cômico, hilário se me permite dizer. A belíssima moça com seus olhos inchados de tanto chorar, afogada em lágrimas, tingindo o travesseiro com sangue escarlate.

Esse é o momento que espera que eu diga que tudo não se passou de um sonho, mas na verdade, quando a manhã chegou, nenhuma das duas acordou.

E o carneiro? Onde ele está agora? Sei que pode me responder. Bons sonhos.

FIM

2/11/2015


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Notas finais do capítulo

Sinta-se livre e escreva sobre seus medos no comentário, posso preparar um capítulo com eles, se permitir.



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