Linda escrita por SundaeCaramelo


Capítulo 1
One-shot




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A menina olhava-se no espelho do quarto. As mãos brincavam com a saia do belo e delicado vestido branco.

Seus pais a diziam que ela estava deslumbrante assim. Contudo, ela não conseguia acreditar neles. Não conseguia gostar do que via à sua frente.

Sentia-se bem com aquele vestido e aquela maquiagem, mas sabia que apenas disso que se tratavam: maquiagem. Não era bela. Era embelezada.

A seu ver, seus olhos não eram bonitos, seu corpo não era ideal e seus traços não eram tão perfeitos quanto os das outras garotas. Sua pele não era das melhores e seus cabelos não ficavam no lugar. Não se via nada deslumbrante e sim repugnante. Achava que aquela bela roupa não passava de uma embalagem bonita que guardava o pior dos produtos. Mas ela não tinha total culpa em sentir-se assim...

Passara a vida sendo julgada. Vendo pessoas, em sua opinião, melhores que ela e que seguiam padrões que ela acreditava que jamais conseguiria alcançar, dizem à ela o quanto que ela era estranha. Feia. Diferente. Incapaz. Detestável.

Sofrera bullying. Era sempre a criança solitária e isolada na hora do recreio. As pessoas não gostavam dela. No fundo, a menina achava que tinham lá seus motivos. Afinal, quem iria querer se aproximar de uma garota como ela?

Escutou a mãe chamar seu nome e deixou o quarto. Seus pais perguntaram à ela se estava se sentindo feliz indo ao baile de final de ano da escola. Diziam estar orgulhosos de sua inteligência.

Com um sorriso sem graça, ela respondeu que sim, estava feliz. E animada. De fato, estava um pouco animada mesmo, pois poderia ver algumas das poucas amigas que possuía e quem sabe, se divertir um pouco.

Entrou no carro e passou o caminho todo apenas observando a cidade e sua vida noturna.

Via os carros ao lado, as pessoas, as casas e prédios iluminados... Uma senhora sentada em um banco na praça, que acenara para ela. Um homem que caminhava apressado pela calçada, falando ao telefone. Duas crianças, uma menina e um menino, que pareciam apostar uma corrida logo à frente dos pais.

Ela queria ser como aquelas crianças. Feliz e despreocupada.

É claro que amava a família, valorizava as raras amizades e tinha orgulho da inteligência que diziam que ela possuía, embora ela mesma não acreditasse tanto assim nisso. Tinha tudo para ser feliz. E era. Mas não plenamente, pois algo lhe faltava: ela não era feliz consigo mesma.

Queria amar totalmente quem ela mesma era, sem dar tanto valor ao seus próprios defeitos. Sem acreditar que todos à sua volta eram mil vezes melhores que ela. Queria se sentir capaz de qualquer coisa.

O carro finalmente estacionou à porta da escola. Os pais se despediram dela, fizeram suas recomendações e a menina adentrou o local da festa sorrindo, de forma mais verdadeira agora.

Quase não conseguia acreditar que aquele velho ginásio havia se transformado naquele lindíssimo salão, todo decorado com enfeites brilhantes, toalhas de mesa brancas e douradas e uma grande lua pendurada no centro do salão.

Ao avistar as amigas, foi em seguida na direção delas e começaram a conversar. Mas, em algum momento, todas quiseram explorar a pista de dança e tentaram, em vão, convencê-la a ir junto. Mas ela não queria afastar-se da mesa. Dera a desculpa de que queria ficar guardando o lugar, mas a verdade é que não estava muito certa sobre suas habilidades em dança e tinha medo de acabar pagando um gigantesco mico em algum momento.

Assim, aos poucos, todas levantaram-se e no final, lá estava ela sozinha na mesa. Sally, sua melhor amiga, foi a última a sair, na esperança de conseguir fazer com que ela acompanhasse. Mas, acabou desistindo, por insistência da outra. “ Não se preocupe comigo”, ela disse.

Então, a menina passou um bom tempo e boa parte da festa apenas observando os outros convidados. Os meninos que nunca a amariam e as meninas que tinham a beleza que ela jamais teria. A maioria da classe que a chamara de esquisita e detestável durante tanto tempo, parecia se divertir naquela noite. Mas não sentia ódio deles por isso.

Em algum momento da noite, enquanto a menina estava jogando cara ou coroa consigo mesma com uma moeda que havia encontrado na bolsa, um garoto aproximou-se do lugar onde ela estava.

Sua primeira reação, ao vê-lo sentar-se na cadeira à frente da sua, foi encolher-se. Na verdade, foi quase instintivo, mas ele pareceu não notar.

Era um garoto bonito. Não era nenhum “ deus grego”, mas era bonito. Nunca tinha conversado com ela de fato. Talvez apenas tinham se visto em alguns esbarrões no corredor. Mas ela mal sabia que ele a observara o ano inteiro.

Ele começou a puxar assunto e ela, aos poucos, foi se soltando. Acabaram engatando em uma conversa e passaram muito, muito tempo conversando. Falaram sobre diversos assuntos e riram. As amigas dela nem quiseram voltar para a mesa, vendo a aproximação dos dois. Não queriam interromper aquilo, porque a menina parecia estar feliz.

De repente, após passar um tempo encarando-a em silêncio, o que a deixou levemente tensa, o garoto falou, com a voz doce:

– Você é linda.

Ela congelou.

– Que? – E começou a olhar para os lados, para conferir se o elogio havia mesmo sido destinado à ela.

Ele pegou uma de suas mãos e repetiu:

– Linda. Você é linda.

Agora, não havia dúvidas.

Mas, ainda assim, ela estava um pouco confusa. Nunca escutara alguém, além de seus familiares e amigas, dizer-lhe aquilo de um modo tão sincero. Tão simples, mas tão real que escutar aquela pequena frase pareceu ter produzido algum efeito sobre sua mente, porque, a primeira coisa que ela teria pensado em responder teria sido “ Você deve estar cego”. Ou ao menos algo do gênero. Porém, não foi o que ela respondeu.

– Obrigada. – disse, com a voz fraca.

O garoto sorriu. Parecia estar prestes a falar mais alguma coisa, mas o telefone dela começou a tocar neste exato momento e não deu tempo.

Eram os pais da menina, avisando que já estavam prontos para busca-la. Não queria ir e surpreendera-se com isso. Mas não havia jeitos de permanecer ali, porque o carro da família já esperava do lado de fora.

Por isso, levantou-se, despediu-se do jovem, que ficou um pouco atordoado com o fato de ela ter que ir embora, mas disse que a veria novamente no ano seguinte. Despediu-se também das amigas, que fizeram caras engraçadas ao vê-la se aproximar, pelo fato de ter passado todo aquele tempo conversando com aquele garoto. Combinaram de se encontrar no dia seguinte em uma pizzaria, para que ela lhes contasse as novidades. E enfim, a menina partiu. Saiu andando por aquele corredor, com uma sensação diferente. Estranha. Mas boa.

Durante todo o trajeto até em casa, ficou calada e balançou afirmativamente a cabeça quando seu pai perguntara se ela se divertira.

Chegou em casa, foi direto para o quarto. Tirou o vestido, a maquiagem, todas as lembranças da noite que ainda estavam presas ao seu corpo. Mas, não conseguia esquecer daquela palavra: “ Linda”.

Observando a si mesma no espelho novamente, dessa vez de pijama, ela começou, pela primeira vez na vida, a considerar a veracidade daquela sentença.

Talvez, todos aqueles que diziam que ela era feia estivessem errados e todos que comentavam sua beleza estivessem certos.

Tudo agora lhe parecia tão perfeito em si mesma. Os defeitos, pela primeira vez, começaram a parecer-lhe irrelevantes, perto de todas as suas qualidades. E começou a notar que sua beleza interior compunha também, sua beleza exterior.

Ainda sentia-se diferente. Seu sorriso era diferente. Seus olhos tinham um brilho diferente. Seu andar ela diferente. Mas não um diferente ruim. Seus detalhes eram únicos. Ela tinha uma beleza única. Seu corpo inteiro era diferente do das outras pessoas. E era isso o que fazia com que ela fosse... “linda”.

Por um momento, ficou um pouco chateada por ter demorado tanto tempo para percebido tudo aquilo. Mas então, compreendeu que ela só precisava de “ um empurrãozinho”. Uma ajuda externa, um elogio de uma pessoa que não tinha a menor obrigação de fazê-lo, mas mesmo assim o fizera. E ela seria eternamente grata àquele garoto, porque ele tinha sido capaz de fazer com que ela percebesse que a luz que ela sempre procurara para aliviar seu sofrimento interno estava, na verdade, dentro dela.

Foi dormir com um sorriso no rosto, naquela noite. Provavelmente, um dos mais verdadeiros que já dera em toda a sua vida.

–--

No dia seguinte, levantou-se cedo para ir buscar o boletim.

Arrumou-se de um modo simples, tomou rapidamente o café da manhã, cumprimentou os pais e saiu.

O dia estava claro, o céu estava limpo, o sol brilhava fortemente. Mas ela começava a duvidar que mesmo o brilho daquele sol fosse tão forte quanto o brilho que sentia dentro de si.

Entrou logo na escola, pegou seu boletim e ficou satisfeita ao ver que conseguira passar de ano com boas notas. Talvez até ótimas. Agradeceu à moça que a entregara, ajudou-a a catar uma papelada que deixara cair e começou a andar em direção a saída. De repente, escutou uma voz já conhecida sua falar alto, para uma amiga ao lado:

– Ora, veja se não é a esquisita da turma!

Em outros tempos, só escutar aquilo teria a deixado magoada. No entanto, isso não aconteceu.

– Bom dia. – disse, virando-se para encarar a dona da voz.

– Teria sido mesmo bom, se eu não tivesse te encontrado. Você é mesmo muito bizarra.- as ofensas continuaram.

Porém, a menina apenas sorriu e respondeu, com os olhos brilhando, antes de finalmente tomar o caminho de casa:

– Não sou não. Eu sou linda.

– Com certeza é. – ela escutou a voz do garoto do baile completar, atrás dela.

Os dois deram as mãos e saíram juntos pela porta da frente. E ela prometeu à si mesma que nunca mais duvidaria de suas qualidades. E jamais deixaria que os outros precisassem passar por tudo o que ela passara para entender que cada pessoa é “linda”. À sua maneira.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da história e da mensagem que eu tentei passar ^-^. Agradeceria se comentassem! ;)



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