Muito além de... escrita por Kaline Bogard


Capítulo 1
Parte I




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Abri meus olhos com medo do que encontraria. Eu estava vivo? Sim. Estava. Obviamente o Paraíso não se pareceria com um quarto de hospital. O Inferno, provavelmente meu destino final, muito menos.

Se eu estava em um hospital, era porque sobrevivera. Outra vez.

Certo, o lugar não era dos piores. O que me levava a crer que era um quarto particular. TV a cabo, cama confortável, um outro paciente além de mim, me observando com curiosidade quase ofensiva.

Hum... outro paciente?

Mais consciente das coisas procurei o botão que regula o encosto da cama e me ajeitei em posição quase sentada. Evidentemente não podia fazer muito sozinho, pois minha perna direita estava engessada, e as costelas doíam um tanto. Sinal de que foram fraturadas. E eu queria o quê, depois de rolar pelo lance de escadas da minha casa?

Ainda observado de forma intensa, resolvi puxar conversa. Abri meu melhor sorriso:

— Olá — minha voz ecoou rouca.

O garoto da cama ao lado se animou. Respondeu com um sorriso ainda melhor que o meu.

— Olá! Pensei que não fosse acordar tão cedo!

Pisquei confuso. Informação nova.

— Faz tempo que estou aqui?

O outro pensou um instante antes de responder:

— Não. Um dia e meio.

Uau. Pra mim é bastante tempo sim. Um dia e meio a menos na minha preciosa vida. Mas olhe pelo lado bom: pelo menos eu estava vivo. Um verdadeiro milagre, levando em consideração que a escada de casa tem mais de quinze degraus...

— Você tem muitas tatuagens! — o outro afirmou divertido — Todas as enfermeiras estão comentando.

Tentei não parecer satisfeito com o comentário, afinal as tatuagens espalhadas pelo corpo e meus cabelos vermelhos são uma marca registrada. Adorava ser reconhecido por elas. Mas a tentativa de falsa modéstia foi em vão. Estufei.

— É. Acho que são várias.

— Parece um daqueles livros de colorir... — acrescentou quase rindo — Tive muitos!

Ui. Isso não agradou tanto o meu ego. Paciência.

Observei o garoto enquanto ele sorria daquele jeito singular. Parecia jovem, e tinha a pele muito clara, chegando a ser pálida, contrastando com os olhos castanhos vivazes. Os cabelos negros repicados caiam à altura dos ombros. Ele estava sentado na cama da mesma forma que eu. Olhei tentando descobrir se tinha uma perna quebrada, mas não tinha.

— Você parece alguém famoso... — afirmou me olhando curioso — Foi o que ouvi das enfermeiras.

Novamente me inflamei. Claro que sou famoso:

— Sou Big Brandon — me apresentei simplesmente, esperando uma expressão de espanto, seguido de alguns “ohs” e muitos “ahs”. Nada veio. Ele nem pareceu reconhecer o nome de um dos jovens cantores mais famosos do cenário atual. O meu nome. Garoto estranho.

— Prazer. Pode me chamar de Kai.

Apresentou-se de forma simplória, sem que eu perguntasse. Acho que o espanto transpareceu em minha expressão, porque Kai ficou muito sem jeito.

— Desculpa! Não é como se eu pudesse sair muito daqui. Acredito que é mesmo alguém famoso.

— Ah, não se preocupe. É começo de carreira. Você ainda vai ouvir falar muito de mim.

— Aposto que o pessoal adoraria conhecer você.

— O pessoal? — não pude evitar franzir as sobrancelhas.

— Meus amigos. Gilian, Tarika, Niat e Udak.

— Ah — suspirei ouvindo os apelidos esquisitos — Posso dar um autógrafo se eles quiserem.

O garoto avaliou minha oferta e pareceu desanimar um tanto.

— É. Talvez — não entendi a expressão amuada que tomara conta das feições delicadas.

Respirei fundo pelo silêncio em que o quarto caiu. Provavelmente eu ainda passaria algum tempo por ali. Conheço meu empresário. Era o terceiro acidente que eu sofria em menos de dois meses. Estava realmente desastrado, e rolar pela escada de casa parecia o fim da picada. Um acidente inexplicável. Até agora me pergunto como consegui tropeçar no nada e dar cambalhotas pelos degraus até me esborrachar no chão.

Levei a mão até o pescoço, feliz por não ter quebrado. Muita, muita sorte mesmo.

Kai percebeu meu ato. Notei a curiosidade brilhando naquelas profundas íris castanhas. Ele não conseguiu se segurar:

— Como se machucou?

Cocei minha cabeça antes de responder.

— Tentei dar um mortal do topo de uma escada.

Ele arregalou os olhos entre chocado e surpreso. Céus, ele acreditou no que eu disse? Fala sério!

— É brincadeira — tentei contornar a situação — Eu tropecei na escada e rolei até o chão. Estava sozinho em casa, então não faço a menor ideia de como vim parar aqui...

Imediatamente ele corou, sem jeito por ter acreditado na minha piada de péssimo gosto. Me senti culpado. Às vezes sou um inconsequente.

— Tem que ter mais cuidado — ele me olhou longamente. Por um segundo sua expressão mostrou pura angústia. De tal forma que pareceu irreal. Vi que ele estava a ponto de me dizer algo quando a porta se abriu e um médico entrou seguido por uma enfermeira.

O médico veio em minha direção, enquanto a enfermeira seguiu até Kai. Ouvi o veredicto da minha “tragédia”. Nada muito fora do esperado: perna quebrada, duas costelas fraturadas, escoriações diversas, arranhões, etc, etc, etc. Ok, desejei que o médico fechasse a maldita boca e me mandasse pra casa.

Mas ele não fez nada disso. Continuou falando, exigindo que eu repousasse pelo bem da minha recuperação... Meu empresário deixara ordens rigorosas pra que meu restabelecimento fosse feito no hospital. Todos os shows foram adiados. Blá, blá, blá, blá...

Resumindo: eu ficaria ali um bom tempo.

Enquanto o homem continuava sua ladainha, meus olhos voltaram-se para a outra cama. A enfermeira conversava muito baixo com Kai, parecia tentar convencê-lo a tomar os remédios. O garoto olhava para o copo com comprimidos de forma duvidosa.

Perguntei-me o que ele poderia ter. Além da palidez assustadora, parecia bem. Enfim, se fosse algo grave, não estaria ali comigo e sim na UTI ou algum lugar assim melhor equipado.

Depois de alguma insistência, Kai aceitou resignado e tomou o que lhe era oferecido. Vi a mudança imediata: os olhos saíram de foco e ele pareceu ficar grogue. Remedinho forte aquele.

Percebi que o doutor parava de falar e se despedia. Respondi com um resmungo. Eu estava mal humorado. Oras, e quem não ficaria em situação igual?

Os dois saíram do quarto. Isso me deixou um pouco mais feliz. Sem poder me conter mostrei a língua para a porta assim que ela se fechou. Que me condenem por ser infantil. Um enfermo tem certos direitos, não?

Olhei para Kai, pensando em fazer uma piada. Mas não consegui abrir a boca. A enfermeira ajeitara a cama de modo que pudesse ficar deitado. Ele estava olhando pra mim de um jeito esquisito, fixa e intensamente. Por longos segundos nem mesmo piscou.

— Kai...? — engoli em seco, esperando resposta. Ele não deu sinal de ter escutado. Apenas... me olhava. Resolvi insistir com voz mais alta: — Kai?

Ele suavizou a expressão. Os olhos começaram a fechar. Ainda sussurrou antes de cair no sono:

— Brandon Marks... Sua vida corre perigo.

Um arrepio percorreu meu corpo. E, admito sem pudor, senti realmente muito medo.

oOo

Acordei com um pouco de dor nas costas. Dormir na mesma posição a noite toda é uma coisa realmente aborrecida. Olhei pro outro lado do quarto. Kai estava virado de costas pra mim, deitado um tanto estranho. Menos mal. Esse garoto me deu medo na noite anterior. Aquele olhar...

Me arrepiei só de lembrar. Um tanto desconfiado observando-o. Ao mesmo tempo que me assustava, me fascinava. Sentimento estranho.

Então notei o leve movimento de seus ombros. Ele parecia... céus! Ele estava... ele estava...? CÉUS, que alguém me ajudasse! Tentei me controlar e descobrir o que acontecia. “Vamos lá, Brandon” pensei “Não é hora de entrar em pânico!”

— Kai...? Você está chorando? — perguntei imediatamente. Ele podia parecer estranho, mas eu não ignoraria o que se passava. E se estivesse precisando de ajuda?

— Dói — respondeu simplesmente.

Aquilo cortou meu coração. Procurei o botão que chamava as enfermeiras.

— Precisa de ajuda? — já estava começando a me desesperar. Sentia-me impotente.

— Não precisa. Não adianta.

Engoli em seco.

— Quer mais remédio? — senti algo estranho na garganta. Não estava acostumado com o sofrimento alheio!

— Não. Não se preocupe — com alguma dificuldade ele virou-se. Pude ver sua face molhada pelas lágrimas, a palidez se acentuara graças às olheiras escuras. Meu coração se partiu pela segunda vez. Era tão triste. E tão trágico... — Já vai passar.

— Mas os médicos e as enfermeiras... — Que droga! Porque eu não sabia o que dizer?

— Acalme-se, Big Brandon. Não precisa se preocupar comigo. Isso logo vai passar.

Céus! Muitas coisas desfilaram pela minha cabeça. Queria perguntar sobre o que ele disse a noite passada, sobre o que estava acontecendo com ele. Tantas perguntas...

Ao olhá-lo nos olhos, decidi que o hoje é mais importante que o ontem. Pra mim sempre foi.

— O que você tem...?

Kai respirou fundo e tentou sorrir sem sucesso.

— Um pouco de tudo.

— Como assim? — reagi com espanto.

— Os médicos não sabem. E nunca vão saber.

— Oh — que garoto esquisito! — Sinto muito. Espero que não seja...

— Fatal? Acho que é. Mas não me preocupa.

Fiquei ainda mais chocado. Senti-me dentro de algum filme maluco, com roteiro noir. Só podia ser. Aquele garoto, internado no mesmo quarto que eu acabara de afirmar que tinha uma doença incurável, que os médicos não sabiam o que era e que provavelmente iria morrer, mas ele não se preocupava?

Ele percebeu meu espanto e sorriu entre as lágrimas.

— Eu já esperava por isso.

— Eu sei que todos vamos morrer, mas... — comecei, no entanto Kai me cortou gentil.

— Morrer? — suspirou — Não parece tão ruim assim. É como se eu pudesse descansar por mais tempo.

Ergui as sobrancelhas. Ao invés de tentar compreender as palavras desprendidas, resolvi que era mais importante fazê-lo se esquecer da dor. Mas como? O que eu podia fazer?

— Obrigado, Brandon.

Me surpreendi com o agradecimento. Pareceu-me tão fora de contexto.

— Por que? Não fiz nada.

— Por se preocupar — disse como se fosse um grande presente. — É sempre assim pela manhã. Está acontecendo mais rápido do que eu esperava — acrescentou pensativo.

Percebi que ao falar ele deixava a mente divagar de leve, como se isso o afastasse ou o fizesse esquecer da dor. Resolvi que o faria falar mais, apenas para não ter que olhar aquele rostinho tão frágil expressando sofrimento.

— Você me disse que tinha livros de colorir... — deixei a frase reticente no ar.

— Ah! — ele sorriu já parando de chorar — Mas Udak sempre rasgava todos.

— Udak? Um de seus amigos?

— Hn — confirmou com um aceno de cabeça. — Udak, Gilian, Tarika e Niat.

— Você já me disse os nomes deles ontem. Parecem boas pessoas.

Ele sorriu ainda mais. E como ficava fofo sorrindo! Começou um longo e animado monólogo me contando como os seus amigos eram incríveis, legais e queridos. Eu apenas escutava, feliz e satisfeito comigo mesmo por ver que a dor estava esquecida. Embevecido pelas palavras empolgadas, acompanhadas vez ou outra por movimentos das mãos pequenas. Ele parecia gostar tanto daqueles quatro amigos que fiquei curioso, secretamente querendo conhecê-los. Quem sabe quando viessem fazer uma visita, eu pensei.

O discurso de Kai foi interrompido pela entrada de dois enfermeiros. Ambos traziam cadeiras de rodas. Era hora do banho. Hum... Não sinto nem um pouco de saudades dessa parte da internação.

Lembro que o mais velho se dirigiu à cama de Kai com um sorriso paternal e preocupado.

— Olá, Victor... Pronto pra mais uma?

Ora, aquilo me pegou de surpresa. Quem era Victor? O nome do garoto não era Kai? Decidi que tiraria a história a limpo depois.

Pulando a parte desagradável de ser levado ao banho numa cadeira de rodas e voltando ao ponto principal da história...

A verdade é que além do nome de Kai, havia outra coisa me intrigando. Porque ele precisaria de cadeira de rodas pra tomar banho? Pensei muito, e relembrando aquele tempo juntos percebi que o vira gesticular muito as mãos, mas não as pernas. Mesmo quando se deitara de costas, fora uma posição estranha. Uma coisa era óbvia: ele não podia andar, apesar de não ter nada engessado.

Voltei para o quarto antes de meu jovem companheiro, sentindo-me super, super mal humorado. Duvida? Tente depender de um estranho pra tomar banho e lavar todo seu corpo. Droga. Aquele enfermeiro abusado quase descobriu aquelas duas tatuagens... ta, o pobre coitado não foi abusado, estou exagerando. Ele fez apenas o que devia fazer. Rápido e impessoal. Não que isso diminua meu aborrecimento.

Pouco depois Kai voltou. Os cabelos úmidos escorriam por seu rosto, e ele parecia mais animado do que ao acordar. Fiquei feliz. Meu humor melhorou incrivelmente. Quando o enfermeiro saiu, ele voltou aqueles olhos castanhos pra mim, com um brilho divertido.

— Morreu de vergonha?

— Do meu corpo lindo? — debochei — Com certeza — completei num resmungo fazendo-o rir. Porém, eu iria desmanchar aquele sorriso tão bonito com a minha pergunta: — Você me disse que seu nome era Kai — acusei.

Ele ficou muito sério, quase solene.

— Eu disse que você podia me chamar de Kai. Nunca disse que era meu nome real.

— Oh — percebi que era verdade! Diabo de garoto esperto! Tive que rir de mim mesmo — Então Kai não é seu nome?

Olhando ressabiado para a porta, ele acabou confessando:

— É um pseudônimo. Não conte pra ninguém. Meus amigos também usam pseudônimos. Pra nos proteger.

— Ah — exclamei como quem entende tudo. Mas entendi foi nada. Provavelmente era coisa da cabeça dele, uma forma de se distrair no hospital.

— Big Brandon também não é o seu nome de verdade... é um nome artístico!

Ri outra vez. Kai era mesmo uma pessoa interessante.

oOo

Os dias no hospital eram todos iguais. Me acostumei a acordar e ver Kai encolhido na cama, aguentando fortes dores e recusando qualquer ajuda. Não queria que as enfermeiras chegassem perto, nesses momentos parecia até assustado com a perspectiva.

Conversar ajudava bastante. Então eu o incentivava a falar. E ele falava. E eu ouvia. Conhecia cada um de seus quatro amigos como se fossem os meus amigos. Tinha imagens mentais detalhadas de cada um deles. E, dia após dia, a certeza esmagadora que aqueles eram apenas amigos imaginários.

Eu recebia inúmeras visitas. Meu empresário. Meu treinador pessoal. A staff da gravadora. Os colegas (mais do que eu esperava). Minha secretária aparecia com quilos de cartas de fãs solidários à minha recuperação...

Enquanto isso Kai nunca recebia ninguém. Nenhum de seus amigos, nenhum familiar. Nada. Ele ficava apenas observando o movimento no meu quarto, com aqueles brilhantes olhos castanhos, mantendo-se longe de contato, evitando participar das conversas. Imagino que devia doer, acompanhar tudo aquilo. Devia fazê-lo sentir-se solitário.

Apesar disso, nunca questionei a real existência de Udak, Gilian, Niat e Tarika. Isso poderia magoar Kai. Como eu poderia destruir a fantasia do garoto? A única coisa que parecia possuir?

Eu sou egoísta, infantil e até mesquinho algumas vezes. Mas não cruel. Nunca cruel. Eu ficava a escutá-lo discursando sobre os adorados amigos, fingindo acreditar em cada uma das palavras, apenas para vê-lo feliz.

Porque ouvi-lo também me distraía. Fazia com que eu esquecesse a piora visível que Kai sofria no decorrer dos dias. A pele estava tão pálida que parecia translúcida. As olheiras eram tão profundas que pareciam maquiagem. As mãos já não gesticulavam com tanta graça. Às vezes mal se erguiam dos lençóis quando ele conversava. E os olhos... os olhos eram um reflexo de desengano. E estava tão magrinho... tão frágil...

Pelas manhãs ele já não se encolhia mais, mesmo que estivesse sentido dores horríveis. Ficava apenas deitado, com os olhos perdidos. Nesses momentos minha garganta dava um nó, eu chamava sua atenção de alguma forma.

— Ei, Kai... conte-me outra vez aquela história sobre o bolo de chocolate que você preparou.

Ele me olhava, sorria e contava.

Não que ele estivesse abandonado completamente. Os médicos e enfermeiras não tinham desistido dele. Pelo contrário, o incentivavam. Eu via que o tratavam com carinho, com cuidado, esperando uma recuperação milagrosa. Que nunca vinha...

Finalmente chegou o dia em que eu receberia alta. Minhas costelas estavam totalmente restabelecidas. E eu ia retirar o gesso. Ah, aquela sensação de ter a perna livre era incrível! Jurei que tomaria todo cuidado do mundo pra não voltar ali como paciente.

Ouvi o médico enumerar uma lista gigantesca de recomendações. Esses doutores são todos iguais. Quando ele me liberou, vi-me com a parte mais difícil da alta: despedir-me de Kai.

Voltei para o quarto, ciente de que a secretária já tinha levado todas as minhas coisas. Olhei para o garoto e sorri.

— Então você fica mais um pouco por aqui.

Ele sorriu de volta e me estendeu a mão. Entendi o que queria dizer, aceitei entrelaçar nossos dedos.

— Não se vá, Brandon — pediu com os olhos brilhando.

Maldição! Lutei bravamente para não me render as lágrimas. Quem resistiria a um pedido daqueles? Cortou meu coração.

— Sinto muito, Kai. Preciso ir.

— Se você for, não poderei mais protegê-lo.

Encarei aqueles olhos com seriedade. Ele realmente acreditava naquilo. As palavras proferidas por ele no dia que acordei voltaram a minha mente. Eu até tinha me esquecido. Fingi acreditar, assim como acreditava em seus amigos imaginários e no motivo de suas identidades serem secretas.

— Prometo que tomarei muito cuidado — apertei sua mão com carinho. Tive medo de machucá-lo. Estava tão delicado.

Ele me encarou e não disse nada. Me senti despido diante daquele olhar. Num impulso fiz outra promessa:

— Anime-se Kai! Isso não é um adeus. É um até logo. Virei visitá-lo, ok? E se quiser posso trazer muitas revistas de colorir.

Ele riu corando um pouco.

— Brandon! Não sou mais criança.

— Então você não quer? — perguntei fingindo chateação.

— Claro que quero! Pode trazer, será divertido sem o Udak pra rasgá-las...

Sorri de volta. Ambos estávamos relutantes em soltar as mãos. Mas eu tinha que ir embora. Curvei-me para depositar um beijo sobre os cabelos negros e ouvi Kai suspirar. Rapidamente me virei, com as lágrimas quase transbordando, e fui embora.

oOo

O que aconteceu então? Nada simples. Nada fácil.

Uma agenda de shows absurdamente atrasada, sessões exaustivas de fisioterapia. Cuidados intensivos naquela enorme e desolada casa. Sim, eu pensava mil vezes antes de subir ou descer as escadas. Meu receio era tanto que já estava pensando em me mudar.

Com tantas atribulações só consegui uma folga na sexta-feira da segunda semana após sair do hospital. Ainda não voltara aos shows, meu fisioterapeuta fora claro nisso. “Suas performances, Brandon, vão forçá-lo demais. Cuide-se.” E resolvi seguir tal conselho.

Bem, peguei o carro e sai de casa, sem esquecer de passar em uma banca e comprar dúzias de revista de colorir. Uma forma de me desculpar por deixar passar mais de uma semana para cumprir minha promessa. Eu estava com saudades do garoto. Oras, me apegara a ele. Queria ver aquele lindo sorriso outra vez.

Minha chegada ao hospital causou algum tumulto. Hum, fãs, pra variar. Mas a segurança do local cuidou de tudo discretamente. Segui até à recepcionista e lhe dei meu melhor sorriso.

— Olá, gostaria de fazer uma visita ao Kai... — quase praguejei. Estava tão acostumado a chamá-lo pelo pseudônimo que combinava tão bem com ele. Consegui remediar a tempo — Victor — disse para a recepcionista. — O garoto do 205.

— Senhor — a mulher de branco me chamou, indecisa entre ser formal ou se descabelar ao falar com um ídolo. Eu percebi que ela me reconhecera — Sinto muito, mas a visita será impossível.

Imediatamente me alarmei. Aquilo queria dizer que Kai havia piorado? Não! Apertei as revistas com força. Eu precisava entregar aquilo pra ele! Por favor, esteja bem! Implorei à alguma entidade superior.

Vendo meu desconcerto, a mulher soltou de uma vez:

— Parece que o senhor não sabe, Victor parou nesta segunda feira.

Minha voz deve ter soado tão confusa quanto a expressão em minha face ao perguntar:

— O quê?

O quê aquela gíria de hospital queria dizer? Nunca tive tanto medo na vida quanto naqueles segundos em que esperava a resposta da recepcionista.

continua...


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Notas finais do capítulo

Obra completa no site Amazon :D

O que isso significa? Significa que eu não vou postar ela inteira aqui, só esse trechinho pra degustação. Mas não posso colocar o link do Amazon, onde a história completa está a venda :D

Aí fica por conta de quem quiser saber como continua: precisa procurar lá no Amazon e comprar o meu textinho hohoho

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