Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 31
Contagem regressiva


Notas iniciais do capítulo

Digam oi para a sumida...

Sim, eu sei que demorei, e sim, sei que estão decepcionados comigo, mas eu lhes peço, do fundo do meu coraçãozinho molenga, mil desculpas. Eu fiquei submersa em um bloqueio que me parecia infinito e fui praticamente atropelada pela escola, séries pra atualizar e todas as tretas que estão acontecendo na minha vida... Tudo isso me impedia de escrever, e quando eu podia escrever, a inspiração não vinha. É. Foda.

Mas enfim, depois de um mês, eu consegui terminar esse capítulo (FINALMENTE!), e eu espero que vocês gostem. Ele é mais um fill-in, pra explicar algumas coisinhas e blablabla, mas é tão importante quanto os outros.

Vejo vocês lá embaixo.



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 Depois de tomar um banho, guardar a famigerada caixa em um local seguro e pôr curativos nas diversas feridas feitas por Pandora espalhadas por meu corpo, lá estava eu. Sentada em frente à mesa de carvalho, em plena madrugada, assistindo a aromática fumaça abandonar o café da xícara que eu mantinha entre as mãos. Me sentia exausta, mas me sentia vitoriosa. Só tinha uma coisa que eu queria que fosse consertada. 

Minha relação com o Dean.

A verdade era que eu não conseguiria sem ele. Ele, mais do que ninguém, me entendia. Eu o amava. Não conseguiria passar por todo o processo sem ele. Sem o apoio dele. E o triste era que ele parecia cada vez mais distante.

Melancólica, permiti que um suspiro fugisse do peito e aproximei a borda da caneca dos lábios, bebericando algumas gotas ferventes, por pouco não queimando a minha língua. O som de passos invadiu meus aguçados ouvidos e eu me virei na direção do ruído, movendo o olhar até alguém, que estava parado na soleira da entrada da biblioteca do bunker.

Era Dean. 

Voltei a olhar para a minha caneca. Evitá-lo significava menos dor. 

Hey... — ele murmurou. Me permiti fitá-lo.

Dean passou a mão pelo pescoço com força, coçando a nuca. Ele não era bom em disfarçar o que sentia. Ele estava incomodado com algo. Eu só não sabia se esse algo era eu ou o clima tenso que instalara-se entre mim e o caçador. 

— Nós podemos conversar? — o Winchester perguntou, com um brilho familiar de culpa nos olhos verdes mais lindos do mundo. 

Anuí, temerosa. Ele alcançou a mesa com passos demorados, e pareceu relutante diante da oferta invisível de se associar à mim e sentar-se. Acabou cedendo e puxou a cadeira com cautela, tentando não fazer barulho, visto que já era tarde e Sam provavelmente estava dormindo. Não tirei os olhos do café até escutar o som de seus cotovelos sendo apoiados na superfície lisa da mesa de carvalho e um pigarro quase que involuntário abandonar a garganta. Pousei a caneca na madeira cuidadosamente, erguendo o olhar até ele.

Ele pareceu compreender que eu estava pronta para o que quer que fosse, mas ainda assim, parecia hesitar. Logo, Dean dedilhou o emaranhado dourado na cabeça, ligeiramente apreensivo.

— Quero pedir desculpas.

Expirei com mais força e ferocidade do que deveria.

— Pelo quê? Por me chamar de egoísta quando a minha intenção era não fazer você sofrer ainda mais?

— Sim — contrapôs na mesma moeda. — Por isso.

Estreitei o olhar.

— Deveria pensar mais antes de sair vomitando palavras — alertei, estressada.

— Olha, eu sei que você está zangada, mas...

Emiti um som gutural, que nem mesma eu consegui identificar.

— Zangada? Não, Dean. Eu não estou zangada. Estou chateada. Magoada. E não é por você ter me chamado de egoísta — eu senti algumas lágrimas arderem na beira dos olhos. — É porque a única pessoa que deveria me entender como ninguém, não entendeu.

O caçador me encarou, estático. Não parecia ter qualquer tipo de resposta. Apertei as pálpebras contra as órbitas, controlando a respiração o máximo que podia, e fiz menção de levantar da cadeira, mas Dean agarrou o meu pulso, impedindo que eu o fizesse. Abri os olhos.

— Eu sou um babaca. Eu sei. E você não tem ideia do quanto eu me condeno, já me condenei e estou me condenando por isso. Eu só penso no lado das coisas que me favorece, e isso faz de mim um completo e o maior idiota da face da terra.

Mordi o lábio. Meus lumes ardiam novamente.

— Quer saber? Eu sou egoísta. Eu sou egoísta por não ver o quão altruísta é isso que está fazendo. Você.. Está disposta a se sacrificar por isso. Dar tudo de si. E eu não dei ouvidos e ainda desprezei você porque sou egoísta. Porque eu amo você. Amo mais do que tudo, e não quero perder você. É isso. Esse é o motivo. E eu nunca vou concordar com essa ideia porque eu te amo, mas se você está disposta a desistir de tudo por um bem maior, tudo bem. Eu vou estar ao seu lado. Estar com você até o fim. E não esqueça, no mundo que vivemos, tudo é possível, então não sabemos se aquilo... Vai acontecer de verdade.

Finalmente, senti uma gota descendo devagar pela bochecha. Finalmente o encarei, coisa que eu estava evitando até agora. Dean aproximou-se mais, puxando sua cadeira para mais perto. Me encolhi.

— Escuta... Olha 'pra mim — ele pediu, segurando meu rosto entre as mãos. — Eu vou estar aqui. Sempre — disse, olhando incansavelmente em meus olhos. — Beth, eu te amo. Não pense que isso vai mudar. Nunca vai. Não importa o que eu diga ou faça. Nada nem ninguém vai mudar o que eu sinto por você. Nem mesmo o seu possível destino. 

Funguei, apreciando o calor de sua mão contra minha pele. Elevei o olhar até os lumes esmeralda — aqueles que eu poderia passar horas encarando — e as adoráveis e quase invisíveis sardas em seu rosto — aquelas que eu poderia até mesmo contar.

— Você promete?  — eu murmurei em um fio de voz.

— Deus, é claro que eu prometo — ele respondeu, um pequeno e consolador sorriso nascendo nos lábios. — Eu prometo.

Balancei a cabeça, assentindo e permitindo que mais lágrimas escorressem. Dean apressou-se em secá-las com a ponta dos polegares, cuidadosamente esfregando-os pela maçã do meu rosto. Eu o encarei, e ele anulou qualquer espaço existente entre nós dois sem muitos esforços. Nossas bocas se uniram em um beijo calmo e suave, e eu apreciei a maciez de seus lábios, comprimidos contra os meus. O seu toque era incomparável. Eu gostaria de continuar ali, repetindo aquele momento para sempre.

Assim que nos afastamos, me aproximei e descansei a cabeça em seu ombro largo. Fui rapidamente envolvida por seus braços quentes e aconchegantes, e uma paz se apossou do meu coração. Permiti que um sorriso brotasse em meu rosto e sussurrei contra a sua camiseta, para que ninguém mais ouvisse:

— Eu te amo.

{...}

DOIS DIAS DEPOIS 27 DE OUTUBRO

Uma, duas, três, quatro vezes. Já havia perdido a conta de quantas vezes havia derrubado um poste. Ops, Sam Winchester.

Eu provavelmente havia o surpreendido, pois o gigante mantinha uma careta estampada no rosto. Ele estava suado e dolorido — percebia isso através da carranca —, e eu estava completamente elétrica e alerta. 

— De novo? — disse, ofegante, solicitando a sua quarta "revanche".

Esbocei um sorriso involuntário.

— Você ainda não cansou de perder? — caçoei discretamente, esfregando uma das mãos envoltas pela luva na testa molhada.

A careta de Sam se estendeu.

— Você ainda não cansou de cantar vitória antes do tempo? Regra número um de combate corpóreo: nunca pense que está em vantagem — alertou ele, tentando controlar a respiração.

— Não venha com essas suas filosofias de nerd para cima de mim, Sammy boy — apontei um dedo na frente de seu rosto. — Você sabe que isso não cola. Não comigo. As quatro vezes em que venci você comprovam isso.

— Ah, que pena  — ele ironizou teatralmente, jogando uma mão no ar.  — Eu achei que o meu charme adiantaria para algo.

Dei risada.

— Bem — me coloquei em posição de ataque, as mãos na frente do corpo.  — Como é que dizem? A esperança é a última que morre.

Sam sorriu.

Iniciei o duelo com uma tentativa de soco, mas o poste — mais conhecido como Samuel Winchester — foi mais rápido, desviando do golpe sem medir esforços. Apertei os olhos enquanto girávamos em torno um do outro, em forma de ameaça, mas o gigante mantinha uma expressão travessa na face. Precisei conter a vontade de revirar os olhos. 

Foi a vez de Sam dar as caras, desferindo uma rasteira que fora em vão. Revidei, chutando a sua canela com força máxima e em seguida me virando para dar uma cotovelada em seu abdômen. Assim que ele encontrava-se contorcido, imitei-o, dando-lhe uma rasteira, até que ele estivesse no chão. Inclinei-me no seu nível, ficando sobre ele. Esbocei um sorriso vitorioso.

— Tudo bem, grandão?

Ele não respondeu. Estava ofegante e mantinha a carranca no rosto.

Permiti que uma risada amarga abandonasse os lábios e me pus de pé, estendendo a mão para o caçador. Visivelmente relutante, ele a pegou e eu auxiliei-o a levantar. Sam reergueu-se emitindo grunhidos. Ainda suado, ele tirou as luvas e jogou-as em um canto qualquer da sala. Ia dizer algo, mas palmas me interromperam.

Girei nos calcanhares na direção do barulho. Dean estava na porta, sorrindo. Ele se aproximou de mim e do irmão, e logo veio a depositar tapinhas generosos no ombro largo do Winchester mais novo.

— Boa, Sammy! Derrotado por uma garota magrela?

Fuzilei o Losechester com o olhar, semicerrando as órbitas. Sam fez um bico de desdém. Não tardou para que uma ideia além de genial invadisse meu subconsciente, o que me fez pousar as mãos na cintura e transbordar autoridade. Isso chamou a atenção de Dean, que me encarou sugestivamente.

— Que tal um duelo com a magrela? — enfatizei a última palavra, crispando os lábios de maneira irônica.

O olhar que o meu... Eu não sabia defini-lo ainda. O olhar que Dean me lançou foi um olhar carregado de dúvida, acompanhado das sobrancelhas erguidas no rosto, um gesto bastante desafiador no meu ponto de vista. Eu teria me sentido ligeiramente ofendida se naquele momento o meu objetivo não fosse irritar e depois derrotar o Winchester. 

— Isso é um desafio? — questionou, cada palavra que era pronunciada por aquela boca paradisíaca era adornada por quantidades significantes do mais puro e legítimo sarcasmo. 

Dei de ombros.

— Encare como quiser.

Sam recuou, rompendo o clímax com uma risada baixa, e se não me engano, um pouco nervosa.

— Ok... Eu vou deixar os dois pombinhos à sós. 

Expus um sorriso genioso.

— Boa ideia, Sammy. Você não vai querer ver o estrago — friccionei as palmas das mãos umas contra as outras, sentindo o gosto da vitória na ponta da minha língua.

O gigante abandonou a sala, risonho. Dean moveu os lumes esmeralda até mim, curioso.

— Não acha esse seu pronunciamento um pouco... Bem, precipitado? 

Revirei os olhos, puxando as luvas com força mais para dentro e já me posicionando para a luta. Dean fez o mesmo. Inclinei a cabeça, os dentes trincados.

— Já estive lá, Dean. Não é tão difícil acabar com você. Sou mais rápida — revelei com certa modéstia.

— Vantagens de ser vinte e um centímetros mais baixa do que o seu namorado, huh?

Eu estava completamente preparada para iniciar aquilo, mas abruptamente, a palavra recém proferida passou a ecoar em minha mente, em um loop quase infinita. Namorado. Ele considerava-nos... Um casal? Um choque involuntário percorreu cada um de meus músculos. Recuei, abaixando as mãos. 

— Namorado? — balbuciei.

Dean não tinha expressão alguma no rosto. Franzi o cenho e abri a boca para dizer algo, mas fui interrompida por uma rasteira repentina. Logo e sem perceber, me vi prensada contra o corpo do Winchester, sentindo a respiração pesada e quente em meu pescoço. Todos os pelos da minha nuca eriçaram-se de imediato, proporcionando uma sensação de inquietude. O ar que saía de sua boca fazia cócegas no pé do meu ouvido e suas mãos envolviam minha cintura com uma força significante. Eu estava vulnerável e suscetível a qualquer ataque — o movimento feito pelo caçador, se ocorresse com um verdadeiro inimigo, acabaria em uma catástrofe. Eu provavelmente já estaria morta.

— Atenção, Lizzie — murmurou contra minha orelha, fazendo meu coração bater descontrolado e um arrepio descer pela espinha. — Uma das principais regras para esse tipo de duelo é a atenção.

Sorri enquanto me perguntava mentalmente como diabos ele poderia ser tão inexplicavelmente sedutor. 

Porém, eu não me deixaria levar por isso. É claro que não. 

Soltei uma risada azeda e golpeei seu abdômen com o cotovelo, girando em meus calcanhares velozmente. Acertei alguns golpes rápidos em seus ombros e devolvi a rasteira de um minuto atrás, fazendo-o ir ao chão.

Vencedora, me aproximei do caçador, que estava exageradamente ofegante. Meu sorriso cresceu em poucos instantes.

— Ponto para a magrela — provoquei, deslizando o dedo pelos lábios avermelhados de Dean.

Ele fez uma careta. Levantei-me e removi as luvas, lançando-as em um quanto qualquer do aposento. Ouvi ele levantar-se do assoalho. Puxei o elástico que prendia os fios castanhos no topo da cabeça e meneei-a, em uma tentativa de ignorar o cansaço.

— Preciso dizer, mandou bem — elogiou a contragosto.

Ergui as sobrancelhas e me virei para meu oponente temporário, carregando comigo uma expressão de desconfiança.

— Isso é algum tipo de suborno para eu lhe dar uns beijinhos? — ironizei.

O Winchester revirou os olhos.

— É claro que não. Se eu quiser, é só pedir.

Foi a minha vez de fazer uma careta.

— Falo sério, Beth. Eu ainda tenho esperança de que possa acabar com a raça daquele bastardo sem acabar... — ele pareceu relutante. Eu sabia a que ele se referia. — Morrendo.

Não respondi. Dean suspirou.

— Você está se tornando cada vez mais forte. Mais esperta. Mais poderosa — ele aproximou-se cautelosamente, envolvendo minha cintura com os dedos espessos. — Mais gata. 

Uni as sobrancelhas. 

— É — deslizei as mãos até seu pescoço. — Isso é, definitivamente, um suborno.

Dei risada enquanto assistia sua reação aborrecida. Para recompensar, depositei um beijo curto, entretanto intenso em seus lábios. Ele pareceu um pouco mais aliviado após recebê-lo.

— Ok — ele se afastou devagar. — Não vamos demorar. Temos convidados. 

Franzi o cenho.

— Convidados?

Dean deu de ombros e estendeu-me uma mão. Hesitei por um instante, fitando os dedos grossos, mas logo, agarrei-os sem remorso. Fui guiada por ele para fora da sala, e juntos, rumamos ao andar superior do bunker. Não tardou para que eu me deparasse com uma biblioteca ocupada por seis conhecidos — Sam, Castiel, Adam, Miguel, Garth e Tina. Eles pareciam estar criando um vínculo saudável. Tina parecia ter simpatizado com Garth, já que a troca de olhares entre os dois era evidente.

Ao chegarmos na sala, não contive a sensação de ser um ímã, visto que atraímos toda a atenção para nós. Congelei ali, não sabendo o motivo da minha repentina timidez. O silêncio preencheu a sala com facilidade. 

— Ok, isso está sendo mais constrangedor do que deveria — pronunciou-se Tina, dando uma cotovelada no anjo ao seu lado. — Um banquete é uma boa ideia, Golden Wings.

Miguel permaneceu sério. Engoli em seco e assisti o cenário se alterar em uma fração de segundos, a mudança gerada a partir do veloz estalo de dedos produzido pelo arcanjo. Logo, dezenas de pratos elegantes cobertos por ainda mais elegantes quitutes surgiram sobre as mesas de carvalho. Dean emitiu um som gutural ao meu lado, cujo eu não pude identificar. Se não estava enganada, era por que estava ligeiramente maravilhado com a quantidade de comida que ele colocaria para dentro do saco sem fundo que ele chamava de estômago.

— Me sinto em um jantar dos anos vinte — Garth fez uma careta.

Tina sorriu, deslizando alguns dedos pelo rosto do cômico caçador, e inclinou-se na direção dele, aproximando os lábios finos de sua orelha.

— Essa é a ideia, honey.

Um pouco boquiaberta, assisti a ceifadora contornar a mesa com passos charmosos e ao mesmo tempo eufóricos, levando-a a sentar-se em uma das cadeiras e acomodar-se à mesa. 

Todos permaneceram parados, o que não passou despercebido pela loura. Tina uniu as sobrancelhas espessas e exibiu um olhar misterioso, como se estivesse nos desafiando a algo.

— Então... Shall we?

{...}

— Qual é o plano, afinal? — indagou Garth, elevando os supercílios.

Suspirei e enfiei mais uma garfada de lasanha na boca, tentando ao máximo evitar o assunto. Isso não passou despercebido por nenhum dos presentes. Adam soltou um muxoxo de reprovação.

— Também quero saber — o jovem apoiou os cotovelos pálidos e ossudos na mesa, falando de boca cheia.

Ainda não respondi. Um pigarro chamou minha atenção, me fazendo erguer a visão até o ruído. Miguel me encarava com atenção, fazendo sentir minha pele ferver sob os olhos cerúleos que me observavam. 

— Conte-nos. Só assim poderemos ajudar vocês — alertou calmamente, com uma tranquilidade invejável. — Precisamos nos unir nessa batalha.

— Francamente, Lisbeth, tô com o Golden Wings nessa. Cada mão amiga que conseguirem é lucro — ela ergueu os ombros em um gesto despreocupado. — Além do mais, cá entre nós... — ela se aproximou e abaixou o tom da voz, como se fosse um segredo. — Quem não quer chutar o traseiro daquele babaca? 

Respirei fundo e larguei os talheres sobre a mesa, unindo as mãos e entrelaçando os dedos um nos outros. Descansei os cotovelos na madeira e apoiei o queixo nas mãos unidas.

— Nós pegamos a caixa de Pandora. Vamos usá-la para prender Lúcifer — um silêncio repentino instalou-se. Todos pareciam apreensivos, então decidi completar: — Precisamos de um plano.

Cas emitiu um som irreconhecível, afastando o prato ocupado pela generosa e intocada fatia de lasanha oferecida ao anjo. Eu me esquecera que anjos não comiam. Movi os olhos até ele. O serafim alisou a pele da nuca com cuidado, sério e centrado. Logo, voltou a encarar-nos.

— Talvez possamos reunir todos os anjos que encontramos no celeiro e montar um exército. No dia trinta e um, voltamos para a cidade onde Elizabeth surgiu e damos o nosso melhor contra Lúcifer — sugeriu Castiel.

A ceifadora depositou um tapinha gentil no ombro do serafim, que sentava-se ao seu lado.

— Estou com o anjinho aqui — pronunciou-se.

— Me encarrego de convencer os anjos a entrarem em nosso time — afirmou Miguel, em uma tentativa de tranquilizar-nos. — Não se preocupem. Eu posso lidar com Helena. 

Só de escutar o nome da vadia oxigenada, senti a bile nadar na superfície da minha língua. 

— Você tem certeza? — Garth perguntou, dando um sorriso nervoso. — Ser transformado em churrasquinho de Garth por Lúcifer não está em minha lista de desejos.

— Eu tenho — reforçou o arcanjo.

— É melhor ter — eu disse após um suspiro.

Dean tamborilou com os dedos na mesa, impaciente, parecendo conter as palavras que ameaçavam fugir para fora de sua boca de maneira imediata e involuntária. Ele acabou não resistindo à tentação.

— Precisamos de uma estratégia.

— Não me diga! — Tina revirou os olhos.

Bufei.

— Antes que diga algo, não vamos usar você como isca, Beth — Sam apontou para mim, mais autoritário do que nunca.

Arregalei os olhos e retraí os lábios junto dos ombros.

— Bem, vamos no local combinado, vocês distraem os lacaios e eu cuido do bastardo. Só preciso que enrolem o máximo que puderem para que eu me prepare para abrir a caixa.

— E como você, Albert Einstein, pretende abri-la? Por acaso sabe como? — o Winchester mais velho me fitou com sarcasmo.

Lancei a ele um olhar ligeiramente assassino.

— Posso ajudar com isso — disse Miguel.

— Também posso — imitou Tina, enrolando uma mecha de cabelo dourado no indicador comprido.

Todos os olhares foram atraídos para ela.

— Você é uma ceifadora. Como sabe abrir a coisa? — Adam fez uma careta.

— Convívio com bruxas — Tina bebeu um gole do vinho contido em sua taça. — Roubei um grimório de Rowena, uma vez. Talvez encontraremos algum feitiço para abrir a caixa.

Dei de ombros. 

— Que seja — praticamente cuspi as palavras. — Não aguento mais não poder chutar o traseiro desse babaca de uma vez por todas.

— Esse é o espírito! — incentivou Garth, mesmo que ainda parecesse um pouco nervoso.

Percebi que Miguel me encarava. Uni as sobrancelhas.

— Você precisa treinar seus poderes. Sabe disso, não sabe? — seus olhos azulados pareciam duvidosos. — Lúcifer é mais poderoso do que pensa. A caixa, para que seja aberta, exigirá muito de você. Terá de deixá-lo vulnerável, para assim, abrir a caixa e deixar que ela faça o serviço de apagá-lo do nosso mundo.

Anuí, inexpressiva. 

— Ótimo — o arcanjo concordou. — Levarei Adam para casa e retorno para treinarmos. 

Adam, mesmo a contragosto, logo desapareceu com Miguel. O anjo maldito nem sequer havia estalado os dedinhos para limpar a bagunça da refeição.

Pouco a pouco, todos foram indo embora. A cada minuto que se passava, estávamos a um minuto mais perto do nosso juízo final, e isso não podia me deixar mais nervosa. E mesmo que eu quisesse dizer a mim mesma que eu não temia o que estava por vir, eu estava mentindo. Temia falhar. Temia decepcionar a todos. Temia destruir o que havíamos construído. Eu estava permitindo que eu mesma fosse preenchida de medos e inseguranças, e por mais que quisesse, não conseguia mandá-las embora.

Mas talvez, no fim de tudo, o segredo fosse confiar em si mesma. Ser otimista, pelo menos uma vez na vida, por mais que as chances de derrota fossem 90%.

Uma coisa eu sabia... Eu precisava ao menos tentar. 

No final, somente Tina permaneceu no bunker, aguardando a volta de Miguel. A ceifadora passou a tarde lendo um livro qualquer da biblioteca, e eu, passei a tarde sentada, devorando minhas cutículas e submersa em um sufocante oceano de nervosismo. Meu alívio foi quase imensurável quando um farfalhar grosseiro de asas preencheu o silêncio presente no local. Pela sua entrada brusca, achei que estivesse machucado, mas parecia bem.

— Precisamos treinar — disse o arcanjo, batendo as palmas umas nas outras como se estivessem cobertas de sujeira. — Tina, será que pode ir buscar aquele grimório? 

A loura bocejou, fechou o livro e desapareceu em uma fração de segundos. Miguel me encarou e lançou uma olhadela ao corredor que nos levaria até as salas ocultas do bunker, aquelas que usávamos para treinar. Percebi que ele queria que eu o seguisse. 

Suspirei e senti uma mão tocar meu quadril com leveza. Girei nos calcanhares, deparando-me com o Winchester mais velho. Ele sustentava um compreensivo, porém temeroso olhar. Ele ainda não se conformara que eu poderia morrer no processo, mas ele sabia que eu não tinha escolha. Aquela era minha única opção. 

Eu sabia que era difícil para ele entender, mas ele tinha que entender. Eu precisava dele. Ele era como... Como o meu torniquete. 

— Você tem certeza de que quer fazer isso?

Pude perceber a dor escondida em cada um dos poros de sua pele. Aquilo doía nele tanto quanto doía em mim.

Só Deus sabia o quanto eu desejava que houvesse outra saída. 

— Dean... — eu balbuciei, pousando a mão no seu rosto e me aproximando mais. — Olha 'pra mim.

Ele desviou o olhar. Seus lábios estavam retraídos e o semblante tenso, seu cenho franzido sem que ele percebesse. 

— Me escuta — reforcei, empurrando levemente seu maxilar para o lado de modo que ele me olhasse nos olhos. — Você sabe que eu preciso fazer isso, não sabe?

O caçador anuiu, passando a língua pela boca com muito cuidado. Notei que ele não era capaz de continuar me encarando. Puxei seu rosto de novo, amaldiçoando ao Criador — quanta ironia — o fato de eu ser bem mais baixa do que Dean, o que me deixava em desvantagem. Consegui atrair sua atenção mais uma vez e permiti que um sorriso sereno nascesse em minha face.

— Eu amo você — disse por fim, dedilhando a barba rala que começava a crescer ao redor do rosto. — Isso não é o suficiente para você? 

Ele não respondeu.

— Nunca se esqueça que... Que eu te amo. Tudo bem? — sacudi a cabeça. — Quero que prometa. Não importa o meu destino. Não importa se morrerei ou não. Quero que prometa que não se esquecerá de mim e do quanto eu te amei. 

Dean anuiu novamente. Não era difícil reparar nas lágrimas ardendo na beirada dos olhos esmeralda que eu tanto amava. 

Me aproximei e beijei-o ternamente, unindo nossos lábios com suavidade. O beijo não durou muito, e logo após, o puxei para um abraço apertado. Fiquei na ponta dos pés e envolvi seu pescoço com os braços, como se ele fosse dissolver-se em pó. Encostei o nariz na sua jaqueta, inspirando a fragrância que só ele possuía. Um cheiro único. Ele era único. O único. O meu único. 

— Eu te amo — ele sussurrou ao pé do meu ouvido, em um tom de voz arrastado e manhoso. Ele estava chorando. 

Meu coração de imediato se partiu em mil pedaços, mas o momento foi interrompido por um pigarro, que fez com que eu e Dean nos afastássemos abruptamente. Tina estava assistindo a cena, com uma cara de "intrusa por acidente" e segurando um livro de capa grossa em mãos. Ela abriu um sorriso nervoso enquanto me encarava.

— Volto depois — avisei a Dean, afagando sua mão.

Ele assentiu.

Ainda com o coração na mão, guiei Tina até a sala onde descobriríamos como abrir a caixa de Pandora. Corredor aqui, corredor lá, não tardou para que nos encontrássemos na frente da mesma. Abri a porta com cuidado, revelando um arcanjo solitário e quieto no meio da sala. Ele pareceu ligeiramente aliviado quando viu o grimório nas mãos de Tina.

— E então? 

Tina deu de ombros e caminhou até ele, abrindo o livro com cuidado. De maneira extremamente clichê, ela assoprou as páginas amareladas e frágeis, liberando uma quantidade generosa de poeira no ar. 

— Mãos à obra?!

{...}

Cerca de duas horas depois, não havíamos encontrado nada. Tudo que dizia sobre a caixa de Pandora no grimório de Rowena era a palavra "memórias". O restante estava apagado, falho, uma denúncia da antiguidade que era aquele caderno. Acabamos desistindo e Miguel, eu e Tina treinamos um pouco os meus poderes. 

Eu estava cada vez mais forte. A fé crescia dentro de mim, a vontade de vencer e a sensação de que eu iria cumprir a minha missão. Mas infelizmente, nenhuma dessas expectativas superava o fato de que eu poderia morrer no processo.

Sim, eu temia. Como não temer a sua morte, afinal? Não há como negar. Essas pessoas que dizem que a morte é fácil... Estão mentindo. A morte é algo que amedronta a todos, mas todos escondem pois não querem demonstrar sua vulnerabilidade. Por outro lado, eu possuía um ponto de vista diferente.

Eu não me importava de parecer fraca. Eu confiava em mim mesma e em minhas intuições. A fase em que eu desconfiava da minha capacidade já havia passado. Eu só precisava acreditar em mim mesma e venceria a batalha, morta ou viva no final. Se eu precisasse me sacrificar para um bem maior, eu me sacrificaria. Temendo ou não. 

Miguel me despertou dos devaneios quando lançou uma garrafa d'água que Tina "transportou" até nós na minha direção. Capturei-a no ar, abrindo-a e me recuperando do transe. Levei o bico até os lábios e ingeri um gole generoso do líquido.

Memórias. O que o grimório queria dizer com isso?

Então, meus neurônios pareceram acender como luzes de natal. Tudo brilhou dentro de mim. Eu sabia a resposta.

— E se a chave for minhas memórias? A caixa só pode ser aberta pelo herdeiro do mal ou o herdeiro do bem, certo? Eu sou a herdeira do bem. Minhas memórias. Para abrir a caixa, preciso relembrar o que é ou já foi importante para mim. Preciso liberar minhas memórias. 

Miguel e Tina me encararam, curiosos. Eu sorri.

A ceifadora deu de ombros e também sorriu.

— Faz sentido!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, amorecos, e que tenha valido a pena a espera.
Quatro capítulos para o fim. Preparados? Eu não kkkk

Enfim, não esqueçam dos comentários, por obséquio! Até o próximo :)

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