Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 26
Sem saída


Notas iniciais do capítulo

OOOOOI!

Sei que demorei, não me matem, mas tô com pressa, entonnnn....

Enjoy!

P.S.: Não foi revisado pois estou com pressa, mas depois revisarei!



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Três dias.

Três dias sabendo que Abaddon e Helena estavam aliadas ao filho da puta que desejava arduamente acender o mundo em chamas e assisti-lo se tornando apenas pó, e não tínhamos absolutamente nenhuma pista sobre o que fazer ou o que seguir. 

Tínhamos algumas pequenas ideias em mente, mas nada parecia soar prudente ou esperto. Depois da ameaça de Lúcifer, tudo ficara mais complicado. Eu tinha pesadelos durante o dia e durante a noite, tanto acordada, quando dormindo. Quando eu estava acordada, eu piscava e me via em outro lugar diferente. O futuro. Me via no dia da batalha final, imersa na escuridão e perdida entre as macieiras sem vida e desprovidas de frutos. A natureza que me acercava era igualmente sem graça, o verde vivo tornando-se um musgo desgradável aos olhos. E quando eu erguia o olhar, encontrava a lua no céu — enorme, redonda e tingida de um vermelho tão profundo que chegava a ser atordoante. Quando eu tentava situar-me, um raio atravessava o céu, causando um estrondo, e a terra sacudia debaixo de mim. Eu ia de encontro ao chão e era convidada a assistir a cena assustadora pouco distante de mim — Lúcifer quebrando o meu pescoço.

Quando eu acordava, todos encontravam-se ao meu redor, preocupados. E quando eu perguntava o que havia, de fato, acontecido — eles diziam que eu tremia e balbuciava palavras incompreensíveis e sem sentido algum, como se estivesse convulsionando. 

Tudo por causa de um maldito pesadelo.

E ele se repetia. Se repetia em uma aterrorizante quantidade. Dia e noite. Imprevisível. Em qualquer horário.

A qualquer momento eu estava suscetível àquela cena que sempre parecia capaz de me desestruturar e me fazer acordar — ou apenas despertar dos devaneios — chorando e/ou gritando. Isso era o suficiente para me fazer ficar assustada. E era como eu dizia antes...

Mesmo que eu não quisesse, eu estava conectada com ele. Mesmo que negasse, eu o temia. Ah, como eu o temia. Temia falhar em derrotá-lo pois o temia. Não sabia se isso fazia o mínimo sentido, mas a mais pura e clara verdade — com a qual finalmente me conformei — era que a esperança estava se esvaindo e dando lugar à culpa, assim como os últimos raios de sol são engolidos pela noite que vem assombrar. Nossas opções estavam cada vez mais escassas. Abaddon havia dito que Castiel sabia sobre o objeto pelo qual estava procurando — provavelmente arrancaria informações torturando-o, caso não tivéssemos o resgatado —, mas de qualquer forma, não sabíamos para que ele serviria, então não tínhamos nem por onde começar. Tudo estava quase a ponto de desmoronar — considerando que já estávamos no fundo do poço, me perguntava o que seria pior do que aquilo, apesar de saber a resposta —, como alguém prestes a soprar um perfeitamente alinhado e estruturado castelo de cartas, fazendo com que o único coringa do baralho — meu representante — voasse para longe e se tornasse apenas mais uma carta no amontoado delas, inúteis e arruinadas.

Suspirei, automaticamente me recordando da facilidade que eu tinha de repentinamente mergulhar de cabeça em marés turbulentas de pensamentos. Afastei a ponta fina da caneta esferográfica posicionada entre os meus dedos do papel, só então percebendo que eu mastigava o canto do lábio. Pude reparar assim que senti o gosto metálico dançando na língua. Deixei que o objeto escapasse dos meus dedos e caisse sobre a mesa, de modo que esclarecesse minha desistência. Aquilo era inútil. Eu não sabia por que continuava condenando-me a tentar lembrar de algo ou a tentar forçar uma visão, algo que me presenteasse com um rabisco revelador. É claro que não daria em nada. Naquelas horas, eu sentia falta do meu pessimismo. Ele me impedia de realizar atividades demasiado idiotas. Odiava meus raros momentos otimistas.

Mas talvez otimismo fosse algo que todos nós sentíamos quando buscávamos por algo. Otimismo e esperança andavam lado a lado, e naqueles dias agoniantes, nenhum dos dois parecia ter eficiência. Fracassos e mais fracassos. Só me causavam dor de cabeça, no final. Com certo rancor da caneta — que não parecia gostar muito de mim, ou eram só os meus dons celestiais tirando umas férias —, deslizei os dedos indicador e médio de ambas as mãos em direção às laterais da cabeça e massageei as têmporas com força. Minúsculas supernovas pareciam ocorrer naquela região, só isso poderia explicar aquela dor. Respirei fundo, mantendo as pálpebras sobre as órbitas. Foi impossível não lembrar-me de quantas vezes fiz isso nos últimos três dias — por mais que fossem apenas três, os pesadelos fizeram com que eles parecessem durar cerca de três anos. 

Ergui o olhar, distanciando-o da folha em branco que já começava a me importunar. Senti o rosto arder em chamas quando, acidentalmente, me pus a encarar Dean, que estava sentado do outro lado da mesa de carvalho, curvado e fazendo a leitura de um livro que parecia ser entediante a ponto de seus olhos derreterem em direção às páginas amareladas. Como normalmente ocorria, o nosso encontro de olhares causou-me um choque que percorreu o meu corpo quase que na velocidade da luz. Tive que me segurar para não balbuciar um grunhido desconfortável. Eu já havia admitido para mim mesma — doía não poder falar com ele. Doía não poder rir junto dele ou até mesmo dele. Doía não poder fazê-lo sorrir. Doía estar em constante tensão e conflito com ele. Doía ignorá-lo, e alguma parte de mim rezava para que ele sentisse o mesmo. 

E por mais que eu quisesse revelar isso — ou ele quisesse —, nós escondíamos. Escondíamos e dizíamos para nós mesmos que não estávamos simplesmente malucos para romper aquela rixa sem sentido algum criada a partir do nada, que não nos levaria a nada. Dizíamos para nós mesmos, repetíamos que não estávamos simplesmente malucos para falar. E era aí que começava o assunto complicado.

Dean sentia algo por mim. Eu sentia algo por ele. Quantas coisas nós acabaríamos deixando atrasar a conversa que precisávamos ter? Por mais quanto tempo enganaríamos a nós mesmos e diríamos mentiras quando nos olharíamos no espelho? Por quanto tempo negaríamos o inegável e evitaríamos o inevitável? Eram tantas perguntas, e infelizmente, todas careciam de respostas. Apenas um imenso vazio ao lado do solitário ponto de interrogação, que se caso continuássemos naquele fingimento e usando aquelas máscaras, nunca ganharia um acompanhante. Nunca ganharia uma explicação, se é que os sentimentos humanos poderiam ser, de fato, explicados em apenas algumas palavras. Expressar-me sempre era algo difícil. Vislumbrar o resultado de um desabafo me parecia mais difícil ainda, por mais que eu ansiasse por ele com todas as minhas forças miseráveis.

Irritada por estar tanto tempo presa dentro daquele arsenal inatingível, desgrudei o cóccix da cadeira e as mãos da madeira, só então percebendo o quanto estavam suadas por estarem por tempo demais ali. A caneta também estava escorregadia por conta disso. Os sonhos que eu vinha tendo me faziam suar mais do que o usual, e isso acontecia pelo medo que eu sentia de sonhar novamente, visto que os pesadelos não avisavam na hora que iriam vir à tona. Eles simplesmente escondiam-se debaixo de minhas pálpebras e tomavam posse de mim quando bem quisessem. A autoridade do mal sobre mim era até um pouco surpreendente — não que eu fosse capaz de amedrontar alguém, quer dizer, eu não sabia, mas eram nessas horas que eu desejava com todas as minhas forças ser uma pessoa normal.

Uma pessoa normal, com uma vida, um emprego, um apertado porém confortável e inseparável flat em Nova Iorque, um husky siberiano dorminhoco e caixas velhas de pizza espalhadas pela mesa da mini cozinha do flat. Uma vida considerada monótona por essas pessoas normais me parecia uma vida muito mais segura, boa e atraente do que ser a filha de Deus e ter que lidar com as mais variadas criaturas, fossem elas benignas ou malignas, visto que até mesmo alguns certos anjos queriam a minha cabeça em uma travessa no jantar. Isso que eu não citara o fardo que era ser condenada à salvar o mundo e ser a heroína que derrotaria Lúcifer, é claro.

Enquanto caminhava até uma das outras mesas da biblioteca a fim de apanhar minha pequena e inseparável bolsa de couro, podia ouvir os coturnos provocando barulhos irritantes de borracha a cada passo que eu dava. O silêncio era tão imenso que qualquer ruído, por mais pequeno que fosse, parecia mais uma buzina estridente ressoando ao pé do seu ouvido — pelo menos era assim que eu me sentia, considerando o fato de que as frases que abandonaram meus lábios naqueles três dias eram possíveis de se contar nos dedos. Puxei a alça da bolsa e coloquei-a delicadamente atravessada em meu corpo, lutando contra a jaqueta amarrotada que atrapalhava o mesmo processo. Pude sentir um certo e familiar olhar caindo sobre mim como uma bigorna, analisando cada mísero movimento e cada mísero centímetro da minha pele. Os olhos verdes inesquecíveis que pareciam me conhecer tão bem e que eram, de fato, capazes de ler a minha alma feito um livro de histórias.

Tomei coragem e o encarei. Dean mantinha a sobrancelha arqueada, como se questionasse meus atos constantemente. O silêncio era o que piorava tudo — ele me fazia querer arrancar os cabelos e implorar mentalmente para que ele dissesse alguma coisa. Se tinha algo que eu odiava, era suspense. Sustentei uma expressão confusa, e eu de fato estava. O caçador deslizou o antebraço não coberto por uma de suas tradicionais flanelas xadrez e seu semblante suavizou. Parecia querer esconder o questionamento e a curiosidade com a qual me examinava poucos segundos antes. 

— O que é? — minha voz rompeu o silêncio, mais fraca e esganiçada do que o normal. Me amaldiçoei instantaneamente por isso.

Dean estreitou o olhar.

— Nada.

Observei-o por alguns segundos, a fim de intimidá-lo, mas isso não aparentou ter sequer um pingo de eficiência. Uma lufada de ar soprou dos meus lábios e decidi dar de ombros. Questioná-lo poderia acabar piorando as coisas, e estresse — mais do que eu já estava sentindo — era algo que eu estava tentando a todo custo evitar. Me virei para rumar em direção à outra extremidade do bunker, onde encontrava-se a saída. Pegar a interestadual por alguns minutos e seguir o primeiro atalho que levava à outra rota e uma pequena loja de conveniência — meu objetivo idiota e inútil — não era uma tarefa muito difícil comparado aos outros inúmeros rígidos empecilhos que já enfrentara, e também, aquilo servia de distração. Ficar trancafiada no bunker por três dolorosos e torturantes três dias que pareciam mais três anos estava me deixando completamente maluca e a ponto de cometer uma forma bem sanguinolenta de suicídio.

— Espera — a voz dele interferiu em meus pensamentos, causando-me um pequeno e inevitável tremor.

Girei nos calcanhares. O maxilar cerrado denunciava o quão desconfortável ele estava em ir contra todos os seus ideais e todos os lados dele que estavam enfurecidos comigo e que desejavam me ignorar para todo o sempre. Ele parecia lutar contra aquilo, mas de qualquer maneira, aparentava ser maior e mais forte do que ele. Isso quase me fez sorrir.

— O que você está fazendo?

Movi o olhar até um ponto desconexo do cômodo, apreensiva.

— Vou comprar comida. 

— Sozinha? — a sobrancelha irritadiça foi elevada por ele novamente.

Pisquei bem devagar os olhos que eu tentava a todo custo não revirar. 

— Por acaso eu devo explicações a você? — questionei, finalmente liberando o que eu desejava perguntar durante os cinco longos dias em que ele se mostrava impassível perante a mim. — Se você estão disposto a me criticar e a me ignorar por completo, por que diabos se importa?

Mal pude acreditar no que eu havia acabado de falar. Minhas palavras pareciam ter o atingido como um verdadeiro soco no estômago. Pude vislumbrar o pomo de adão de Dean deslizando e arranhando pela garganta. Ele fechou os olhos por um instante, como se contasse até três metalmente, e quando voltou a abri-los, sua expressão mudou de preocupação para ferocidade. Os olhos, que outrora estavam tingidos de um verde encantador e profundo, pareciam agora estar pintados de um vermelho brilhante, um legítimo incêndio em seus lumes. Tentei não me mostrar intimidada perante a isso, e na verdade, eu não estava. Queria que ele respondesse e que esclarecesse aquelas perguntas que me corroía de dentro para fora, mas queria que ele as respondesse com sinceridade, e não com aquela máscara de superioridade que ele vestia para esconder o que quer  que sentisse em relação à situação atual e em relação à mim.

— Essa é a questão — suas palavras atravessaram o silêncio como uma granada, explosivas. — Eu não me importo, mas preciso de você para... Você sabe. Não morrer. 

Encarei-o, tão impassível quanto ele. Me surpreendia o quão falso ele poderia ser quando queria. Cada sílaba que ele proferia transbordava mentira, e ele parecia estar ciente disso. Eu estranhava o fato de ele continuar tentando consertar isso. 

— Vê, Dean... Você não precisa ser um babaca sempre que alguém fizer algo bom por você. Agradecer ou ser sincero não fará de você um maricas. Fará de você verdadeiro. Uma pessoa digna de respeito. Mas vejo que prefere esconder tudo isso sob uma espessa camada de arrogância. Isso é triste. Muito triste. 

Dean ouviu tudo atentamente, e quando terminei, pude observar seus músculos enrijecendo. O maxilar cerrado, assim como os punhos que descansavam sobre a superfície lisa da mesa de carvalho, denunciavam a minha vitória. Fechei os olhos por alguns segundos, bufei e tornei a abri-los. Envolvi a alça da bolsa em meu ombro com os dedos gélidos e pálidos de maneira quase anormal.

— Desculpe, mas eu vou indo. Espero que você consiga pensar na grande merda que está fazendo.

Me virei, aliviada por poder finalmente ir, mas sua voz invadiu meus ouvidos novamente. Quis socá-lo quando ele disse, em um tom exageradamente e irritantemente irônico:

— Por que devo confiar que você não será sequestrada de novo? Isso acontece toda santa vez que coloca um pé para fora do bunker.

Semicerrei os olhos. Decidi não encará-lo, permaneci com os calcanhares fixos ao ponto do assoalho onde eu estava plantada. Repreendi a série de insultos que acampavam na ponta da minha língua para então devolver:

— Mesmo sequestrada consigo me virar sozinha. Obtive liberdade por conta própria nos dois últimos sequestros, sabia? — repliquei, dobrando a onda de ironia instalada entre nós dois. — E se eu precisar correr perigo para me distanciar de um babaca como você, não me importo. Mande abraços para a sua sensatez, se é que ela ainda existe.

Dei passos rápidos na direção da porta e espalmei as mãos sobre ela, abrindo-a sem medir esforços. Ela rangeu, produzido um ruído arrastado e irritante que ecoou pelo bunker, mas nada parecia ser capaz de me perturbar tano quanto a arrogância de Dean. Eu estava prestes a pisar no exterior coberto de pedregulhos e grama, mas outra voz familiar me interrompeu. Não era Dean, e sim Samuel, que me chamava em um tom aparentemente preocupado. Tive que reprimir o ato de rolar os olhos e fui, digamos, forçada a atender o chamado. Não queria chamar Dean de ignorante e cometer a terrível hipocrisia de praticar o mesmo, ainda mais porque, se Dean fosse atento como mostrava ser, ele poderia usar isso contra mim em uma futura discussão — uma que eu gostaria que não existisse.

— Onde está indo? — o cenho franzido evidenciava sua confusão diante da cena.

— Comprar comida. 

A verdade era que eu queria mesmo comprar comida, mas precisava sair dali. Ficar parada me tornava mais suscetível aos corriqueiros e inesperados pesadelos, pelo menos era o que eu achava. Precisava inspirar ar puro. Sentir o oxigênio fluindo dentro de meus pulmões mais uma vez. Não me sentir presa à situação. Caminhar me faria bem, principalmente para esfriar a cabeça. 

Sam ponderou, como se pensasse por um instante. 

— São oito e meia da noite. Está tarde e frio. Temos comida o suficiente por aqui, não se preocupe. Não quero que pegue... — ele coçou a nuca, evidentemente tentando me enrolar. — Um resfriado ou algo do tipo. 

Suspirei.

— É, mas eu preciso de suco de maçã. 

O Winchester mais velho semicerrou os olhos e arregalou-os em seguida. Parecia ter se lembrado de algo. Ergueu o indicador na minha direção, fazendo menção para que eu esperasse, e saiu do meu campo de vista com passos apressados. Franzi o cenho, sem entender, me perguntando mentalmente o que ele estava fazendo. Quando ele retornou do lugar ao qual rumou com um pacote jumbo de garrafinhas coloridas Teabee's, preenchidas pelo líquido que eu apreciava tanto, foi inevitável não sorrir — mesmo que tudo que pôde brotar em meu rosto foi um sorriso mínimo, por pouco não invisível.

— Eu lembrei do seu vício quando fui ontem à loja. Acho que previ o que faria. 

Era uma proposta tentadora. Jogo baixo, aliás. Negociar em troca de uma preciosidade como suco de maçã era quase que irresistível. Encostei-me na porta ainda aberta do bunker, cruzando os braços. Sentindo a brisa gélida que fluía do lado de fora agredir meu rosto com leveza, arqueei as sobrancelhas sugestivamente.

— Me dê um bom motivo para ficar, a não ser esse... Belo pacote de Teabee's.

Sam franziu o cenho ironicamente e ergueu a pequena horda de garrafas de suco, pousando-a sobre a mesa. Levou a mão até o peitoral e espalmou-a sobre este, fazendo uma careta como se estivesse realmente ofendido.

— Não é o suficiente?

Ri pelo nariz, mas tornei a encará-lo. Ele entendeu que eu estava falando sério. Abriu a boca para balbuciar algo, as palavras obviamente lhe faltavam, mas servindo de resgate para ele, o seu telefone tocou. Franzi o cenho e fechei a porta atrás de mim, voltando para dentro do bunker. Observei Samuel recolher o aparelho do bolso da calça e esgueirar o olhar sobre o visor. Pude escutá-lo sussurrando para Dean o nome "Jody". Não entendi, e por isso preferi acompanhar a cena. Sam largou o telefone sobre a mesa e cutucou o botão de atender e em seguida, o do viva-voz.

— Jody, oi — cumprimentou Sam, o mais educado que pôde. — E aí?

E aí, Sam. Está no viva-voz? Acho que o seu irmão também vai querer ouvir isso.

— Na escuta, Jody — avisou o outro Winchester.

Sam e Dean se entreolharam. Permaneci quieta e imóvel, escutando o ruído estático por trás da voz da mulher.

Estou aqui em Mitchell a pedido de uma colega, delegada daqui. Está tudo um caos e ela solicitou o meu auxílio. Acho que tenho um caso.

— Prossiga — pediu Sam, após alguns segundos de silêncio.

Três pessoas foram encontradas em diversos pontos da estrada Carton. Eles tentaram isolá-la, mas nas duas tentativas, os policiais que supervisionavam a estrada estavam mortos e todos os cones, objetos de isolamento estavam todos destruídos. E adivinhem... Todos os corpos sem gota alguma de sangue. 

Sam arqueou as sobrancelhas e Dean suspirou.

Pensei que poderia ter alguma ajuda. Quebrei o braço quando caí da escada na semana retrasada.

Os Winchester se entreolharam novamente. Dedilhei os fios negros no topo da cabeça, quase a ponto de mergulhar em uma profunda letargia ali mesmo, de pé, feito um cavalo. 

— Não se preocupe, nós a ajudaremos.

Obrigada. Vocês são incríveis. Me encontrem ao meio dia, no The Buttered Morning na Lewis. 

A ligação foi encerrada. Fiz um beicinho e voltei a cruzar os braços. Lancei uma olhadela confusa a Sam, que encarava o irmão com um olhar cúmplice. 

— Isso é um bom motivo para você ficar? — Samuel perguntou.

Semicerrei os olhos e cruzei os braços novamente. Ponderei por algum tempo. Talvez ele tivesse razão. Talvez caçar servisse de calmante para as coisas que me atormentavam dia e noite naquele momento. Esfriar a cabeça. Decepar a cabeça de alguns vampiros, talvez. Concentrar-me em algo que não fosse o atestado de óbito que assinei no momento em que tentei aniquilar o demônio mais temido do universo com aqueles anéis idiotas, rompendo qualquer tratado de paz — inexistente, obviamente, forma de falar — que amenizava a nossa relação. Talvez fosse bom. Dei-me por vencida ao soltar uma pesada lufada de ar.

— Tá. Mas quem era ela?

— Jody Mills, xerife de Sioux Falls, mãe solteira, caçadora nas horas vagas e o eterno interesse amoroso de Bobby. Boa moça — explicou Dean, estranhamente ignorando o nosso conflito de cinco minutos atrás. 

Mesmo assim, não pude deixar de notar a dor quase invisível e a nostalgia em seu tom de voz. Falar sobre Bobby parecia uma tarefa extremamente difícil para ambos os irmãos, e eu compreendia. Eu passava pelo mesmo. Bobby era como um pai para eles, e estava ausente por estar morto. Meu pai não estava morto, mas se ausentava da mesma forma. Castiel me contara que ele não dava as caras há muitos séculos, e era exatamente por isso que eu não acreditava em qualquer possibilidade de conhecê-lo. Parecia mais ocupado e entretido com outras coisas, talvez nem ligasse muito para mim e só me mandara para a Terra para cumprir o trabalho sujo que ele não estava com vontade de fazer. Típico. 

— Que seja — revirei os olhos e puxei a pequena farda de Teabee's, rasgando o plástico que as cobria sem muitos esforços. Peguei uma garrafa, rosqueei a tampa e levei o bico até os lábios, realizando a ingestão de um generoso e delicioso gole do suco de maçã para depois continuar:

— Vamos decapitar alguns sanguessugas.

{...}

Saímos do bunker pela manhã, enquanto o sol ainda brilhava o suficiente para nos proporcionar um calor não sufocante, e sim agradável. Por conta deste mesmo fato e da minha tradicional capacidade de imergir facilmente em meus devaneios, a viagem passou rápido. Nada que arranjar uma boa distração não resolvesse. Eu previa algo tedioso, mas talvez eu estivesse tão ansiosa para tirar os pés do bunker que nem me importei com as desvantagens da viagem, como por exemplo, a reprodução contínua e repetitiva do álbum do Led Zeppelin no volume altíssimo cujo qual Dean insistia em manter. LZ era até legal, contudo enjoativo.

Provavelmente ele fizera para evitar qualquer comunicação pelo fato de ele ser irritado, e talvez, para irritar o irmão também. Típico.

Assim que o ruído do motor do automóvel roncando rangeu e o carro estremeceu sob mim, desencostei a cabeça do vidro. O clima não estava tão bom quanto antes. O sol voltara a se esconder por trás de nuvens carregadas e acinzentadas, integrando um horizonte tristonho e sem vida. Para mim era bom. Gostava de dias nublados, por incrível que parecesse. Trocaria sol por chuva sem pensar duas vezes.

Segui Sam e Dean para fora do carro e os irmãos me guiaram até a entrada do estabelecimento que se estendia diante dos meus olhos. Quando adentramos o mesmo, pude ter uma visão do lugar. As paredes eram cobertas por um papel de parede com detalhes dourados, algo rústico, elegante e ao mesmo tempo, aconchegante. As mesas, as cadeiras e afins eram feitos de carvalho e o lugar cheirava a chocolate quente e panquecas. Um ótimo cheiro, a propósito.

Esperei que Sam esquadrinhasse o local cuidadosamente e senti um alívio interno quando ele apontou para uma mesa não muito distante de nós, com uma das cadeiras que a acercava ocupada pela tal Jody Mills. Caminhamos até lá e pude analisá-la melhor. 

Jody era uma mulher com uma aparência agradável e conservada, eu daria a ela, no máximo, quarenta anos de idade. O cabelo castanho-escuro moldava-se em um corte moderno e o tom dele se igualava à cor de seus olhos. A mulher vestia uma roupa bege de xerife — por mais que ela não fosse a xerife de Mitchell, talvez ela precisasse vesti-la para visitar a delegacia da cidade — e tinha um sorriso amigável nos lábios. Na mão direita, o cardápio do aconchegante restaurante descansava, e um dos braços — o esquerdo — estava engessado e envolvido por uma tipóia preta. Assim que ela pousou o olhar em mim, pareceu confusa.

Ergui a mão para ela, levemente constrangida.

— Oi. Elizabeth. Filha de Deus. Você deve ser a Jody...

A xerife me encarou, estática. Pareceu processar o título que eu carregava bem devagar. Seus olhos, que antes fixavam-se em mim, perderam-se em um ponto desconexo do cômodo, arregalados. Suspirei, esperando ela digerir a informação, e me senti aliviada quando ela sacudiu minha mão desajeitadamente, denunciando a confusão e o nervosismo que transbordava. Eu não a julgava, a reação era até previsível, afinal, não era todo dia que encontrávamos a filha de Deus em um restaurante que cheirava a panquecas.

— Ok, isso é novo — ela comentou, as sobrancelhas perfeitamente penteadas arqueadas e os lábios entreabertos.

Pude ouvir Sam soltar um muxoxo de concordância enquanto nos sentávamos no lado oposto da mesa, encaixando-nos e aconchegando-nos no pequeno sofá embutido na parede que acercava o lugar onde Jody se instalara. Assim que me acomodei, Jody me lançou um sorriso educado, parecendo mais acostumada com a minha origem, e me estendeu um dos cardápios anteriormente dispostos sobre a mesa. Sussurrei um obrigada silencioso e aceitei o objeto, abrindo-o para analisar as opções que o estabelecimento oferecia e para saber se havia algo de fato comestível ali. 

— Então é com isso que vocês estiveram ocupados durante esse tempo todo? — perguntou a xerife Mills, curiosa.

— É. Até agora, enfrentamos Lúcifer e seus lacaios e a Beth aqui está... Digamos que destinada a acabar com o diabo e o seu plano apocalíptico — explicou Sam, coçando a garganta. 

A boca de Jody contorceu-se no formato de uma letra O.

Damn... Pesado — suspirou.

— Sabe o que está mais pesada? — insinuou Dean, interrompendo. — A minha fome. Podemos pular para a parte em que nós almoçamos e você nos fala um pouco mais sobre esse caso?

A xerife de Sioux Falls encarou Dean de olhos semicerrados, um olhar tão profundo que seria capaz de reconhecer o que Dean — não só ele, eu também — estava sentindo em segundos. Ela pareceu perceber meu interesse na cena, pois lançou o mesmo olhar penetrante na minha direção. Só depois que abaixei a cabeça e me encolhi que percebi o quão imprudente tal ato foi. Eu havia acabado de confirmar a situação. 

Após fazermos os pedidos para a garçonete loura e peituda digna de um filme clichê que pareceu atrair bastante o galinha do Dean, ficamos em silêncio por alguns minutos, dispersos em pensamentos. Eu nem mesmo sabia no que eu estava pensando — estava com os olhos fixos no completo e absoluto nada. Agradeci quando um pigarro de Sam ecoou por meus ouvidos:

— Então, Jody, pode nos falar um pouco sobre o caso?

Jody piscou, levando um susto com a pergunta repentina. Soltou uma lufada de ar e começou:

— Abigail Wheeler, Nicholas Foster e Olive Baker foram encontrados na estrada Carton, os corpos sem uma gota sequer de sangue. É claro que trata-se de vampiros, disso não tenho dúvidas. A xerife Hayes solicitou o meu auxílio e não pensei duas vezes antes de vir, mas por causa do meu braço — ela sacudiu o braço engessado de leve — Tive que pedir a ajuda de vocês, principalmente por estar tudo maluco por aqui. Visto que a cidade é relativamente pequena, o pânico está se espalhando por todos os cantos dela. Outro garoto está desaparecido e eu não tenho nem ideia de por onde começar.

Sam e Dean se entreolharam. Coloquei os cotovelos sobre a mesa com cuidado, apoiando os antebraços, e me esgueirei para poder me comunicar com a xerife enfaixada. Assim que conquistei sua atenção, fiz uma careta.

— Você por acaso sabe se há algum armazém, galpão abandonado ou algo do tipo nas proximidades dessa estrada ou na flresta que a cerca? Pode ser um ninho — sugeri.

— É exatamente isso que tentei antes de ligar para o Sam — Jody acenou com a cabeça, expressando decepção. — Para o nosso azar, existem vinte armazéns e galpões abandonados nas proximidades, e até agora, não tenho nenhuma informação que auxilie no descarte de algum deles. 

— Tá brincando?!

Bufei, despencando sobre o banco acolchoado novamente. Soltei um muxoxo de decepção e me arrependi pelo ato brusco no mesmo segundo, visto que minha saia do disfarce de agente por pouco não havia rasgado. Jody suspirou. 

— E outro detalhe é que todas as vítimas que foram encontradas tinham uma marca no pulso...

A mulher desajeitada, com o braço não enfaixado, vasculhou a bolsa preta larga que descansava na cadeira ao seu lado e de lá tirou algumas fotografias. Estendeu-nos uma delas, deslizando o pedaço de papel sobre a mesma. A polaroid revelava a imagem de um pulso esbranquiçado e sem vida, coberto por um desenho de três setas, mas como se fossem desenhadas a partir de caligrafia, setas adaptadas, como se fossem uma letra do tipo emendada. Era delicado, mas ao mesmo tempo assustadoramente macabro. Franzi o cenho. Dean deslizou a fotografia de volta para Jody.

— Parei por aí mesmo. Preciso da ajuda de vocês.

Um clima tenso se instalou entre nós. Nós quatro ficamos nos entreolhando, bolando algum plano mirabolante. O caso era, sem dúvidas, intrigante. Nossos pensamentos foram interrompidos pela garçonete loura, que deixou os nossos pedidos sobre a mesa — uma salada Caesar com uma generosa quantidade de cruttons para Sam, apenas um café para Jody (deduzi que ela já teria almoçado ou comido algo), um tradicional hambúrguer duplo com bacon e refrigerante para Dean e para mim, um misto quente médio e uma garrafa de Teabee's. Um almoço razoável aos desastrosos que tínhamos no bunker, e muito favorável para Dean, visto que não era exatamente todo dia que ele podia contribuir para suas futuras artérias entupidas — atividade que ele parecia apreciar de maneira até exagerada. 

Contudo, o Winchester retornou ao assunto, mesmo que fosse de boca cheia e com os lábios engordurados pelo bacon.

— Eu tive uma ideia.

Ergui as sobrancelhas, indicando que ele continuasse. Dean engoliu o pedaço de hambúrguer que pareceu descer pela garganta correndo e pela cara que fez a seguir, pareceu descer até mesmo pelo lugar errado. Desvantagens de comer muito rápido. O caçador bateu as mãos umas nas outras, a fim de dispensar os farelos que as cobriam e prosseguiu, gesticulando:

— Jody, será que você poderia perguntar para a xerife Hayes se ela pode te dar acesso aos arquivos e registros relacionados aos vinte armazéns? Podemos ver se há algo de estranho na história deles. 

A xerife ponderou, sacudindo a cabeça algumas vezes como se pensasse no caso. Depois de alguns segundos, esboçou um sorriso mínimo, parecendo apreciar a ideia.

— Ótimo. Jody e eu vamos para a delegacia acessar esses registros e Sammy, você e ela vão à biblioteca para ver se encontram algo sobre esse símbolo nos pulsos das vítimas. Todos de acordo?

Sam e Jody assentiram de prontidão. Eu os imitei e em seguida, apertei as pálpebras contra os olhos por um instante, deixando que um suspiro pesado fugisse do peito. Eu ainda estava submersa em uma onda espessa de estresse causada por Dean, e mesmo que um caso fosse uma brecha para me libertar daquilo, as memórias não pareciam dispostas a se desprender de mim. Isso me fazia julgar a mim mesma como patética. Mil vezes patética.

Voltei a comer a minha torrada. Almoçamos em silêncio, todos focados no caso — menos eu. Milhões de pensamentos idiotas fervilhavam em meus neurônios. Precisava admitir de que sentia falta de Dean. Queria voltar a falar com ele. Queria tanto, e queria que ele também quisesse, mas não era o que parecia. Era por isso que eu guardava tudo para mim mesma, e tentava relembrar mil vezes — não crie malditas expectativas. Você vai se decepcionar.

Dean Winchester

Terminei de comer o hambúrguer — a única coisa que parecia me agradar naquele dia maldito — e procurei repousar enquanto Sam e Jody conversavam. Eu podia sentir a rigidez com a qual Elizabeth sentava no sofá que acercava a mesa. Ela estava ereta, imóvel, com o suco de maçã idiota nas mãos. Ela estava tensa. Podia perceber isso, e sabia muito bem o motivo, principalmente porque eu me sentia do mesmo jeito, apesar de esconder. Eu estava escondendo o quão arrependido eu estava. Eu estava sendo um completo e absoluto maricas de merda.

Eu precisava admitir que estava errado. Quando alguém faz algo por você, você agradece, e não a despreza. Na noite em que a chamei de egoísta, não fui capaz de perceber isso. Estava tão preocupado e fora da minha mente que não medi as palavras. E no momento, no exato momento no dia que sucedeu em que eu caminhava pelo corredor do bunker em direção ao banheiro, eu percebi. Percebi o quão errado e imprudente eu havia sido. O quão egoísta, prepotente e mesquinho. O quão idiota. Todos esses adjetivos tão dignos da minha pessoa vieram à tona quando escutei o seu choro. Coisas desse tipo nem sempre me fragilizavam.

Mas ela... Ela era capaz de me derrubar com um só sorriso. Por mais fodidamente clichê que isso seja. 

O seu choro melódico, os soluços e a porta entreaberta revelaram ela — com o rosto inundado de lágrimas e os olhos outrora tão lindos e cheios de vida transbordando culpa, tristeza, ódio e milhares de outros sentimentos que podiam ser escondidos no seu olhar. Um olhar único, inesquecível e fodidamente, completamente encantador. O olhar singular que pertencia à mulher...

Não, Dean, pensei. Chega.

No final das contas, era inevitável. Inegável. Irremediável. 

Durante todo aquele tempo, eu sabia o que eu sentia. Não tinha dúvidas. A palavra correta e ideal estava ali, nadando em meu subconsciente, estampada em cada outdoor da minha mente confusa, e eu ignorava. Dava as costas. Não queria confessar, não queria admitir. Não queria me condenar mais uma maldita vez àquele sentimento torturante que me corroía toda vez que assombrava meu coração. E naquele momento, quando a vi chorando, quando percebi o quão estava errado, quando a memória do seu sorriso não saiu da minha cabeça durante a noite inteira e não permitiu que eu dormisse nem por um instante sequer, eu soube. Eu pude finalmente concluir.

Eu estava completamente... Absolutamente, loucamente e perdidamente apaixonado por ela. 

Elizabeth

Fui despertada dos pensamentos quando senti movimentação ao meu redor. Jody e Sam levantavam-se. Encarei-os, confusa. Sam deu um sorriso nervoso e apontou para o caixa.

— Nós vamos pagar. Fiquem aí. 

Suspirei e observei-os se afastando. Minhas pálpebras pesavam sobre meus olhos. Correntes dolorosas semelhantes a choques percorriam a região das minhas têmporas, o que tornou inevitável não fazer uma careta e massageá-las. Eu podia sentir Dean rígido ao meu lado, os músculos contraídos, como se estivesse incomodado em estar próximo a mim. Eu queria perguntar a ele o que ele sentia e se ele achava essa rixa temporária realmente necessária, contudo, o medo era maior do que eu. Tudo que me restou foi fitar a superfície lisa da mesa, impassível.

Meus pensamentos se desorganizaram mais ainda quando Dean levantou-se da mesa bruscamente, produzindo um estrondo. Pude sentir a mesa chacoalhando e assisti ele disparando em direção à porta do restaurante, abandonando-o de punhos tão cerrados que suas veias se tornavam visíveis e táteis por baixo da pele. Levei o olhar até Sam e Jody, que esperavam na fila para pagar e conversavam com semblantes aflitos. Eles fitaram a porta de saída. Provavelmente conversavam sobre Dean. Jody disse algo que não entendi, balançou a cabeça e entregou o dinheiro e a comanda do restaurante para Sam, que assistiu a xerife sair também.

Encabulada, caminhei até ele. Sua expressão era apreensiva.

— Alguma ideia do motivo da revolução?

Samuel balançou a cabeça. Mordi o lábio, apreensiva, e cruzei os braços sobre o blazer ridículo. Sam ainda me encarava. Parecia querer me perguntar algo. Ignorei o olhar e esperei que, caso quisesse, ele perguntasse o que quer que fosse que lhe causava dúvida constante.

— Vocês dois deveriam perdoar um ao outro. Reconciliar. 

Suas palavras quebraram o silêncio. Reconciliar. Perdoar. Era o que eu mais queria. Era o que estava preso em minha garganta, mas o medo me impedia.

— Eu falo sério — reforçou, os olhos verdes pousando em mim como um verdadeiro calmante.

Bufei.

— Eu sei, Sam. Estou cansada disso. Quero voltar a falar com ele. Isso é torturante. E você sabe o que existe entre nós dois... Droga, isso está me matando. Por mais que eu o odeie no momento, esse sentimento só cresce e me infesta e... Que merda. Não sei nem classificá-lo, descrevê-lo ou dar um nome a ele. 

Sam ouviu tudo atentamente. Quando terminou, um sorriso gentil e tranquilo nasceu em seus lábios finos, cujos curvaram-se em uma linha torta e surpreendentemente amigável.

— Eu sei.

Quase sorri, mas não consegui.

Descruzei os braços e sorri de volta, melancólica.

— Eu queria que eu também soubesse.

Podia sentir os olhos umedecidos enquanto andava a passos velozes para fora do restaurante. O que era aquele sentimento? Por que me corroía de dentro para fora? Por que era tão destrutivo? Por que doía tanto? 

Perguntas e mais perguntas que pareciam cada vez mais distantes de serem respondidas. 

Atravessei a porta e parei no mesmo instante em que escutei a voz de Jody, não muito longe de onde eu estava. Movi o olhar até o lugar de onde vinha a voz, e lá estava Jody e Dean. Os dois conversavam próximos ao Impala, encostados nele. Procurei fingir que não escutava ou via nada e preguei a audição à conversa séria que os dois mantinham, visto que seus semblantes eram aflitos. Observei Jody erguer o braço engessado para depositar um soquinho gentil no braço de Dean. 

— Qual é, Dean. Não banque o inocente. Sam me contou tudo.

— Contou, é?

— Contou.

Dean desviou o olhar, as sobrancelhas erguidas severamente. A xerife Mills balançou a cabeça. 

— Então, essa garota, Elizabeth... Sam disse que você está confuso quanto a ela. Pode me explicar?

O Winchester bufou.

— Sim, droga, eu estou. Jody, você por favor me perdoe se isso sair extremamente clichê e gay, eu juro que nunca quis e nem nunca me imaginei dizendo isso, mas... Eu sinto algo por ela. Algo muito, mas muito forte. Quando estou perto dela, fico nervoso. Elétrico. Ela é como um isqueiro, e eu sou o cigarro. Ela me acende. Eu não consigo resistir. Agora que brigamos, sinto extrema vontade de me afastar ou eu vou acabar explodindo e ela ficará assustada.

— O que significa explodindo, nesse caso? 

Dean passou a língua pelos lábios.

— Jody, ela é... Simplesmente incrível. Exageradamente linda e gentil. Inteligente. Corajosa. Tem um sorriso mais lindo ainda. E tudo isso me faz querer... Droga. Eu fico louco. Sou incapaz de contar nos dedos as vezes nas quais tive que reprimir a vontade avassaladora de... Simplesmente beijar ela e dizer a ela tudo que quero dizer. Tudo que está entalado na minha garganta. E eu não aguento mais esconder dela, do Sammy e de mim mesmo. Jody... Eu estou fodidamente apaixonado. E eu não sei como reverter.

No mesmo instante, um arrepio percorreu minha espinha como uma legítima carga elétrica, causando um tremor semelhante ao de um terremoto por todo o meu corpo. Suas palavras me atingiram como um choque de realidade. Uma pancada da vida. Me senti um daqueles sacos que são usados em treinamentos de boxe. Eu estava imóvel. Estática. Incapaz de dizer uma palavra sequer.

Dean havia acabado de descrever em poucas frases o que eu sentia por ele. E não foi, de fato, difícil de associar.

Eu estava perdidamente apaixonada por ele. Melhor... Eu o amava. E estava verdadeiramente cansada de negar. 

Eu quis caminhar até ele e beijá-lo como da última vez. Quis mais do que tudo. Quis olhar em seus olhos verdes tão encantadores quanto uma floresta tingida do verde mais vivo por horas e horas. Quis rir junto dele. Quis estar em seus braços. Quis dormir ao seu lado. Quis percorrer toda a extensão de seu abdômem com a ponta do indicador. Quis contornar cada traço único e perfeito que ele portava. 

Quis amá-lo.

Mas decidi não fazer isso. Não naquele momento. 

Tudo que fiz foi seguir Dean até o Impala, e Jody insistiu que fosse com Samuel. Eu sabia o motivo.

Ficamos em silêncio durante todo o trajeto, provavelmente bolando palavras para revelar um ao outro o sentimento que dominava nossos corações. 

Eu só esperava que aquela tortura acabasse logo.

{...}

Fechei os olhos, sentindo a cabeça girar por alguns instantes. Eu estava a ponto de mergulhar na maior e mais profunda letargia — isso que estávamos na biblioteca há apenas duas horas. Contudo, durante aquelas duas dolorosas e torturantes horas, Dean e eu permanecemos com a cara enfiada nos livros, pesquisando aqui e ali sobre lendas locais ou registros que envolvessem o símbolo da fotografia. Duas horas de estudo perdidas, é claro. Tudo que eu desejava era sair dali e decapitar os malditos sanguessugas de uma vez por todas. Isso me fez suspirar, um suspiro longo e pesado, que acabou produzindo um eco abafado por aquela área silenciosa da biblioteca. Éramos os únicos lá. O silêncio chegava a ser tenso e muito... Constrangedor. 

— Nada? — aquela deveria ser a décima palavra que Dean me dizia naquele dia. Não que eu tivesse certeza.

Abri os olhos e elevei os supercílios, encarando as quinhentas páginas amareladas do livro com certo desdém.

— Eu imaginei — concordou com um aceno de cabeça. 

Movi os olhos até o caçador, que alisava o livro que lia com a ponta do indicador, evidentemente desinteressado. O clima que fluía entre nós dois me deixava desconfortável. Até parecia que ele sabia que eu havia escutado a conversa entre ele e Jody. Eu esperava que não. Mas a verdade era que eu precisava conversar com ele sobre aquilo. Estava me deixando maluca. Eu já não aguentava mais. Eu sabia o que era. O que eu sentia. Amor. Incondicional e inegável. Contudo, me negava a acreditar. Queria entender. Nunca havia amado alguém antes. Eu não queria, e sim precisava entender o amor. Aprender a amar, por mais que eu já o fizesse. Eu precisava de Dean. Eu o amava. 

O toque do celular dentro do bolso da minha jaqueta — graças a Deus, eu tirara aquelas roupas infelizes de agente — rompeu meus pensamentos. Apressei-me em recolhê-lo de lá, atender a ligação e levar o aparelho ao ouvido. 

— Alô?

Oi. Foi mal, precisei ajudar a Jody com um pessoal desesperado na delegacia. 

— Tudo bem, mas e então?

Nós procuramos por aqui e... Jody, o que foi?

Um barulho de algo metálico caindo no chão ressoou na ligação, atrás da voz de Sam. Franzi o cenho e apertei mais o celular contra a orelha, sentindo o botão de início roçar levemente no lóbulo.

— Sam? 

Oh, droga... Beth, escuta, eu e Jody falamos com a delegada Hayes e ela disse que os registros dos armazéns estão na área restrita da biblioteca municipa...

Dessa vez, o som de uma pancada o interrompeu, e em seguida, o ruído claro de que o telefone havia caído no chão. Ouvi grunhidos e barulhos de luta. Franzi o cenho e me levantei da cadeira bruscamente, produzindo um estrondo que foi logo repreendido pela bibliotecária idosa que murmurou um "shhh" para mim, ignorando o meu desespero. A ligação logo foi encerrada, e eu, estática, deslizei o telefone pela orelha. Dean me encarava apreensivamente, um olhar preenchido por um misto de preocupação e curiosidade. Fitei-o de volta, atônita e com os olhos fixos em um ponto completamente desconexo do seu rosto.

Ele pareceu entender a mensagem. Imitou-me, levantando bruscamente e fechando o livro sobre a mesa com força. Outro estrondo e outro sermão vindo da bibliotecária mal-humorada. O caçador me acompanhou até o balcão de onde a senhora nos repreendia e eu espalmei as mãos sobre a madeira áspera, demonstrando minha aflição.

— Precisamos acessar registros existentes na área restrita.

— Somente autoridades — a idosa resmungou, lançando-nos um olhar fervente que fez eu me sentir como se eu fosse uma criança travessa de cinco anos e meio. 

O Winchester ao meu lado me deu uma cotovelada. Captei a mensagem e recolhi velozmente o distintivo falso do FBI de dentro da minha jaqueta, minha provável salvação. Estendi-o na altura da velha, rezando para que ela não fosse insuportável o suficiente para ignorar-nos. Esgueirei o olhar por cima do distintivo e pude ver a idosa de olhos semicerrados, ajustando o óculos sobre o nariz como se fosse capaz de nos acusar de algo. Depois de alguns instantes, sua expressão suavizou, por mais que ainda estivesse levemente carrancuda. Levantou-se com dificuldade da cadeira acompanhante do balcão de recepção e guiou-nos de má vontade até a área restrita. 

Chegando na sala, o primeiro elemento perceptível era a cômica e exagerada quantidade de armários e gavetas, os organizadores dos registros. A bibliotecária deixou-nos sozinhos e Dean se apressou em pegar o celular para verificar os nomes dos vinte armazéns, cujos ele havia anotado. 

— Winston.

Minhas mãos ágeis percorreram os arquivos da letra W. Sem muitos esforços, percebi o nome claro "Winston, Armazém".

Nenhum registro além da ficha que comprovava que tratou-se de um estabelecimento real. Bufei.

— Blue N' Berries.

Antigo restaurante rústico situado em um galpão empoeirado. Apenas registros sobre maionese vencida e casos de salmonela após ingestão de ovos crus. Nada de absolutamente interessante. 

O mesmo com os outros dezessete restaurante. Nada de útil ou relevante. Nenhum registro oculto ou sobrenatural. Nenhum segredo. Apenas tédio e mais tédio. Apenas notícias sobre caridade, produtos vencidos, ofertas enganosas — no caso de lojas/mecânicas — e mais algumas polêmicas entediantes, porém, ainda mais interessantes do que a vida esnobe da família Kardashian. No último nome, Dean e eu já estávamos desanimados.

— Última chance... Paladino's, antiga mecânica.

Vasculhei e esquadrinhei os arquivos da letra P, ansiando para que esse fosse o lugar certo. Sam e Jody estavam em apuros, e sem pistas, estávamos ferrados. Colei os lábios, rezando mentalmente, e quando meus olhos atingiram o nome desejado, arranquei a ficha de registros de dentro da gaveta, aflita. Abri-a e folheei as notícias. Quase saltei de euforia quando encontrei uma manchete "antiga mecânica é assombrada por cinco mortes novamente". Cinco anos atrás. Encontrei outra igual de cinco anos antes à de 2010.

Mostrei para Dean. Ele sussurrou, atônito:

— Cinco mortes a cada cinco anos. Vampiros migratórios e ritualísticos. Quatro já foram. Isso significa que...

Engoli em seco.

— Que Sam ou Jody correm risco de se tornarem a quinta vítima.

Entreolhamo-nos, apreensivos. 

Tínhamos muito trabalho a fazer.

{...}

O Impala derrapou pela estrada cheia de lama, sujando os pneus. Aquela era a primeira vez que Dean não se importava com algo como aquilo. O automóvel freou bruscamente na frente do armazém enegrecido e nós dois saltamos do carro, já empunhando dois facões afiados o bastante para decepar a bela cabeça de alguns vampiros idiotas. Adrenalina. Daquilo eu sentia falta. Corremos até a porta da frente e a arrombamos sem medir esforços. A porta frágil e velha feita de madeira voou para longe e revelou o galpão bem iluminado no meio da reserva de Mitchell — praticamente, no meio do nada. Pude enxergar Sam e Jody amarrados no fundo do recinto.

Fui despertada dos devaneios quando um dos sanguessugas saltou na minha frente, as presas horrendas à mostra e os olhos incendiados. Tentei desferir um golpe com minha arma, mas o bastardo desviou. Avançou na minha direção e empurrou-me quase que na velocidade da luz contra a parede mais próxima, exibindo os caninos para mim como se fossem uma obra de arte. A criatura tentou apossar-se do meu pescoço, aproximando os dentes do mesmo, mas fui mais rápida. Esbocei um sorriso genioso e consegui empurrá-lo com o pé. O chute foi eficiente, pois o fez cambalear para trás e me proporcionar espaço para que eu cortasse sua cabeça e o ar com o facão em minhas mãos.

Soprei uma mecha da minha franja que caía sobre o meu rosto, removendo-a do meu campo de visão e ignorando a cabeça decepada que caía sobre meus pés e que deixara para trás. 

Dean lutava com outro vampiro, e parecia ser o seu segundo, pois uma cabeça já rolava próxima aos seus pés feito uma bola de boliche descoordenada e sem rumo. Ergui o facão e envolvi-o com as mãos, mais ágil do que nunca, mas fui pega de surpresa quando me vi caindo em direção ao chão. Fui virada bruscamente, de modo que fui forçada a ficar deitada de barriga para ima no chão. Uma vampira maluca saltou sobre mim e posicionou as mãos com unhas compridas até demais sobre o meu pescoço. Seus lábios tingidos de vinho sorriam. O aperto em minha garganta começou. 

Tentei ignorar a sensação de oxigênio se esvaindo e me concentrei nos sons ao redor. Dean havia conseguido vencer o vampiro com qual lutava. Estendi o braço para o lado e alcancei o facão. Levei-o até a nuca da vampira e decepei sua cabeça. O líquido avermelhado espirrou em meu rosto e a cabeça caiu ao meu lado. Não a vi caindo por estar de olhos cerrados, mas a ouvi.

Quando abri os olhos novamente, percebi que Dean estava parado logo acima de mim, a mão estendida na minha direção, oferecendo auxílio. Todas as recentes brigas pareceram se dissipar naquele momento. Nada restara além de nós dois. 

Limpei o sangue do rosto e aceitei o auxílio, reerguendo-me com a ajuda do caçador. Fiquei de pé velozmente e nossos olhares se encontraram. Choque. Carga elétrica. Terremoto interno. Coração descompassado.

Seria essa a tão famigerada sensação de estar perto de quem você ama?

— Obrigada — agradeci.

Ele acenou com a cabeça. Suspirei e movi o olhar até nossas mãos. Elas ainda estavam entrelaçadas. O Winchester também as encarou. Fitamo-as por alguns segundos. Engoli em seco, e constrangida, deslizei os dedos para longe, dando as costas à ele. Corri na direção de Sam, Jody e um garoto — provavelmente aquele que havia desaparecido. 

Atônita, só conseguia pensar em Dean enquanto os desamarrava. Dean libertou o garoto — eu não lembrava o seu nome — e o acalmou. Tudo que preenchia minha mente era o seu nome.

Dean Winchester, Dean Winchester, Dean Winchester.

Droga, eu o amava. E como.

Auxiliamos Sam, Jody e o garoto e abandonamos aquele lugar. Quebrei o pescoço do quinto vampiro — ele tentou fazer um discurso, mas eu o interrompi por falta de paciência — e não olhei para trás. Apenas para a frente.

"Eu estou fodidamente apaixonado, e não sei como reverter."

Eu também estou, Dean.

Eu também estou.

 


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Notas finais do capítulo

(Eu que inventei o Teabee's kkkk)

FINALMENTE ESSES DOIS ADMITIRAM, NÉ NON???

Não esqueçam dos comentários, por obséquio!! Demorei séculos para escrever esse capítulo e.e

E no próximo, uma palavra:::::::::::: DETH! Comprem lencinhos.

Beijos ♥



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