Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 22
Linhas tortas


Notas iniciais do capítulo

Oi, cabritinhos lindos! Adivinha quem está de volta e está de férias? Ayooo, eu!

Enfim, sorry pela pequena demora, uma semaninha, mas cá estou eu. Perdão pelo tamanho do capítulo, eu sei que eles costumam ficar grandes, mas eu escrevo e quando vejo já tá nas 6000 *risos* não tem como evitar, mas eu prefiro considerar o lado bom disso: parte dos leitores gosta de capítulos mais compridos, então, anyway...

Me amem por eu ter conseguido exorcizar o bloqueio mais uma vez e publicar este capítulo lindinho. Enjoy, sábios cabritinhos! (garanto que estavam com saudade desse adjetivo inesquecível que lhes adotei, né non?)



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"Um relâmpago reluziu no céu, iluminando a pequena fazenda nos arredores daquela minúscula e pacata cidade pertencente ao Kansas. A tempestade que se aproximava tornava o cenário amedrontador. Os trovões, cujos soavam mais como rugidos, assustavam a mulher de meia idade, por mais corajosa que ela fosse. Ela apertou a borda da janela de sua casa, envolvendo a madeira com o dedo, um tanto temerosa com os grandes estragos em seu terreno e plantações que o temporal poderia causar.

Suspirando, a mulher deu as costas para a paisagem infeliz que anteriormente assistia através da janela quadricular. Encolheu-se um pouco no suéter azulado e caminhou até a geladeira, abrindo-a com uma visível carranca. Seu semblante distorceu-se ainda mais quando a mesma percebeu que não havia nada que lhe apetecesse, por mais que o eletrodoméstico estivesse cheio. 

Fechou a estrutura e deu alguns passos pela cozinha, girando em círculos em torno de si mesma e um pouco nervosa.  Pressionou as próprias mãos contra a cintura e espalmou uma delas contra sua coxa, discretamente limpando o suor de sua palma. Seus devaneios foram facilmente interrompidos pela lâmpada acima da mulher, que de repente começou a piscar.

Normalmente, a mulher pegaria sal, faria um círculo e instalaria-se dentro dele — conhecimentos básicos de qualquer caçador —, porém, a mulher meneou a cabeça, contestando a si mesma. O piscar da luz dava-se ao fato de a chuva já encharcava seu belo e bem cuidado jardim. Só de considerar o risco da destruição do jardim já fazia a mulher estremecer, por mais careta que isso soasse para uma ex-caçadora. O seu estômago estava roncando e preparar algo para comer lhe parecia uma tarefa extremamente cansativa e as únicas forças que lhe restavam ela utilizou para cambalear até o sofá de sua casa e jogar-se neles. Soltando uma lufada de ar, ela apoiou os pés sobre a mesa de centro e cruzou os braços sobre seu abdômen. 

Nada além dos trovões que ecoavam do lado de fora ocupou o ambiente, mas logo, algo que não tratava-se dos fenômenos naturais quebrou o silêncio. No mesmo instante, a mulher abriu os olhos, assustada com o latido de seu cão, Farkle. Farkle, um golden retriever geralmente animado e brincalhão, estava sentado no chão em frente à mesa de centro e parecia assustado. O cão latiu mais algumas vezes e antes que a caçadora, Bonnie, pudesse inclinar-se até o animal e acalmasse-o, o cão disparou pela sala, saindo porta a fora.

Com um susto, Bonnie levantou-se do sofá. Por que Farkle faria isso, afinal? Sair na chuva, expôr-se à enxurrada que caía na noite, além de é claro, aos trovões e relâmpagos que eram adicionados ao temporal. Farkle sempre teve muito medo de tempestades, aquilo era algo extremamente imprevisível, mas mesmo assim, a mulher não vacilou. Não importando-se com o resto e importando-se apenas com a segurança de seu amado cão, Bonnie retraiu-se nas roupas quando colocou um pé para fora da casa. Em poucos segundos ela já encontrava-se encharcada e tremendo pela brisa congelante que envolvia o seu corpo.

— Farkle! — a caçadora gritou a plenos pulmões. 

Os olhos verdes da caçadora de aparentes cinquenta e poucos anos percorreram a grande extensão de seu jardim. Nenhum sinal de seu cão. Ela deu passos pesados na grama cheia de barro, algumas vezes precisando puxar os pés com força, pois os mesmos grudavam-se à lama que cobria o solo. A franja e os cabelos curtos caíam sobre o rosto da mulher e mais um relâmpago iluminou o céu arroxeado acima de sua cabeça. Bonnie ergueu o olhar até o céu, assustada com a forte tempestade. Os trovões não cessavam — vez ou outra ela sentia como se o chão sob seus pés estremecesse diante de tal estrondo. Mais uma vez, ela pôs-se a chamar pelo animal querido:

— Farkle, onde você está?!

Enquanto avançava pelo jardim, tomando cuidado para não escorregar na extensa quantidade de lama entre as gramíneas, algo chamou a sua atenção. Algo grande entre as flores de seu jardim, agora um pouco murchas pela chuva pesada. Com o coração na mão, Bonnie caminhou lentamente até o objeto misterioso. Seus batimentos cardíacos aumentavam pouco a pouco e tudo que ela pôde fazer quando viu a cena diante de si foi cobrir a boca com a mão, reprimindo um grunhido de dor e lamento.

No chão, atirado e dilacerado, estava o seu cão, Farkle. O golden retriever mais querido para ela estava morto. Seu único amigo naquela solitária fazenda, o ser que a mantinha na vida segura que ela sempre quis, mas nunca teve. Era por causa de Farkle que ela havia largado as caçadas e dado a chance para si mesma de reconstruir sua vida, e agora, ele estava morto.

Uma lágrima quente e pesada fez uma trilha molhada pelo rosto da mulher. Injustiçada, ela ajoelhou-se no chão, denunciando sua boa forma e não importando-se com o fato de que a lama sujaria suas calças. Pôs-se a chorar e perguntou-se quem era capaz de fazer uma crueldade como aquela, mas antes que ela pudesse prosseguir seu fúnebre lamento, ela ouviu mais um latido atrás de si. Um latido bizarro, demoníaco, acompanhado de um rosnado aterrorizante. Imediatamente, ela paralisou onde estava, estática e incapaz de mover um músculo sequer.

Ela sabia que esse dia chegaria e sabia do que se tratava. Sabia o que era aquilo que rosnava para ela. Sabia o que havia matado Farkle. Com movimentos extremamente lentos, a ex-caçadora levantou-se do chão, apoiando-se com um pé e erguendo o joelho para ficar de pé. Bonnie girou em seus calcanhares lentamente, com a boca aberta e incapaz de sequer piscar os olhos pelo choque e pelo medo. Ela não deveria sentir medo, ela sabia as consequências quando fez aquilo. Bonnie sabia que estava colocando sua própria vida em jogo, mesmo que no final, tenha sido em vão, pois tudo fora um truque. Mesmo assim, Bonnie sabia que estava condenada àquilo, por mais que não tivesse ganhado nada em troca. Ela soube quando fez o pacto dez anos antes daquele fatídico momento que ela vivenciava.

Os olhos escarlate da criatura surgiram entre as árvores. Fugir não era uma opção, Bonnie estava ciente disso, mas por conta do medo, ela deu alguns passos para trás. Esbarrou no corpo de Farkle, emitindo um grunhido, e disse a si mesma que precisava despedir-se. Pelo menos ela partiria junto daquele que ela mais amava — o seu cão —, por mais que os dois não fossem para os mesmos lugares, céu e inferno. Ajoelhou-se perto do animal, debruçou-se sobre ele — derramando algumas lágrimas — e murmurou bem baixinho:

— Eu te amo, Farkle.

Bonnie ergueu o olhar novamente, deparando-se com a criatura infernal que posava em sua frente. Os dentes estavam à mostra, preparados para o ataque, e a caçadora estava conformada de que seria assim que ela morreria. Fechando os seus olhos, ela não sentiu quando o cão do inferno saltou sobre ela e rasgou suas vísceras, condenando ela a um trágico fim e uma passagem só de ida para o pior lugar que já existiu — o inferno."

Meus olhos se abriram repentinamente e eu encontrei-me em uma profunda ofegância. O salto que eu havia acabado de dar me recordou das visões horríveis que eu tive e que haviam cessado há algum tempo, mas naquele momento, eu sabia que elas haviam voltado. Meus dedos percorreram os fios do meu cabelo e eu tentei da melhor maneira possível recuperar o oxigênio que se ausentava em meus pulmões.

Logo, percebi a presença de algo em meu colo. Desci o olhar rapidamente até minhas pernas e reparei que ali havia um livro. Aberto e com várias páginas rasgadas. Um lápis estava em cima dos farrapos que se tornou o exemplar e algumas letras eram perceptíveis. Uma em cada página, rabiscadas em uma letra grosseira e garrafal. Boquiaberta e um tanto assustada, deslizei os dedos pelas páginas rasgadas, tentando decifrar a letra presente na primeira. M.

Virei a página e identifiquei a segunda letra com facilidade. U.

E conforme fui observando meus rabiscos, rapidamente formei a palavra — Mulvane.

Em um movimento um pouco urgente e desesperado, tateei o criado-mudo em busca do meu celular. Desbloqueei-o, atônita, enquanto visitava o Google e digitava a palavra na barra de pesquisa. Segundos depois, a pista me levou a um lugar. Mulvane, Kansas.

Enquanto eu atravessava o corredor frio do bunker com o livro em mãos, flashes da visão vieram à minha mente. Era a minha responsabilidade, e eu não ia vacilar novamente. Eu já havia ignorado visões e todas essas situações acabaram mal — ou quase —, e eu não podia repetir isso novamente, por mais incomodada que eu me sentisse com o fato de poder prever a morte alheia. Todavia, havia algo diferente sobre a tal Bonnie. Eu não fazia ideia de como eu sabia o seu nome e de como eu sabia que ela era uma ex-caçadora, mas algo me dizia que a morte que eu previa era injusta. Não era algo certo ou justo.

Ao perceber que nenhum dos garotos estava na biblioteca, parti para a cozinha, encontrando-os lá. Dean estava devorando um sanduíche, Sam estava vendo algo em seu computador e bebendo café e Castiel estava apenas sentado, enrolado em um cobertor e ainda recuperando-se das torturas de Lúcifer. Ele já estava consideravelmente melhor, mas ainda sentia alguns calafrios e tinha alguns pesadelos. 

— Más notícias — relatei enquanto atravessava a cozinha. Deixei o livro sobre o balcão, alcancei a jarra preenchida por café quente e apanhei uma xícara no armário. Enchi-a antes de continuar. — Tive outra visão.

Sam, que antes parecia distraído, fechou o notebook, deslocando seu aflito olhar até mim. Dean não estava  tão interessado quanto ele, já que seu sanduíche de atum — percebi pelo cheiro — aparentava mais saboroso do que o meu relato. 

— Alguém vai morrer injustamente — contei apreensivamente, levando a caneca até os lábios e tomando um generoso gole de café. — Eu previ. 

— E como foi? — interessou-se Castiel, ainda com a voz um pouco mais rouca do que o usual. 

— Eu escrevi durante a visão, enquanto eu dormia. A palavra encontrada foi Mulvane — descansei a caneca branca no balcão e recolhi o livro, abrindo-o nas páginas esfarrapadas e virando-o para Sam. Folheei algumas páginas, revelando os rabiscos. — Que é, se não estou enganada, uma...

— Cidade — completou Dean, de boca cheia. 

O Winchester mais velho levantou-se da cadeira com o prato cheio de farelos em mãos, caminhou até o balcão e deixou a louça suja sobre a pia ao meu lado. 

— Tem mais alguma pista? — questionou, elevando os supercílios.

— Eu não tenho ideia de como sei isso, mas a visão também me forneceu a informação de que a mulher é uma ex-caçadora e que seu nome é Bonnie — eu informei de cenho franzido, pegando minha caneca novamente.

Sam e Dean se entreolharam e eu, pela primeira vez, me perguntei por que os dois pareciam gostar tanto de provocar suspense — não que eu não adore mistérios ou deixar as pessoas ansiosas, mas aqueles dois tinham o dom de causar curiosidade. Sam distanciou o olhar até um ponto desconexo do cômodo.

— O quê?! Vocês a conhecem, por acaso?

— Sim. Ela era amiga do nosso pai — explicou Samuel. — Como ela morreu na visão, afinal?

— Cães do inferno. 

— Ótimo... Caso resolvido. Ela merece porque fez um pacto — Dean concluiu, esbanjando uma repentina arrogância.

Revirei os olhos e bebi um gole do café, sentindo a bebida descer queimando pela minha garganta. Em seguida, Sam ralhou:

— Dean... Beth disse que a morte da Bonnie soava injusta. Talvez tenha sido. Nós não sabemos...

— Olha, Sam, eu só estou cansado, ok? Cansado de procurar e procurar e procurar e... — Dean suspirou. — Nós não temos chance alguma contra Lúcifer. A batalha final está chegando cada vez mais perto. Nossas opções estão se esgotando. Nós precisamos de tempo, então será que podemos dispensar isso e levar como um alarme falso para ao menos ganhar mais tempo para tentar achar uma alternativa para a situação? Por favor.

Bati com a parte inferior da caneca no balcão, talvez um pouco irritada com o pessimismo de Dean.

— Dean, quantas vezes eu já ignorei visões e pessoas quase morreram? Droga! Essa é a nossa missão. É por esse motivo que eu estou aqui — insisti. — Salvar pessoas, caçar coisas. É o meu negócio, querendo ou não, e eu sei que temos problemas maiores, mas isso não significa que devemos deixar de lado as minorias. Como eu resolverei um dilema se eu primeiro não resolver os problemas? Dê uma chance e por favor, confie em mim e na minha intuição, por mais que ela tenha nos guiado a caminhos errados e incertos. Eu sei que Bonnie não deveria morrer. Eu sinto, e apreciaria muito a sua ajuda e a de Sam para enfrentar seja lá o que for que deseja matá-la.

Dean me encarou por alguns tempos, estático, e então, soltou um longo e profundo suspiro. Retraiu os lábios e ergueu a mão em um gesto rápido, abaixando-a novamente.

— Tudo bem. Mas eu não vou dizer que está certa — satirizou o Winchester mais velho, indo em direção à porta da cozinha. — Você não está mais machucada, o que significa que vou poder encerrar o Dean doce que você tanto aprecia.

— Isso é uma pena — eu ri.

Voltei a olhar para Sam e Cas e reparei a expressão esquisita que estava estampada em ambos os seus rostos. 

— O quê?

— Mulvane, huh? — Sam mudou de assunto, ligando o seu laptop e digitando rapidamente no mesmo. — Mulvane, Kansas. Bonnie Hensley. 

Samuel, concentrado na pesquisa, quase abriu um sorriso. Voltou a me encarar, murmurou um "bingo" e virou o notebook para mim, afim de me mostrar algo na tela do eletrônico.

— Casa na reserva. Estou certo? — ele ergueu uma sobrancelha.

— Sim.

— Bem, já que a morte dela soa tão injusta para você, não vejo problemas em nós ao menos checarmos a situação — cogitou, sacudindo a cabeça.

— Obrigada — eu agradeci.     

Aliviada, torci os lábios em um sorriso sincero, emitindo um suspiro de gratidão. Dei alguns passos na direção da pia e enxaguei a caneca usada e outrora suja de café enquanto eu pensava na situação de Bonnie. Estaria ela em perigo agora mesmo? Tudo me dizia que era uma morte injusta. Vozes pareciam ecoar em minha cabeça, dizendo-me e quase que suplicando que eu ajudasse. Talvez fossem os meus instintos celestiais. Eu não sabia, mas sabia que precisava ajudar a mulher.

Disposta a vazar dali e retornar ao andar superior, a voz de Castiel invade e preenche os meus ouvidos, fazendo-me volutear em meus próprios calcanhares. O serafim estava de pé e me encarava fixamente, intrigado.

— Podemos conversar lá em cima? — sugeriu, retirando cuidadosamente o cobertor que o cobria de suas omoplatas e enrolando-o entre os braços.

Franzi o cenho, estranhando um pedido daqueles vindo de Castiel. Dei de ombros e concordei. Sem entender e de cenho franzido, fui seguida pelo serafim enquanto rumava ao segundo andar. O veloz e não extenso trajeto foi feito em silêncio. Ele caminhava atrás de mim sem dizer palavra alguma. O único ruído audível era o som da sola de nossos sapatos colidindo com o piso. 

Guiei-o até o meu quarto, relutante e confusa. Convidei-o para entrar e assim que o fizemos, Cas fechou a porta atrás de si. Sentei-me em minha cama e reservei um espaço ao meu lado para o anjo. Depositei alguns tapinhas leves no colchão, encarando Castiel e indicando para que ele sentasse ali. Castiel, que estava de pé, cerrou os olhos, hesitante em aceitar a sugestão, mas logo, deu-se por vencido. Caminhou lentamente até a borda da cama e sentou-se ali, com a postura correta e a coluna ereta. Seus olhos estavam fixos em um ponto desconexo do cômodo, me fazendo ficar mais curiosa com o que ele desejava conversar sobre.

— E então? — arrisquei, entrelaçando meus dedos da mão direita com os da esquerda, tentando fazê-los pararem de tremer frequentemente.

Castiel suspirou e girou a cabeça lentamente para me encarar. Devolvi o olhar.

— Como você está? Seus poderes — quis saber. — E a visão? Tudo ok com isso?

— A princípio, bem — respondi calmamente, dando de ombros e sem deixar de fitar o anjo. — Eu estou conseguindo controlar meus poderes, eu acho. Estive tão preocupada com o meu destino e com o meu pai que deixei de pensar um pouco mais em mim. O segredo é e sempre foi concentrar-me em minha âncora, esquecer tudo ao meu redor e o principal... — fiz uma pausa, segurando a mão do serafim e sentindo a sua pele fria esquentar aos poucos com o contato de nossas mãos. — Confiar em mim mesma.

Castiel deu um sorriso mínimo, com um olhar distante. Soltei a sua mão e brinquei com a borda do moletom que eu vestia, procurando palavras para responder a outra pergunta que Cas havia feito.

— E sobre a visão... Eu não sei. Só estou preocupada — esclareci, deixando meu tronco voar para trás e caindo sobre a cama. Encarei o teto, pensativa, e continuei: — Quero salvar a tal Bonnie. Quero confiar na minha intuição. O meu coração está me dizendo que ela morrer não é culpa dela, e eu quero acreditar nisso. Espero que cheguemos a tempo...

— Você vai — tranquilizou Castiel em um tom sincero. — Há algo que você deseje conversar sobre? Parece pensativa.

Suspirei, levando minhas mãos até a cabeça e massageando levemente minhas têmporas. Eu definitivamente tinha algo para falar, algo que estava me atormentando, algo que estava preso em minha garganta, mas eu não tinha certeza se podia. Eu não tinha certeza se me abrir ajudaria ou se me deixaria ainda mais confusa. Não sabia se Castiel entenderia, afinal, ele era um anjo, o que eu estava sentindo talvez ele não fosse capaz de compreender. 

O serafim pareceu perceber que havia de fato algo que eu desejava contar-lhe, pois eu senti o seu olhar cair sobre mim.

— É, tem algo que está realmente me deixando intrigada — confessei antes de continuar. — Bem... Uhm... É o Dean.

— O que tem ele? — indagou, franzindo a testa. 

Apertei os lábios um contra o outro, relutante. Dedilhei as madeixas do meu cabelo, tentando inutilmente encontrar palavras para explicar o que eu estava sentindo. O grande problema era descrever o sentimento que se apossava de mim desde a conversa entre Sam, Dean e Garth que eu havia escutado. Aquilo estava verdadeiramente me assombrando, e não só por eu ter descoberto que Dean sentia algo por mim, mas também por não fazer ideia do que era aquilo que eu sentia. Como definir o meu sentimento.

— É complexo... — balbuciei.

Uma risada fraca, amarga e repentina abandonou meus lábios, causando um eco quase inaudível pelo suscetível aposento. Meneei a cabeça e levantei da cama bruscamente com a ajuda de minhas mãos, que apoiaram-se na borda da cama e proporcionaram-me impulso. Friccionei minhas mãos com força contra meu rosto, dando voltas pelo quarto. Deslizei-as para baixo até a minha cintura, onde instalaram-se. Voltei a fixar meu olhar em Castiel, que me observava confuso.

— É que... — comecei, não sabendo exatamente o que sairia da minha boca a seguir. — Em Grapevine,  ouvi a conversa do Sam, do Garth e do Dean quando eu estava no banheiro. E Dean... Bem... Sam estava insinuando que Dean sentia algo por mim. E ele confirmou. 

Castiel permaneceu me encarando, atento. Bufei, batucando com as unhas compridas na escrivaninha feita de carvalho ao meu lado, onde eu me apoiava.

— Droga... — sussurrei, repreendendo a mim mesma. — E eu acho que também sinto isso, Cas. Eu não sei explicar. Ambos não sabemos, pelo que ouvi, mas eu não sei mais o que fazer. Eu vivo tentando negar a mim mesma o que sinto, mesmo não sabendo o que é, mas não aguento mais guardar isso para mim. Eu me sinto presa. Preciso saber o que é isso que está me enlouquecendo. Eu preciso.

O serafim abaixou a cabeça, apreensivo. Minhas sobrancelhas se franziram, carregadas de agonia, e eu retornei à cama, sentando-me ao lado de Castiel e apoiando minha testa sobre minhas mãos. Contemplei o piso vinílico através do vão triangular entre minhas coxas, sem saber mais o que dizer.

— Eu não entendo nada sobre isso — admitiu ele, fazendo-me erguer os olhos para encará-lo. — Quero dizer, eu sei como é, de certa forma, mas minhas experiências humanas não foram pra lá de extensas. Mas de uma coisa eu sei, Beth. Eu sempre soube disso.

Pisquei algumas vezes, atônita diante do que Cas proferia.

— O jeito que vocês dois se olham... Como é que dizem mesmo? — as órbitas azuis adquiriram um brilho travesso e um sorriso genioso brotou em sua face. — Está praticamente escrito em suas testas. Então, a minha dica é, por mais que eu não entenda nada sobre isso: fale com ele. Abra-se com ele. Se está tão certa de que ele sente o mesmo e tem uma confirmação do próprio Dean disso, então por que esconder? Você mesma disse que está cansada de negar a si mesma. Então pare. Abra o seu coração para ele.

As palavras de Castiel me atingiram como uma granada, ou como uma carga elétrica. Era como se ele tivesse destravado algo dentro de mim, apertado um interruptor, puxado uma alavanca. Uma alavanca que automaticamente me fez sorrir. Meus lábios contorceram-se em um largo sorriso e eu levantei-me da cama rapidamente. Parei em frente à Castiel, estendendo as mãos a ele. A princípio, o serafim ficou confuso, encarando meus dedos, mas logo, pareceu entender o que eu pretendia e segurou minhas mãos. Puxei-o para cima, colocando-o de pé, e abracei-o com toda a força.

Rodeei meus braços ao redor de seu tronco e encostei minha cabeça em seu tórax. Senti o seu coração bater em uma velocidade normal e serena. Aos poucos, Castiel foi compreendendo o abraço e também envolveu-me, acobertando-me com o seu sobretudo. Inspirei o aroma único do anjo e sussurrei contra o seu ombro:

— Obrigada, Cas. Eu amo você.

{...}

Bati na porta com força, a ponto dos nós dos meus dedos ficarem esbranquiçados. Eu, Sam e Dean nos entreolhamos, esperando que ela abrisse a porta. Desloquei meu olhar até a porta, percebendo a presença de dois olhos observadores na portinhola de ferro que situava-se na altura da minha cabeça. Reconheci as órbitas esverdeadas no mesmo instante. Era Bonnie.

— Quem são vocês? — perguntou a ex-caçadora aparentemente desconfiada, com a voz sendo abafada pelo pedaço de madeira que nos separava.

Olhei para os Winchester, que encaravam um ao outro com semblantes intrigados. Dean deu um passo a frente, deslizou a língua pelos lábios e encostou a mão na porta, respondendo logo em seguida:

— Sam e Dean Winchester. Filhos de John Winchester, seu amigo de algum tempo atrás. Nós nos conhecemos e...

A voz ainda abafada e agora trêmula de Bonnie interferiu:

— Como sei que são vocês mesmo? — a suspeita era mais do que presente em seu tom.

Sam coçou a garganta, esgueirando-se para pegar a mochila em suas costas. Segurou-a entre as mãos, apertou-a contra o corpo e abriu o zíper com cuidado. Sua mão explorou o interior da bagagem e pescou um livro familiar de dentro dela. O diário de John Winchester. O Winchester mais novo abaixou-se e demos espaço para ele, que enfiou o livro pela portinhola de cachorro que ficava na metade inferior da porta. O som do livro caindo para dentro da casa ecoou e eu pude ouvir Bonnie apanhando-o desastradamente do chão. Também pude escutá-la folheando as páginas rapidamente, como se estivesse à procura de uma. O som das páginas sendo folheadas cessou, como se Bonnie tivesse encontrado a página que procurava, e o som do livro sendo cerrado foi ouvido. 

O mistério foi encerrado com a porta, que abriu-se lentamente e revelou uma Bonnie ainda desconfiada.

— Sam? Dean? — a ex-caçadora pareceu reconhecê-los, com um olhar fixo nos dois, porém visivelmente distante.

— Oi, Bonnie — cumprimentou Dean, dando um sorriso de canto levemente forçado.

Bonnie abriu a boca por alguns segundos, evidentemente perplexa. Afastou uma madeixa grossa do cabelo castanho que caía sobre o rosto já com sinais da idade — por mais que ela não fosse extremamente velha — para trás da orelha, confusa. Só então ela notou a minha presença, e mesmo desconfiada, abriu passagem, pedindo que nós entrássemos.

Quando pisamos dentro do recinto, eu reconheci a casa inteira pela mesma ter aparecido em minha visão. Eu reconheci o interior da casa tanto quanto reconheci o jardim onde a tragédia ocorrera — ou ocorreria, se eu não impedisse —, e enquanto ela nos guiava até os dois sofás em sua sala de estar, um simpático golden retriever atravessou o cômodo, alegre e veloz. Sentamo-nos e Bonnie riu fraco.

— Desculpem por Farkle. Ele é meio...

— Agitado? — completei sugestivamente, amaldiçoando-me em seguida por não conter as palavras, já que acabei assustando-a. 

Ela sacudiu a cabeça positivamente, sem entender. Um pigarro de Dean preencheu meus ouvidos.

— Desculpe, eu não cheguei a apresentar as duas... Bonnie, essa é Elizabeth — ele fez uma pausa, encarando a ex-caçadora como se a preparasse para quando ela soubesse o que eu era. — Filha de Deus. Não pergunte. Elizabeth, você já a conhece.

— Filha de Deus. Ok — confirmou a mulher com ironia, voltando sua atenção à Dean. — Como assim, ela me conhece?

Encarei Dean e Sam, aflita. Suspirei, retornando a olhar para Bonnie, que devolvia o olhar, ainda intrigada. A mulher fechou os olhos e meneou a cabeça, espalmando as mãos sobre as coxas, limpando o suor das palmas nas calças e fazendo-me lembrar de quando ela realizou exatamente a mesma coisa em minha visão.

— É complicado — defini evasivamente para em seguida prosseguir: — Ser a filha de Deus me proporciona algumas habilidades indesejadas, e uma delas são visões futurísticas. Acontece que... Você está em uma delas.

— Vou morrer, não vou? — adivinhou ela, com um surpreendente e amargo sorriso nos lábios. — Eu já sabia.

— Como... — gaguejei, porém, fui interrompida por Bonnie.

— Longa história.

— Nós temos tempo — acrescentou Sam.

Bonnie fitou-nos com certa e visível relutância. A ex-caçadora revirou os olhos, afundando mais no sofá e soltando uma extensa e pesada lufada de ar. Deslizou uma das mãos pelo rosto envelhecido, hesitando.

— Sua morte, Bonnie. Eu sinto que ela é injusta. Meu coração me diz que é. Você pode explicar isso?

— Sim, eu posso — resmungou Bonnie. — Eu fiz um pacto e não deu certo.

Dean praticamente deu um salto no sofá de tão surpreso.

— Você o quê?!

— Fiz um pacto. É isso aí. Boom.

Sam e Dean se entreolharam. Eu me perguntei porque tudo parecia me dizer que a morte que previ era injusta, afinal, Bonnie havia feito um pacto, mas como ela disse que podia explicar, eu esperei que ela continuasse. Farkle associou-se a nós, deitando próximo aos pés da dona. Observei o golden retriever e flashes de memória contornaram minha cabeça, fazendo meu peito doer repentinamente pelas cenas horríveis que acabei presenciando.

— É o seguinte, o pacto que eu fiz deu errado. O demônio foi trapaceiro e furtou minha alma sem sequer me dar o que eu havia pedido. Foi a primeira vez em que vi algo do tipo ocorrer. Nenhum demônio jamais descumpriu um pacto e levou a alma do cliente como aconteceu comigo, e eu tenho plena certeza de que vocês também nunca viram algo do tipo. Que seja, o maldito levou a minha alma há dez anos atrás em troca de absolutamente nada. Fim da história e fim da Bonnie.

— O que você pediu? — indagou Samuel, apoiando os cotovelos em seus joelhos.

— Que o demônio ressuscitasse o meu marido, West. Eu sei, eu sei, é estúpido, mas foi a minha escolha. Fim de papo. Vocês não precisavam ter vindo me salvar.

— Sua escolha?!  — vociferou Dean, aparentemente preocupado.  — Você sabe como John ficaria se soubesse o que você fez? Por causa de um homem? E ainda não levou nada em troca? Vai morrer em vão?!

Bonnie riu amargamente, cruzando os braços.

— John está morto. Ele não pode achar nada, infelizmente — rebateu sarcasticamente, fazendo Dean silenciar-se. — Olha, isso é inútil. Me desculpem se vocês tinham a intenção de me salvar heroicamente do meu fatídico destino, mas isso não vai ser possível. Já aceitei isso. Já estou conformada. Vocês podem ir embora.

— Nós não vamos — determinei, e quando a ex-caçadora ameaçou me interromper, eu continuei: — Isso é injusto. Eu sei que foi a sua escolha, mas você não pode considerar isso um pacto de verdade se você nem mesmo recebeu o que pediu. Nós não vamos embora sem salvar você.

— E como vocês pretendem fazer isso, gênios? — Bonnie ergueu uma sobrancelha. — Matar os cães do inferno seria inútil. Eles voltariam logo em seguida. Vocês precisariam dar um fim ao contrato, cujo é claro, vocês não tem acesso.

Sam pegou o diário de John sobre a mesa, guardando-o de volta na mochila que havia trazido.

— Temos nossos contatos — completou Dean e eu compreendi a referência. Tratava-se de Crowley.

Bonnie bufou, revirando os olhos mais uma vez.

— Como eu sei que vocês não vão embora sem tentar me salvar... Tudo bem. Que seja.

{...}

A gélida noite tomou conta de Mulvane mais rápido do que eu esperava. O jardim e os arredores da pequena fazenda de Bonnie Hensley enegreceram-se facilmente e quase que em um piscar de olhos, e quando o relógio indicou que era dez horas da noite, eu quase não acreditei. Havíamos passado o dia inteiro na casa de Bonnie por precaução — naquele dia, faziam exatamente dez anos do pacto que Bonnie fizera. Farkle estava ansioso e a tempestade já dava sinais de aproximação. Preparados para a invocação, saímos da casa com os ingredientes — Dean e Sam os tinham no porta-malas do Impala — e posicionamo-nos no centro do jardim de Bonnie.

Dean posicionou o recipiente para o feitiço invocador sobre o chão e com a ajuda de Sam, ambos os Winchester lançaram os ingredientes dentro do utensílio. Pouco tempo depois, o isqueiro aliou-se aos ingredientes, incendiando tudo e revelando um Crowley nascido das chamas.

— Olá, meninos — saudou animado, dirigindo seu olhar à mim e à Bonnie. — E meninas. A que devo minha ilustre presença?

— Desfaça o pacto que um dos seus lacaios realizou com a Bonnie há dez anos atrás — ordenei. — Agora. 

Crowley observou-nos por alguns instantes, estático. Seu semblante sério desmanchou-se em uma expressão de puro escárnio e uma risada amarga ecoou pelo terreno.

— Desculpe, desculpe — pediu Crowley, tentando parar de rir e retomando o fôlego. — É que isso é hilário.

— O seu lacaio idiota não cumpriu a parte dele do acordo, o que não faz disso um verdadeiro pacto. Por mais que o trato ocorrera, ele não foi completo. Bonnie não pode morrer. É injusto — expliquei, tentando não perder a minha paciência com o idiota.

— Acontece, querida — o demônio traiçoeiro elevou seus supercílios e enterrou ambas as mãos em ambos os bolsos de seu sobretudo negro. — Que a vida não é exatamente como desejamos. Desculpe.

Antes que Crowley pudesse sumir, ergui meu braço para tentar da melhor maneira impedi-lo, mas ele foi mais rápido. Quando me dei conta, Crowley tinha o braço estendido na direção de Bonnie, impedindo que a mesma se movesse. Eu, Sam e Dean tentamos avançar na direção dele, mas ele apertou o punho, fazendo Bonnie sufocar. O demônio levou o dedo indicador aos lábios, pressionando o mesmo contra a boca.

Shhh. Um movimento e ela parte dessa para a melhor. Não tente nada, Beth. Minha mão está completamente preparada para quebrar o lindo pescocinho dela.

Paralisei e observei o sorriso de Crowley alargar-se ainda mais.

— Eu a deixarei em paz com uma condição — determinou ele, decidido a persuadir-nos a fazer o que ele desejava. — Se você, Lizzie, mostrar-me suas fantásticas habilidades matando meus cãezinhos. Eu trouxe três, e bem, facilitarei o seu trabalho. Um de cada vez. Dê o melhor de si, não morra e o contrato de Bonnie será rasgado em mil pedacinhos.

Suas palavras ecoaram por minha cabeça, sendo repetidas várias e várias vezes em minha mente, em tons cada vez mais distorcidos. Conforme eu tentava processar isso, Sam e Dean permaneciam paralisados, sem saber o que fazer. Dean me encarou, atônito.

— Deixa comigo — sussurrei, tentando manter a confiança.

Eu tinha que aceitar aquele desafio. Eu tinha que salvar Bonnie.

E por isso, balancei a cabeça para Crowley.

O jogo começou com o rosnado que ouvi atrás de mim.

Com certa lentidão e tomada pelo medo, girei nos calcanhares, deparando-me com a criatura horripilante e monstruosa da visão. O cão era ainda mais realístico. O pelo negro estava eriçado, evidenciando sua ferocidade. Os olhos vermelhos cintilavam na noite e a única coisa capaz de roubar a cena das outras duas aterrorizantes características eram as presas à mostra, encharcadas de saliva e colaborando para os grunhidos monstruosos e demoníacos que o animal — se é que aquilo era um  — emitia.

Eu podia enxergá-los. Eu tinha poderes. Eu era a filha de Deus. Eu podia derrotá-los.

Sem mais delongas, o animal correu na direção de Dean. Disparei o mais rápido que pude rumo ao Winchester mais velho, que se afastou e observou-me colidir estrondosamente com o cão infernal. Seu corpo rígido bateu contra o meu, fazendo-me urrar pela dor. Rolamos pelo gramado e Crowley ria, parecendo apreciar aquele momento. O cão debatia-se, rugindo e quase me deixando surda. Em movimentos atrapalhados, eu me debatia também, impedindo que a criatura me mordesse. Quando finalmente paramos de rolar bruscamente, a criatura ficou em cima de mim. Seus dentes e os olhos vermelhos reluziram mais ainda, preparados para me consumir em uma só mordida, mas então, eu lembrei-me do segredo.

Focar na minha âncora. Esquecer tudo em volta. Confiar em mim mesma.

A cintilante luz azul exibida por minhas órbitas iluminou o rosto da criatura horrenda, quase cegando-a pela proximidade. Com um soco descomunal, o cão infernal foi lançado-o para longe e bateu contra uma das árvores que rodeavam o jardim florido da senhorita Hensley. Desenhei uma linha no ar, fazendo um extenso corte no animal, que rugiu e urrou demonicamente pela dor. Após alguns espasmos, realizei outro corte, e dessa vez definitivo, dando um fim ao animal.    

Surpresa com a minha capacidade, observei minhas mãos. Limpei a sujeira das minhas roupas e só então percebi que Crowley havia parado de rir. Tudo que ouvi foi um estalo e outro cão saltou na minha direção.

De primeira, não pude me defender. Suas longas garras desferiram duas sangrentas aberturas em minha barriga e um grito agudo e carregado de sofrimento escapou dos meus lábios, inevitável. O cão, em cima de mim, tentou acertar uma mordida em meu ombro, mas eu desviei, empurrando-o com as poucas forças que me restavam e rolando para o lado para ganhar tempo.

Me ajoelhei da melhor maneira possível e encostei os dedos nas duas largas feridas em meu abdômen, observando o líquido grosso e avermelhado que cobria-os. O meu sangue.

Enfurecida com os ferimentos que o maldito pulguento me causara, levantei-me, reunindo tudo que eu tinha para dar. Canalizei meus poderes e minha força e no momento que o cão saltou em mim, fiz um movimento giratório com minha mão, quebrando o seu pescoço no ar e fazendo-o cair aos meus pés.

Sentindo o sangue encharcar a minha camiseta branca, pedi que Crowley mandasse o último cão. Sam e Dean assistiam tudo, impressionados até demais. Passei por cima da carcaça ensaguentada do cão infernal com um passo largo e posicionei-me no meio do jardim. 

O pior de todos estava por vir, e eu sabia disso só pelo rugido monstruoso que quase ensurdeceu-nos, preenchendo o terreno inteiro, não importava quantos malditos hectares ele tivesse, e por mais confiante que eu estivesse, senti mesmo.

A criatura gigantesca e alta até demais surgiu das sombras, mais lenta do que as outras, porém, muito maior. 

Não dei tempo para o cão realizar qualquer ato. Senti meus olhos tomando uma cor azul cérulea e brilhante e juntei minhas mãos. Em um único e simples movimento, com a ajuda da minha âncora, afastei as mãos uma da outra, fazendo o cão explodir e manchar tudo e todos com sangue e vísceras.

Família.

Assustada e mais surpresa ainda, virei-me para Crowley, que boquiaberto, abaixou lentamente o seu braço. Estalou os dedos e um largo papiro amarelado, extenso e pardo surgiu em suas mãos. Ele rasgou-o com cuidado, largando os resquícios do papel no chão. O demônio estalou os dedos novamente e os rasgos sumiram. Seu semblante sério denunciava que eu havia o surpreendido. Talvez tivesse deixado-o temeroso. Foi inevitável não sorrir, mesmo com a dor em meu abdômen pelos dois largos cortes do cão  — não contando, é claro, as dezenas e dezenas de arranhões e roxos espalhados por meu corpo pela briga.  

O sangue quente escorreu por minha barriga e Crowley sumiu, libertando Bonnie. Olhei para ela, tirando a jaqueta e sentindo os pingos de chuva se iniciarem rapidamente. Os poucos pingos logo tornaram-se uma enxurrada e eu pressionei a jaqueta contra minhas feridas, arfando.

— Não há de quê — eu disse ofegante, passando por Sam, Dean e Bonnie em direção à casa da ex-caçadora.

{...}

— Até agora você não disse obrigada — indiquei, bebendo um gole do café.

Apoiei-me com a cintura na bancada da cozinha de Bonnie. A mulher fez o mesmo, levando a xícara aos lábios e engolindo boa parte do líquido com certa rapidez. Aguardei pacientemente sua resposta. Quando terminou o longo gole, me encarou por alguns segundos, parecendo buscar as palavras certas em seu vocabulário.

— É porque eu não pedi por isso, e eu muito menos precisava ser salva — rebateu com ironia.

— Mas você foi. Não lhe custa agradecer — ergui uma sobrancelha.

Grunhi por conta da dor em meu abdômen, contraindo-me nas diversas ataduras que envolviam o local dos ferimentos. Bonnie bebericou mais uma vez o café, dessa vez, produzindo ruídos irritantes antes de prosseguir:

— Eu estou doente.

Quase cuspi o café que eu estava bebendo, pasma.

— O quê?!

— Me desculpe se você se machucou por causa minha, mas era por isso que eu estava conformada. Fui diagnosticada com leucemia recentemente. Eu não me importaria em ser morta pelos cães do inferno. Eu iria morrer de qualquer forma — explicou a ex-caçadora.

Descansei a caneca sobre o balcão bruscamente, posicionando uma das minhas mãos sobre o meu abdômen para, erroneamente, arrumar as ataduras que me incomodavam. Tentei processar aquela informação e franzi o cenho, quase que indignada.

— Então eu me machuquei à toa?

— Foi escolha de vocês — defendeu-se Bonnie.

Sacudi a cabeça positivamente, em um ato carregado de escárnio e ironia. Comprimi os lábios e entortei-os no sorriso mais falso existente na face da Terra, atravessando a cozinha de Bonnie sem me despedir. Encontrei Sam e Dean na sala da ex-caçadora, com as malas prontas para irmos, e arrastei-os para fora. Os dois foram obrigados a despedir-se rapidamente de Bonnie e logo já nos encontrávamos dentro do Impala, na estrada rumando a Lebanon.

— O que aconteceu? — perguntou Dean, estranhando meu comportamento.

— Bonnie está com leucemia.

Os Winchester se entreolharam, confusos.

— Oh... — concordam em uníssono.

Suspirei e atirei-me contra o banco. Minhas costas chocaram-se contra o acolchoado caramelo e eu grunhi mais um vez pela dor em meu abdômen. Fechei os olhos e pude ouvir Sam começar:

— Talvez Deus escreva certo por linhas tortas.

Meneei a cabeça e franzi o cenho, inclinando-me com dificuldade para espremer-me entre os dois bancos fronteiros. Estiquei meu braço na direção do rádio e liguei em uma estação qualquer, sentindo pontadas incômodas em meus ferimentos. Retornei ao banco de trás e praticamente cuspi as palavras, sem humor algum:

— Cala a boca, Sam.


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Notas finais do capítulo

Well babies, espero que tenham apreciado. Deth está cada vez mais próximo... Preparem os corações!

Beijos da sábia pastora para os sábios cabritinhos ♥

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