Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 21
Presságio


Notas iniciais do capítulo

Demorei? Demorei, mas o que importa é que estou aqui e que estou viva... Kkkk

Oi, cabritinhos! I'm back! Sentiram minha falta? Pois é, eu também senti a de vocês, afinal, foram quase duas semanas sem capítulos :( Enfim, eu não vou enrolar muito por aqui pois o capítulo está grandinho e eu espero do fundinho do meu coração que vocês gostem, porque eu admito, foi difícil exorcizar o bloqueio e terminar isso kkkkk apreciem, e lá em baixo, lhes reservo uma surpresinha. Inté!

P.S.: Tem um pequeno P.O.V do nosso baby Deanno no final do capítulo, não sei se esse será o último, mas foi só pra testar se vocês gostam... Se gostarem do estilo (tentei ser menos gay possível kkk), digam que eu posso pensar em fazer um capítulo narrado por ele.

P.S. 2: Em alguns trechinhos dos capítulos eu coloquei uns gifs (feitos por mim) que mostram a cena... Me digam se gostaram disso também que eu possivelmente produzirei mais kkkk.



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 — Ele disse o quê?!

Beberiquei o café devagar, disposta a deixar Dean no vácuo e irritá-lo com a minha demora para responder. Ele respirou fundo, parecendo furioso o bastante e eu me segurei para não rir, descansando a caneca sobre a mesa. Aliás, eu tinha que parar com essa mania do café. Estava me deixando viciada.

— Disse que reserva algo pior para mim — repeti, balançando a cabeça lentamente em afirmação.

— Ok, tudo bem, ótimo!  — ironizou ele, forçando um sorriso de nervosismo.  — Agora nós temos Lúcifer colado em nossas bundas.

Um suspiro vindo de Castiel chamou a atenção. O anjo, com os olhos pesados, remexeu-se na cadeira enquanto apertava a borda do cobertor grosso azul que descansava em seus ombros. As olheiras debaixo de suas órbitas azuladas eram mais do que evidentes. Ele dirigiu o seu olhar a Dean e a mim, com uma expressão cansada. Ele ainda estava se recuperando da tortura de Lúcifer.

— Eu não entendi essa referência — disse, aparentemente confuso.

Dean revirou os olhos enquanto eu procurava as palavras para acalmá-lo.

— Nós estamos bem, ok? — encarei Sam, Dean e Cas rapidamente. — Eu sei que nós não temos um plano, mas ao menos nós estamos bem. Cas está bem, eu estou bem, estamos todos bem. Sãos e salvos.

— Bem? — Dean ergueu as suas sobrancelhas. — Você chama ser ameaçado por Lúcifer de estar bem?

Permaneci em silêncio e dei um sorriso torto, constrangida.

— Ok, tanto faz. Seus pensamentos são previsíveis — alertou ironicamente. 

Também levantei minhas sobrancelhas, sentindo-me levemente ofendida com o comentário um tanto desnecessário do Winchester. Expirei pesadamente antes de me levantar da cadeira e me dirigir à cozinha. Abandonei a caneca sobre a pia, prometendo a mim mesma que a lavaria depois. Marchei até a biblioteca novamente e me aproximei da mesa que Sam, Dean e Castiel cercavam. Apoiei os braços na mesma, impulsionando o meu corpo para trás e sentando-me nela. Imaginei como seria se aquela mesa de carvalho fosse o Impala. Dean estaria me fuzilando friamente. Movi o meu olhar até o serafim entre nós, retraindo-se mais ainda sob o cobertor em suas omoplatas e ainda com um semblante exaurido marcado em sua face.

— E você, Cas? Você está bem? — interpelei-o sobre o assunto.

Castiel suspirou novamente e estreitou a sua visão até um ponto desconexo do cômodo.

— Não nos meus melhores dias, mas posso supor que sim — replicou evasivamente, parecendo não prestar muita atenção na conversa e com um tom de voz evidentemente desestimulado.

— Posso ser sincera? Não parece — contrapus, cruzando os braços e posando a contragosto como uma verdadeira mãe para Castiel. 

Ele deu de ombros, denunciando o seu desinteresse em falar sobre aquilo. Crispei os lábios, quase deixando que outra lufada fugisse deles. Descruzei os braços e descolei o cóccix da mesa de carvalho. Antes que eu pudesse me locomover até a escadaria que levava ao andar posterior a fim de tomar um belo e relaxante banho, a música Back in Black  — passei tanto tempo com Dean dentro de sua baby que ele fez eu me tornar uma admiradora de AC/DC — ecoou por meus ouvidos, fazendo-me volutear em meus próprios calcanhares. Foi impossível não elevar as sobrancelhas pela milésima vez naquele mesmo dia enquanto eu me mantinha atenta à Dean, que resmungava por estarem ligando para ele. Com uma visível carranca, ele recolheu bruscamente o celular do bolso da calça, mas pareceu visualizar algo diferente no visor. Imediatamente, franzi o cenho, desentendida. O Winchester mais velho olhou de soslaio para o irmão antes de atender, me deixando em uma curiosidade quase que infinita. Seus dedos tocaram o celular e eu supus que ele teria colocado o aparelho no viva-voz.

— Garth Fitzgerald! Que surpresa mais... — antes que ele pudesse sibilar algum insulto para o indivíduo nada familiar para mim, ele pareceu recordar-se de que não seria muito cordial, dando um sorriso torto a fim de consertar. — Agradável!

Hey, Dean! — saudou o tal Garth, com uma euforia invejável em sua voz. — Por acaso você e Sam andam ocupados?

Sam e Dean entreolharam-se por alguns segundos antes que Dean pudesse retornar sua atenção à ligação.

— Talvez. Por que a pergunta? — quis saber, fazendo uma careta inevitável.

Eu preciso da ajuda de vocês com um... Digamos que é um caso — explicou. 

Samuel levantou-se da cadeira para aproximar-se do irmão. Apoiou as mãos sobre a mesa e encarou Dean antes de interferir na conversa:

— Ei, Garth, aqui é o Sam — indicou visivelmente apreensivo. — Que tipo de caso?

Estou em Grapevine, no Texas. Uma idosa, aparentemente, foi visitada por um ser maligno e está espalhando pela comunidade que o fim está próximo. Todo mundo acredita nela, afinal, o bairro inteiro é religioso e adora a freira O'Neil.

Segurei a vontade de caminhar até eles e dialogar com o tal Garth, afinal, ele nem mesmo sabia quem eu era. Achei que fosse um pouco indelicado, por isso, permaneci onde eu estava. Dean resmungou algo compreensível.

— E o que diabos prova que isso é mesmo um caso? A velha pode muito bem estar louca — contrariou, carregado de teimosia.

Opa, opa, será que pode dosar a sua ignorância? — pediu Garth, soltando uma risadinha e logo em seguida, pigarreando, como se a partir dali ele estivesse falando sério. — Bem, quatro frequentadores da igreja morreram recentemente. A sra. O'Neil ia ser presa, mas os tiras mencionaram algo sobre não haver marcas de arrombamento e sobre as casas das vítimas estarem completamente trancadas durante a hora de suas mortes. Todas morreram à noite com cortes profundos no pescoço. Se meus cálculos estão corretos, trata-se de um demônio. Isso é uma prova para você, Mister Não-Tenho-Paciência-Com-Ninguém?

A fisionomia irritadiça de Dean desenvolveu-se em uma expressão de fracasso. Cobri a boca com as mãos, engolindo o riso que desejava arduamente escapar da minha garganta. Um grunhido baixo infelizmente conseguiu livrar-se do aperto das minhas mãos, chamando a atenção do Winchester mais velho, que pareceu incomodado pelo fato de eu estar rindo de sua impaciência. Pisquei algumas vezes, estática, enquanto ele meneava a cabeça e voltava à conversa.

— É. Faz — admitiu, revirando os olhos. — Você já entrevistou a freira?

Não. É justamente por isso que liguei. Estava esperando uma resposta de vocês, afinal, estou com saudade! Mesmo sendo um lobisomem, isso não significa que eu possa caçar uma vez ou outra... E preciso confessar, caçar com amigos é bem mais divertido! — ele respondeu animadamente enquanto Dean aparentava surpreender-se com o vigor de Garth.

Mesmo depois que ele mencionou que era um lobisomem, não me surpreendi e nem por isso deixei de acreditar no sujeito. Por sua desenvoltura ao conversar com Dean no telefone, imaginei que eles se conheciam há tempo, e se Sam e Dean confiavam nele, por que eu não deveria? O fato de ele ser um lobisomem não era um grande problema, afinal todos éramos aberrações. Eu era uma filha ridícula de Deus, quem era eu para opinar? Para mim estava tudo bem, se ele não tentasse me devorar ou algo do tipo, mas como Sam parecia muito tranquilo falando com Garth, deduzi que ele deveria ser algo como um lobisomem vegetariano.

Oh, e perdão pela minha falta de educação! Você disse que talvez estivessem ocupados... Aconteceu alguma coisa?

Dean me encarou por alguns instantes, deslizando a língua pelos lábios como costumava fazer em momentos de distração. Dei de ombros enquanto recolhia um elástico preso em meu pulso, prendendo-o ao meu cabelo e deixando-o erguido em um rabo de cavalo mal feito e com vários fios soltos.

— Nada demais. Nós nos encontramos em...

Antes que Dean pudesse continuar, Garth o interrompeu:

Levando em conta o tempo que você demorou para responder, tenho certeza de que é algo ao menos significativo. Anda, Dean, fala logo.

Ele revirou os olhos antes de tomar fôlego e responder evasivamente:

— Nós estamos à procura de uma maneira de prender Lúcifer novamente na jaula com a ajuda da filha de Deus.

Um silêncio embaraçoso instalou-se entre todos nós. Castiel, que não parecia estar entendendo a maior parte da nossa conversa, tossiu, quebrando o silêncio sem intenções. Dispensei o fato de que Garth não me conhecia, marchei até Sam e Dean e me enfiei no meio dos dois, apoiando minhas mãos na mesa.

— Hey... Garth, certo? Eu sou Elizabeth, a filha de... Certo, não preciso repetir isso. Nós vamos ajudar você, ok? — deixei-o a par de tudo enquanto Sam e Dean me encaravam como se eu fosse uma verdadeira alienígena. — O quê? Achei que seria melhor se eu esclarecesse — murmurei, justificando.

Bufei e logo, Garth completou:

Hey, Elizabeth! Ok. Aliás, Lúcifer? Parece complicado... Nada que os Winchesters não resolvam! Bem, meu estômago está parecendo um tiranossauro rex nesse instante e se me permitem, vou desligar para poder comprar algo para me abastecer. Me encontrem no hotel Hyatt Place Dallas amanhã às dez horas, ok? Hasta la vista!

Dito isso, Garth encerrou a ligação. Dean suspirou e apanhou o celular, guardando-o no bolso. Em seguida, parou para me observar e eu sorri ironicamente, dando as costas para ele e tomando rumo ao andar posterior para enfim banhar-me.

{...}

Saí do Impala, fechando a porta atrás de mim. Enquanto caminhávamos em direção ao Hyatt Place Dallas, eu já pensava na tortura que seria vestir o disfarce de agentes do FBI. Eu simplesmente odiava aquelas saias justas, as mesmas me faziam sentir completamente espremida. Atravessamos a porta de entrada e eu percorri os olhos pelo lugar, reparando em um homem que vinha em nossa direção.

Seus cabelos eram curtos e acastanhados, dignos de uma franja lisa e diagonal que caía por sua testa. Uma barba da mesma cor rodeava seu rosto rosado e suas orelhas e nariz eram grandes, dando-lhe uma aparência extremamente adorável. Os olhos castanhos pareciam ser naturalmente pequenos, seu corpo era magro e como sempre, ele era bem mais alto do que eu, quase alcançando a altura de Dean. Ele caminhou até nós e surpreendeu Dean com um abraço caloroso, do qual eu reprimi uma risada. Garth apertou Dean com toda a força e ele quase sufocou. Quando ele percebeu isso, se afastou e foi até Sam.

— Oi, Sammy! Quanto tempo! — exclamou antes de fazer o mesmo com Samuel.

— É, certo, oi... Garth — sibilou, provavelmente sentindo-se um pouco incomodado com aquela demonstração de amizade completamente constrangedora. Pelo menos para ele, é claro. Achei até fofo.

Garth chacoalhou um pouco o grandão e depois soltou-o, com um leve sorrisinho no rosto. Seus olhos me atingiram e no mesmo momento ele veio em minha direção. Supus que ele me cumprimentaria, então, ergui a mão, mas fui surpreendida por um puxão vindo do caçador — caçador, lobisomem, tanto faz —, que contra a minha vontade abraçou-me calorosamente. Sam e Dean estavam certos — ele conseguia dar abraços bem sufocantes. Acho que Garth logo percebeu isso e me deu um crédito por eu ser menos forte do que Sam e Dean, me afastando antes que eu morresse estrangulada.

— É um prazer conhecê-la, Lizzie! Eu sou o Garth! — dessa vez ele finalmente ergueu a mão para um cumprimento formal.

Naquele momento, foi como se tudo ao meu redor simplesmente congelasse. Lizzie... Aquele apelido. O apelido que meu pai havia me dado em meu devaneio causado pelo djinn. Aquela palavra era como uma granada para mim, e naquele momento, Garth havia a explodido, abrindo as feridas que recentemente haviam sido cicatrizadas. Senti minhas pálpebras pesarem sobre os meus olhos e os mesmos lacrimejarem, ansiando para poder derramar uma gota salgada e discretamente expelir a dor. Olhando para a mão de Garth, completamente estática, fiz o caminho de volta até o seu rosto com os meus olhos, me apressando em apertar a sua mão.

— Eu sei — eu disse, amaldiçoando-me por minha voz ter saído tão fraca.

Garth pareceu não perceber minha reação diante do apelido e ele não teria motivo para perceber, afinal, ele não sabia nada sobre mim fora o meu nome e minha maldita origem. 

Nos registramos no Hyatt Place Dallas e não perdemos tempo em percorrer o extenso hotel com as malas rumo ao nosso humilde quarto. Quase que no automático, quando percebi, nós já estávamos todos juntos no Impala seguindo até a igreja da sra. O'Neil e eu, como sempre, estava usando aquelas roupas ridículas de agente do FBI. Quando eu vim à Terra, eu não fazia ideia de que a minha raça poderia ser tão... Não geniosa. Qual é o problema de agentes de FBI usar jeans, afinal? Perguntas e mais perguntas para as quais eu provavelmente nunca teria resposta. Meneei a cabeça, tentando afastar os devaneios enquanto marchávamos em direção ao altar da igreja, onde uma freira  — provavelmente a sra. O'Neil — e uma garota conversavam.

Aproximamo-nos sorrateiramente e pudemos ouvir uma parte da conversa entre a freira e a garota conversavam. As duas dialogavam em sussurros, falando rapidamente e com urgência. A sra. O'Neil parecia esbaforida e os lábios se moviam rápido. As palavras que saíam de sua boca eram como um relato temeroso — ela estava começando a contar para a garota sobre o que ela viu, eu soube disso por ter conseguido ler seus lábios quando pronunciou "ser maligno". Não tardei em interromper a conversa das duas ou a garota poderia ser uma das próximas vítimas de seja lá o que for que estava assombrando a sra. O'Neil.

— Senhora O'Neil? — perguntei, me aproximando com os Winchester e Garth em meu encalço enquanto eu recolhia o distintivo e exibia para a idosa. — FBI. Eu sou a agente Young e esse são os meus parceiros, agente Johansson, agente Lahey e agente Meyers. Gostaríamos de fazer algumas perguntas a você, se a sua companheira estiver de acordo — olhei de soslaio para a garota de aparentes quatorze anos me fuzilando friamente.

— Willie, querida, depois nós conversamos, ok? — pediu a senhora após deslizar carinhosamente as mãos pelo cabelo da menina. A tal Willie se afastou com feições indignadas e a idosa deslocou sua atenção até nós. — Sim?

Sam se posicionou ao meu lado, olhando-me rapidamente e começando a gesticular:

— A senhora andou vendo coisas, não é mesmo?

— Oh, certo, isso chegou ao FBI... — ela desviou o olhar, constrangida. — Eu não estava vendo — completou, com os olhos cerrados e dando ênfase à última palavra. — Um ser maligno realmente me visitou, mas como todos os outros, vocês não acreditarão em minha pessoa.

Suspirei, olhando de relance para os irmãos e Garth. Dei um sorriso amigável para a senhora.

— Bem, pode apostar que acreditamos. Mas acho que a senhora sabe que não deve ficar espalhando por aí sobre o ocorrido...

— Está me culpando, agente Young? — a idosa ergueu uma sobrancelha sugestivamente.

— Não foi isso que eu quis dizer.

Novamente, Samuel interferiu:

— Senhora O'Neil, as pessoas ficam assustadas com relatos desse tipo e ninguém está culpando a senhora, ok? Além do mais, queríamos perguntar a você o que exatamente o... Ser maligno lhe disse e como ele era.

— Vocês querem mesmo saber?

A sra. O'Neil esfregou as mãos uma na outra enquanto contemplava a incomparável e bela arquitetura da igreja. A vidraçaria colorida representando imagens de Jesus me deixaram reflexiva. Todas aquelas representações e o lugar em si me fazia inevitavelmente recordar-me do meu pai. Me fazia pensar se algum dia eu o conheceria de verdade. Voltei minha atenção à freira, balançando a cabeça em afirmação na direção dela.

— O ser disse que o fim estava próximo. Me contou que Lúcifer havia retornado à Terra... Estou tão assustada! — desabafou ela, pousando a mão franzina sobre o peito. — Eu fiquei completamente horrorizada e não sabia o que fazer, por isso, saí espalhando por aí. Eu não sabia quais eram as consequências e as pessoas que morreram foram justo para as quais eu contei. Eu sei que não é a minha culpa, mas é inevitável não me sentir culpada...

— Você não precisa se sentir culpada, sra O'Neil — tranquilizou Garth, colocando a mão no ombro da senhora. — Você só ficou nervosa. É completamente compreensível.

A freira assentiu, voltando a encarar a vidraçaria colorida da igreja enquanto permitia que um longo suspiro fugisse de sua boca.

— Depois que aquelas pessoas morreram, eu parei de contar para as pessoas. Sou eternamente grata por vocês terem interferido minha conversa com a minha neta Willie... Ela é uma jovem extremamente curiosa, e ela já estava me perturbando faz tempo para eu contar a ela sobre o ocorrido, e por isso, eu ia ceder... Obrigada — ela agradeceu, comprimindo os lábios esbranquiçados. — E sobre a aparência do ser... Eu sei o que ele era. Era um demônio. Ele mesmo me disse. Deus... — ela suspirou. — Nunca estive tão aterrorizada.

Nos entreolhamos rapidamente antes de poder dar espaço para a sra. O'Neil continuar a falar.

— A pobre pessoa que ele estava possuindo estava morta. A polícia fez um retrato falado do sujeito e eu descobri que ele estava morto. Morreu antes mesmo do demônio me visitar, e é principalmente por isso que a polícia não acredita em mim. Eu achei o meu refúgio contando aos fiéis sobre o ocorrido, somente eles acreditavam em mim e possibilitavam a minha fé. E eu sei que foi ele quem matou todas essas pessoas — lamentou.

Algumas lágrimas pesadas fizeram uma trilha molhada pelo rosto enrugado da senhora e eu sorri sem descolar os lábios. Me permiti levar a mão até o braço da senhora, acariciando-o de leve. Ela pareceu reconfortada por isso, pois um mínimo sorriso surgiu na face da sra. O'Neil.

— Me desculpem, não há mais nada que eu possa fazer para ajudá-los.

— Tudo bem, sra. O'Neil. De qualquer forma, fique com o meu cartão. Sou o agente Meyers — Dean estendeu o pequeno pedaço de papel para a senhora, que apanhou-o instantaneamente.

A freira analisou o cartão nas mãos, fungando.

— Tudo bem. Muito obrigada, queridos — ela agradeceu e fez uma pequena reverência educada, afastando-se e caminhando em direção aos fundos da igreja.

Soltei uma lufada de ar enquanto observava a idosa deixar calmamente o recinto. O estado de choque da freira certamente me convenceu. De alguma maneira, eu a entendia. Eu sabia como era carregar um fardo. No caso dela, ela era a velha louca que insinuara que vira um demônio. Eu era a filha de Deus. Ambos éramos como lendas. Os que acreditavam em nossos testemunhos eram poucos. A agonia da senhora era bastante visível.

E com esses pensamentos, fomos até uma lanchonete próxima a igreja pelo fato de Dean estar sedento — ou melhor, faminto  — por mais uma daquelas bombas calóricas, mais conhecidas como hambúrgueres. Não podemos esquecer o complemento das mesmas nas quais Dean não parava de falar, as famosas batatas fritas. Eu quase disse a ele que aquele era o ingresso dele para uma cirurgia cardíaca, mas decidi me conter, já que ele costumava ficar ofendido diante daquelas piadas e ofender sua comida favorita parecia bem pior do que ofender o próprio Dean.

Após estacionarmos e descermos do carro enquanto eu resmungava sobre a saia apertada do disfarce, atravessamos a porta da pequena e aromática lanchonete. O sino acima dela soou quando abrimos a mesma, indicando nossa entrada. Procuramos por uma mesa e eu não pude deixar de prestar atenção em Dean, que passava os olhos pelo local inteiro em busca de um maldito cardápio.

Sentamo-nos e eu não consegui parar de pensar na sra. O'Neil e sua situação. Aquilo era realmente pesado. A sua aparência denunciava a bigorna invisível que provavelmente caía sobre os seus ombros. Eu me identificava com ela de uma maneira completamente inexplicável, e inevitavelmente, criei um afeto pela senhora, assim como criei por Maya. Eu não deveria, afinal, a vida de caçador  — acho que posso me considerar uma  — não permite criar laços com nenhuma futura vítima ou envolvido na situação, pois já se sabe que você abandonará o indivíduo. Até mesmo me pergunto quantas vezes Sam e Dean passaram por essa situação de se envolver com alguma... Garota... E ter que deixá-la. 

Olhei para os lados e notei que o garçom caminhava na direção da nossa mesa. Dean fechou o cardápio enquanto Sam ria da euforia do irmão em relação à comida. Observei Samuel pegando o laptop na mochila que ele havia trazido do Impala e o garçom finalmente se aproximou.

— O combo número 5, por favor! — pediu Dean, antes que o atendente pudesse dizer uma palavra sequer.

— Hambúrguer de bacon, fritas com queijo e um refrigerante quinhentos ml? — confirmou o garçom, anotando tudo rapidamente.

Dean assentiu com um sorriso no rosto. Garth pediu panquecas, Sam pediu a sua típica salada e eu decidi que não queria nada além de um café. Quando o atendente se afastou, o Winchester mais velho me fitou como se eu tivesse causado a fome na África.

 — Estamos na lanchonete mais famosa da cidade e tudo que você pede é um café? Nem mesmo uma salada como o Sammy? — satirizou, realmente surpreso.

— Desculpe, sr. Artérias Entupidas, mas eu não tenho muito interesse nessas bombas de gordura que você ingere semanalmente  — eu sorri me levantando da cadeira.  — Vou ao banheiro.

Dei risada de Dean, que ainda me observava estupefato. Marchei até o toalete da lanchonete, sentindo um breve enjoo. Meu estômago parecia estar dando algumas cambalhotas dentro da minha barriga e eu não sabia o motivo, mas estava suando frio. Algo estava acontecendo. Eu não sabia o que exatamente,  mas naquele exato momento, eu senti. Senti que algo se reerguia. Abri a porta do banheiro, escancarando-a, e cambaleei para a frente do espelho. 

Encarei o meu reflexo no vidro e percebi o quão pálida eu estava. Apoiei as mãos no espelho e abaixei a cabeça, lutando contra a falta de ar e a ofegância na qual eu me encontrava. Um pressentimento terrível tomava conta de cada parte do meu corpo, e parecia tratar-se de algo extremamente bíblico. 

Me apressei em lavar o rosto, jogando a água gélida sobre minha face em uma inútil maneira de acordar. O líquido frio, quando chocou-se com a minha pele, me proporcionou um alívio instantâneo. O enjoo parecia ter passado de repente e o suor já não se encontrava no meu corpo. Minha palidez havia se esvanecido e eu estava com a minha aparência normal novamente. A falta de ar também havia ido embora e o oxigênio parecia fluir facilmente em meus pulmões. Estranho, muito estranho.

Respirei fundo e lavei o rosto mais uma vez. Arrumei os cabelos em uma tentativa de deixar os fios um pouco menos assustadores e coloquei um pé para fora do banheiro, mas assim que eu pisei, ouvi o meu nome. Vinha da mesa onde Sam, Dean e Garth estavam sentados e Garth o mencionara. Encostei-me na parede do banheiro antes que eles pudessem ver e procurei ouvir atentamente a conversa deles.

— Ela é gata — Garth deu uma risadinha. — Ela está solteira, por acaso?

— Sim, mas não está disponível — avisou Sam. Eu não podia ver sua expressão facial, mas seu tom era sério.

— Mandou bem, tigrão! — elogiou Garth, provavelmente dando um empurrãozinho em Sam.

Não estou disponível? Me perguntei o que ele quis dizer com isso. Franzi o cenho, reprimindo uma lufada de ar que eu pretendia soltar.

— Não se trata de mim — completou Samuel. — Se trata do Dean.

Dean? Oh, droga. Comprimi os lábios e fechei os olhos, com medo do rumo que o assunto tomaria. Um suspiro ecoou por meus ouvidos e eu deduzi que vinha de Dean. O que ele diria? Quase que de repente, me encontrei em uma pilha de nervos.

— Sam está brincando — negou sarcasticamente o Winchester mais velho, mas de maneira ou outra eu podia sentir a hesitação em sua voz.

— Não parece que esteja — contrariou Garth. — Anda, Dean, nós somos amigos. Você não precisa bancar o Sylvester Stallone com a gente. 

Me perguntei também porque nunca conseguia entender as referências. Cerrei os punhos, tentando me concentrar na conversa mais do que eu já estava concentrada.

— Você e o Sammy sempre foram tão insistentes?

Silêncio. Dean suspirou outra vez, dessa vez aparentemente mais irritado.

— É como eu já disse para o Sammy, eu não sei o que eu sinto. Eu realmente não sei — explicou evasivamente. — E eu sei que isso soa extremamente gay, mais do que eu quero que soe, mas é a verdade. Me sinto um verdadeiro marica dizendo isso. 

Mais silêncio. O terceiro suspiro de Dean.

— Agora, com ela bem, inteira, sã e salva e afastada de mim, é como qualquer outra pessoa. Quando ela está afastada e machucada é outro caso... 

Ele fez uma pausa e eu engoli em seco. Não precisava me olhar no espelho para saber que o meu pomo de adão estava visível em meu pescoço.

— Mas quando eu estou perto dela... Eu não sei. Algo acontece... E eu não consigo explicar. 

As palavras dele surtiram um efeito inexplicável em mim. Cada pelo do meu corpo se arrepiou naquele mesmo instante. A sua voz, ele pronunciando aquilo, soava tão diferente. E eu perguntei a mim mesma porque eu parecia sentir o mesmo. Por quê? Eu simplesmente não sabia o motivo. Não sabia o que era aquilo que ele me fazia sentir e por que ele causava aquilo em mim. Eu não sabia explicar, mas de alguma forma, eu sentia o mesmo. Não queria sentir, de fato não, mas eu sentia, e parecia cada vez mais inevitável negar aquilo para mim mesma.

Puxei todo o ar que consegui e saí do banheiro, tentando fingir que nada havia acontecido. Sam, Dean e Garth notaram que eu voltava para a mesa e imediatamente fizeram uma pose de que nada realmente havia acontecido. Dean pigarreou e Garth deu um sorriso torto. Franzi o cenho e sorri também, fazendo uma breve encenação.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei com urgência, agradecendo mentalmente por minha voz não ter tremido.

— Não — respondeu Dean, estreitando o olhar. — Definitivamente não.

Interrompendo a pergunta que eu pretendia fazer, o garçom se aproximou, trazendo as panquecas de Garth, a salada de Sam, o meu delicioso e aromático café e o combo calórico de Dean. Eu não era capaz de compreender como Dean mantinha a boa forma entupindo-se daquelas porcarias. Sentei na cadeira e agradeci ao atendente, que deixou-nos sozinhos. Dean já partiu para cima do hambúrguer, devorando-o rapidamente. Garth comia com classe e Sam mal dava atenção à salada, mais concentrado em seu laptop.

Já eu estava completamente emersa em meus pensamentos, bebendo o líquido quente da porcelana entre as minhas mãos compulsivamente. E somente uma coisa era capaz de dominar os meus pensamentos naquele momento  — o caçador. Ele.

Dean Winchester.

{...}

Já estávamos em Grapevine já fazia um dia e toda informação que conseguíamos não nos levava a absolutamente nada. Todavia, não podíamos deixar a cidade, pois as pessoas para as quais a sra. O'Neil havia relatado o encontro com o demônio estavam em constante perigo. Suspirei, deslizando o traseiro na cadeira desajeitadamente enquanto jogava a cabeça para trás e resmungava coisas quase incompreensíveis.

— Bem, parece que estamos no fundo do poço — queixou-se Garth, dizendo o óbvio.

Antes que todos pudessem falar qualquer coisa, um celular começou a tocar. O toque Back In Black deixava evidente que tratava-se do celular de Dean. Ele revirou os olhos e recolheu de má vontade o aparelho do bolso, parecendo surpreso com o que estava no visor. Ele ergueu o aparelho para que todos pudéssemos vê-lo e tratava-se de um número desconhecido. O Winchester mais velho fez uma careta e levou o celular à orelha.

— Alô? — ele fez uma pausa e a pessoa do outro lado da linha pareceu surpreendê-lo, pois ele abriu a boca. — Sra. O'Neil...

Dean tirou o telefone da orelha, cutucou a tela — provavelmente colocando a ligação no viva-voz  — e descansou o aparelho sobre a mesa de carvalho do quarto do hotel.

Agente... Eu estou tão assustada... O ser maligno... Ele... Ele...

— Senhora, aqui é a agente Young — apresentei-me, tentando tranquilizá-la. — O que aconteceu?

Ele voltou... Ele veio na minha casa... Usando a casca de alguém que eu conheço... Ele me ameaçou... Disse que... Disse que vai me matar! — a voz da idosa era trêmula. Eu podia sentir o medo que ela sentia.

— Fique calma — encorajei, apertando as unhas contra a palma da minha mão. — Estamos a caminho.

Após a sra. O'Neil passar-nos o seu endereço, Dean apanhou o aparelho e guardou no bolso. Sem nos preocuparmos com a roupa casual que vestíamos, partimos às pressas rumo à casa da freira. O caminho foi um silêncio total  — a tensão pairava de maneira avassaladora no ar. Me senti completamente aliviada quando estacionamos em frente à pequena e adorável casa pintada em belos tons de azul claro da sra. O'Neil. Saltei do carro acompanhada de Sam, Dean e Garth e quando vi, já estava em frente à porta, batendo com tanta força na porta que os nós dos meus dedos ficaram brancos. Eu estava realmente preocupada com a senhora.

A porta em um tom bonito de caramelo se abriu e revelou a idosa, com o rosto molhado de lágrimas. A mão franzina estava apoiada no peito, indicando sua comoção e seu temor. Eu inevitavelmente abracei-a, como uma maneira de consolo. Senti alguns pequenos soluços da senhora contra o meu ombro e tentei passar o máximo de energia positiva que eu pude para ela. Afastamo-nos e ela abriu o caminho, pedindo silenciosamente que entrássemos.

Caminhei junto dos Winchester, de Garth e da sra. O'Neil até os dois largos sofás no centro da sala da casa e sentei em um deles ao lado da sra. O'Neil, enquanto Sam, Dean e Garth sentavam no sofá na nossa frente. Observei a sra. O'Neil, que limpava as lágrimas com as costas da mão e lentamente apontava para as xícaras de café na mesinha de centro.

— Fiz um café para esperá-los. Sirvam-se — ela pediu com a voz fraca.

Aceitei a sugestão dela e peguei uma das xícaras de porcelana enfeitadas com lindas flores pintadas. Os meninos também aceitaram a proposta e logo estávamos todos a postos, prontos para ouvir atentamente o relato da freira.

— Foi Theodore Barnes. Ele mora a algumas quadras daqui, na St. Chapman, 458 — contou enquanto segurava desajeitadamente a porcelana entre os dedos finos. — O ser maligno, cujo me recuso a chamar daquilo... Bem, ele veio até aqui e... — ela fungou, apertando as pálpebras contra os olhos antes de continuar. — Disse que ia me matar se eu contasse para vocês que ele esteve ali. Disse que ia matar vocês também. Contou-me sobre o apocalipse e sobre Lúcifer precisar derrotar uma tal filha de Deus para dominar o mundo, e...

Congelei onde eu estava. A sra. O'Neil pareceu perceber isso, pois de acordo com seu semblante e com o modo que ela me encarava, ela parecia estar me perguntando mentalmente o que havia de errado. Pisquei algumas vezes, tentando digerir as informações e voltei a fitá-la.

— A filha de Deus sou eu — eu gaguejei, pousando a xícara de café já vazia na mesa de centro. — Nós, na verdade, não somos agentes do FBI. Perdoe-nos por enganá-la. Somos caçadores, matamos esse tipo de coisa e estamos aqui para ajudar a senhora. Eu sou a Beth, eles são Sam, Dean e Garth.

A idosa sorriu.

— Eu sempre soube. Vocês crianças não sabem fingir muito bem...

Eu sorri de volta para ela.

— Está tudo bem, sra. O'Neil. Fique tranquila. Nós vamos dar um jeito nesse demônio — tranquilizou Sam, com aqueles típicos olhos de cachorrinho que caiu da mudança.

— Obrigada — ela agradeceu, parecendo mais calma.

— Ok, muito bem. Beth, você, o Sammy e o Garth vão até a casa desse tal Theodore e eu fico aqui com a sra. O'Neil — sentenciou, gesticulando.

— Eu não estou de acordo com isso — expus, olhando para a freira de relance.

Dean me encarou como se eu fosse algum tipo esquisito de alienígena. Já eu não vacilei, continuei em minha posição. Ele revirou os olhos e deu de ombros, levantando-se junto de Sam, Dean e Garth. Acompanhei-os até a porta enquanto a sra. O'Neil ficava na sala. Enquanto Sam e Garth continuaram andando até o carro, Dean parou nas escadas que davam para a porta. Eu estranhei o seu ato, e então, ele girou nos calcanhares, ficando cara a cara comigo. 

Quando nossos olhares se encontraram, outro maldito choque percorreu o meu corpo inteiro. Fiquei estática, paralisada, incapaz de mover um músculo sequer. Meus dedos envolveram a borda da porta com força e cada parte do meu corpo estava rígida. Eu não entendia por que os olhos verdes do caçador conseguiam mexer tanto comigo. Dean, como de costume, passou sutilmente a língua pelos lábios e rolou os olhos pelo ambiente, tornando a encarar-me.

— Se cuida — ele disse, mais como um pedido.

Engoli em seco, forçando um sorriso.

— Eu vou.

Dean assentiu, deu as costas e marchou até o Impala, onde Sam e Garth já o esperavam. Encarei o dia nublado e suspirei, enfim fechando a porta. Voluteei em meus calcanhares e encostei-me na porta, emitindo um longo e pesado suspiro. Me recompus e voltei até a sala, onde a sra. O'Neil me aguardava com um sorriso misterioso no rosto.

— O quê? — franzi o cenho.

A idosa deu uma risadinha.

— Vocês dois, hun? Dois pombinhos apaixonados...

Apaixonados. O que ela quis dizer com isso? Pombinhos? 

E a sua frase me fez refletir. Será que era isso que eu sentia por Dean? Paixão? Amor? Eu não sabia. Meus sentimentos eram tão confusos que nem mesmo eu sabia decifrá-los. Tentando me livrar dos devaneios, meneei a cabeça, sorrindo para a senhora.

— Nem mesmo eu sei, sra. O'Neil...

{...}

Foi inevitável não rir da história que a sra. O'Neil me contava. Inclusive, quase me engasguei com a terceira xícara de café do dia  — o que provavelmente impediria uma boa noite de sono, mas valia a pena  — diante das histórias hilárias vividas por sua neta Willie. A sra. O'Neil era uma idosa incrivelmente bem-humorada e mantê-la segura nunca parecera algo tão fácil e divertido. Interrompendo nossas conversas, o telefone dentro do meu bolso alarmou estridente, indicando uma ligação.

— Um minutinho — pedi, erguendo o indicador. 

Me levantei do sofá e me afastei da sala, me aproximando da porta de entrada. Atendi a ligação e levei o aparelho ao ouvido, preparando-me para as informações que Dean me daria.

— E então? — perguntei, elevando uma das sobrancelhas.

Más notícias — ele anunciou de mau humor, fazendo com que eu desse um tapa na minha própria testa. — Nós fomos até a casa desse Theodore e os vizinhos disseram que ele estava no hospital.

— E? — franzi o cenho, não entendendo.

E, quando viemos até o hospital, ficamos sabendo que ele está em coma já fazem dois anos. O que significa que a sra. O'Neil mentiu.

Meus lábios tremeram e eu tentei dizer algo, mas as palavras se recusavam a sair da minha boca.

Está no corpo dela agora, então eu sugiro que você corra para as colinas. 

Deslizei o telefone pela orelha lentamente, sentindo-me ofegante. Trêmula e relutante, virei na direção da sala, com medo do que me aguardava. E eu estava certa.

A sra. O'Neil estava de pé e assim que eu a encarei, ela lançou a xícara para longe, que espatifou-se no chão e derramou café por todos os lados. Eu não conseguia acreditar que eu havia caído na lábia infalível e nas mentiras do demônio. Aquele bastardo estava aprisionando aquela doce senhora que não tinha culpa de nada, e a raiva me dominou. Infelizmente, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a idosa possuída partiu para cima de mim, piscando e revelando negros e obscuros olhos demoníacos.

Beth? Beth! — ouvi Dean exclamando no telefone enquanto eu estava estática encarando a senhora.

Eu havia acreditado nela e me comovido com ela. Talvez fosse por isso que eu fui incapaz de revidar quando o demônio lançou-me para longe, fazendo minhas costas e minha cabeça chocassem contra a parede com uma força descomunal. Uma dor excruciante apossou-se de uma grande área da parte trás do meu corpo, desde a lombar, até as escápulas e o topo da cabeça. A risada rouca que o demônio emitiu sob a velha casca não foi digna de uma idosa. Foi uma voz distorcida e demoníaca, que fez cada pelo do meu corpo ficar eriçado.

— Quem diria que a filha de Deus poderia ser tão... Suscetível? — o demônio sorriu, mas em seguida, meneou a cabeça, repreendendo a si mesmo. — Não, não... Existe uma palavra melhor para isso. Ingênua.

Permaneci em silêncio. Toda a coragem que eu havia adquirido desde que eu havia obtido controle sobre meus poderes se esvaíra naquele exato momento. Eu me sentia fragilizada, traída e enganada. Eu havia acreditado no bastardo.

— Basta uma casca enrugada e você já se torna extremamente sensível? — satirizou.

O demônio ergueu o braço e cravou as unhas na palma da mão. Diante daquele ato, meu pulmão respondeu como se parasse de bombear o ar. O oxigênio ia indo embora aos poucos e o aperto da sua tentativa de estrangulamento era extremamente forte. Pisquei algumas vezes, com a visão borrada e tentando retomar a consciência.

— Deixe-a... Em... — eu balbuciei, ofegante e com a voz fraca. Minha fala foi interrompida pela tossida que emiti. — Paz.

— Oh, querida — a voz voltou a ser demoníaca, ecoando por meus ouvidos. — A freira aqui está morta já faz muito tempo...

Abri a boca, chocada com suas palavras.

— Eu a matei ontem — revelou sorrindo. — Aliás, obrigada pela dica. Agora eu sei que, além de velhinhas indefesas e o seu papaizinho idiota, Dean Winchester é a sua fraqueza. Todos os meus irmãos estão ouvindo isso agora através da minha Livestream de sangue. Vocês são desatentos ao nível de não perceber um castiçal cheio de sangue na casa de uma freira idosa.

O demônio parou de me enforcar, proporcionando-me uma sensação de alívio, mas eu ainda estava presa contra a parede. Sua risada ecoou mais uma vez. 

Sra. O'Neil estava morta. Naquele momento, eu me senti extremamente culpada por não tê-la protegido. Inevitavelmente, uma lágrima escorreu do meu olho, fazendo uma trilha molhada por meu rosto. O demônio pareceu entreter-se com o meu sofrimento. Só então que me recordei das palavras que ele acabara de proferir. Dean é a minha fraqueza?

O demônio por fim me soltou. Eu acabei indo ao chão e houve um impacto entre o meu nariz e o piso vinílico, fazendo-me grunhir pela dor. Procurei me apoiar no chão e me ergui com dificuldade, sentindo minhas costas, meu pescoço e minha cabeça arderem em chamas. Atordoada, levei uma das mãos até a cabeça, tateando-a e sentindo algo molhado. Assim que retomei a consciência, desloquei a mão até em frente aos meus olhos para que eu pudesse vê-la. O líquido viscoso e de um tom de escarlate provindos do corte em meu couro cabeludo cobria de sangue os meus dedos. Arfei e encarei o demônio.

Tentei juntar as minhas forças, mas quanto mais que eu olhava para a sua casca, mais eu perdia o poder sobre a criatura. Isso foi muito vantajoso para ele, pois novamente, o demônio lançou-me contra a escadaria da casa. Minhas costas queimaram novamente e eu previ roxos naquela área. Gemi, indefesa e tentei inutilmente me arrastar até a pequena mesa de vidro onde descansava o cálice de sangue que transmitia a luta para outros demônios. 

Rastejei até lá e estiquei o braço o máximo que pude, mas o demônio marchou até mim e pisou no meu ombro. Um grito agudo de dor escapou dos meus lábios e meu corpo inteiro se enrijeceu, impossibilitando qualquer um dos meus movimentos. Permaneci estática e encolhida no chão enquanto o demônio me encarava com um sorriso vitorioso no rosto. Para a minha surpresa, seu pé atingiu a minha barriga em cheio, causando-me outro urro. A criatura maligna golpeou-me incansavelmente até que eu quase não pudesse sentir todas as partes do meu corpo.

Minha visão estava turva e tudo parecia girar. Eu sentia sangue escorrendo por diversas partes do meu corpo de tanto ter sido golpeada, minha cabeça doía e um zunido irritante infestava minha audição. Eu quase não pude ouvir quando o demônio segurou o cálice, sorriu para o objeto, com os olhos brilhando na direção do sangue e sibilou:

— Missão cumprida.

Tossi e pisquei diversas vezes, em uma tentativa de recomposição. Ergui o tronco o máximo que pude e apontei o dedo franzino para o cálice. A criatura não parecia surpresa com o meu ato e aquilo não parecia assustá-lo, mas ele não sabia o que eu estava prestes a fazer. Reuni todas as poucas forças que me restavam e desenhei uma linha no ar, fazendo o cálice voar das mãos do demônio e quebrar-se no meio da sala, manchando tudo de sangue e espalhando cacos pelo recinto.

O demônio apenas observou a cena, atônito. Pareceu demorar um pouco para processar, mas quando seu olhar encontrou o meu novamente, seus olhos pareciam um legítimo incêndio. Ele abaixou-se e envolveu o meu pescoço com as duas mãos, erguendo-me no ar. Me debati e balancei os pés, cravando as unhas nas mãos do demônio e tentando me livrar do aperto, mas ele era tão forte que eu já não tinha mais esperanças.

— Últimas palavras?

Eu não conseguia falar. Meus olhos se fecharam lentamente e eu só pude ouvir a risada do demônio ecoando enquanto eu aguardava a minha morte.

Mas para a minha surpresa, não aconteceu.

De repente, o demônio afrouxou o aperto, o que me fez instantaneamente abrir os olhos e me encontrar pasma. Com o susto, acabei caindo no chão do lado da criatura  — morta. A indefesa sra. O'Neil estava morta, tudo por causa do demônio maldito. Ergui o olhar o máximo que pude, mesmo que minha visão estivesse borrada. Eu podia ver três pessoas, e eu não tinha dúvidas de que se tratavam de Sam, Dean e Garth. Quando eu ia tentar me levantar, ouvi um grunhido vindo da boca do demônio, aparentemente ainda não morto. Olhei para ele e seus olhos estavam fixos em mim de maneira assustadora. Seus lábios se contorceram em um último e maquiavélico sorriso.

— Você não vai resistir ao acordo.

Dean  — eu presumo  — abaixou-se e cravou a adaga para demônios mais uma vez no bastardo, matando-o de uma vez. Uma luz esbranquiçada tomou conta do local e assim que o brilho se esvaiu, apoiei as mãos no chão e tentei me levantar. Antes que eu pudesse prosseguir na tarefa difícil, braços fortes me puxaram com força, e eu não pude deixar de reconhecer o dono deles. Dean.

Dean Winchester

Ajudei Beth a levantar e percebi o quanto ela estava sangrando. Havia feridas em sua testa, braços e provavelmente pelo corpo todo, do jeito que ela estava. Seus olhos cheios de lágrimas encontraram os meus rapidamente, como se quisessem achar um refúgio no meu olhar. Inevitavelmente, eu a abracei com toda a força que eu tinha. Seus braços finos me envolveram em um ato desesperado, e eu pude sentir o seu choro molhando a camiseta que descansava sobre o meu ombro — não que eu me importasse. Afaguei sua cabeça, sentindo um líquido viscoso molhar minhas mãos. Ergui os dedos na minha frente, notando do que se tratava  — sangue.

Vê-la assim, machucada, me deixava desesperado. Desde o dia em que ela me beijou eu estive sentindo isso. Me sentindo diferente em relação a ela. Nem mesmo eu sabia como ela poderia ter se tornado tão especial assim, de repente. Eu não costumava criar laços com tanta facilidade. Minhas brigas com Sammy e o meu pai evidenciavam, mas ela era diferente. Diferente de um modo que eu simplesmente não conseguia compreender. Eu não sabia definir, explicar ou dizer com palavras o que eu sentia por ela. Era algo que eu jamais havia sentido por qualquer outra mulher, por mais que eu já tenha conhecido cada detalhe do amor. Eu nunca havia sentido isso com mais ninguém, nem mesmo com Lisa, mas então, Beth chegou e mudou tudo.

E então, enquanto eu a consolava, me recordei do que Garth me disse no hospital, sobre eu supostamente estar apaixonado por ela. Eu nunca havia pensado nessa palavra. Apaixonado. Isso nunca se encaixou em mim  — não que eu tivesse um coração de gelo, é claro que não, mas eu acho que nunca fui um verdadeiro e legítimo romântico nato. Era até difícil admitir para mim mesmo os meus próprios sentimentos. Pensar nisso me faz sentir gay, muito gay, mas é inevitável. 

Logo, me perguntei se era isso mesmo que eu verdadeiramente sentia por ela. Eu estava tão confuso e eu simplesmente não sabia o que estava acontecendo comigo, mas eu sabia que a hora estava chegando. A hora de acabar com aquilo e admitir para mim mesmo o que eu sentia por ela, parar de negar o que estava evidente. Entregar-me à porcaria do meu coração, por mais que isso não soe nada masculino. E também havia outra pergunta que costumava me atormentar  — sentiria ela o mesmo?


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Notas finais do capítulo

E então??? Instigante, non??? Eu achei muito...

Agora, se quiserem devolver teorias sobre os elementos abaixo, fiquem à vontade, pois eu AMOOO as teorias de vocês e estou aberta a todas. A seguir, algumas ideias para que formulem as mesmas.

Tópico 1: O "enjoo"/"tontura" da Elizabeth e ela descrevendo aquilo como algo bíblico. O que acham que significa??

Tópico 2: O que Dean e Beth estão sentindo um pelo outro?

Tópico 3: O que o demônio quis dizer com "você não vai resistir ao acordo"?

E algumas perguntinhas: Gostaram do P.O.V do Dean? E dos gifs?

Por fim, a surpresinha (depois quero que digam o que acharam nos comentários): Este humilde e lindo vídeo Deth que eu fiz!!! Olhem e deem suas opiniões: https://www.youtube.com/watch?v=aBlf6UResNE
P.S.: A frase do início foi dita nesse capítulo!

É isso, meus cabritinhos. Espero que tenham gostado!!! Beijinhos!

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