Fallen escrita por Milly Winchester


Capítulo 19
Doce devaneio


Notas iniciais do capítulo

Olá, cabritinhos! Sentiram a minha falta? Sei que sim... Rsrsrs

Bem, estou de volta! Era pra eu ter postado antes, mas infelizmente, a preguiça acumulada me impediu, então, peço desculpas se demorei. Trouxe mais um cap pra você e como o anterior, esse está bemmm instigante.

Espero que vocês gostem! (Esse capítulo me fez lembrar daquela música, Sweet Dreams. Risos.)



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 A noite que se arrastava lentamente havia chegado por fim e eu agradeci à Deus — aliás, que irônico — por isso. Dean e Sam já estavam dormindo e meu plano estava indo perfeitamente bem. Dei zoom no mapa no smartphone que eu havia ganhado para telefonar e afins e meneei a cabeça. Eu ainda estava extremamente abalada pelo o que ocorrera na noite anterior e ainda mais preocupada com Castiel, que estava nas garras de Lúcifer e seus lacaios. Aquela era a minha chance de pedir ajuda, por mais orgulhosa que eu desejasse ser. Sentei-me na cama e calcei os coturnos às pressas, tentando não produzir ruídos.

Desci as escadas cuidadosamente pelo mesmo motivo e quando cheguei na biblioteca, vi que Dean estava sentado em uma das mesas, porém, ele não demonstrou nenhuma reação. Me aproximei um pouco mais e percebi que ele dormia sentado, com a boca entreaberta e emitindo roncos baixos. Reprimi uma risada seca que por pouco não escapou da minha garganta e comprimi os lábios, guardando o celular em um dos bolsos da minha jaqueta. Coloquei minha adaga dentro da minha bota e dei alguns passos na direção de Dean, que agora parara de roncar baixo. Sua cabeça pendia para trás, totalmente desajeitado. Sua mão estava sobre a sua perna, e eu envolvi seus dedos com os meus lentamente, visando não acordá-lo. Minhas luvas sem dedo acariciaram a pele desnuda de sua palma.

— Eu voltarei logo — sussurrei para que ele não ouvisse.

Dito isso, saí pela porta do bunker sorrateiramente. Me preparei para a caminhada que eu deveria fazer e me insultei mentalmente por não saber dirigir um maldito carro. Até mesmo me perguntei por que o meu querido papai decidiu simplesmente me deixar incapaz de fazer isso. Isso fazia eu me sentir um tanto quanto inútil.

Fiquei tão dispersa em meus pensamentos durante o caminho que quase não percebi quando coloquei os pés no gramado em frente ao armazém não muito longe do bunker. Pelo menos meu pai havia me dado o dom da esperteza — não demorei para achar um atalho acessível até o tal galpão, visto que o bunker ficava mais ou menos nos arredores de Lebanon. Meus olhos passearam pela estrutura de madeira que deveria soar aterrorizante, ainda mais pelo fato de ser madrugada, mas não me surpreendi. Acho que eu já havia me acostumado com esse tipo local e eu já não sentia mais medo, e sim, desconfiança, suspeita.

Caminhei para dentro do estabelecimento abandonado, fazendo as tábuas velhas rangerem sob meus pés conforme dava alguns passos. O cheiro de mofo e de coisas antigas invadiu minhas narinas de repente, e eu não pude deixar de imaginar a quantidade de ratos, poeira e teias que eu encontraria naquele lugar. Para a minha sorte, eu não era do tipo que se importava muito com isso. Por alguns segundos, mentalizei o motivo de eu estar ali se eu poderia fazer aquilo em qualquer outro lugar, mas logo, me recordei do motivo. Ficar sozinha.

Me abrir nunca foi algo fácil. Em todas as vezes que eu havia me aberto para Sam e Dean, fora em momentos de muita tensão — por mais que quase todos os dias eram momentos de tensão. Contudo, o que eu desejava fazer ali, naquele galpão abandonado, não era exatamente algo que eu diria em um megafone ou contaria para os Winchester. Era algo diferente, distinto, que eu simplesmente não me sentia confortável em falar e realizar perto de qualquer outra pessoa, seja ela quem for. Era algo que somente eu e aquela pessoa poderíamos ouvir e presenciar.

No teto sobre a minha cabeça, algumas tábuas faltavam, deixando que finos feixes de luz provindos da lua iluminassem certas partes do armazém abandonado. Acomodei meus pés sobre o assoalho empoeirado e entrelacei os dedos de ambas as mãos. Fechei os olhos e respirei fundo, inspirando e expirando. Repousei cada parte do meu corpo e abri os olhos novamente, dirigindo eles devagar até o pedaço visível da lua através da fresta no teto. Suspirei.

— Pai... Você está aí?

Minha garganta secou repentinamente, e senti gosto de bile em meus lábios. Eu não sabia por que isso me deixava tão nervosa. Por que pronunciar aquela palavra nada familiar para mim me incomodava tanto? Pai. Não sabia por que ouvir aquilo saindo da minha boca causava um efeito tão arrebatador e constrangedor em mim. Não que eu sentisse vergonha de fazer isso, eu só me sentia extremamente desconfortável, como se eu não quisesse dizer isso, como se eu estivesse no corpo de outro alguém, me sentindo completamente e assustadoramente deslocada. Tomei fôlego para falar mais uma vez.

— Eu preciso da sua ajuda. E é urgente... — um suspiro fugiu do meu peito mais uma vez e instantaneamente, me amaldiçoei por minha voz soar tão fraca. 

Um, dois, três, contei mentalmente. Respire fundo, Elizabeth. Você consegue. Não é tão difícil. Encarei a lua mais uma vez.

— O plano que havíamos bolado para trancafiar Lúcifer de volta na jaula falhou miseravelmente. E como eu disse, eu preciso da sua ajuda. Preciso para encontrar uma saída. Não temos nada em mente e eu acredito que não conseguirei encontrar mais opções viáveis sem o seu auxílio. Além do mais, Cas foi sequestrado por Lúcifer e não temos a menor ideia de onde ele está e de como o resgataremos. Não conseguimos rastrear ele. Ele sumiu. Eu repito... É urgente.

Engoli em seco antes de prosseguir.

— A verdade é que eu não sei o que fazer. Você me deu uma missão, você me colocou aqui com um propósito, mas acho que eu e você sabemos que eu não estou cumprindo-o muito bem. Eu estou tão confusa, e... Os meus poderes... Eles também estou falhando. Pai, eu estou sucumbindo. Estamos perdendo essa luta. Me sinto fraca e eu não sei se consigo continuar sem você. Eu preciso muito da sua ajuda. Só... Me dê um sinal. Qualquer coisa. Eu preciso saber que você está me escutando. Por favor. Eu preciso de você. Preciso mais do que nunca. 

Pedir ajuda também não estava sendo fácil. O desgosto que eu sentia pelo meu pai pelo fato de ele não estar nem ligando para o que estava acontecendo e de ele não se importar se eu estava bem ou não dificultava a minha pronúncia daquelas palavras. Era como se elas estivessem em outro idioma, perdiam-se nos meus lábios e faziam minha língua enrolar. Conseguir dizer elas era um grande triunfo.

Silêncio. Nenhum sinal. Fechei os olhos, sentindo uma lágrima quente e pesada escorrer lentamente pela minha bochecha. Mais delas vieram, encharcando o meu rosto como uma cachoeira salgada. Tudo que pude fazer foi abaixar a cabeça e lamentar o quão ignorada eu era pelo meu próprio pai. A raiva só cresceu em mim, mas eu não conseguia demonstrá-la. De maneira surpreendente, ela se transformava em tristeza, e acho que no fundo, ela não era exatamente um ódio. Era um sentimento de esquecimento. Me sentia esquecida, traída.

Enquanto eu desabava em um choro silencioso, mas mesmo assim doloroso, não tive tempo de revidar quando alguém me puxou por trás, fazendo-me virar instantaneamente. Um homem sem cabelo e com o corpo coberto de tatuagens esquisitas me puxou para perto, encurralando-me. Ergueu-me no ar com facilidade e colocou a mão perto do meu rosto. Uma luz azul e hipnotizante emanou dela e meus olhos involuntariamente concentraram-se nela. Não pude gritar ou algo do tipo, pois meu corpo paralisou de repente. Senti meu rosto suar e minha visão ficar turva de repente. A cena começou a ficar embaçada e de repente, tudo ao meu redor se tornou negro e eu acabei desmaiando.

{...}

Sam & Dean Winchester

Dean abriu os olhos lentamente, tentando reconhecer o lugar ao seu redor. Quando percebeu que dormia na biblioteca, levantou-se em um salto e em seguida lançou alguns resmungos devido à dor no pescoço que a cadeira inadequada na qual cochilou lhe proporcionou. Espreguiçou-se e levantou-se rapidamente, levando os olhos até a mesa na qual se apoiava desconfortavelmente e reparando em uma garrafa de cerveja. Revirou os olhos e fez uma careta de desgosto, demonstrando sua preguiça em realizar qualquer tarefa justo quando ele havia acabado de acordar. Com certa relutância, o Winchester mais velho apanhou a garrafa da mesa e jogou-a no lixo, não se importando com o maldito conceito da reciclagem. 

Depois, subiu para o segundo andar e foi ao banheiro mais próximo, lavando o filete seco de baba que escorria pelo canto de sua boca. Preparado para continuar dormindo até de manhã — coisa que para alguém com um trabalho como o dele era raro —, Dean caminhou devagar pelo corredor silencioso, sentindo suas pálpebras pesarem sobre os seus olhos. Quando passou pela porta de Elizabeth, que estava entreaberta, bocejou e hesitou em abri-la para verificar a garota, porém, depois de pensar um pouco, rendeu-se e abriu a mesma, surpreendendo-se. Elizabeth não estava ali. Ela havia sumido.

Após procurar por diversos cantos do bunker, Dean não encontrava a garota em lugar nenhum. Era como se o seu alarme de filha de Deus perdida tivesse apitado de repente. O Winchester subiu mais uma vez ao segundo andar, vasculhando novamente.

— Beth! — gritou Dean pela milésima vez, abrindo todas as portas do corredor.

— Dean? O que você está fazendo? — perguntou Sam, com os olhos semiabertos e parecendo bastante confuso. 

Direcionando seu olhar ao irmão, Dean encarou Sam, denunciando sua extrema preocupação. Samuel, um pouco desconfiado de que se tratava de algo muito ruim, engoliu em seco, deixando visível o pomo de adão em seu pescoço.

— É a Beth. Ela sumiu. 

{...}

Elizabeth

Quando abri os olhos, quase não acreditei no que estava diante dos mesmos. Senti o meu corpo contra uma grama fofa e bem aparada e não havia nada no meu campo de visão além de um céu azul, repleto de nuvens tão brancas quanto um algodão. Fiquei tão fascinada que estendi a mão para cima, como se eu pudesse tocar as nuvens, mas logo, me perguntei onde eu estava. Antes, eu estava em um galpão, quando um homem desconhecido fez alguma coisa comigo que eu não tinha conhecimento do que era. Agora, eu estava em um lugar diferente e ensolarado. Ao me sentar na grama, pude notar que se tratava de um imenso bosque, repleto de flores e árvores me circundavam. Meu corpo era coberto por um belo vestido branco e meus cabelos estavam extremamente lisos. O sol brilhava sobre eles, fazendo o vermelho quase que imperceptível dele se destacar.

Levantei-me com facilidade e olhei mais uma vez ao meu redor. Onde eu estava, afinal? Mas logo, obtive um flash de memória e me recordei de quando estive no céu com Castiel. Helena e seus andarilhos se encontravam em um lugar bem semelhante a este onde eu me encontrava, e deduzi que era lá que eu estava. Seria aquele homem um anjo? Teria meu pai me acolhido e me levado até o céu através de um dos seus anjos? Milhares e milhares de interrogações giravam em torno da minha cabeça.

Enquanto eu sentia o cheiro suave de tulipas emanando de uma grande quantidade das mesas não muito longe de onde eu estava, ouvi uma voz familiar atrás de mim chamando por meu nome. Desconfiada, virei na direção da voz lentamente, me deparando com ninguém mais, ninguém menos do que o anjo de sobretudo mais incrível que eu conhecia. Castiel. Seu cabelo estava arrumado formalmente em um penteado até mesmo engraçado, e ele sorriu. Retribuí o seu sorriso no mesmo instante, mas logo, ele se desfez. Castiel havia sido sequestrado. Seria aquele Lúcifer tentando me enganar? Seria aquela a verdadeira realidade? Repentinamente, mergulhei em uma poça de confusão.

— O que foi? — ele perguntou, estranhando a minha reação.

Abri a boca, procurando uma resposta convincente e abri outro sorriso, meneando a cabeça.

— Nada — respondi, tentando não deixá-lo desconfiado.

— Tudo bem, então — deu de ombros, desconversando. — O seu pai está chamando você, Beth. Pediu que comparecesse em sua casa.

Engoli em seco. Meu pai? Deus? Aquele que nem mesmo se importava comigo estava me procurando? Patético. Piada. Algo havia acontecido, disso eu tinha certeza. Essa não era a realidade. Algo estranho havia me abduzido, alguém havia me prendido aqui, eu tinha certeza. Aquilo era uma ilusão, só eu não sabia quem havia a feito. Mas então, pensei em uma possibilidade. Teria eu ganhado uma segunda chance? Uma segunda chance para recomeçar e salvar o mundo? Eu não sabia.

—  Ok... Então você pode me levar até lá.

— Levar você? — Castiel franziu o cenho, entortando a cabeça levemente para o lado como se aquilo fosse algo realmente esquisito. — O que aconteceu? Está com medo de teletransporte?

— T-teletransporte? — ergui as sobrancelhas, gaguejando.

— Sim — ele afirmou como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

Abri a boca, tentando processar tudo aquilo. Eu sabia me teletransportar? Em que tipo de realidade eu estava, afinal? Me afundei mais ainda naquele mar de confusão. Castiel me encarava, desconfiando de algo, e eu apenas sorri forçado.

— Teletransportar, é claro! — fingi que me recordava da minha habilidade, fazendo Castiel baixar as largas omoplatas e relaxá-las. — Mas como eu faço isso mesmo?

Uma risadinha debochada fugiu do peito de Castiel. Ele olhou ao seu redor rapidamente e abriu os braços, como se aquilo fosse simples. Simples? Uma ova! Eu não conseguia nem derrubar alguém, que dirá me teletransportar. Fracasso.

— Você anda estranha... — reparou ele, e eu engoli em seco novamente. — Muito esquecida, senhorita. É só você imaginar o lugar para o qual deseja ir e voilá! Estará lá rapidamente.

Assenti e ele olhou para o céu, distraído.

— Tenho assuntos a tratar. Vejo você mais tarde, Beth — ele veio até mim e me abraçou amigavelmente. Permaneci estática durante uma parte do abraço, mas logo o abracei.     

Encostei meu rosto no seu ombro coberto pelo sobretudo caramelo do serafim e inspirei o doce aroma presente nele que sempre me agradou. Castiel era meu irmão. Mesmo ele tendo desaparecido há pouco tempo, eu já sentia a falta de sua presença. Apertei os olhos com força e inalando aquele cheiro fascinante do anjo, minha vontade de resgatá-lo só aumentou. Ele me afastou lentamente, sorrindo gentilmente para mim e sumindo em seguida, deixando apenas um rápido farfalhar de asas soar por meus ouvidos.     

Soltei uma lufada de ar e dei alguns passos, olhando a paisagem em volta de mim, aquele magnífico bosque. As árvores eram enfeitadas por lindas maçãs e as flores... Ah, as flores. O cheiro delas era incrível. Mexi os dedos dos pés na grama macia e respirei fundo. Deus estava me chamando.

Fechei os olhos e pensei em uma provável casa de Deus, já que eu não fazia ideia de como ela era. Apenas me concentrei em meu pai e nessa palavra que doía tanto proferir. Pai, pai, pai. Estremeci, sentindo meu corpo se comprimir por um milésimo de segundo. A sensação era estranha. Hesitando e com certa relutância, decidi abrir meus olhos. Eu o fiz lentamente e dei um salto quando percebi que estava em frente uma casa em uma rua inteira completamente vazia. A casa era vermelha e muito rústica, e tão bonita que eu não conseguia nem descrever. Pequena, mas visivelmente muito aconchegante.

Com o coração na boca, dei alguns passos bem devagar, sentindo o asfalto sob meus pés descalços. Descansei minhas mãos ao lado do meu corpo e respirei fundo pela décima vez só naquele dia. Mordi o lábio involuntariamente e pisei no primeiro degrau da pequena escadaria que levava até a porta. 

Segundo degrau.

Terceiro.

Ergui minha mão delicadamente e tentando soar confiante, bati na porta, fazendo os nós dos meus dedos ficarem brancos. Cruzei os braços e afaguei os mesmos, sentindo meu coração e minha mente encherem de nervosismo. Eu estava prestes a ver o meu pai pela primeira vez, prestes a conversar com ele e prestes a saber de tudo. Sentia meu coração bater a mil por hora, a frequência cardíaca tão alta que o órgão parecia querer explodir. Borboletas dançavam em meu estômago, incomodando-me, e eu quase convulsionei quando ouvi passos na direção da porta. Passos suaves e quase inaudíveis. 

O som de uma tentativa de abrir a fechadura invadiu meus ouvidos. Percebi-a girando devagar e me preparei para aquilo que logo estaria diante dos meus olhos.

A porta foi aberta e lá estava ele, me olhando com um sorriso no rosto.

Deus.

{...}

Sam & Dean Winchester

Dean vestiu a flanela rapidamente, entrando na biblioteca e caminhando às pressas até o irmão. Sam estava sentado e digitava rapidamente em seu laptop, desesperado por respostas. Dean curvou-se para enxergar o conteúdo estampado no aparelho eletrônico, fazendo uma careta de decepção. Sam suspirou, passando a mão pelo rosto. O Winchester mais velho puxou uma cadeira e sentou-se ao lado do irmão enquanto o mesmo desligava seu notebook.

— O que nós vamos fazer?  — inquiriu Samuel, franzindo o cenho.

Dean levantou as largas omoplatas rapidamente, abaixando-as em seguida.

— Eu não sei. Eu só... — ele fez uma pausa, meneando a cabeça enquanto levava às mãos aos cabelos. Passou os dedos entre os fios loiros, com a respiração pesada. — Eu simplesmente não sei.

Sam encarou o irmão, apreensivo e curioso diante de uma coisa. Queria perguntar aquilo ao irmão fazia tempo, mas raramente encontrava coragem para questioná-lo, já que sabia que receberia uma resposta bastante rude. Isso era típico de Dean, ele respondia àquele sentimento de maneira rude, como se isso fosse diminuir as aparências ou o que ele sentia.

— Dean, por que você está tão preocupado com a Beth? Ela pode ter saído para respirar ar fresco, ou coisa do tipo — mentiu Sam, apenas para obter justificativas de seu irmão.

Dean não conseguiu evitar o ato de revirar os olhos, como normalmente fazia diante de perguntas ou afirmações idiotas. O irmão esperava pacientemente pela resposta do Winchester, que permanecia atirado na cadeira com as mãos sobre a mesa e sem dizer nenhuma palavra. Ajeitou a postura e franziu o cenho na direção do irmão, e naquele momento, Sam sabia que grosserias iam sair da boca de Dean.

— Não é óbvio? A Beth é a única que pode derrotar aquele son of a bitch! E que história é essa de respirar ar fresco? Sammy, você bebeu ou isso é só o seu otimismo nerd? Que tipo de pessoa sai de madrugada para respirar ar fresco e não deixa nem um bilhete sequer? 

Sam meneou a cabeça, ignorando os questionamentos de Dean.

— Você sabe que não foi isso que eu quis dizer, Dean — repreendeu o Winchester mais novo, lançando ao irmão um olhar apreensivo. — Você se preocupa demais com ela, e não é em um sentido de irmão para irmã.

Dean girou a cabeça lentamente para encarar o irmão, franzindo os supercílios e aparentando estar confuso. Apenas aparentando, pois apenas Dean sabia que ele estava fingindo estar confuso. Ele sabia muito bem do que Samuel estava falando. Sam tinha as sobrancelhas elevadas enquanto Dean procurava uma desculpa plausível.

— Sammy, é oficial. Você enlouqueceu — mentiu Dean, levantando-se para caminhar ao redor da mesa para assim, pensar em alguma maneira de encontrar Elizabeth.

Os lábios finos de Samuel se curvaram em um pequeno sorriso de canto, enquanto ele levantava e abaixava as omoplatas em um gesto de dar de ombros. Virou o corpo para poder observar Dean, que encostava-se em outra mesa e apertava a borda da mesma com força, desejando que Sam esquecesse aquele assunto. Porém, não foi o que aconteceu.

— Dean... Não finja. Eu consigo perceber que algo está acontecendo entre vocês dois. Está escrito na sua testa, praticamente — denunciou Samuel, cruzando os braços de maneira desafiadora.

— Será que você poderia parar de citar essas loucuras e me ajudar a pensar em uma maneira de encontrar a Beth? — pediu Dean, visivelmente irritado.

— Não antes que você me responda — determinou, decidido.

Dean revirou os olhos mais uma vez. A vontade de socar o seu próprio irmão por fazer aquelas perguntas constrangedoras se fazia presente, e as mãos que apertavam a borda da mesa atrás do Winchester afrouxaram lentamente. Dean suspirou, dando-se por vencido.

— Tudo bem. Você ganhou — rendeu-se Dean, vendo o sorriso do irmão se alargar instantaneamente. — Eu não sei o que eu sinto, ok? Eu só estou confuso — esclareceu por fim, e em seguida, fez uma careta. — Deus... Isso soou gay como eu acho que soou?

Sam riu rapidamente e virou-se novamente para o notebook. Posicionou as mãos sobre a mesa e martelou com os dedos, tentando pensar em alguma maneira de rastrear a filha de Deus sabendo que ela não levara o seu celular. Dean respirou fundo, aflito, olhando para o nada e colocando silenciosamente o seu cérebro para funcionar. De repente, uma ideia lhe veio à cabeça. Deixou a biblioteca rapidamente, ignorando os chamados de Sam. Subiu até o segundo andar e foi até o quarto de Elizabeth, se dirigindo ao guarda-roupa presente nele. Suas mãos abriram o móvel agilmente e vasculharam-no, à procura da jaqueta de couro da garota. Assim que ela não foi encontrada, um sorriso vitorioso preencheu os lábios do Winchester mais velho. Ele desceu até o primeiro andar rapidamente e correu até Samuel, que o encarava confuso.

— Coloquei um rastreador no bolso da jaqueta da Beth no dia em que aquele demônio deu uma surra nela. A jaqueta não está lá. Ou seja... — contou Dean, esperando que o irmão entendesse.

— Podemos descobrir onde ela está — completou Sam.

Os olhos de Dean brilharam em resposta, confirmando o que Samuel dissera. O Winchester mais novo rapidamente virou-se para o laptop, ligando-o às pressas e indo ao programa de rastreamento. Dean lhe disse os dados do rastreador e logo eles obtiveram a resposta que desejavam. Elizabeth estava em Lebanon, em um armazém abandonado. Sam, após completar a pesquisa, desligou o eletrônico e levantou-se da cadeira, unindo-se ao irmão e se apressando em sair do bunker.

— Vamos resgatar a filha rebelde de Deus — ironizou Dean antes de fechar a porta atrás de si.

{...}

Elizabeth

Nenhuma palavra saiu da minha boca. Eu estava em frente a ele, aquele que muitos fiéis desejaram encontrar e testemunhar a presença. Ele me encarava confuso, como se não entendesse o motivo da minha surpresa. Os cabelos curtos do meu pai tinham uma tonalidade castanha puxada para o avelã e uma barba da mesma cor se estendia por seu rosto. A pele era um pouco mais bronzeada do que a minha e seus lábios não muito cheios eram rosados. O que mais me chamou atenção foram os seus olhos incrivelmente azuis. Um azul tão profundo e magnífico que eu poderia observar por horas e horas. Aquelas órbitas enigmáticas me olhavam atentamente, e aquele olhar transmitia um carinho que caía sobre mim como um véu arrepiante. Todos os pelos do meu corpo estavam eriçados e eu estava estática, tentando memorizar cada detalhe do rosto do meu pai. Ele não era muito mais alto do que eu, mas eu garanto que se eu abraçasse, me sentiria minúscula em seus braços que agora estavam apoiados na porta.

Não consegui me conter e fiz o que eu desejava, lançando-me sobre ele e apertando seu corpo contra o meu o mais forte que eu pude. Aparentemente, meu gesto não foi previsto, pois meu pai não me abraçou instantaneamente. Somente após alguns segundos seus braços me envolveram delicadamente, enquanto eu apertava meus braços ao redor do seu pescoço como se eu temesse perdê-lo.

Temesse perdê-lo. Essas palavras ecoaram na minha mente. E eu temia. Temia que aquilo fosse somente um sonho, que aquilo não fosse a realidade e por um momento, eu não quis. Não quis voltar para a minha vida com Sam e Dean no bunker, por mais incrível e maravilhosa que ela fosse. Acho que era porque eu sentia falta de uma família de sangue, de uma relação mais forte do que a que eu tinha com os meninos. Não vou me enganar, eu sentia mesmo falta era de alguém que eu pudesse chamar de pai. Deus soltou uma risadinha e me afastou lentamente, e eu me arrependi por quase estrangulá-lo com o abraço. Parei para encará-lo e observei suas feições fascinantes mais uma vez, maravilhada com aquela visão celestial  — literalmente. Meu pai franziu o cenho, mas não abandonou o sorriso.

— O que deu em você? Está muito feliz em me ver, por acaso?

Pensei em uma resposta, mas tudo o que me veio à cabeça foi "eu te amo, eu te amo, eu te amo!". Abri a boca, esperando que as palavras saíssem. Deus permaneceu me encarando, e dessa vez, pousou delicadamente sua mão pesada sobre uma de minhas magras omoplatas.

— Lizzie? Tudo bem? — perguntou suavemente, com aquela voz aveludada que me deixava tão, mas tão calma.

Quase derreti sobre o seu toque. Eu estava simplesmente encantada. Queria abraçar o meu pai para sempre e dizer o quanto eu senti a sua falta, mas naquele momento, só pude prestar atenção no doce apelido que ele usou. Lizzie. Soava bem. Devolvi o sorriso que estava estampado nos lábios de Deus, desejando muito abraçá-lo novamente. Só não o fiz para não deixá-lo desconfiado ou assustá-lo.

— Sim, é... — gaguejei, tentando encontrar as palavras certas para dizer. — Acho que só senti a sua falta, é isso.

— Sentiu a minha falta? — inquiriu, visivelmente surpreso. — Nos encontramos há pouco tempo. Sou tão especial assim?

Meu sorriso se alargou enquanto ele retirava a mão do meu ombro cuidadosamente e esboçava uma expressão confusa.

— É. Você não tem noção do quanto — respondi.

Meu pai afagou meus cabelos por um instante e eu fechei os olhos, me deixando levar por aquele sentimento de afeto que fluía no ar. Eu nunca havia me sentido tão amada. Eu o amava tanto, e queria dizer isso a ele milhares de vezes. Queria dizer que eu queria que ele estivesse sempre comigo e que eu sentia a falta dele em minha vida. Deus olhou rapidamente para trás, tornando a me encarar.

— Venha, entre — ele indicou o interior da casa, fazendo um gesto com a cabeça.

Aceitei o convite de prontidão e entrei na casa de Deus  — engraçado, não?  —, que apressou-se em fechar a porta marrom atrás de mim. Meu pai esperou que eu fosse na frente, mas como eu estava completamente perdida, ele aparentemente acabou levando aquilo como um gesto educado. Ele seguiu até o sofá caramelo no centro da pequena sala. As paredes eram pintadas de um bege suave e agradável. Abajures altos se espalhavam por grande parte do cômodo. O centro era ocupado pelo sofá, duas poltronas e um móvel onde descansava uma televisão de tela plana. A decoração era muito bonita, contendo quadros de diversos pintores famosos pregados nas paredes. Também faziam parte do cômodo algumas plantas decorativas, deixando tudo com um toque natural esperado de Deus. Deixei os meus pensamentos de lado e encarei meu pai, que depositava alguns tapinhas fracos no espaço livre ao seu lado no sofá. Constrangida, me dirigi ao lugar e sentei-me, ficando de frente para Deus. Suas feições encantadoras ainda me fascinavam.

— E então? Como estão Castiel e Leonel? — seus olhos azuis me fitaram, estáticos.

Suspirei.

— Castiel está bem — rolei os olhos pela casa de maneira serena, mas logo, me deparei com o que meu pai havia acabado de perguntar. — Espere. Leonel? 

Franzi o cenho e meu pai me encarou da mesma maneira, como se não acreditasse no fato de que eu não reconhecia o nome citado por ele. Só então percebi que eu estava em uma fria, pois meu pai desconfiaria disso.

— Você está estranha hoje, Liz — comentou, estalando os dedos. Quando olhei para a mesa de centro, reparei que agora havia uma bandeja de porcelana com duas elegantes xícaras do mesmo material pousadas nela, enfeitadas por desenhos floridos. O amargo e maravilhoso cheiro de café fresco invadiu as minhas narinas. Ele sabia que eu gostava daquilo. — Eu estou falando do Leonel. O seu namorado!

Namorado. Levei um tempo para processar aquilo. O quê? Eu tinha um namorado e não sabia? Meu estômago se embrulhou no mesmo instante. Eu nunca tive toda essa desenvoltura para ter um namorado, e nunca achei que teria. Mas aparentemente, eu tinha um. Para disfarçar, forcei outro sorriso na direção de Deus.

— É claro, o Leonel — fingi reconhecê-lo, meneando a cabeça falsamente. — Eu não o vi hoje.

— É uma pena. Vai perder o jantar — ele me olhou curioso, bebericando um pouco do café em sua xícara.

Apanhei a xícara e bebi junto do meu pai, tendo aquela rara sensação de quando você sabe que está em casa. O silêncio que preencheu o espaço entre nós dois não poderia ser melhor e eu queria aproveitar cada hora, cada minuto, cada segundo e cada milissegundo daquele momento. Eu simplesmente não queria que ele tivesse fim.

{...}

Depositei a travessa com a refeição sobre a mesa já posta. Meu pai me ajudou, colocando a jarra com suco de uva sobre o mesmo móvel. Cansados e suados pelo calor da cozinha, nós nos sentamos calmamente e em silêncio. Nos servimos da deliciosa e aromática lasagna  — como meu pai disse  — e começamos a comer, sem trocar palavra alguma. Para mim, estava tudo bem, afinal, o que importava mesmo era a sua presença, que eu estava próxima dele. Quando já estávamos quase finalizando a refeição sobre a brisa morna de fim de tarde que entrava pela janela, ouvi um pigarro vindo da boca do meu pai. Larguei o garfo cuidadosamente sobre o prato, parando de remexer alguns resquícios da comida presente na louça.

— Amanhã vamos fazer uma celebração — informou após terminar de mastigar o alimento, cruzando uns dedos das mãos com os outros.

— Celebração? Por quê? — franzi o cenho, levando o copo de vidro com o suco de uva até os lábios e ingerindo um pouco do líquido.

— O seu noivado, é claro — esclareceu. — Além de esquisita, está esquecida. O que deu em você?

— Não sei — falei, mas dessa vez, não parecia que eu estava mentindo. Imagens de mim e de Leonel em momentos felizes passaram por minha mente como lapsos de memória, e eu meneei a cabeça, completamente confusa. — É claro! O noivado. Não poderia esquecer disso.

Papai sorriu e continuou a comer o restante de sua lasanha. Após terminar, eu o auxiliei levando os pratos até a pia para em seguida lavá-los. Achei até mesmo engraçado justo Deus, que poderia fazer qualquer coisa, gostar de tarefas domésticas, entretanto, não reclamei. Aquele momento estava sendo incrível e eu nunca queria que acabasse, por mais que eu soubesse que meu lugar não era aqui. Eu não tinha um namorado e eu não vivia no céu. Deus mal importava-se comigo. Aquilo era um truque, e eu estava disposta a descobrir mais sobre ele.

Enquanto meu pai entregava-me os pratos já limpos para que eu os secasse, recordei-me de outro detalhe importante. Comprimi os lábios, esfregando suavemente o pano artesanal sobre a porcelana em minhas mãos.

— Uma celebração é legal, hm... Pai — pronunciei com dificuldade, amaldiçoando-me por minha voz ter saído tão fraca. — Mas de qualquer forma, não acha que temos problemas maiores por aqui?

— Problemas maiores? — torceu o nariz, tirando a espuma das mãos. — Que tipo de problemas.

— Hm, posso usar como exemplo Lúcifer fora de sua jaula? — relembrei ironicamente, guardando o prato que eu acabara de secar no armário acima de nossa cabeças.

— Lúcifer fora da jaula? — fechou a torneira rapidamente e eu estendi-lhe o pano de prato. Secou as mãos enquanto me analisava. — Sorte a nossa que isso está longe de acontecer.

Um calafrio imediatamente percorreu o meu corpo e a minha espinha. Longe de acontecer? Vivíamos naquela situação naquele exato momento, eu existia a favor disso! Como diabos isso podia ser mentira? Eu simplesmente não estava acreditando naquilo. Enquanto eu observava o escorredor de louça de maneira pensativa, meu pai sorriu docemente e me abraçou de lado, depositando um beijo e algumas carícias no topo da minha cabeça. Se afastou e disse-me que iria dormir, enquanto eu fiquei ali, paralisada.

Eu não sabia o que fazer. Eu sabia quem era Leonel, mas ao mesmo tempo sentia que isso era novo. Quando fui parar naquela realidade, eu não fazia ideia de nada do que estava acontecendo, e agora, eu sabia, porém, mesmo assim sentia que havia algo muito errado. Lúcifer estar preso na jaula era um exemplo disso, visto que eu havia sido criada para derrotá-lo e salvar o mundo do Apocalipse que ele pretendia trazer à Terra. Mergulhei em um mar de confusão e exausta de tanto pensar, subi as escadas, procurando pelo banheiro.

Assim que eu o encontrei, me tranquei nele. Com o teletransporte que fui capaz de realizar neste mesmo dia, concluí que meus poderes eram bem avançados, e por isso, após tomar um banho demorado a fim de repousar todos os músculos do meu corpo, me sequei e estalei os dedos, esperando que a minha espécie de mágica funcionasse. Ao olhar para os meus braços, percebi que havia funcionado, pois os mesmos estavam cobertos por um moletom confortável, e as pernas, por uma calça de abrigo musgo. Parei em frente ao espelho, olhando para os olhos castanhos livres das olheiras que me lembro que estavam ali.

Olhando para minhas próprias órbitas âmbar, lapsos de memória me atingem repentinamente. Castiel, Dean e Sam. Família. Eu abraçando Dean. Eu abraçando Cas. Eu abraçando Sam. Nossas caçadas. Nossos trabalhos em grupo. A minha vida, e então, me encontrei em uma situação desesperadora. Eu estava completamente dividida. Eu tinha noção de que onde eu estava agora não era minha verdadeira realidade, é claro que eu tinha, mas eu estava gostando. Estava começando a me encaixar, a me acostumar, a ter memórias dessa realidade paralela.

Foi então que eu tive uma ideia. Fechei os olhos, pensei em Castiel e logo que eu os abri, eu estava em um parque. Um parque ensolarado e vazio, onde na minha frente, havia um banco. Lá estava Castiel, sentado desajeitadamente sobre ele e olhando o sol que se estendia no horizonte. Bem, eu não julgava, visto que cada um tinha o seu paraíso particular e cabia à pessoa decidir o horário, o local e cada um dos detalhes. Não hesitei em me aproximar e sentar-me ao lado de Castiel, mesmo que eu estivesse vestindo pijamas.

— Eu preciso de ajuda — revelei, colocando uma das minhas mãos sobre a outra no meu colo.

— Sim? — atendeu, não parando para olhar para mim. Aparentemente, ele estava fascinado demais com o céu azul que se estendia sobre nossas cabeças para poder me encarar.

— Preciso que você pesquise criaturas sobrenaturais que vivam em galpões e realizem desejos. Ah, e que sejam azuis e tatuados — exigi.

Castiel me olhou, completamente confuso. Seus olhos piscaram algumas vezes e ele deu de ombros.

— Tudo bem.

O ressoar de asas ecoou por meus ouvidos e eu sorri, com ideias bastante mirabolantes fervendo em meus neurônios.

{...}

Beberiquei um pouco do champagne em minha taça enquanto era abraçada de lado por Leonel. A maioria dos anjos que havíamos convidado para a celebração do meu noivado já haviam ido embora  — os únicos que haviam restado eram Castiel, Hannah, Leonel e o meu pai. Leon  — acabei descobrindo que era assim que eu o chamava  — pediu licença para conversar com o meu pai por um instante sobre assuntos masculinos e eu permaneci sentada sobre a mesa. Castiel me olhou, apreensivo, e eu o chamei para sentar-se junto à mim.

O serafim se aproximou cuidadosamente, puxando uma das cadeiras e sentando-se.

— E então? O que você encontrou?

— Bem, de acordo com as características esquisitas que você forneceu, a única criatura sobrenatural que bate com todas as informações é um djinn. Os djinns, ou se quiser chamá-los de gênios...

— Espere. Eles concedem desejos? — franzi o cenho, sentindo uma pontada de esperança.

E se aquela coisa azul que me atacou não fosse uma coisa do mal? E se eu tivesse recebido uma segunda chance para começar tudo novamente? Mais e mais interrogações surgiram. Castiel pigarreou.

— Eu não terminei. Os djinns são uma raça rara de eremitas, geralmente vivem em cavernas, galpões, armazéns e outros lugares abandonados. Eles possuem sim tatuagens e seus olhos brilham em azul quando atacam suas presas. Os djinns não concedem desejos verdadeiros, e sim envenenam as vítimas e criam uma realidade alternativa na cabeça da vítima. Assim, a vítima é presa dentro dessa realidade e acaba acreditando que não se trata de uma alucinação, e sim, um sonho que se tornou realidade. Sem que a vítima perceba, o djinn se alimenta do sangue dela.

Levei um tempo para processar aquilo, deixando a taça de champagne sobre a mesa. O papo sobrenatural me deixou completamente confusa. Estreitei os olhos na direção de Castiel, enquanto ele me olhava visivelmente desentendido.

— Você sabe como acordar dessa realidade?

— Desde quando você gosta do sobrenatural? Caçar nunca foi o seu forte — estranhou ele, pela milésima vez. Percebi que Cas já estava ficando desconfiado.

— Não mude de assunto, Cas.

— Onde eu procurei, não havia nenhuma nota sobre como sair desse pesadelo. Mas você ainda fica me devendo o motivo dessas perguntas estranhas.

Assenti e dei-lhe um beijo na bochecha. Avisei a todos que eu entraria para dentro para poder ir ao banheiro. Corri até o tal cômodo e lavei o rosto. Estava me sentindo um pouco enjoada. Foi então que eu tive outra ideia.

— Preciso forçar o meu corpo a acordar... É isso! Suicídio!

Voei até a cozinha o mais rápido que pude e abri todas as gavetas do armário, em uma busca implacável  — até me senti o Liam Neeson  — pelo objeto. Enfiando as mãos e vasculhando incontrolavelmente pela faca, eu a encontrei. Segurei o cabo delicadamente, girando nos calcanhares para poder cometer aquela besteira, porém, que me ajudaria a acordar. Ao me virar, percebo que Leonel, Cas, Hannah e principalmente o meu pai estavam ali, me olhando melancolicamente. Não vacilei, segurando a faca firme em minhas mãos e sabendo que eles iriam tentar me impedir.

Hannah deu um passo à frente, repousando uma de suas mãos sobre o meu ombro.

— Beth, fique. Você tem uma família aqui — sussurrou ela. — Nós amamos você. Queremos que você fique.

Nenhuma palavra saiu da minha boca. Hannah continuou me encarando, como se esperasse por uma resposta, mas eu nada disse. Ela se afastou e foi a vez de Leonel vir até mim. Seus olhos verdes como esmeraldas, semelhantes aos de Dean, me encararam profundamente, me fazendo ficar estática. Talvez eu tivesse um fraco por olhos verdes. Como eu era bem mais baixa do que ele, assim que estávamos extremamente próximos, ele segurou o meu rosto com as duas mãos. Senti sua respiração abafada contra o meu rosto e surpreendendo-me, ele beijou-me apaixonadamente. Eu não correspondi. Se tivesse que machucá-lo, eu machucaria. Tudo aquilo era apenas um sonho.

— Fique... — pediu, com a voz manhosa. — Por favor.

Eu não disse nada novamente. Foi a vez de Castiel. Seus olhos incrivelmente azuis passearam pelo meu rosto, examinando-me, como se soubesse que ele era o meu fraco naquela sala  — além do meu pai, é claro. O serafim descansou suas mãos sobre minhas omoplatas, fitando-me e deixando minhas pernas bambas. Castiel era como um irmão para mim, e deixá-lo ia doer muito. Ia doer porque aqui ele estava bem, e lá fora, ele estava sendo torturado. Mas valeria a pena, pois eu iria salvá-lo agora mesmo. Só eu poderia salvá-lo das garras de Lúcifer.

— Beth... Por favor. Largue essa faca.

Meneei a cabeça em negação, sentindo meus olhos marejarem diante do olhar melancólico nas órbitas de Cas.

— Somos a sua família. Fique. 

Engoli em seco e não deixei de olhar Castiel em seus olhos, enfrentando-o. A esse ponto, uma lágrima quente e pesada já escorria pelo meu rosto, deixando um rastro molhado em minha bochecha. Senti gosto de bile em meus lábios e notei que Castiel se afastava, dando espaço para ele.

Meu pai veio até mim, me atingindo com a serenidade estampada em seus magníficos olhos azuis. Suas sobrancelhas franzidas, demonstrando tristeza. Meu corpo congelou. Doía olhar para ele, doía deixá-lo, doía saber que quando eu voltasse, ele não estaria lá para me dar o abraço que eu nunca esqueceria. Eu não queria perdê-lo, tudo aquilo doía tanto. Deus levou sua mão até o meu rosto, afagando-o brevemente enquanto eu apertava os olhos, deixando que mais lágrimas escapassem. Quando abri os olhos, respirei fundo.

— Beth... Isso é tudo que você sempre quis. Eu, Castiel, Leonel. Somos uma família. Eu não posso viver sem você. Você é a coisa que eu mais amo no mundo e eu amo você como eu jamais amei alguém. Eu te amo, minha filha. Por favor, fique conosco. Você nunca mais terá que sofrer. Viverá em paz, sem conflitos e sem Lúcifer para lhe atormentar. Por que não pode viver conosco? Por favor, Beth... Eu amo você, eu amo você tanto. Me dê essa faca e vamos acabar com isso, eu imploro.

Com a mão na qual a faca não se encontrava, sequei o rosto, fungando e dando um leve sorriso, que logo, se contorceu pelo choro. Não consegui conter a vontade que tive de abraçá-lo e eu o fiz, pela última vez. Eu não sabia se aquilo aconteceria novamente, então, eu o apertei com todas as minhas forças, soluçando contra o seu ombro e segurando a faca com força na mão livre. Antes que Deus pudesse pensar em roubar a faca de mim, me afastei, franzindo o cenho melancolicamente.

— Eu te amo. Me desculpe.

Dito isso, cravei a faca em minha barriga com toda a força que pude, sentindo uma dor excruciante me consumir e se esvair rapidamente. Tudo ao meu redor ficou enegrecido e a minha visão turva. Logo, fechei os olhos, como um retorno para a minha verdadeira realidade.

{...}

Tentei abrir os olhos, sentindo a voz de alguém ecoar por meus ouvidos. Eu não era capaz de reconhecê-la, ela estava distorcida demais para que fosse compreensível. Era difícil abrir os olhos, eram como se eles estivessem colados e eu sentia-me extremamente fraca. Meus braços estavam amarrados em alguma coisa acima da minha cabeça e o som que ecoava em meus ouvidos persistia. Senti alguém tocar em mim, me chacoalhando, e eu finalmente consegui abrir os olhos, mesmo que com dificuldade. Antes de olhar para a frente, olhei para o lado, visualizando uma bolsa de sangue. Aquele era o meu sangue. 

O djinn estava se alimentando de mim, e era por isso que eu estava tão fraca. Quando forcei a vista para ver quem estava falando comigo, me surpreendi. Era Dean. Eu decidi não perguntar como ele havia me encontrado enquanto ele e Sam tinham um trabalho duro para desamarrar os nós que me prendiam. Só depois de um minuto tentando eles conseguiram, e eu, fraca demais para andar, caí sobre os braços deles, sentindo que eu iria desmaiar de novo.

— Beth, aguenta firme — pediu Dean, colocando um dos meus braços ao redor do seu pescoço.

Sam colocou o outro braço ao redor do pescoço dele e ambos os Winchester seguraram a minha cintura, servindo de apoio para que eu mancasse. Eu mal conseguia manter os olhos abertos, eu estava extremamente enjoada. Caminhávamos pelo galpão e Dean e Sam me instruíam a ficar acordada. Diziam-me que eu havia perdido bastante sangue. Eu não conseguia prestar muita atenção no que eles falavam, mas definitivamente tomei um susto quando vi o djinn bem na minha frente, revelando suas órbitas azuladas e atacando Sam e Dean.

— Sam, vai! — ordenou Dean.

Sam, com certa relutância por ter que abandonar o irmão, me pegou no colo com facilidade e começou a correr até a saída. Eu ouvi barulhos de luta vindos do lugar onde estávamos. Um pressentimento ruim dominou o meu corpo, e eu queria poder ter forças para fazer algo e para ajudar Dean, que definitivamente estava encrencado, porém, quando estávamos quase chegando na porta do armazém, Sam aparentemente recebeu um chute, fazendo com que nós dois caíssemos e eu me chocasse contra o chão sujo e duro de madeira. Meus músculos doeram no mesmo instante e tudo que eu pude fazer foi emitir um grunhido.

Pisquei diversas vezes, enxergando tudo borrado e tendo dificuldade para visualizar a luta de Sam e o djinn. Entretanto, Sam surpreendentemente conseguiu nocautear o djinn e veio até mim, abaixando-se.

— Beth, você...

— C-cuidado — avisei com a voz fraca, apontando para o djinn atrás dele que estava de pé novamente.

O djinn puxou Sam, fazendo-o virar bruscamente para a criatura. Samuel foi erguido no ar pela gola da camisa que vestia e o djinn começou a enforcar ele. Tentando me reerguer, grunhi e pedi para que ele parasse, mas é claro que a criatura não me daria ouvidos. Sam estava morrendo, eu percebia que ele estava ficando sem ar só pelo quanto ele debatia as suas pernas. Eu conseguia ver com mais clareza agora, mas meus músculos pareciam não querer trabalhar para que eu me levantasse do chão. Quando tudo estava prestes a desmoronar, o djinn parou e eu vi algo sendo atravessado no corpo dele. 

A criatura soltou Sam e caiu no chão, revelando Dean, que havia enfrentado ele com, aparentemente, uma estaca. Sam recuperou o seu ar e Dean ajudou-o a se recompor. Logo, os dois Winchester já se aproximavam desesperados de mim, lançando-me milhares de perguntas.

— Você está bem? — indagou Sam, com o tom de voz fraco igualando-se ao meu por ter sido quase enforcado.

Não tive forças para responder, então apenas assenti com a cabeça do jeito mais compreensível que pude. Samuel colocou as mãos embaixo das minhas costas que estavam coladas ao chão, e Dean o puxou, impedindo-o de me levantar.

— Não, tudo bem. Eu levo ela. Você está machucado — ofereceu-se Dean, apontando para as queimaduras feitas no pescoço de Sam feitas pelas mãos do djinn quando ele havia tentado estrangular o Winchester mais novo.

 

Sentindo que eu ia desmaiar novamente, Dean realizou a tarefa, erguendo-me sem dificuldades e colocando-me em seu colo, como se eu fosse tão leve como uma pena. Ele puxou-me mais para perto de seu peito e eu me aninhei como pude. Sem perceber e carregada pelo Winchester, apaguei em seus braços antes mesmo de chegar no Impala, totalmente tomada pela fraqueza e perturbada por aquele doce devaneio. 


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Notas finais do capítulo

Muito tenso...
E então, o que acharam? Gostaram? E sim, Deus que apareceu é interpretado pelo Rob Benedict, o mesmo Deus da série.

Esse capítulo me deixou... Coisada. Se fez esse efeito em vocês também, então é porque o cap ficou bom (risos).

Última coisa: postei lá no tumblr da fic uma porção de gifs Deth (Dean & Beth) no estilo crackship. Se você não sabe o que é isso, é só clicar nesse link: http://fallen-fanfic.tumblr.com/post/146476834580/gifs-deth-dean-elizabeth
Olhe o post e você entenderá. Digam o que acharam desses gifs aqui nos comentários, okays?

É isso, babies. No próximo capítulo, veremos qual será o plano dos nossos queridos Sam, Dean & Beth para resgatar o baby Cassy.

Até lá! ♥

Meu twitter: http://twitter.com/winxchestwr
Meu ask, caso queiram fazer perguntas: http://ask.fm/novakswife
Tumblr da fanfic (atualizei a playlist e ela está um arraso!): http://fallen-fanfic.tumblr.com



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