Harry Potter e o Orbe dos Universos escrita por RedHead


Capítulo 51
O Dragão, A Taça e A Farsa


Notas iniciais do capítulo

Um beeeeem grandinho pra agradecer a paciência de vocês com meu note querido ♥ e por continuarem seguindo comigo aqui na fic, mesmo depois de tanto tempo. Amo vocês, gallere!



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Eles já deveriam estar voando a quase meia hora. O dragão havia se afastado de Londres o suficiente para que não se vissem mais casas ou qualquer construção em seu campo de visão, apenas um grande mapa verde amarronzado salpicado por grupos de árvores e o sol já estava dando sinais que iria se esconder atrás das montanhas no horizonte, e o ar rarefeito por onde o dragão deslizava cortava gelado a pele de Harry, principalmente as mãos que usava para agarrar-se firmemente as escamas enormes.

Respirando mais calmamente a cada segundo, inspirando profundamente o ar gelado, apesar de rarefeito, Harry deixou a mente vaguear pelas lembranças dos últimos dias, ocupados por reuniões onde eles procuraram contornar cada possível erro da invasão. Inicialmente, Harry tinha a ingênua ideia de que Carlinhos poderia conduzir o dragão de algum modo, guiando-o até Hogwarts como uma carona rápida e bem-vinda, mas esse pensamento foi descartado assim que foi passado a Carlinhos.

— Isso talvez fosse possível se o dragão em questão fosse treinado, e nós já tivéssemos uma ligação – disse Carlinhos, antes mesmo que Harry terminasse de explicar o plano – Mas não é o caso. Mantê-lo longe do nosso grupo, evitar que ele avance é uma coisa. Guiá-lo como um testrálio é outra. O mais sensato, se a fuga no dragão for nossa última opção, seria apenas nos agarramos em suas costas, e rezar para que já estejamos longe dos guardas quando o dragão perceber que tem passageiros... Isso se ele não nos confundir com um lanche.

— Se tudo der errado – disse Harry, olhando fixamente para Carinhos, procurando ao máximo ignorar a feição desesperada de Gui, ao seu lado – E a única opção para sairmos vivos for o dragão. O que deveríamos fazer?

— Seguir viagem com o dragão, procurando passar desapercebidos até que ele resolva pousar, e então, descer.

Uma súbita curva dada pela besta tirou Harry de seus devaneios e o trouxe de volta ao presente. O dragão pareceu ter encontrado algo que o interessava em algum ponto a sua esquerda, e para lá ele começou a se dirigir, cortando as nuvens claras pelo céu alaranjado. Harry não se surpreenderia se eles já estivessem viajando há uma hora, mas ele não estava se preocupando muito com seu destino final, ele só estava agradecido que todos estivessem bem e salvos, e que a pequena taça dourada estivesse bem presa guardada no bolso interno do casaco que estava usando.

Sua tranquilidade, no entanto, só parecia ser compartilhada com Carlinhos e com o próprio dragão, que plainava calmamente entre as nuvens, satisfeito demais com o ato de voar o mais longe possível de seu cárcere para se incomodar com seus insignificantes passageiros em suas costas.

— Carlinhos! – a voz de Tonks surgiu alta e desafinada de algum lugar atrás de Harry – Você tem alguma ideia de quando vamos pousar? Eu não consigo sentir meus dedos!

— Os dragões, assim como os pássaros, se orientam pelos campos magnéticos da Terra para se guiarem até onde querem ir, como seus ninhos ou as ilhas para acasalamento. – Carlinhos gritou de volta, virando-se ligeiramente para responder - Essa espécie é nativa da Escócia, e seus ninhos são concentrados nas ilhas Hébridas mais ao Norte, mas eles viajam para o sul durante o verão...

— Não pedimos uma aula de Trato de Criaturas Mágicas! – berrou Gui para conseguir ser ouvido em meio aos ventos.

— Ok, ok! – gritou Carlinhos de volta – Não temos como ter certeza, mas eu acho que é seguro dizer que existem duas opções. Ele deve estar indo para o norte da Escócia, muito mais ao Norte do que Hogwarts.

— E qual a outra opção? – perguntou Tonks.

— É improvável – Carlinhos gritou, ainda olhando para trás – Mas se ele pode voar para o Sul e seguir viagem até umas ilhas no leste da África. De qualquer modo, deveríamos descer quando perdermos altitude.

— Tipo agora? – perguntou Tonks.

Harry olhou para baixo por causa do comentário da moça e percebeu que as árvores, que antes pareciam minúsculas, já tomavam corpo e tamanho, enquanto o ar foi ficando gradativamente mais quente, e depois de passarem por entre um bando de patos migrando para o sul, ficou claro que além de altitude eles também estavam perdendo velocidade.

— O dragão deve ter sentido cheiro de água – gritou Carlinhos, apontando para um rio no meio de um vale, para onde o dragão se dirigia.

— Ótimo! – gritou Harry, se arriscando a perder o equilíbrio para virar-se para trás e falar com os outros – Vamos pular assim que ele baixar o suficiente.

A cada metro que o dragão perdia em altitude, mais nítida a paisagem se tornava, até que a besta desceu a ponto de plainar a poucos metros do rio, raspando as garras na superfície da água, deixando o reflexo da enorme barriga amarelo acinzentada cheia de cicatrizes, ondulando pela superfície da água.

— Agora!                                                                                                   

Harry garantiu que todos haviam saído das costas do dragão antes de deslizar o próprio corpo por um dos lados da fera, jogando-se no vazio em pé, até sentir a violência da força com que atingiu a água subir pelas pernas e englobá-lo, fazendo-o submergir vários metros antes de desacelerar e permitir que ele nadasse de volta a superfície, sem fôlego. Por sorte, o rio corria devagar, e Harry e os outros não tiveram dificuldades em nadar até uma das margens do mesmo, onde se jogaram contra o limo e os cascalhos, cansados e aliviados.

Apesar dos óculos encharcados, Harry foi capaz de ver o dragão continuar voando rente ao rio até ficar pequeno, do tamanho de uma fênix e pousar em uma das margens do rio, onde parou para beber água e descansar.

Só então Harry se levantou, com as pernas ainda ressentidas do impacto que teve com a água, e começou a lançar feitiços protetores ao redor de todos. Quando terminou, secou suas roupas do melhor jeito que pode, antes de desmontar na grama ao lado de Gui, que ainda estava encharcado, mas parecia muito contente de estar deitado naquele cascalho duro e cheio de limo, olhando para o céu que se dividia em tons de rosa e laranja, graças ao sol poente.

— Você realmente disse que não era impossível – falou Gui, antes de abrir um grande sorriso seguido por uma alta gargalhada infecciosa, e Harry sentiu os lábios se curvarem para cima, antes do riso incontrolável e nervoso sair da própria garganta, acompanhada dos outros, até sentir as costelas e o abdome doerem.

— E agora? – perguntou Tonks, enquanto limpava a trilha de lágrimas que desceu pelos seus olhos devido ao ataque de riso – Acampamos ou voltamos para o Castelo?

— Ainda temos pouco mais de uma hora de luz antes do sol se pôr – respondeu Remus, retirando o casaco que vestia e oferecendo-o a Tonks, que a aceitou grata, já que tremia sob a fina capa que vestia – É mais do que tempo suficiente para voltarmos. E quanto antes voltarmos, melhor.

— Que quer dizer? – perguntou Tonks, depois de vestir feliz o casaco grosso.

— Que não seria muito sensato andarmos por aí acampando e assando marshmalows em fogueiras sob a luz das estrelas agora que somos procurados. – respondeu Remus, sorrindo em direção da mulher – Não que não fossemos antes, mas...

— Não seria melhor descansarmos? – perguntou Carlinhos, olhando mais ao longe, onde o dragão havia chamuscado a grama antes de deitar sobre as cinzas – Poderíamos dormir, nos recuperar... E eu poderia dar uma olhada nos machucados do dragão.

— Não, precisamos ir agora – disse Harry, incisivo, o que assustou um pouco seus companheiros, não acostumados a vê-lo tão sério – Não vou impedi-lo se quiser tentar ajudar o dragão, sei que você conhece melhor dos riscos de tentar trata-lo do que eu – Harry se dirigiu a Carlinhos antes de voltar-se para os outros – Mas Voldemort já deve saber que o banco foi arrombado, e apesar de toda a bagunça que fizemos e todo o ouro derretido pelas chamas do dragão, não deve demorar até que os duendes contabilizem as perdas e descubram o que foi roubado. - Harry colocou a mão por cima do casaco que vestia, onde o pequeno calombo onde a taça fazia volume estava e suspirou pesadamente - Temos que voltar agora e tentar entrar em contato com os Malfoy o mais cedo possível. Não podemos mais esperar.

***

Harry, Remus, Gui e Tonks desaparataram a poucos quilômetros da estação de trem de Hogsmeade, no exato momento em que o sol começava a se esconder detrás das montanhas. Carlinhos havia decidido ficar com o dragão para tentar cuidar das feridas mais recentes da fera, ou pelo menos para garantir que ele conseguiria sobreviver sozinho, apesar de todas as adversidades. Gui tentou convencer o irmão a voltar com eles para o castelo, mas nada que ele falou fez que com que o mais novo mudasse de ideia.

— Ela precisa de mim agora – explicou Carlinhos quando Gui havia parado de falar para tomar fôlego – E eu não conseguiria dormir direito se não fizesse o que posso para cuidar dela.

Harry não conseguia imaginar um animal com menos necessidade de ajuda que um dragão, mas preferiu manter para si seus pensamentos e suas lembranças de Norberta, um dragão que Hagrid havia chocado e criado por algumas semanas em seu primeiro ano em Hogwarts.

A estação rodoviária era bem próxima do vilarejo de Hogsmeade, então eles não demoraram muito para chegar ao estábulo dos testrálios e organizarem rapidamente uma carruagem para leva-los até o castelo. Pessoalmente, Harry estava bastante satisfeito com os resultados da última missão e tudo o que ele mais desejava no momento era um demorado banho, mas a sensação de que Voldemort estava cada vez mais perto de descobrir o quanto eles sabiam estava começando a crescer em seus pensamentos.

— Então tivemos todo esse trabalho por esse copinho? – Sirius perguntou, observando ao longe a professora McGonagall analisar a peça.

— Mais respeito com as peças históricas dos Fundadores, senhor Black – ralhou a professora, finalmente erguendo os olhos da taça – Como pretende destruí-la, Harry?

— A espada de Griffindor – explicou Harry simplesmente, e a professora acenou positivamente, recostando-se em sua cadeira – O mais rápido possível, sei que ela se encontra nos aposentos do diretor.

— A menos que conheça uma outra alternativa, teremos que esperar Alvo retornar – explicou a professora, calmamente.

— Ainda temos as presas de basilisco, Harry – sugeriu Lottie, no fundo da sala – Elas devem servir, enquanto Dumbledore não volta. Por falar nisso, professora, a senhora sabe se ele deve se demorar?

— E onde ele está dessa vez – acrescentou Gui

— Narcisa mandou uma mensagem para o professor algumas horas atrás – respondeu a professora, retornando sua atenção para a taça de ouro.

— E o que minha digníssima prima queria? – indagou Sirius, erguendo a cabeça subitamente, como um cão que ouviu algum barulho.

— Deve ser algo muito importante – afirmou Gui, arrancando barulhos de concordância dos outros – Os Malfoy nunca se arriscam assim, a menos que seja por um motivo de vida ou morte.

— Lottie, tá tudo bem? – Harry perguntou para a irmã, sentada no braço da poltrona onde ele mesmo estava.

— Não muito – Lottie falou baixinho, abraçando o próprio corpo olhando de soslaio para a mesa da professora – Essa coisa me dá arrepios, pior que o colar. Vocês vão destruí-la agora?

— Seria o mais indicado – disse Sirius, contornando a sala para apoiar a mão carinhosamente na cabeça de Lottie. – Dumbledore não vai ligar se não esperarmos por ele pra começar a festa, não é?

— Acho que você tem razão – suspirou Harry, olhando de soslaio para a professora, que balançou a cabeça positivamente, encorajando-o.

— Ok – disse Lottie, pulando ligeira para o chão – Eu vou estar no jardim, se me procurarem.

— Não vai ficar? – perguntou Tonks, olhando preocupada para a amiga.

— De jeito nenhum – respondeu Lottie, com um riso nervoso – Já presenciei isso uma vez, e já me traumatizei pro resto da vida, Dora.

Rapidamente, Lottie esgueirou-se para fora da sala, fechando as pesadas portas de madeira atrás de si quando saiu. Aproveitando a deixa, Harry convocou o baú onde ele guardava as presas de basilisco que havia trazido da Câmara Secreta meses atrás, e retirou um dente particularmente longo de lá.

— Mais alguém quer se retirar? – perguntou Harry, segurando a presa com mais cuidado e dirigindo-se para mais perto da peça. – Isso não vai ser exatamente agradável.

— O que devemos esperar? – perguntou Remus.

— Gritos, promessas, mentiras – respondeu Sirius sombrio – Isso vai entrar na sua mente e vai mexer com ela, te prometer as coisas mais impossíveis, Aluado, e vai tentar te convencer a protege-la. É bem hardcore, do pior jeito possível.

Todos os presentes apenas assentiram e se acomodaram melhor onde estavam, e Harry tomou isso como uma resposta de que ficariam. A presa parecia terrivelmente viva em suas mãos e assim que ele a levantou sobre a taça, tudo começou.

A voz de Voldemort, alta e clara como se ele mesmo estivesse na sua frente, preencheu a sala de promessas e mentiras, jurando cumprir os desejos mais profundos dos presentes da sala, pintando seus sonhos e aspirações em detalhes, mas Harry não deixou-a se prolongar, findando com o pedaço de alma no segundo em que a longa presa alva perfurou friamente a horcrux.

Um grito, tão alto como um rugir de um dragão, pode ser ouvido antes que um líquido viscoso e cor de ferrugem vazasse pelo lugar onde a taça havia sido penetrada, e lá ele escorreu por alguns segundos até que evaporasse completamente, deixando apenas a taça dourada quebrada.

Aquela havia sido a primeira vez que muitos dos presentes viram uma horcrux ser destruída, e isso ficou claro com o silêncio mortal que precedeu o grito de terrível agonia que a peça proferiu antes de se quebrar.

— Isso foi definitivamente... – disse Tonks, com a voz fraca, limpando discretamente as lágrimas que escorreram em seu rosto.

— Intenso? – sugeriu Remus, e Harry não deixou de reparar que o homem levantou a mão para apertar delicadamente a mão de Tonks.

— Intenso é pouco! – Tonks respondeu com a voz ainda fraca, e Harry sentiu os lábios puxarem levemente quando viu que ela não soltou a mão de Remus. – Como você aguentou fazer isso tantas vezes?

— Era preciso – Harry respondeu um pouco envergonhado com os olhares de admiração que recebeu dos presentes.

Harry nunca soube lidar muito bom com a atenção e a reverência que sua fama trazia, e para tentar disfarçar seu desconforto, demorou muito mais do que o normal para guardar a longa presa de basilisco e mandar o baú de volta para seus aposentos.

— Então, talvez devemos procurar a Lottie? – Sirius quebrou o silêncio, e Harry olhou para ele muito agradecido – Avisar que já é seguro ela voltar a andar com a gente?

— É uma boa ideia – respondeu Remus soltando a mão de Tonks na mesma hora, levemente vermelho – Talvez um pulo na cozinha.

— Um bolo de chocolate realmente ajudaria a esperarmos por Dumbledore – disse Tonks, alisando a barriga que dera um sonoro ronco.

— Nos acompanha, Professora? – perguntou Sirius, galantemente oferecendo o braço para a professora McGonagall, que ignorou completamente o braço de Sirius.

— Um bom chá seria bem-vindo. Acrescido de uma generosa dose de uísque, é claro. – afirmou a professora, dirigindo-se até a saída de seus aposentos – Você não vem, Harry?

— Não – respondeu Harry, subitamente sério – Dumbledore voltou.

O garoto mal havia terminado de falar quando um vulto muito alto e comprido surgiu subitamente envolto por chamas verdes e brilhantes na lareira do escritório em que estavam.

— Harry, é hora – Dumbledore saiu da lareira espalhando cinzas por onde sua enorme e pesada capa arrastava. Ele estava vestido com roupas escuras e surpreendentemente discretas, e seus cabelos e barba estavam presos, o que deu a Harry um certo desconforto, aquela era a primeira vez que o garoto havia visto o diretor sem sua aparência excêntrica – A Mansão Malfoy está vazia. Tome, leve isso – Dumbledore entregou uma capa surrada e remendada para Harry, que jogou o tecido sobre os ombros sem pestanejar - O jovem Draco vai encontra-lo na Travessa do Tranco, em uma loja chamada Borgin e Burkes. Lá ele te dirá os maiores detalhes.

— Alvo, tenha calma – interviu a professora McGonagall.

— Não temos tempo para calma, Minerva, quisera tivéssemos – Dumbledore respondeu polidamente, antes de se virar novamente para Harry – Pegue um pouco de pó de flu, e vá ao encontro do jovem Draco. E tome isso. – o diretor pegou as mãos de Harry, colocando um pó reluzente e prateado em uma de suas mãos, e na outra colocou um objeto que se parecia muito com uma bombinha trouxa. – Se precisar fugir, pise em cima e diga “amarelinha”. Isso te levará para um local seguro, onde poderá descansar até que eu vá te buscar.

— Amarelinha, senhor? – Perguntou Harry, franzindo o cenho.

— Correto – Afirmou o diretor, muito sério, antes de suspirar e relaxar o cenho, encarando Harry com um olhar de profunda preocupação, que muito lembrava Lily e a senhora Weasley – Eu gostaria que tivéssemos tido mais tempo para planejamentos.

— O que tivemos foi o suficiente, professor – afirmou Harry, com uma certeza que ele mesmo não sentia – Sirius, se puder explicar aos meus pais e Lottie onde estarei...

— É claro – Respondeu o homem, ainda um pouco aturdido com a velocidade com que os acontecimentos passaram – Também nos seguraremos de manter a Lily no castelo até a sua volta.

— Obrigado – disse Harry, um pouco mais aliviado, entrando na lareira de onde Dumbledore surgiu, guardando o pequeno estalinho com muito cuidado no bolso da camisa que estava usando.

Dando uma última olhada no pequeno grupo reunido no escritório, Harry jogou o pó de flu na lareira e entrou com determinação nas chamas cor de esmeralda que o envolveu por completo antes que ele falasse alto e claramente:

— Borgin e Burkes!

***

Harry não sabia se o formigamento que estava sentindo na boca do estômago era devido ao nervosismo que estava sentindo ou pela viagem de flu. Ele havia aprendido muito bem, em sua primeira viagem de flu aos doze anos, que o melhor era manter os olhos bem fechados até chegar em seu destino, mas nem mesmo isso conseguia acalmar seu estômago, e isso o fez cerrar os olhos ainda com mais força, até que o chão se materializou debaixo de seus pés, tirando totalmente seu equilíbrio e forçando-o a se apoiar na primeira coisa a sua frente.

— Harry? – A voz de Draco Malfoy surgiu detrás de um enorme capuz escuro – Está tudo bem?

— Sim – disse Harry, erguendo-se e largando os ombros finos do outro garoto – Me desculpe, eu detesto viajar por flu, sempre caio.

— Tudo bem – A voz de Draco surgiu novamente por detrás das pesadas pregas de veludo escuro – Sinto muito que tenha tido de viajar desse modo, mas temos pressa. Dumbledore te explicou os detalhes?

— Na verdade, não – respondeu Harry, aprumando-se e olhando em volta, procurando ouvir e sentir alguma coisa, mas havia apenas ele e Draco no local – Não houve tempo.

— Muito bem, explicarei no caminho. Ponha o capuz e me siga, o senhor Burke já deve estar voltando, e eu não tenho mil galeões comigo para pedir que ele volte em dez minutos.

Obedecendo as ordens de Draco, Harry jogou o pesado tecido por cima da cabeça e o seguiu para fora do pequeno escritório onde eles estavam. O capuz era comprido, e filtrava quase toda a luz, tornando a simples tarefa de enxergar um pouco complicada, mas Draco conhecia bem o caminho entre as dezenas de estantes recheadas de objetos das Trevas até a porta antiga, que rangeu ao ser aberta para deixá-los sair.

Se aos olhos de Harry o Beco Diagonal parecia vazio e silencioso, a Travessa do Tranco nunca pareceu tão viva. Suas lojas, antes discretas e pouco frequentadas, agora fervilhavam de compradores com sacolas cheias de ovos de acromântula, fios de cauda de unicórnio, olhos de besouros raros, e Harry jurava ter visto um senhor muito trêmulo levar um perigoso chifre de erumpente.

— Vold...

— Espere! – interrompeu Harry, em sussurros, preocupado com a rua lotada. Era improvável que alguém reparasse na conversa entre uma dupla de capuzes entre tantas outras, mas ele preferiu não arriscar, levantando a varinha discretamente e murmurando – Abbafiato! Isso impedirá que nos escutem.

— Genial! – Elogiou Draco, e Harry sentiu um sentimento incômodo de estranheza ao ouvir a voz de Draco referir-se a ele com tal entusiasmo – Pois bem, como eu dizia, Voldemort descobriu o roubo em Gringotes. Não que vocês tenham sido discretos – riu Draco sob a respiração – Afinal, não é todo dia que vemos um dragão adulto voando pelo Beco Diagonal... Mas ele resolveu ir pessoalmente, quando os duendes notificaram o Ministério sobre quais cofres foram danificados no roubo. Minha mãe entrou em contato com Dumbledore assim que o Lorde e minha tia Bela saíram da Mansão Malfoy.

— Tem ideia de quanto tempo temos? – Perguntou Harry, costurando pela multidão, ficando cada vez mais incomodado com o número de pessoas carregando itens perigosos em plena luz do dia.

— Mais uma hora, talvez duas, se o Lorde estiver calmo – respondeu Draco, arrastando Harry para uma esquina um pouco deserta, com lojas mais discretas e produtos com aparência mais cara – Deve ser tempo suficiente.

— Espero que seja – respondeu Harry, muito sério ao perceber para onde Draco estava o levando – Aparatar em algum lugar menos movimentado chamaria menos atenção, não?

— Com certeza – concordou Draco – Mas queremos ser vistos. Precisamos de testemunhas que confirmem que você é meu prisioneiro, se não poderíamos causar suspeitas, e a Ordem não pode se dar ao luxo de perder a mim e meus pais como espiões.

— Então, qual é o plano? – Perguntou Harry, olhando em volta cautelosamente as pessoas seguirem em direção ao arco de pedra que levava ao Caldeirão Furado – Me render no pub, enquanto eu estou distraído, tomando um drink?

— É o melhor que conseguiremos, em tão pouco tempo – disse Draco, encolhendo os ombros.

— É o suficiente. – afirmou Harry, engolindo em seco – Quanto tempo terei até que você entre e me reconheça?

— Dez minutos exatos. Sente-se no bar, peça algo forte, de preferência, compre a garrafa – instruiu Draco, entregando discretamente uma pequena bolsa, pesada com o conteúdo que Harry suspeitava ser mais de cem galeões – Em dez minutos eu entrarei, sentarei do seu lado e te reconhecerei.

— Então vamos duelar, e com meus reflexos mais divagares pela bebida, você vai me estuporar? – perguntou Harry, perspicazmente.

— Peço desculpas adiantadamente – disse Draco, claramente envergonhado – Mas precisamos desse teatro, ninguém acreditaria que eu seria capaz de te capturar sóbrio.

Harry balançou a cabeça positivamente, concordando em silêncio rapidamente, antes de se afastar de Draco e seguir em direção ao Caldeirão Furado sem olhar para trás. O pub estava vazio, apesar do horário, com apenas duas mesas ocupadas e um bêbado adormecido em uma das pontas do bar.

Com cuidado para manter o capuz no lugar, Harry fez sinal para que Tom, o bartender, o servisse e que deixasse a garrafa. Com um movimento discreto com a varinha escondida sob a capa, Harry fez o líquido cor escarlate desaparecer antes que o pequeno copo tocasse os lábios, mas dando a impressão que ele havia tomado a bebida em apenas um gole.

Harry pousou o copo com mais barulho que havia planejado, mas ninguém pareceu reparar, e isso o acalmou um pouco. Deixando a garrafa encher seu copo novamente, ele percorreu os olhos até onde sua capa não escondia sua visão, e teve que se controlar para que seu corpo não o denunciasse ao ver seu próprio cartaz de procurado ao lado dos pais, Sirius, Moody, a professora McGonagall e outro professores de Hogwarts, e acima de todos, Dumbledore. Discretamente, ele puxou a capa para cobrir um pouco mais seu rosto, fingindo beber mais uma dose da bebida escarlate de cheiro forte. Desaparecer com o líquido no lugar de ingeri-lo pareceu ser uma ideia ainda melhor depois de virar o terceiro copo, caso contrário Harry tinha certeza que já estaria bêbado.

Mais dois copos e Harry começou a ficar impaciente. Talvez ele e Draco devessem ter combinado um espaço de tempo menor, esses dez minutos pareciam ser eternos. Refreando a vontade de bater os dedos contra a madeira, Harry ergueu o capuz um pouco, apenas o suficiente para conseguir observar os outros ocupantes do bar.

Aquela seria sua quinta dose, e enquanto a garrafa se erguia para encher seu copo novamente, a porta abriu estrondosamente, mas foi uma senhora muito baixa e magra quem passou pelo beiral, observando-o com uma curiosidade que o deixou desconfortável. Puxando o capuz de volta a ponto de tampar o nariz, Harry se perguntou se não estaria fazendo papel de tolo, confiando em Draco. Era bem provável que ele voltasse com aurores do Ministério, ou com o próprio Voldemort, não?

Balançando a cabeça levemente, Harry afastou os pensamentos conspiratórios, e forçou-se a perceber que ainda faltavam trinta segundos para que os dez minutos se completassem. Além de que, se ele havia aprendido alguma coisa, era confiar em Dumbledore. Quinze segundos, e Harry virou novamente o copo, depois de discretamente ter drenado o líquido. Cinco segundos, e ele se recostou no desconfortável banco de madeira do bar. A qualquer momento, agora. Quatro, três, dois...

A porta do Caldeirão Furado que comunicava Londres com o pub se abriu com o barulho de um sino, permitindo que um distinto cavalheiro entrasse. Harry levantou a cabeça ligeiramente ao ver Draco se dirigir até a cadeira ao seu lado, e sentar-se muito ereto, chamando Tom com um gesto florido.

— Jovem Malfoy, que honra – disse Tom, esbaforido, esquecendo-se do trapo sujo com que limpava um copo em sua mão – O senhor não costuma frequentar meu humilde bar. Em que posso servi-lo?

— Uísque de fogo, puro, cinquenta anos – respondeu Draco, afrouxando a gravata, sem nem ao menos ter lançado um olhar para Harry, sentado ao seu lado – Um Frank Merlô, se tiver. Se não, um Hoolinger está bom. Discretamente. – Ele frisou a última frase, deslizando dois galeões em direção a Tom, que desapareceu com as moedas tão rapidamente que Harry poderia ser convencido de que nada vira – Tive um dia difícil, e a última coisa que desejo são rostos conhecidos.

Uma garrafa empoeirada foi deixada em frente a Draco, junto com um copo que Harry não deixou de reparar que parecia muito mais limpo que aquele que foi oferecido a si. Satisfeito que não tivesse realmente tomado nada do copo sujo, e perguntando-se o que deveria fazer agora, Harry permitiu que a própria garrafa enchesse o copo sujo mais uma vez, mas antes que ele se decidisse em seu próximo passo, Draco virou-se ligeiramente para ele e perguntou, alto o suficiente para que Tom erguesse os olhos para prestar atenção na conversa.

— Você também parece ter tido um dia comprido – disse Draco, com a voz arrastada, sem ter nem tocado em seu copo meticulosamente limpo.

— Hm – Harry murmurou em voz baixa, sem se virar, procurando entender o jogo de Draco.

— Talvez eu devesse tomar o que você está tomando, parece forte. – Draco falou, jogando o conteúdo de uísque de fogo de copo no chão e oferecendo o copo para Harry – Posso? Hey! – Draco gritou passado alguns segundos, jogando o próprio copo no chão, quebrando-o – Quando um Malfoy se dirigir a você, você fala!

— Se eu fosse você, calaria minha boquinha e sairia do pub antes de perder alguns dedos – respondeu Harry com a melhor voz de bêbado que foi capaz de fazer, finalmente entendendo as intenções de Draco.

— Ora, seu verme insignificante – sibilou Draco, levantando-se de sua cadeira e aproximando-se de Harry – Ao menos sabe com quem está falando? Quem você pensa que é?

Harry sabia desde o início que seria desmascarado e exposto no pub, mas ainda assim se surpreendeu quando Draco puxou sua capa para trás, desnudando seu rosto. O Caldeirão Furado já estava bastante silencioso quando Harry havia chegado, mas agora ele tinha certeza que seria capaz de ouvir se um alfinete caísse. As duas mesas ocupadas ficaram subitamente estáticas, ele não saberia dizer se era medo de um duelo, ou se tê-lo-iam reconhecido. Entretanto, essa dúvida não se estendia a Tom, que olhava de Harry para o cartaz de procurado para Draco e de volta a Harry.

— Você! – sibilou Draco, sacando a varinha, sendo imitado por Harry, que propositalmente prendeu a mão nas vestes, antes de retirar sua própria varinha e aponta-la desajeitadamente a tempo apenas de desviar o feitiço que Draco lançou.

Harry desviou facilmente os feitiços seguintes lançados contra si, mas permitiu que o último passasse perigosamente perto do seu rosto, e despedaçasse o vidro empoeirado da janela do pub.

— Você acha mesmo que tem uma chance contra mim? – Debochou Harry, apoiando-se no bar e virando para Tom, que empalideceu ao perceber que Harry se dirigia a ele – A tia Bela dele não conseguiu me segurar, e agora esse mauricinho acha que pode comigo. Inferno!

Harry teve tempo apenas de sair de onde estava, ou seria atingido por uma saraivada de pequenas espadas, que por pouco também não atingiram Tom. Harry olhou alarmado para Draco, que encarava-o com um olhar furioso, que Harry não sabia mais dizer se fazia parte da encenação.

— Não use sua boca suja para falar da minha família, rebelde! – Draco falou entre os dentes, e jogou a garrafa de uísque de fogo na direção de Harry, com tanta velocidade que se tivesse atingido o rosto do garoto, certamente teria quebrado seu nariz. – Imundo, traidor-de-sangue, amante de sangues-ruins! – Draco continuou a arremessar tudo o que via pela frente em Harry, que apesar de estar conseguindo se defender e esquivar facilmente, estava fazendo seu melhor para que sua aparente embriaguez fosse convincente.

— Boca suja é a sua, comensal! – gritou Harry, lançando uma azaração em direção a Draco, que teve que se agachar detrás de uma mesa caída para evitar ser atingido.

Rapidamente, Draco saiu detrás da mesa em chamas e atacou novamente, mas seu feitiço foi novamente rebatido por Harry, que lançou outra azaração propositalmente passando por cima da cabeça de Draco, que revidava cada ataque, lançando os mais diversos objetos na direção de Harry, para o desespero de Tom, que via aterrorizado seu pub ser destruído pelo duelo aparentemente letal entre os dois rapazes, até que Harry viu uma cadeira em chamas vir em sua direção, e chamuscar o topo de seus cabelos quando ele se abaixou.

— O que... – berrou Harry, sentindo o coração palpitar e o cheiro de cabelo queimado além de uma súbita perda de equilíbrio. Como se o mundo estivesse em câmera lenta, Harry sentiu o corpo tombar para trás enquanto os olhos perceberam um antigo e puído tapete, quase da cor do chão sujo, voar levando consigo seus pés. A surpresa veio para o jovem como um soco no estômago, e ele sentiu seu corpo cair no vazio até que sua cabeça atingiu pesadamente o chão de madeira, e então ele não sentiu mais nada.


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Notas finais do capítulo

Grande e com um senhor cliffhanger! ai ai ai... E agora, o que vocês acham que vai acontecer?



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