Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 63
LV - A Verdade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/653186/chapter/63

LV

A Verdade


— Bem-vinda ao lar...? — a Menina perguntou a Annik, com um olhar desconfiado.

Annik, entretanto, não respondeu prontamente. Ela respirou fundo antes de dizer as palavras que a Menina mais esperava que ela dissesse desde que a conheceu:

— Já está na hora de eu lhe contar tudo. Tudo. Eu prometi a você logo antes de chegarmos aqui que eu lhe contaria.

— Tudo? — Os olhos de Alice brilharam de curiosidade e de surpresa.

— Tudo — Annik tornou a dizer, anuindo e sentando-se na mesma cadeira da conversa com Seth. — Sente-se também.

A Menina obedeceu prontamente, porém, não porque queria obedecer-lhe, e sim porque sentia que o que estava por vir era tão chocante que uma cadeira seria um item necessário.

Annik respirou várias vezes antes de finalmente começar:

— Tudo começou aqui — Annik começou. — Não aqui, neste lugar exatamente, mas aqui, com os Nômades. Eu, assim como você, também caí no deserto, sem ideia de onde estava ou para onde ir, apenas sabendo quem eu era, apenas com um nome na minha mente: o meu. Eu vaguei pelo deserto por muitos tempos até encontrar Os Nômades. Lembro-me bem: foi num cair de noite que eu os encontrei e me juntei a eles.

“Os Nômades são um grupo muito militar. Aprendi a usar armas aqui. Foi onde consegui isto”, ela apontou para o bastão de baseball em suas costas. “Mas depois de um tempo, eu decidi que não queria mais estar aqui. O silêncio, o estilo de vida quase pacato, mesmo com todo o militarismo, não me agradava. Eu tinha descoberto a Universidade, o Instituto, seja lá como chamam, e aquilo me interessou muito mais. Saber sobre o Mundo como ele é de fato, não apenas com a ótica dos Nômades, apesar de que eu nunca os considerei como certos ou errados. Então, no mesmo cair de noite em que eu cheguei, mas passados muitos tempos depois, eu fugi. Eu pensei que Seth iria mandar homens atrás de mim imediatamente, mas isso só aconteceu tempos depois, naquela noite em que você matou seu primeiro homem, e não foi para tirar satisfação comigo.

“Fui para a Universidade depois que fugi. Lá eu estudei sobre o Mundo e conheci Adam.” Alice arregalou os olhos ao finalmente ouvi-la mencionar aquele nome que tinha ouvido por tanto tempo. “Nós nos tornamos amigos, muito bons amigos. Terminamos os estudos e então fomos trabalhar para o Hasir, o Faraó. Desde aquela época, o Faraó era uma pessoa... complicada. Daquela época até hoje, ele não parece ter mudado nada; ainda age feito uma criança birrenta. Então nós resolvemos ir até o Imperador. Lá, Adam, eu, Isaac e várias outras pessoas que já morreram há tempos juramos a ele e criamos a Legião, que daria fim ao falso reinado do Faraó. Porém, a Organização, desde aquela época, ainda era muito ligada ao Hasir. Lutamos batalhas após batalhas, a maioria bem sucedida, até a última, quando muitos de nós, Legionários, morreram. Depois eles caçaram os Legionários que sobraram, e como a força deles era maior, a Legião não conseguiu resistir.

“Porém, quando isso aconteceu, eu novamente tinha partido, junto com Adam, mas sob outro juramento: o da Rainha. Ela prometeu me levar ao Fim, algo que eu sempre quis, além de ter a oportunidade de fugir da Organização. Em troca, ela pediu que eu...” Annik subitamente ficou vermelha, lágrimas encheram seus olhos. Ela tampou o rosto com as mãos e prosseguiu, com a voz embargada: “... que eu matasse o resto da Legião. Eu resisti a princípio, mas o meu desejo falou mais alto, e eu matei Adam.” Nesse ponto, ela parou e limpou suas lágrimas. Alice aproximou-se dela e pôs a mão sobre seu ombro, confortando-a. Tudo começava a fazer sentido, e Alice sentia cada vez mais pena de Annik. “Bom, eu pensei que eu o tivesse matado. Mas na época, eu acreditei que sim. Eu me arrependi disso e não prossegui com o resto da tarefa. Amarguei a morte de Adam e fiz um trato ainda mais arriscado com... com ele.”

— Ele? — a Menina perguntou, curiosa.

— Sim. Com Oneiros. Pedi para que ele retirasse de mim... tudo. Para não sentir mais nada, não sentir mais toda a dor de ter matado Adam, de ter lutado nas batalhas com a Legião, de ter fugido dos Nômades... Tudo. Como ele é o Príncipe do Sono, pediu que eu não mais dormisse. Pelo menos, não dormisse do jeito normal, como você dorme. Mas eu também me arrependi disso. É como uma anestesia sentimental. E não dormir era ainda pior, porque eu ainda continuava rememorando todos aqueles momentos ruins, apenas não reagia a eles da forma como eu costumava reagir. Eu continuei me sentindo mal, mas não um mal de tristeza, e sim, de crueldade. Senti como se eu tivesse sido enganada, porque aquela não era eu, então tentei desfazer o trato com ele, mas ele não aceitou. Então, a única coisa que eu tinha capacidade de fazer era dormir.

— Espera, mas você disse que não conseguia dormir, então como...

— Existem muitas formas de dormir, Alice, mas ele não tirou todas elas de mim. Oneiros é o Mestre do sono que você dorme. Então eu dormi, e por dormir, quero dizer um outro sono, não o que você dorme. Lembra-se quando quase morri no deserto de sal?

— Como esquecer? Eu fiquei desesperada, Annik.

— O que aconteceu comigo foi basicamente o dormir. Mas alguém me forçou a isso. Mestre David conseguiu apagar minha mente, por assim dizer, e eu dormi mais uma vez. Normalmente, para dormir, você mesmo deve apagar sua mente, não fazê-lo com ajuda externa.

— Se você dormiu de novo, por que mesmo eu falando o segredo pra acordar você na casa de Ahmed, você não acordou?

— Porque eu troquei o segredo. Você só conseguiu me acordar dentro da minha mente, algo bem mais complicado e que, sinceramente, nunca achei ser possível. Também não achei ser possível voltar a sentir. Antes de eu dormir, eu não conseguia sentir praticamente nada sem raiva, mas sinto que o meu tato para essas coisas está retornando. Mas não sei o porquê disso.

— Será que foi porque você dormiu? Ou porque eu entrei na sua mente?

— Pode ser. Talvez exista alguém que saiba. Talvez o próprio Oneiros saiba, mas eu não gostaria de encontrar com ele. Até porque ele não iria ficar feliz em saber que estou voltando a ter sensibilidade novamente. Ele iria se sentir lesado e iria querer tirar satisfação comigo. Talvez ele quisesse até mesmo me matar por ter feito o impossível: quebrar um trato com ele.

— E quanto àquela história de Seth, do Caos? Eu... Eu confesso que eu fiquei assustada com aquilo.

— Não dê ouvidos a ele, Alice. Você não entende sobre essas coisas.

— Pois eu entendi muito bem quando ele disse que sentiu isso e também disse que não tava fazendo bem pra ele.

— Por favor, não se preocupe com isso agora. Temos uma batalha pela frente, ao que tudo indica, e eu não quero pensar nessas coisas.

— Por que não?

— Pensar nessas coisas é como... é como pensar na morte. Eu tenho medo do que pode vir. Eu estou com medo dessa guerra que vai chegar até nós.

— Eu também tô com medo, Annik, por você. — Alice a olhava bem nos olhos.

Annik abaixou a cabeça e colocou as mãos sobre o rosto. Sempre que ela fazia aquilo, significava que ela não estava bem. A Menina já estava cansada de vê-la se sentir daquele jeito, então se aproximou dela e a abraçou.

— Annik — sussurrou. — Obrigada.

— Pelo quê? — a voz dela soava abafada, já que estava com as mãos no rosto.

— Por ter me contado tudo. Eu sei que você não iria contar isso pra qualquer um, então eu fico feliz de não ser qualquer uma pra você. — Ela terminou com uma breve risada.

Annik tirou as mãos do rosto, e para a surpresa de Alice, ela sorria. O sorriso dela era tão lindo que a Menina também sorriu de volta.

— Você com certeza não é qualquer uma — ela respondeu, ainda sorrindo, e a abraçou também. — Você é muito especial para mim, Alice. It utrat vus.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entropia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.