Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 52
XLVI - Tundra




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XLVI

Tundra


Se o Deserto era cruel com seus habitantes, a Tundra era ainda pior.


O Deserto não agredia seus servos com ventos que pareciam o estalar de um açoite. Seu vento era música — afinal, o sarlik não possuía esse nome à toa — e poesia perto daquele outro vento, gelado e pungente.

Andar sobre as areias não exigia o menor esforço como andar na neve. As areias eram como se fossem companheiras de viagem, sempre pegando carona com o vento e jamais deixando um viajante se sentindo sozinho, pois as areias sempre o seguiriam. Já a neve era como mãos gélidas e cadavéricas, sempre tentando engolir aqueles que pisavam sobre ela para o fundo da terra. Ela era como uma bola de ferro presa ao pé de um prisioneiro, dificultando seus movimentos. Também não tinha a liberdade das areias de viajarem: era água congelada num lugar congelado, o que as fazia reféns da Tundra para sempre.

A única coisa que tornava a Tundra um pouco menos insuportável era a noite. As noites do Deserto eram bonitas, mas a da Tundra era ainda mais. Ela ostentava suas as luzes do norte quase sempre que o dia se findava. Já o Deserto não tinha o mesmo privilégio de possuí-las.


O tempo que a Menina passou no Deserto lhe provou que ele era um mestre austero para com seus servos, porém justo. Punia aqueles que eram injustos e recompensava os de coração puro. Já a Tundra era um verdadeiro ditador, sempre procurando castigar tanto os malfeitores quanto os gentis.

A Tundra era uma prisão sem grades nem paredes. Para onde quer que olhasse, sentia-se oprimida e subjugada por aquele terreno ainda mais hostil que o próprio Deserto. Annik, no entanto, mantinha-se calma e seguia caminhando. Sempre seguia caminhando. Mas algo em sua postura havia mudado desde que ela acordara e vira-se fora do deserto. Não mais mantinha seus olhos firmes e a feição séria. Sua expressão era de alguém cansada. Até mesmo o modo como respirava demonstrava o quão exausta ela estava: ao invés de respirar pelo nariz, ela respirava pela boca, como se estivesse constantemente ofegante.

Aquele não era o lugar dela, e ela sabia daquilo. Estavam ambas pisando em território desconhecido e áspero. Annik, por mais que tentasse se manter firme, tinha plena consciência de que não estava em sua zona de conforto, e tentava caminhar de volta para ela. A Tundra, entretanto, gostava de ver o sofrimento alheio e fazia o possível para tornar a jornada de volta um sofrimento.

A Menina tinha pena de Annik, mas não tanto como costumava sentir antigamente. Era sempre doloroso vê-la em situações ruins, mas o tempo a fez perceber que Annik era resiliente a todas elas, até mesmo às mais insuportáveis. E mesmo com a Tundra importunando-a, ela ainda resistia.

A única palavra que Annik citou depois de terem saído da casa de Ahmed foi, na realidade, um nome: Seth. A Menina já tinha ouvido aquele nome antes, mas não se lembrava bem onde nem quando. Era um nome que um dia viveu em sua mente, mas tudo o que restava agora era seu fóssil.

Depois disso, Annik não falara mais nada. O vento também não ajudava. Ele era, além de lancinante, barulhento. De fato, uma ventania. E Annik iria permanecer um tempo sem falar, se as coisas continuassem daquela forma, pois o vento continuava cortante, o frio ainda era penetrante de congelar até os ossos e a neve ainda persistia em sugá-las para o fundo da terra. Contudo, as pegadas sobre ela não findavam e iam se estendendo até que deixassem de pisar em neve para pisarem em areia.


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