Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 51
XLV - Interesses Obscuros




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XLV

Interesses Obscuros


A porta do escritório da Rainha abriu com um estardalhaço, e Aaron irrompeu em seu escritório berrando:

— Senhora! Seu espião, Kurt, ele traz notícias... — Aaron olhou ao redor procurando a palavra correta, mas estava tão nervoso que apenas conseguia suar. — Notícias inesperadas, sim, inesperadas!

— Acalme-se, Aaron. Toda sua agitação está me incomodando — a Rainha pediu, tentando manter o mínimo de contato visual possível com seu conselheiro. A vermelhidão, o suor frio escorrendo pelas suas têmporas e as pupilas dilatadas a incomodavam e a faziam também se sentir em pânico. Um comportamento muito pouco aceitável para quem tinha a calma como maior aliada. — Mande-o entrar, por favor.

— S-sim, senhora! — o conselheiro bateu continência (algo desnecessário, mas perfeitamente compreensível dado o estado de pânico em que ele estava) e saiu. Ele voltou logo depois, trazendo consigo Kurt, o agente-duplo que ora trabalhava a favor do Faraó, ora a favor da Rainha.

— Então — a Rainha começou assim que o espião entrou na sala —, o que me traz de tão inesperado a ponto de deixar meu conselheiro de cabelos em pé?

Kurt sorriu, seus dentes brancos brilhando mais que as velas acesas pela sala. Seu sorriso era uma arma ainda mais letal que seu carisma. A Rainha, no entanto, sabia bem daquilo, e não haveria chances para que ela caísse em sua lábia ou em sua risada reluzente.

— Não são notícias novas, para falar a verdade.

— Então por que veio aqui?

— Você pediu que eu investigasse o caso da “menina sem nome” mais a fundo, e foi isso que eu fiz. Eu vim lhe trazer o que eu encontrei. — Ele mais uma vez sorriu. — Aparentemente, o caso é verídico. Annik realmente trazia uma menina sem nome consigo. Kra’vstanlas — ele deixou a palavra escapar num sussurro agourento que fez a Rainha se arrepiar.

A Rainha deixou uma careta de desgosto tomar conta de sua face. Não era interessante expressar sentimentos perto de pessoas com quem ela mantinha relações fluidas como as de Kurt, que poderiam se transformar de água para vinho. Mesmo assim, era ainda menos interessante ter um empecilho daquele nos seus planos. Por mais que ela já tivesse elaborado outros para contornar eventuais falhas, gostaria de seguir o original.

— Como você descobriu? — ela perguntou.

— Quando Annik foi pra Universidade e fez aquele alvoroço todo, a Administradora viu tudo, inclusive a acompanhante de Annik, e falou sobre o que aconteceu a um interrogador. Foi sobre isso que Oneiros alertou na festa. O Faraó ficou sabendo dos detalhes há poucos tempos e me contou tudo.

— Certo. — A Rainha crispou os lábios. — Vamos ter de seguir o plano secundário agora. Ou o terciário. O plano primário já teve duas falhas muito profundas que vamos ter de contornar futuramente.

— “Vamos”?

— Você é uma peça fundamental no meu jogo de xadrez, senhor Kurt. Você pode não saber do que se tratam meus planos, mas, falando metaforicamente, você pode não saber o porquê de um navio estar naufragando, mas se você estiver dentro dele, vai afundar assim como seu capitão.

— Então é bom que seus planos deem certo. Digamos que não tenho muito interesse em mergulhar em águas que não conheço.

— Você está em boas mãos, senhor Kurt. Sou uma capitã experiente na arte de velejar.

— Disso eu não duvido. Mas será que a senhora tem a capacidade de lidar com acidentes inevitáveis? Talvez nem mesmo sua experiência possa salvar você do afogamento.

— Meus planos podem comprovar que eu penso em quaisquer possibilidades de falhas. Para cada falha, possuo uma solução. Não há por que temer, senhor Kurt. Eu já disse a você uma vez que confiar em mim é importante e essencial para o plano. Desconfianças a essa altura vão apenas fazê-lo ruir. — Nem mesmo o discurso mais bonito e bem elaborado de Kurt poderia calar a Rainha. Ele era um homem inteligente e esperto, mas ela era mais. A Rainha, fazendo jus ao nome, era como a rainha do xadrez: a peça mais valiosa e com a maior versatilidade em movimentos. Já Kurt era como o rei: essencial para a vitória ou derrota do jogo, mas limitado a apenas uma casa em quaisquer direções.

— Tudo bem. — Kurt anuiu. — Realmente, a senhora está certa, como sempre. Apenas tenho dúvidas constantes sobre o que faço por você.

— Não se preocupe. Apesar de o plano ter tido falhas, nós podemos contorná-las. Além disso, essa menina sem nome talvez nem represente uma ameaça para nós. Se agirmos como estamos agindo atualmente, ela sequer saberá da nossa existência e não haverá perigo algum. Apenas temos que lidar com dois problemas: Annik e Adam.

— Adam? Você tá trabalhando com ele?

— Acho que eu poderia reformular a frase como “ele está trabalhando para mim”. E em troca de seus serviços, ele pediu Annik como recompensa.

— Ah, isso não vai dar certo...

— Certamente não, já que ela está morta. Por isso mesmo ela é um problema. O que faremos quando ele voltar? Não posso deixá-lo sem a recompensa ou lhe entregar um corpo sem vida.

— Mate ele.

— Estou seriamente considerando essa hipótese.

— É um sinal para que você a coloque em prática, senhora.

A Rainha apenas assentiu.

— Mas também não possuo a certeza de que Adam irá retornar da jornada. E se ele já estiver morto? Precisamos ficar de olho nele. Você tem... amigos na Organização, não é mesmo, senhor Kurt?

— Sim, senhora.

— Gostaria que você lhes pedisse para manter o olho em Adam. Eles podem não saber o paradeiro dele, mas eu sei para onde ele foi. Por mais que eu não queira trabalhar em conjunto com outros grupos de interesses contrários aos meus, vamos ter de pedir uma ajuda da Organização. Tudo isso sem que eles saibam dos seus interesses reais, é claro. Você vai trabalhar para mim como se estivesse trabalhando para eles. Vamos ter de compartilhar informações que antes só deveriam ser nossas, mas é um risco válido a se correr. Eu também gostaria que eles verificassem o lugar onde Annik foi vista viva pela última vez.

— Por que a senhora quer saber sobre o último lugar onde Annik foi vista viva?

— Bom, existe a possibilidade de que talvez, talvez — a Rainha frisou, levantando seu dedo indicador —, ela possa ter saído viva. Ela já enganou muitas pessoas, senhor Kurt, e não me surpreenderia saber que ela também enganou a morte. Quero ter a certeza, e torço para que ela tenha saído viva.

— É estranho ver pessoas torcendo por isso.

— Sim, mas é essencial para nossos planos. Não gostaria de ter de matar alguém que trabalha para mim, apesar de às vezes ser necessário, infelizmente. Mas os fins justificam os meios, não é mesmo, senhor Kurt? — Ela olhou profundamente em seus olhos.

— S-sim, senhora. — Ele arregalou os olhos, parecendo ameaçado. Vindo de um homem esperto e ousado como Kurt, aquilo era incomum. Para a Rainha, aquele foi um bom sinal. Um sinal de que ainda conseguia exercer influência mesmo sobre as mentes mais inteligentes e de que ela mesma não seria influenciada. — M-mas, senhora, e quanto a Oneiros, não seria ele uma ameaça também?

— Oneiros? Não. Pelo menos, não diretamente. Talvez ele interfira indiretamente, mas se tudo ocorrer como planejado, nem mesmo dessa forma ele conseguirá nos afetar. O problema de Oneiros é com Annik, e as fontes mais confiáveis indicam que ela está morta. Se ela não estiver, que é no que eu acredito, vamos ter de arrumar um jeito de mantê-la sã e salva de Oneiros até que Adam retorne de sua jornada e cumpra o que me prometeu.

— E depois?

— Depois ele pode fazer o que bem entender com ela e com Adam. Não será mais necessário ter de lidar com eles. Digamos que vamos... avançar de fase neste jogo. Uns movimentos aqui e lá, e estaremos a um passo do xeque-mate.


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