Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 4
III - O Observador




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/653186/chapter/4

III

O Observador

Escurecia.

Olhou para o céu estrelado. Ao longe, era possível ver planetas distantes, algumas nebulosas, talvez outras galáxias, mas não tinha certeza quanto a isso. Alguns eram ainda mais sortudos ou mentirosos e diziam poder ver outros universos apenas olhando para o céu. Mas nem mesmo o Leitor de Estrelas conseguia enxergar além dos meros astros brilhantes que acenavam a anos-luz de distância para ele.

O silêncio era sepulcral naquele momento. Pela manhã, a canção do deserto — sahaz, na língua incomum — e algumas poucas conversações eram ouvidas. Pela tarde, o sahaz ficava mais brando, apenas perceptível com muita concentração nos ouvidos. E de noite, o nada.

Mas o Faraó, o Leitor de Astros, não dominava a concentração com os ouvidos, mas com os olhos. Ele era, além de um Leitor, um Observador de Estrelas, Nixva Gaiser.

Os outros sentidos, quando ele praticava a sua arte, se apagavam como estrelas mortas, apenas seus olhos brilhavam como sóis. Então, o reluzir dos astros conversava e seus olhos traduziam para sua mente o que a língua estelar tinha dito para o kra'vstan.

As estrelas eram como crianças: inocentes, bondosas e carentes por atenção daquele ser maior que as contemplava, assim como um filho busca por aprovação do seu pai.

Todas falaram de uma só vez, como uma creche lotada de crianças. Mas a luz delas não se assemelhava com a voz fina e por vezes irritante de infantis, mas como um coral: agradável, deslumbrante, ritmada e emotiva. Suas luzes pareciam voz de tenores e sopranos numa ópera celestial, cada sílaba refulgindo num ritmo, como um espetáculo celeste, e o Faraó era o espectador, lendo cada cintilar que elas emitiam.

— o leitor dos astros deseja falar — diziam. — é grande nossa honra e prazer em poder responder as dúvidas daquele glorificado com o dom das estrelas. — As estrelas, em sua inocência tenra, eram sempre bondosas e solícitas àqueles que as procuravam.

— Àquelas que velam por nós durante todos os alvoreceres, penumbras e noites, o que vós tendes a dizer sobre vossas vigílias?

— aqueles que outrora estiveram em guerra, há muitos tempos, aparentam querer trazer as suas rixas à tona novamente. aqueles de quem o senhor bem se lembra estarão em breve segurando em armas novamente porque aqueles de quem o senhor mal se lembra estão acordando e querendo vingança. e aqueles de quem o senhor não se lembra também tomarão parte na peleja, pois eles, mesmo não agindo por desforra, querem justiça e, acima de tudo, poder. apenas um grupo sairá vitorioso ou nenhum, mas não cabe a nós decidir quem irá triunfar.

— Isso quer dizer que tempos de guerra se aproximam, sábias do universo?

— não apenas tempos de guerra. ouça bem o que temos a lhe brilhar, faraó.

— Que assim seja.

— a superfície do deserto está coberta não apenas de areia, nem a camada espessa de neve da tundra ou o pólen que cobre as flores da pradaria. pelo ar, Ela começa a se semear. com a grande rixa se aproximando, Ela, então, florescerá. e se nada for feito para impedi-La, então colherá o infortúnio de seus frutos.

— De quem as senhoras falam sobre?, eu pergunto.

— nós, as estrelas, não somos como vocês, que têm o hábito de nomear. vocês, no entanto, têm um nome para Ela. muitos nomes e alcunhas, para sermos mais exatas. Ela é quem trás a guerra no meio da paz, ou se aproveita do ódio gerado entre elas para se espalhar; Ela é o barulho efervescente no meio do silêncio; Ela é uma força que pode construir e destruir; Ela é o Caos, aquela que trará a desordem para a ordem. aquela que trará o fim para o que antes era interminável.


“Estamos ameaçados por duas calamidades: a ordem e a desordem.”

— Paul Valéry.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!