Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 38
XXXIV - A Reunião




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XXXIV

A Reunião


O corvo crocitava sem parar enquanto mexia as asas negras, e Jan, seu dono, o pegou e o colocou em seu ombro. O Faraó não pareceu aprovar a barulheira do bicho. Kurt, o mais novo Guia escalado pelo próprio Hasir com a aprovação do Grão-Mestre, não deu a mínima e continuou absorto em seus pensamentos. Outros Guias e até alguns Obatenva também se remexeram desconfortavelmente em suas cadeiras, outros pareceram sentir vergonha alheia e outros também não se importaram. O líder da Organização — agora Os Corvos — permanecia sentado, observando e percebendo cada um dos presentes dentro daquela sala. Seu rosto era coberto por uma máscara negra com bico de corvo para que ninguém pudesse lê-lo, e sabe-se lá o que passaria por baixo daquele disfarce ao observar aquele caos organizado. Mentes caóticas num ambiente relativamente organizado.

O Faraó juntou as mãos numa espécie de aplauso e quebrou aquele silêncio desconfortável:

— Então, senhoras e senhores, podemos começar a reunião, certo?

— Ainda faltam presentes — uma Guia respondeu. Era Laura, a Guia da Guerra. Era até retórico que houvesse um Guia destinado exclusivamente para a guerra num grupo que já era conhecido por sua beligerância. — Oneiros está ausente.

— Oneiros nunca fez parte d’Os Corvos! — Um velho de barbicha berrou quase raivoso. Era o Guia da Tortura, Vlad. Praticamente a mente por trás de todas as atrocidades da Organização. — É um aproveitador, só faz parte daquilo que lhe interessa e do que pode tirar proveito.

— Ele seria útil para nós — Jan admitiu, suas mãos entrelaçadas e o olhar pensativo, meio sonolento. — E o que temos preparado com certeza iria agradá-lo.

— Sim, mas temos muitos outros homens e mulheres úteis para nós! — continuou o velho. — Precisamos de algo rápido. Depois daquela bagunça na Universidade, Annik está se distanciando cada vez mais, assim como Adam!! Não vamos ter tempo para procurar Oneiros muito menos para persuadi-lo a participar do ataque. Mal sabemos se haverá tempo para matar os dois de uma só vez!

— Não iríamos precisar de persuasão alguma. Oneiros iria largar tudo o que tem para fazer, se é que ele tem algo para fazer, para poder ir atrás de Annik!

— Se não lhe agrada, senhor Vlad, poderíamos procurar pelos Nômades — o Hasir comentou calmamente, uma contradição ao modo raivoso do velho de falar, quase como um deboche implícito.

— Seth é um homem assim como Oneiros — o Faraó comentou. — É até pior, para falar a verdade. Mais imprevisível que Oneiros. Sem chances. Podem parecer estar do nosso lado, mas na verdade estão apenas pensando em si próprios. São “independentes”. — O Hasir fez aspas com as mãos. — Só estão com boas relações conosco porque eles também sentem rancor por ela, mas a partir do momento que não significarmos nada para eles, vão nos dar as costas.

— E Os Lobos? — Jan sugeriu.

— Povo da Tundra. São selvagens, loucos e não pensam racionalmente, aparentemente. Seria um risco procurá-los.

— A Rainha?

— Nem pensar — um rapaz jovem, de cabelo arrumado e rosto perfeitamente limpo, respondeu. Poder-se-ia pensar que ele era um rapaz de baixo escalão n’Os Corvos pela aparência jovem e temperamento às vezes imaturo, mas tratava-se de um Obaten, David, Príncipe da Mente. Seu temperamento foi um dos maiores fatores que o levou a se aliar à Organização, afinal, ou era aliar-se ou morrer pelas mãos dele. E David, sempre arrogante e egoísta, preferiu se aliar aos antes seus inimigos convictos. — Ela é uma mulher dissimulada, misteriosa e manipuladora. Vai saber o que está tramando neste exato momento.

— Ele tem razão — concordou o Faraó.

— Não vai adiantar procurar reforços em homens que não os nossos — a voz gravíssima do líder d’Os Corvos retumbou pelo salão como uma marcha militar, cheia de tambores, interrompendo os pensamentos e as frases que estavam querendo sair das bocas dos mais de trinta presentes. — Nossas respostas estão aqui nesta sala.

Ninguém ousou respondê-lo. Muitos, inclusive o Hasir, se remexeram desconfortavelmente em seus assentos. Todos temiam o que poderia acontecer caso respondessem algo que não fosse do agrado do Grão-Mestre. Ele era tão temido quanto o Faraó, só não o era mais porque não aparecia constantemente para o povo, então sua figura era um segredo e até mesmo desconhecida. Muitos nem mesmo acreditavam que a Organização era controlada por uma só pessoa, e sim pelos Guias.

— Annik é a mais perigosa. Uma verdadeira ameaça a todo o Mundo — o Grão-Mestre continuou. — Um Obaten e um Guia seriam essenciais para acabar com a existência dessa mulher de uma vez por todas. Contra Adam, não é necessário muito. Apenas alguns Encaminhados e um Guia para liderá-los. Quem você sugere para as tarefas, Faraó? — O líder d’Os Corvos não tinha rodeios com o Hasir, nem mesmo o chamando pelo seu nome no kra’vstan, mas até mesmo o Faraó deveria reconhecer seu temor pelo Grão-Mestre. Era sabido que Os Corvos tinham hábitos canibais, e o Faraó não iria gostar de servir de almoço para o Grão-Mestre apenas porque achou ruim o modo como o trataram.

— Jan me parece bastante decente para acabar com Adam, Grão-Mestre — a voz do Hasir pareceu falhar quase imperceptivelmente de medo, mas ouvidos atentos iriam perceber aquilo. — Os Encaminhados podem ficar à escolha dele. Quanto a Annik... tenho alguns nomes em mente, mas gostaria de saber sua opinião a respeito.

— Eu pensei em Vlad como Guia e, apesar de Oneiros ser a escolha ideal, não podemos usá-lo nessa tarefa, e infelizmente nenhum Obaten aqui aparenta ter as habilidades necessárias para destruir Annik. Talvez alguns aqui cheguem próximos disso, mas não a ponto de destruí-la completamente. Não seria bom para nós que algum de vocês morresse, portanto devemos escolher com cuidado.

— O que o senhor pensa de dois Obatenva ao invés de só um? — Kurt subitamente perguntou diretamente ao Grão-Mestre. Ninguém se atreveria a fazer tamanha ousadia de interromper o pensamento do líder d’Os Corvos nem de se dirigir diretamente a ele. Muitos arregalaram os olhos de surpresa por tamanha coragem ou burrice em fazer aquilo. Alguns cochicharam entre si sobre o que Kurt propusera. Apesar de que Kurt era o mais novo Guia da Mente da Organização, nem mesmo um Guia se atreveria a fazer algo como aquilo. O Faraó já estava visivelmente desconfortável com aquela situação.

— Dois Obatenva e um Guia, você diz?

— Apenas dois Obatenva seria necessário, senhor.

— Eu não me arriscaria a perder dois Príncipes de uma só vez, senhor Kurt — a voz dele continha uma pitada de ódio e impaciência para aquela insolência.

Dois Príncipes não vai ser um risco, senhor. Não se você escolher a combinação correta e estudar o alvo, no caso, Annik. — Kurt se levantou e passou a andar pela sala como se fosse o anfitrião. — Vocês pensam que Annik é invencível, senhores, mas ela é como nós: possui sentimentos, apesar de bem enraizados. Sabemos que a única fraqueza dela, seja lá qual for, é acessível apenas por Oneiros, mas eu garanto, senhores, que ela possui outras fraquezas. Outros... medos... — O olhar de Kurt pousou interessadamente na Princesa do Medo, Miranda, que até o momento estava silenciosa. Ela pareceu um pouco incomodada com aquele olhar interesseiro sobre si, mas depois sorriu ao perceber a oportunidade que ele lhe daria. — E o medo é a chave para a destruição, para entrar na mente, para controlá-la. — E agora Kurt olhava do mesmo modo interesseiro para David. — E então, ela estará destruída, ou melhor, apagada.

— E quem você sugere para essa tarefa, senhor Kurt? Se o senhor pôs-se a falar, imagino que tenha alguma sugestão em mente.

— A senhora Obaten Miranda e o senhor Obaten David serão a escolha perfeita para essa... tarefa... — Seus lábios se concentraram num sorriso maldoso para o Grão-Mestre. Houve uma aglomeração de murmúrios ao fundo, várias pessoas falando ao mesmo tempo. Algumas gritaram em reprovação, outros balançaram as cabeças em ponderação e outros assentiram em aprovação. Mas todos se aquietaram quando o Grão-Mestre prosseguiu:

— O que o senhor pensa da escolha do meu Guia, Faraó?

O Faraó foi pego desprevenido.

— Eu... acredito ser uma boa escolha. Faz sentido. — Ele pôs a mão no queixo, pensou um pouco e então danou-se a falar: — Obaten Miranda poderia descobrir os pontos fracos em Annik, e, aproveitando a fraqueza mental dela, Obaten David então iria causar o maior estrago. É arriscado, de fato, mas nós estamos falando de Príncipes-Mestres, não de qualquer um. Acredito, senhor Grão-Mestre, que as chances de sucesso são maiores que as de fracasso. A única coisa que duvido quanto a esse plano, Grão-Mestre, se me permite, foi que, quando pensei em propor uma solução para destruí-la, eu imaginei que fôssemos optar por soluções que estivessem mais próximas dos alvos. Não querendo desmerecer sua ideia, é claro, mas eu apenas acredito que não seja viável. Como eles vão alcançar Annik? Ela já está bem distante daqui.

— Esse será o menor dos nossos problemas, senhor Faraó, e também para os outros que acreditavam que isso fosse uma complicação. Já temos tudo preparado para isso, e eu lhes garanto: não apenas seremos capazes de destruir Annik como iremos também acabar com Adam. Foi por isso que eu mesmo decidi que nossas respostas estariam aqui na nossa sala, pois eu sei que não teremos nenhuma limitação quanto à distância. Minha única dúvida eram os candidatos, sobre quem seriam as melhores escolhas para essa tarefa, mas acredito que o senhor Kurt já nos ofereceu uma ótima alternativa e que o assunto esteja encerrado por agora. — O Guia se levantou, fez uma mesura rápida e saiu por uma porta aos fundos juntamente com alguns guardas pessoais.

Kurt deu um sorriso maldoso. Enquanto alguns brigavam, ele estava calmo, ascendendo cada vez mais sem o menor esforço. Conseguira um alto cargo n’Os Corvos e agora sua ideia tinha sido aprovada pessoalmente pelo Grão-Mestre. Se houvesse algo mais que pudesse querer, Kurt não sabia o que era. O Faraó também parecia estar satisfeito. Ele não dava a mínima para como a ideia iria ser executada — apesar de que perder Obatenva seria um golpe forte contra si mesmo —, mas com o resultado final. Se Annik saísse daquela emboscada morta, já estava ótimo. Os Obatenva escolhidos haviam se retirado juntamente com o Grão-Mestre, mas possivelmente estavam bastante contentes com o resultado também. Já o resto da massa presente não parecia muito dividido sobre a decisão. O que antes era um caos organizado agora se tornara uma balbúrdia completa, com gente gritando para tudo quanto é lado, apontando dedos em direção aos outros e já brigando com aqueles de opiniões divergentes.

Alguém encaminhava o Faraó para longe daquela cena antes que a briga começasse a recair sobre e ele e também antes que alguém tivesse a coragem ou a burrice de fazer algo estúpido contra ele. Os Obatenva restantes também se foram, não querendo se juntar àqueles sem-educação que brigavam de modo ainda mais mal-educado.

Mas Kurt não se foi. Ficou ali, sentado, com os pés sobre uma mesa de mármore e as mãos na cabeça, enquanto observava o caos generalizado com um sorriso nos lábios.


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